Resumen de la Ponencia:
Em 11 de março de 2020, a Organização Mundial da Saúde caracterizou a infecção por Sars-Cov-2 como uma pandemia. Em abril daquele mesmo ano, o primeiro caso de Covid-19 entre indígenas brasileiros ocorreu, infectando um jovem do povo Kokama, no interior do Amazonas. Em pouco tempo, a pandemia se alastrou rapidamente entre os povos indígenas. Considerando que o novo coronavírus trouxe uma preocupação a mais à extensa lista de lutas diárias dos indígenas no Brasil, buscamos compreender os impactos da pandemia nas dinâmicas alimentares dos povos indígenas no Ceará, com especial enfoque nas estratégias e mobilizações empreendidas por eles para mitigar situações de insegurança alimentar potencializadas pela pandemia. Para tanto, realizamos entrevistas, no ano de 2020, junto a lideranças indígenas dos povos Pitaguary, Anacé e Tapeba, cruzando os resultados com os dados da Federação dos Povos e Organizações Indígenas no Ceará (Fepoince), de modo a conferir um olhar ampliado sobre o tema. Como resultados, identificamos que a grave crise sanitária, social, alimentar e econômica configurada a partir da pandemia do novo coronavírus impactou sobremaneira os povos indígenas no Ceará. Em razão da necessidade de se observar o isolamento social, muitas práticas tradicionais de plantio de mandioca, milho, feijão, bem como a de pesca artesanal, realizadas de forma coletiva, tiveram que ser suspensas. A produção de alimentos e a comercialização, de porta em porta, desses produtos indígenas também sofreu impactos consideráveis, implicando em uma redução da disponibilidade de alimentos e de fontes de renda para os indígenas. Assim, observou-se uma maior dependência à doação de alimentos, que eram entregues às famílias indígenas em cestas básicas de produtos industrializados, caracterizando um padrão alimentar muitas vezes divergente ao dos indígenas. Em contrapartida, houve uma preocupação maior entre os povos Pitaguary, Tapeba e Anacé em relação ao consumo de alimentos mais saudáveis, para aumentar a imunidade, o que gerou um aumento nas trocas, entre as famílias indígenas, de alimentos cultivados nos quintais das casas e não nas roças coletivas, indicando ser essa uma estratégia interessante de manutenção da segurança e da soberania alimentar, mesmo em tempos de isolamento social. Se considerarmos que a alimentação é um sistema de relações em que se conectam elementos políticos, biológicos, econômicos, simbólicos, sociais e culturais, indicando que comer é bem mais do que suprir uma necessidade biológica, podemos concluir que os povos indígenas no Ceará, apesar da situação de vulnerabilidade potencializada pela pandemia, manejaram diferentes práticas, ações e estratégias para garantir sua segurança e soberania alimentar.