Resumen de la Ponencia:
Este trabalho tem por objetivo analisar a Política Pública de Habitação Social desenvolvida no Brasil fundamentada nas perspectivas do pensamento decolonial. Discutir a respeito do problema habitacional no país requer a compreensão dos mecanismos e dos processos da lógica desenvolvimentista capitalista que se reproduz nas cidades brasileiras. Trata-se de um modelo de desenvolvimento pertencente ao imaginário do pensamento colonial cuja lógica inserisse no âmbito do paradigma europeu modernidade/racionalidade e que nas cidades, acaba por reproduzir e radicalizar a separação dos espaços e grupos sociais. Assim, nas cidades brasileiras são presentes as práticas discriminatórias, opressivas e excludentes. Em linhas gerais, por pensamento colonial considera-se uma geo-política e política de Estado de conhecimento com base na história imperial do Ocidente e que se afirma como identidade superior em contraposição a construção de construtos inferiores baseados em aspectos raciais e patriarcais (MIGNOLO, 2008). A Política Pública de Habitação Social atuando nos moldes da racionalidade imperial/colonial, com seu clássico discurso de universalização do direito à moradia, acaba por amplificar as disparidades e as desigualdades no acesso à moradia digna, pois o “outro”, em geral, o pobre, o beneficiário direto, é subjugado durante todo o processo da implementação da política pública, restando-lhes poucas ou nenhuma participação nas decisões de seus destinos. Em geral, tem-se, dessa forma, a produção de conjuntos habitacionais produzidos em massas, com baixa qualidade construtiva, desconectados do tecido urbano, moradias inadequadas às necessidades das famílias, mas por outro lado, atendendo aos interesses do mercado capitalista global e seu modelo de produção de cidades “modernas”. Dessa maneira, neste trabalho, propõe-se uma abordagem da Política Pública de Habitação Social a partir do pensamento decolonial, o qual se propõe a pensar em uma geo-política e a política de Estado com base nas pessoas, nas religiões, nas línguas, entre outros, que de maneira geral, foram racializados, ou seja, tiveram a sua humanidade negada ao serem subjugados como inferiores (MIGNOLO, 2008). E portanto, é preciso romper com o pensamento moderno europeu abissal, que radicaliza e produz distinções (BOAVENTURA, 2009). Assim, as políticas habitacionais não podem continuar sendo desenvolvidas sob o aspecto da moradia, estritamente, com a garantia do bem imóvel, desconsiderando as vozes e as singularidades dos sujeitos envolvidos nos processos, ao priorizar um modelo de desenvolvimento global de modernidade/racionalidade. Para este estudo, faz-se uso de pesquisa bibliográfica a partir dos autores com contribuições para a construção de uma epistemologia decolonial na América-Latina. Palavras-Chaves: Decolonialidade, desenvolvimento, política de habitação.
Introducción:
Segundo Mignolo (2008), o pensamento colonial diz respeito a uma geo e política de Estado de conhecimento com base na história imperial do Ocidente, afirmando-se como identidade superior em contraposição a construção de construtos inferiores baseados em aspectos raciais e patriarcais. Nesse sentido, corresponde a uma hegemonia de conhecimento eurocêntrica e de modelo civilizatório modernidade/racionalidade.
O estudo sobre as cidades e mais especificamente sobre a habitação, requer repensar as estruturas de dominação e as categorias teóricas que legitimam o modelo de produção de cidades e das moradias na lógica do sistema capitalista. Estando, portanto, inseridas diretamente no âmbito do imaginário do pensamento moderno/colonial.
Assim, o modelo de cidades ideais perpassa pelo alcance da ideia de racionalidade, modernidade, eficiência, competitividade, entre outros. A moradia, seguindo a mesma lógica, deve estar voltada para os interesses mercadológicos. Com isso, tem-se a produção de conjuntos habitacionais produzidos em massas, com baixa qualidade construtiva, desconectados do tecido urbano, moradias inadequadas às necessidades das famílias. São as cidades e as moradias produzidas não para as pessoas, mas sim para o capital.
