Resumen de la Ponencia:
O artigo intitulado “Encarceramento de mulheres e racismo estrutural no Brasil em tempos de neoliberalismo e conservadorismo” [1], objetiva analisar o papel exercido pelo cárcere enquanto mecanismo de controle social pelo Estado na atualidade, com reflexões sobre os elementos de opressão e os construtos sociais que engendram o racismo estrutural, discutindo-se o papel exercido pela segregação social e pelos processos de seletividade penal na reprodução das desigualdades de classe, de raça/etnia e de gênero histórica e socialmente construídas na realidade brasileira. A metodologia utilizada consistiu em estudo bibliográfico e documental, com análises referentes ao período 2016-2021. Os resultados mostraram que o Estado assume um papel incisivo na reprodução do capital, bem como na produção da infraestrutura necessária à acumulação capitalista, inclusive por meio de seu aparato repressivo em tempos de neoliberalismo e conservadorismo. Por outro lado, o encarceramento feminino é perpassado pelas estruturas do racismo, aprofundando as expressões da questão social que afetam as mulheres, sobretudo, pobres e negras, moradoras das periferias urbanas, fortemente atingidas, dentre outras, pela superexploração do trabalho, culpabilização, negação de direitos, violências, desemprego, pobreza e extrema pobreza. A partir de 2016 esse cenário tem sido agravado com a ascensão da extrema direita ao poder, contexto em que se tem um recrudescimento do aparato repressivo, com profundos desdobramentos nas condições de vida, sobretudo, diante da crise do capital e pandêmica decorrente da Covid-19. O estudo mostrou a importância do desenvolvimento de políticas públicas efetivas a partir de um caráter interseccional, bem como das resistências e lutas antiprisionais, cujos aportes se articulam com a perspectiva da teoria crítica dos direitos humanos, tendo em vista a construção de mecanismos de enfrentamento das opressões engendradas a partir da hierarquização da vida social, como forma de desconstrução das estruturas do racismo, do patriarcado, do classismo e do sexismo, bem como de defesa da democracia e fortalecimento da cidadania.
[1] Trabalho desenvolvido com o apoio financeiro do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) - Chamada Nº 16/2020 – Bolsa de pós-doutorado Junior (PDJ) - Processo nº 150037/2021-0.
Introducción:
O racismo no Brasil é estrutural e engendra múltiplas determinações articuladas a outras estruturas de exploração e de opressão, a exemplo do patriarcado, tendo servido para a afirmação do projeto de nação adotado a partir de ações repressivas e higienistas, com a produção de uma hierarquização racial e social, que explora, oprime e violenta as populações historicamente subalternizadas.
A referida hierarquização social e racial faz com que mulheres negras sejam atualmente as mais afetadas pela violência, pela pobreza e extrema pobreza e pela ação repressiva do Estado por meio do cárcere. Nesse sentido, o artigo objetiva analisar a função exercida pelo cárcere na atualidade discutindo-se os desdobramentos da ação coercitiva e repressiva do Estado junto a essas mulheres.
A metodologia consistiu em estudo bibliográfico e documental, com análises referentes ao período 2016-2021. O estudo documental compreendeu o levantamento de dados sobre pobreza e extrema pobreza e sobre encarceramento feminino, tomando-se como referência documentos produzidos pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e pelo Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), respectivamente.
Os resultados mostraram que o Estado assume um papel incisivo na reprodução do capital, bem como na produção da infraestrutura necessária à acumulação capitalista, inclusive por meio de seu aparato repressivo em tempos de neoliberalismo e conservadorismo. Por outro lado, o encarceramento feminino é perpassado pelas estruturas do racismo, aprofundando as expressões da questão social que afetam as mulheres, sobretudo, pobres e negras, moradoras das periferias urbanas, fortemente atingidas, dentre outras, pela superexploração do trabalho, culpabilização, negação de direitos e violências.
Desarrollo:
1 O PROJETO NEOLIBERAL NO BRASIL E O ENCARCERAMENTO DE MULHERES
Em conformidade com Marx (1982) o sistema capitalista é sustentado por estruturas de exploração e de opressão visando a manutenção da propriedade privada e a reprodução dos lucros. Em conformidade com Marx (1982), os ciclos de crescimento e as crises estruturais do capitalismo estão ancorados na exploração do trabalho, com baixos salários e desemprego. Para Mandel (1982) o papel do Estado capitalista é o de reafirmar a sociedade de classes, visto que no capitalismo as ações políticas articulam-se aos interesses econômicos com múltiplos desdobramentos na esfera social. Na superestrutura, o papel ideológico exercido pelas instituições tem uma função de reafirmação dos interesses do capital.