Dessa maneira, neste trabalho propõe-se uma abordagem da Política Pública de Habitação a partir do pensamento decolonial. Este se propõe a pensar em uma geo e política de Estado com base nas pessoas, nas religiões, nas línguas, e entre outros aspectos, os quais tendo sido racializados, tiveram a sua humanidade negada ao serem subjugados como inferiores (MIGNOLO, 2008). Portanto, é preciso romper com o pensamento moderno europeu abissal, que radicaliza e produz distinções (SANTOS, 2009).
Desarrollo:
1. A LÓGICA ATUAL DO MODELO DE MERCANTILIZAÇÃO DA PRODUÇÃO DAS CIDADES E DA HABITAÇÃO NO BRASIL.
Carlos (2017) aponta a produção do espaço como resultante da ação de agentes sociais inseridos em uma espacialidade e temporalidade determinadas. Dessa forma, os indivíduos produzem suas vidas no espaço e ao mesmo tempo esse espaço se torna a condição e o meio necessário para que as atividades humanas possam ser realizadas em sua plenitude. Assim, a produção do espaço é uma produção social.
Pelo exposto, pode-se inferir a produção do espaço como uma essência fundamental para o desenvolvimento da própria sociedade e, portanto, assumido duplamente dois aspectos “a condição da produção do homem e ao mesmo tempo em que é também seu produto” (VERDI; NOGUEIRA, 2017, p. 97 apud CARLOS, 2011, 2015).
No entanto, com o desenvolvimento das sociedades capitalistas a produção do espaço adquire novos contornos, novas formas e novos conteúdos. Nesse sentido, deixa de se constituir apenas como uma condição necessária para a reprodução da vida humana, para também e, principalmente, tornar-se um meio de reprodução do capital (LEFEBVRE, 2001).
Assim, a partir da separação entre os meios de produção e a força de trabalho, característica fundamental do sistema capitalista, a produção do espaço passa a ser mediada cada vez mais pela mais-valia e a busca pela acumulação de capital (LEFEBVRE, 2001).
E nesse sentido, a partir dos modelos de produção das cidades capitalistas, nas quais se sobressaem os interesses do mercado frente ao modelo de cidade produzida para e pelas pessoas, desenvolvem-se processos marcantes de exclusão e de segregação socioespaciais. Com isso, separam-se os espaços urbanos e os seus habitantes, passando a coexistir duas realidades díspares e conflitantes, marcadas por relações de poder desiguais (MARICATO, 2014).
De acordo com Rodrigues (2007) a desigualdade socioespacial é reflexo da produção do sistema capitalista, sendo, portanto, seu produto direto, vindo a se constituir, dessa forma, como uma condição permanente de desigualdade social.
No que tange à habitação, segundo Vilaça e Mora (2004), ao estar inserida no modelo de produção do espaço urbano, marcado pela lógica de mercado, no qual a moradia constitui um valor de troca, tem ajudado a reproduzir e amplificar o processo de exclusão social e econômico. Dessa maneira, um grande contingente populacional, principalmente, os segmentos mais vulneráveis economicamente, não têm tido acesso às condições adequadas de moradia. Ou quando são beneficiários, são inseridos em Políticas Públicas de Habitação que reproduzem e impõe um modelo de vida e de organização social, os quais seguem os parâmetros dos modelos de dominação e de exclusão socioespacial das sociedades capitalistas.
Rolnik (2015), também destaca o processo de financeirização da moradia, um fenômeno que tem direcionado o desenvolvimento das Políticas Públicas de Habitação, nesse caso, especificamente no Brasil, contribuindo para a intensificação de um processo de exclusão social das camadas mais pobres da população, quando não conseguem ter acesso à moradia. Ao mesmo tempo que contribui para a formação de espaços segregados e desprovidos de identificação com o lugar, por se tratarem, na maioria das vezes, de habitações produzidas em massa e sem a participação da população beneficiária.
Um grande exemplo no Brasil relaciona-se ao Programa Minha Casa Minha Vida (PMCMV), implantado no ano de 2009, o qual embora tenha direcionado suas metas para alcançar a população de maior vulnerabilidade social - a chamada faixa 1 do programa, com renda de até R$1.800,00 -, no entanto, para Rolnik (2015), o PMCMV significou um corte com a construção de um modelo de política habitacional diversificada, com base nas características locais e sob a gestão do controle social. Esses elementos haviam se constituídos, anteriormente, como palco de lutas dos movimentos sociais e da reforma urbana. Porém, foram os agentes privados que se tornaram o componente definidor da política de habitação, determinando não somente a localização, mas todo o desenho do projeto habitacional.
Nesse sentido, é possível, a partir desses processos de construção de cidades, e dentro dessas, os modelos de reprodução de vida impostos, entre eles, a habitação, perceber a existência de uma lógica de estruturas de poder. Com isso visa-se reproduzir os sistemas dominantes, diretamente ligados a sistemas de classificações e de hierarquizações, que nega o outro, o diferente, seja na condição econômica seja nos aspectos socioculturais e raciais, característicos do pensamento moderno/colonial. Isso evidencia-se, claramente, com os diferentes modelos de cidades e de moradias e os tipos de pessoas que podem ou não vivem em cada uma delas.
Em contraposição a isso, Lefebvre (2001) enfatiza que as cidades como sendo um local de contradição, não pode comportar projetos uniformizantes, os quais geram a despolitização dos conflitos urbanos, e mais ainda, fazem desaparecer a sua capacidade de criação e de reinvenção.
2. PENSAMENTO DECOLONIAL: ALGUMAS DISCUSSÕES IMPORTANTES
Partindo da concepção de Santos (2009), o pensamento moderno ocidental é considerado um pensamento abissal, pois comporta um sistema de distinções visíveis e invisíveis, nas quais estas fundamentam aquelas. Com isso, sua principal característica é a impossibilidade da copresença das duas linhas radicais que compõem o sistema de distinções invisíveis, composta por o universo ‘deste lado da linha’ e o universo ‘do outro lado’ da linha., visando, portanto, produzir e radicalizar as distinções.
Em contrapartida, Santos (2009) propõe o pensamento pós-abissal, o qual não seria derivativo, já que envolveria uma ruptura radical com o pensamento moderno ocidental/colonial. Nesse sentido, sua proposição considera a diversidade do mundo como inesgotável.
No pensamento pós-abissal abre-se espaço para desenvolvimento de uma ecologia de saberes, no qual se valoriza a diversidade cognitiva do mundo. Com isso devem ser consideradas todas as formas de pensamento existentes e não somente o modelo eurocêntrico de pensamento, construído a partir dos conceitos ocidentais e de seus modos de acumulação de conhecimento (SANTOS, 2009).
Mignolo (2008), propõe nesse sentido, a opção descolonial, aprender a desaprender o conhecimento tido com base no conhecimento ocidental de razão imperial/colonial[1]. Assim, a opção descolonial alimentaria o pensamento decolonial, a partir do qual muitos mundos passam a coexistir, e não somente os modelos eurocêntricos do sistema moderno racional/ocidental.
Dessa maneira, na opção descolonial a reprodução da vida é pensada a partir da perspectiva da maioria das pessoas do mundo, que tiveram suas vidas declaradas como dispensáveis, ou seja, aquelas cujas humanidade lhes foram negadas (Mignolo, 2008).
Contrariamente, o imaginário do mundo colonial resulta de uma complexa articulação de forças, no qual vozes são apagadas ou escutadas, há presença de memórias fracturadas ou compactas, além de histórias produzidas por e contadas por apenas um dos lados, assim como a duplicidade de consciência (MIGNOLO, 2008).
Nesse sentido, Mignolo (2008) fazendo uma crítica à razão colonial e ao conhecimento como forma de poder e de colonialidade, propõe a desobediência epistêmica, como forma de se liberar a diversidade dos saberes e ao mesmo tempo as contradições que os compõem.
Fala-se então em identidade em política em contraposição a política de identidade, pois nesta, as identidades são construídas como aparência “natural’ do mundo, enquanto aquela possibilita pensar em termos de teorias e de projetos de descolonização, rompendo com as grades da moderna teoria política baseada nos aspectos raciais e patriarcal (MIGNOLO, 2008).
Quijano (2005) também destaca o sistema de dominação mundial construindo a partir da ideia de raça, como forma de legitimar a colonialidade do poder, instaurando, um processo de classificação racial universal que se perpetua até os dias atuais. Dessa forma, não se poderia falar de modernidade sem colonialidade e a raça se constituiria como estrutura de dominação colonial. A colonialidade do poder é, portanto, marcada pela diferença colonial.