O Estado capitalista em tempos de neoliberalismo e de conservadorismo apresenta-se incisivamente na perspectiva do autoritarismo e da repressão, ancorado no proibicionismo e no punitivismo. Em tal cenário as violências se tornam naturalizadas visando exercer o controle de corpos e mentes dos segmentos subalternizados da classe trabalhadora.
A ideologia proibicionista tem suas raízes no pensamento puritano norte-americano cunhado no incentivo à propriedade privada, à acumulação e à exploração, ao mesmo tempo em que resiste a qualquer elemento que possa trazer distração, recorrendo-se à ascese (WEBER, 2004). A materialização desse pensamento em legislações leva o Estado a interferir na vida privada potencializando a exploração da força de trabalho, o que se evidencia nos primeiros anos do século XX (ROCHA; LIMA; FERRUGEM, 2021, p. 160).
O neoliberalismo se constitui em um modo de regulação estatal que privilegia a esfera privada e o mercado (DARDOT; LAVAL, 2016). No Brasil o projeto neoliberal foi instaurado a partir dos anos 1990, com a adoção de ajustes fiscais, privatizações, flexibilização da legislação trabalhista, reformas previdenciárias, cortes orçamentários, dentre outros.
Considerando as suas particularidades e diferenças no campo político-social, na esfera econômica o viés neoliberal permanece como eixo norteador da ação estatal desde o seu ingresso no Brasil durante o Governo Fernando Collor de Mello, porém a sua afirmação e consolidação ocorreu nos mandatos de Fernando Henrique Cardoso, com o Plano Diretor da Reforma do Estado e as contrarreformas efetivadas. Apesar dos Governos Lula e Dilma terem adotado uma perspectiva progressista, com ações voltadas para o enfrentamento da pobreza e da extrema pobreza, o neoliberalismo permaneceu como eixo norteador das ações.
As ações de transferência de renda implementadas pelos governos de frente liberal na América Latina configuram o que Fraser (2017) chamou de neoliberalismo progressista, com a conjugação, por um lado, de ações voltadas para a distribuição de renda e pautas que aderem aos movimentos sociais, e, por outro, a adoção de medidas que reforçam a lógica de mercado, com a flexibilização de vínculos trabalhistas. Nesse sentido, o “neoliberalismo progressista fomenta o éthos da diversidade e do empoderamento de minorias, além da sustentabilidade ambiental, conferindo, por meio da formação de elites mais diversas, uma aura de emancipação a um sistema altamente desigual e punitivo” (ANDRADE; CÔRTES; ALMEIDA, 2021, p. 11).
Por outro lado, o neoliberalismo autoritário instaura-se no Brasil a partir do golpe jurídico e parlamentar de 2016 e da ascensão da extrema direita ao poder, com a adoção de medidas regressivas, cortes orçamentários nas políticas públicas e a criminalização dos movimentos sociais, sendo as ações estatais ancoradas na biopolítica, no populismo, no negacionismo e nos discursos de ódio, com a identificação com “os valores conservadores e de mercado em contraposição aos inimigos internos que ameaçam a ordem, convocando os militares a assumirem o papel de guardiões do modo tradicional de vida” (BROWN, 2019; SWYNGEDOUW, 2019 apud ANDRADE; CÔRTES; ALMEIDA, 2021, p. 11). Em tal cenário há um crescimento da pobreza e da extrema pobreza, aprofundada durante a pandemia Covid-19.
Em 2021 havia 103.927 homens e 108.651 mulheres em situação de extrema pobreza e de pobreza no Brasil. Em relação a raça esse perfil apresenta-se da seguinte forma: a) homens – 43.865 brancos e 59.122 pretos ou pardos; b) mulheres – 47.583 brancas e 60.026 pretas ou pardas. Em relação aos grupos etários, a pobreza e/ou extrema pobreza incide mais sobre a população entre 30 a 59 anos (88.030 pessoas) (IBGE, 2022).
De modo que as construções classistas, racistas e sexistas no Brasil afetam incisivamente as mulheres, reafirmando os papéis socialmente atribuídos aos homens, com amplos e profundos desdobramentos no trabalho, articulando continuidades que no pós-abolição interligam a senzala ao trabalho subalternizado e ao cárcere. Exemplo disso é o fato de que a maioria das trabalhadoras domésticas é negra, e o perfil das mulheres encarceradas é majoritariamente constituído por mulheres pobres, negras e periféricas.