Desse modo, raça converteu-se no primeiro critério fundamental para a distribuição da população mundial nos níveis, lugares e papéis na estrutura de poder da nova sociedade. Em outras palavras, no modo básico de classificação social universal da população mundial (QUIJANO, 2005, p.108).
Nesse sentido, a modernidade produziria uma perspectiva e modo de produzir conhecimento que estabeleceria um padrão mundial de poder de características colonial/moderno, capitalista e eurocentrado. O etnocentrimo colonial conjuntamente com a classificação racial universal são os fundamentos que ajudam a explicar como os europeus foram levados a se sentir superiores em relação à população mundial, mas e, principalmente, a sentirem essa superioridade como um processo naturalizado (QUIJANO, 2005).
Em contrapartida, Escobar (2005) destaca a noção de lugar como ponto de partida para a construção de uma teoria da globalização. Assim seria possível evidenciar as epistemes que estão presentes no universo do local, e com isso pensar sobre a própria complexidade das formas de saber existentes no mundo. Portanto “o conhecimento local é um modo de consciência baseado no lugar, uma maneira lugar-específica de outorgar sentido ao mundo” (ESCOBAR, 2005, p.75).
Castro (2018) também enfatiza a importância do reconhecimento da pluralidade dos sistemas de conhecimento, assim como da diversidade da experiência social. Assim, “a reafirmação do lugar é também a visibilidade dos modelos culturalmente diferentes do hegemônico” (CASTRO, 2019, p.48).
No que se refere aos estudos de Bernadino-Costa (2016) sobre a decolonialidade, esta apresentaria como característica distintiva a produção do conhecimento e das narrativas a partir do lócus geopolítico e dos corpos políticos de enunciação. Trata-se de ir na contramão dos paradigmas eurocêntricos hegemônicos, na medida em que considera as vozes dos sujeitos subalternos como produtores de epistemologias.
Para tanto, ressalta a importância do pensamento de fronteira, como um projeto decolonial,
as fronteiras não são somente este espaço onde as diferenças coloniais são reinventadas são também lócus de enunciação de onde são formulados conhecimentos a partir das perspectivas, cosmovisões ou experiências dos sujeitos subalternos (BERNADINO-COSTA, 2016, p.19) “
Dessa maneira, não se trata de um pensamento essencialista ou fundamentalista dos indivíduos que estão as margens ou na fronteira da modernidade, mas ao contrário, devido justamente estarem situados nas fronteiras, permanece em constante diálogo com a modernidade, com a diferença de que são formulados a partir do pensamento dos subalternos. (BERNADINO-COSTA, 2016).
Partindo do mesmo entendimento, GROFOGUEL (2009) ressalta a discurso pensado a partir da perspectiva subalterna como sendo o compromisso ético-político em elaborar um conhecimento contra-hegemônico. E, dessa forma, o pensamento de fronteira se constitui como uma resposta epistemológica dos sujeitos subalternos ao projeto eurocêntrico da modernidade.
Há ainda que se falar sobre o conceito de desenvolvimento/modernização como uma categoria importante para o imaginário moderno/colonial. Suas bases são formuladas na perspectiva de crescimento econômico, pressupondo critérios de racionalidade, de produtividade e de eficiência, sob a retórica de promover o bem para todos. Mas que na verdade, prioriza um modelo de desenvolvimento que visa muito mais o acúmulo de riquezas e, consequentemente de mortes, na medida em que transforma vidas dispensáveis, aquelas consideradas desnecessárias e ainda obstáculos frente ao modelo de expansão, revestido de aspecto de modernidade (MIGNOLO, 2008).
Para Castro (2019, p.42), “o discurso do desenvolvimento aparece equivalente à construção do outro no discurso colonial”. Refere-se, portanto, a uma construção política e ao mesmo tempo ideológica, e dessa forma, um discurso de poder, de legitimações simbólicas e de relações sociais estabelecidas.
3. RESSIGNIFICANDO O CONCEITO DE CIDADE E DO DIREITO À MORADIA, NO ÂMIBITO DA POLÍTICA HABITACIONAL, A PARTIR DO PENSAMENTO DECOLONIAL
As discussões levantadas pelo pensamento decolonial, assim como as críticas ao projeto eurocêntrico de modernidade – este marcado fortemente por relações de assimetria e de poder, sistemas de classificações e de hierarquizações, a separação radical entre os visíveis e os invisíveis e padrões de desenvolvimento homogeneizantes – traz importantes categorias de análises teóricas para a ressignificação do conceito de cidade e do direito à moradia.
Sobre a cidade, esta tem sido construída fortemente sobre padrões desenvolvimentistas capitalistas que se configuram como modelos de racionalidade, competitividade, eficiência e modernidade, a serem seguidos por todos os países do globo. Insere-se, portanto, na lógica do paradigma eurocêntrico modernidade/racionalidade, a qual não promove um processo equânime no acesso e distribuição do espaço urbano.
Nessa perspectiva, as cidades passam a demarcar espaços excludentes e discriminatórios, com a separação radical entre os “com” e os “sem” direitos de tiverem nelas ou entre os habitantes de “primeira” e de “segunda” categoria. Aqui, é perceptível os processos de classificação e de hierarquização próprios do pensamento colonial, que separa os indivíduos considerados como superiores de um lado da linha e os inferiores, por sua vez, do outro lado daquela.
A colonialidade do poder a que se refere Quijano (2005) e o pensamento moderno abissal destacado por Santos (2009) são marcas visivelmente presentes na formação das cidades capitalistas modernas, reproduzindo e ampliando os processos de segregação socioespacial e a marginalização dos segmentos sociais menos favorecidos, os quais historicamente já são produtos de exclusão socioculturais e econômicos.
Partindo da perspectiva decolonial, é preciso superar a concepção desenvolvimentista capitalista no modelo de construção de cidades, que prioriza o capital em detrimento das vidas humanas, consideradas como dispensáveis, sob o discurso do bem comum. Portanto, pressupõe-se a opção descolonial, proposto por Mignolo (2008), o qual de fato objetiva uma economia orientada em direção à reprodução da vida e ao bem estar de todos, pois parte justamente, da perspectiva dessas pessoas que foram declaradas como indispensáveis pelo conhecimento ocidental de razão imperial/colonial.
Além disso, a Ecologia de Saberes (SANTOS, 2009) permite uma reflexão sobre a diversidade epistemológica existente no mundo, que deve ser reconhecida no processo de formação das cidades em contraposição a um modelo homogeneizante e padronizante. Trata-se, desse modo, da produção de espaços que muito mais do que priorizar os aspectos econômicos, considera como elementos fundamentais os modos de vida e as diversas experiências de mundo das pessoas. Com isso possibilita-se a copresença das práticas e dos agentes de ambos os lados da linha de forma contemporânea e em termos igualitários.
Já no que corresponde à política de habitação e o seu primado básico do direito à moradia, também se constitui importante repensar os processos teóricos que têm servido de base para a formulação da política pública habitacional. Estando inserida dentro de um contexto urbano, quando se trata, principalmente, de sua materialização nesse campo social, é diretamente afetada pelas estruturas e mecanismos econômicos, políticos, sociais, culturais e epistemológicos que influem sobre e nas cidades.
Nesse sentido, no âmbito dos estudos decoloniais são variadas as contribuições para a ressignificação das políticas de habitação como materialização do direito à moradia. Em primeiro lugar, faz-se importante repensar o próprio conceito de direito presente no ordenamento jurídico das sociedades modernas, cujas bases são fundamentadas, principalmente em aspectos materiais. E nesse caso, especialmente, a moradia entendida como a posse de bem materiais, a casa em si.
Assim, a ideia do direito à moradia é edificada sobre a concepção capitalista materialista, no qual a posse da propriedade torna-se um meio de diferenciação social, entre aqueles que a possuem ou não. Na lógica de concepção do pensamento colonial, isso é justificado, na medida em que, os processos de desigualdade se justificam devido a existência de sistemas de classificações raciais e sociais naturalizados, refletindo a colonialidade do poder.