Independentemente da forma que o neoliberalismo assumiu, tem-se ao longo de sua trajetória na realidade brasileira um recrudescimento do cárcere. Apesar das lutas sociais e das resistências na arena pública o autoritarismo do Estado burguês tem empreendido violências contra os segmentos da classe trabalhadora que se tornaram sobrantes na atual ordem neoliberal.
Em conformidade com o IBGE (2022, p. 62), a “análise do indicador de extrema pobreza mostra um agravamento em relação a 2020, com um crescimento de 2,7 pontos percentuais, que atingiu 8,4% da população em 2021. Este é o maior valor da série, que teve início em 2012, quando 6,0% da população era considerada extremamente pobre” (IBGE, 2022, p. 62).
Ao tempo em que há um recrudescimento do encarceramento de mulheres, o Estado atua fortemente atrelado aos interesses do capital, inserindo-se na perspectiva globalizada de flexibilização do direito do trabalho (DRUCK; DUTRA; SILVA, 2019), como forma de enfrentamento da crise capitalista.
2 ENCARCERAMENTO DE MULHERES E RACISMO ESTRUTURAL NO BRASIL EM TEMPOS DE NEOLIBERALISMO E DE CONSERVADORISMO
Há uma intrínseca relação entre encarceramento de mulheres na ordem capitalista e o recrudescimento do cárcere em tempos de neoliberalismo e de conservadorismo, sendo que o proibicionismo às drogas promoveu uma expansão do poder punitivo do Estado com a política de combate às drogas e a repressão à população pobre e negra.
O encarceramento de mulheres na atualidade insere-se na perspectiva de racionalização do trabalho no cenário neoliberal e conservador, onde há uma moralização e controle dos corpos femininos, utilizando-se do proibicionismo e do punitivismo como forma de controle social.
O encarceramento de mulheres apresenta particularidades que se articulam com o racismo estrutural e institucional diante das violências, discriminações e violações a direitos a que estas são submetidas (SANTOS; SILVA, 2022). Para Moura (1992), o racismo no Brasil é historicamente perpassado pela subordinação do/a trabalhador/a negro/a. Nesse sentido, considerando os marcadores de classe, de raça e de gênero, o encarceramento feminino apresenta significativos desdobramentos na vida das mulheres privadas de liberdade, considerando que estas são afetadas pelas estruturas do sexismo, do racismo e do classicismo, bem como pela precarização do trabalho na atualidade.
No atual cenário de crise do capital o proibicionismo articula-se à chamada guerra às drogas, com a construção ideológica do inimigo social, sendo as pessoas negras, pobres e periféricas estigmatizadas e colocadas em situação de risco a partir da própria ação do Estado, por meio de abordagens policiais e da produção de violências, muitas vezes letais.
No contexto norte-americano, internamente, os negros são colocados como os principais inimigos (ALEXANDER, 2017). Externamente utiliza-se da guerra às drogas para se fortalecer o ideário da Segurança Nacional, permitindo a imposição de poder dos EUA sobre países em processo de desenvolvimento, em especial na América Latina. Como se pode depreender o proibicionismo às drogas participa de tramas geopolíticas e geoeconômicas ao longo do século XX, conformando outra díade de sustentação (LIMA, 2009; DELMANTO, 2010) (ROCHA; LIMA; FERRUGEM, 2021, p. 160).
O Brasil segue alinhado às diretrizes do proibicionismo norte-americano, contudo, um dos principais pilares do encarceramento em massa no Brasil é o racismo estrutural, que perpassa as sociabilidades e as instituições (ALMEIDA, 2019; FLAUZINA, 2006; BORGES, 2019). A reprodução de práticas racistas tem uma importante articulação com o cárcere, sendo que no caso da prisão de mulheres, o racismo se expressa a partir da reafirmação das desigualdades que se apresentam na realidade concreta destas mulheres, nos campos político, econômico e social.
Para Wacquant (2015) o cárcere se constitui em estratégia de gestão da pobreza. Já para Alexander (2017) tem-se na atualidade uma segregação racial assentada no racismo estrutural, reafirmado pela ação do Estado no contexto neoliberal conservador, sendo que a seletividade penal e a guerra às drogas retroalimentam o autoritarismo brasileiro.
A configuração jurídico-penal do Estado brasileiro em tempos de neoliberalismo e de conservadorismo está voltada para a criminalização dos segmentos populacionais historicamente subalternizados (KILDUFF, 2020). Nesse sentido, a sustentação do sistema prisional, inclusive o encarceramento de mulheres, ancora-se na articulação entre racismo, autoritarismo e antagonismo de classe, “estruturando as práticas sociais e as matrizes discursivas da mídia, promovendo uma retroalimentação da necessidade de uma guerra que tem sido travada nos territórios brasileiros” (ROCHA; LIMA; FERRUGEM, 2021, p. 161).