Não se trata de negar a potência simbólica do termo direito, tão caro as lutas sociais que têm sido desenvolvidas ao longo do tempo por diversos movimento sociais. Mas sim de levantar discussões sobre qual tipo de direito têm sido edificada as bases para a construção de sociedades que de fato abarquem a política da diferença.
Outro ponto importante, presente nas discussões dos estudos decoloniais, que possibilita um novo olhar sobre o desenvolvimento das políticas de habitação, refere-se à reafirmação do lugar como ponto fundamental para visibilizar as pluralidades de saber existentes no mundo (ESCOBAR, 2005).
Isso choca-se diretamente com o modo como têm sido executadas as políticas públicas habitacionais e seus conjuntos de moradia popular produzidos em massa, de baixo padrão construtivo, inadequados às reais necessidades das famílias e localizações não integradas no tecido urbano. Mas por outro lado, voltados a atender aos interesses dos mercados capitalistas.
Com isso, reproduzem-se locais de moradias desprovidos de identidade, nos quais os habitantes não se reconhecem como sujeitos produtores de subjetividades e de conhecimentos. Por isso, é necessário na elaboração da política habitacional o entendimento sobre os saberes locais, e consequentemente, da multiplicidade de formas de vivência e de experiências sociais que esses indivíduos carregam consigo, como fatores intrínsecos desse processo. E dessa maneira, evitando os modelos de produção de moradias que em nada refletem as suas concepções de vida. Para Escobar (2005, p.48) “a reafirmação do lugar é também a visibilidade dos modelos culturalmente diferentes do hegemônico”
E por fim, mas não menos importante no âmbito dessa discussão, diz respeito a problematização da política habitacional formulada com base do conceito de Bernadino-Costa (2016) de corpos políticos de enunciação. A partir dessa concepção, abrir-se-iam espaços para as vozes dos sujeitos subalternos e do reconhecimento de suas singularidades. Com isso, pressupõe-se a participação efetiva dos beneficiários nos processos de decisão em todas as etapas de formulação e de execução da política pública de habitação e não apenas como tem sido realizado sobre a falsa aparência de participação social.
No âmbito do pensamento decolonial, esse lócus de enunciação vai de encontro aos paradigmas eurocêntricos hegemônicos e, dessa forma, possibilita a formação de conhecimento produzidos com base nas experiências, nas cosmovisões ou nas perspectivas dos sujeitos subalternos. Para a política pública habitacional, isso representaria diretamente um corte com o seu atual modelo padronizador e massificador, já que os sujeitos subalternos, que nesse caso, referindo à população de baixa renda, vista como “inferiores” de acordo com o pensamento moderno colonial, passariam a se constituir como sujeitos plurais e autônomos.
[1] construído a partir das línguas gregas e latinas, bem como das seis línguas imperiais da Europa, inglês, francês e alemão após o Iluminismo; e italiano, espanhol e português durante o Renascimento ( MIGNOLO, 2008)
Conclusiones:
Diante do exposto fica claro a importância de se repensar as categorias conceituais que incidem sobre as concepções de cidade, da política habitacional e do direito à moradia. O pensamento eurocêntrico hegemônico de razão imperial/colonial construído como um processo civilizatório, que nega o outro na sua dimensão intelectual e de sistema classificatório e hierarquizante, não pode servir de base para a formulação de políticas públicas que tem por objetivo justamente propiciar a igualdade a todos os indivíduos, seja no acesso a bens, a serviços ou a direitos.
Nessa perspectiva, o pensamento decolonial que se fundamenta nas experiências vividas e das identidades podendo ser plurais, visa romper como os binarismos, as vozes apagadas, as memórias compactas ou fracturadas e as histórias universalizantes presentes no imaginário do mundo colonial.
Portanto, neste trabalho, buscou-se levantar algumas considerações acerca da contribuição do pensamento decolonial no âmbito das discussões sobre as cidades e da política de habitação. Pode-se assim, apontar caminhos de reflexões teóricas que ajudam a ampliar o olhar e a repensar as propostas de políticas públicas, nesse caso, especificamente, a habitacional, bem como a construção de novos projetos de cidade que sejam diferentes do proposto pelo pensamento moderno/colonial.
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Palabras clave:
Decolonialidade, desenvolvimento, política de habitação.