O perfil racial das mulheres encarceradas no Brasil no período de janeiro a junho de 2022, apresenta a população prisional feminina da seguinte forma: a) branca (8.736); b) indígena (120); c) parda (13.042); d) preta (3.941), apontando que esta é constituída majoritariamente por mulheres negras. De modo que o encarceramento de mulheres no Brasil ancora-se fundamentalmente no racismo estrutural e no patriarcado como forma de manutenção dos interesses capitalistas e dos padrões de moralidade socialmente atribuídos ao gênero feminino (SISDEPEN, 2022).
A biopolítica tem exercido um papel de controle dos corpos femininos em consonância com os interesses da ordem do capital, que, em tempos de neoliberalismo, encontra-se perpassada pelas tecnologias de repressão e de morte, como forma de gestão da pobreza e da miséria produzida, bem como de manutenção das desigualdades. Nesse contexto, a política “passa a não incidir apenas sobre o espaço público, mas invade a esfera privada da existência e avança para a produção de subjetividades submissas às estruturas hierárquicas de poder” (ALVARENGA; ROSANELI; FERREIRA; LIMA, 2021, p. 3). Nesse sentido,
[...] a maioria esmagadora das mulheres presas por tráfico de drogas é composta por pequenas comerciantes ou mesmo por meras usuárias (fenômeno também observado entre os homens) e que não são raros os casos de separação violenta e ilegal dessas mulheres de seus filhos. Também não são raros os casos de mulheres que, presas durante a gravidez, ou perdem a criança por falta de cuidados médicos, ou dão à luz algemadas ou, ainda, no chão ou sobre sacos de lixo! (PASTORAL CARCERÁRIA, 2016, p. 7).
A biopolítica se faz presente nos múltiplos contextos, notadamente no encarceramento de mulheres, ancorado em discursos voltadas para a necessidade de manutenção da ordem, da moralidade e dos bons costumes. Trata-se de práticas de necropolítica (MBEMBE, 2016), as quais perpassa uma ação paradoxal que faz com que o poder estatal retire o valor da vida humana expondo-a a risco de morte.
[...] a política sobre drogas no Brasil está relacionada não apenas a um determinado modo biopolítico de fazer viver, mas também com práticas autoritárias de gestão do poder e de questões sociais que fomentam a desigualdade e a exclusão, as quais inevitavelmente incidem em decisões políticas e determinações institucionais que expõem à morte ou, até mesmo, em práticas de extermínio da população, em sua maioria jovens negros e pobres. Trata-se de uma forma de exercício do poder soberano onde a morte é um fator determinante para a manutenção do poder e a escolha biopolítica entre quem deve viver e quem deve ser deixado para morrer ou ser morto (MBEMBE, 2016 apud ALVARENGA; ROSANELI; FERREIRA; LIMA, 2021, p. 13).
O projeto de nação assentado no classismo, no racismo, no patriarcado e no sexismo, afronta os paradigmas da igualdade e da liberdade e reafirma os interesses capitalistas, sendo que o cárcere exerce um papel fundamental na retroalimentação das estruturas desiguais de classe, de raça e de gênero, histórica e socialmente construídas no Brasil.
O encarceramento em massa atrelado a um processo de seletividade no sistema penal, mostra a continuidade das práticas que unem a senzala ao cárcere, sendo que o Estado por meio de um caráter seletivo atua na perseguição dos corpos negros, de mulheres e de homens, sob a égide do racismo estrutural (PASTORAL CARCERÁRIA, 2016). Em tal cenário tem-se o juvenicídio da população preta e pobre, estigmatizada e marginalizada.
O aumento da população prisional feminina deriva, em larga escala, da assunção por centenas de milhares de mulheres pobres (quase sempre pretas) de postos de trabalhos precários e perigosos na cadeia de comercialização de psicotrópicos, tornando-as principal alvo da obtusa guerra às drogas, eis que mais expostas e, portanto, mais suscetíveis à abordagem policial. Bom lembrar que a maioria esmagadora das mulheres presas por tráfico de drogas é composta por pequenas comerciantes ou mesmo por meras usuárias (fenômeno também observado entre os homens) e que não são raros os casos de separação violenta e ilegal dessas mulheres de seus filhos. Também não são raros os casos de mulheres que, presas durante a gravidez, ou perdem a criança por falta de cuidados médicos, ou dão à luz algemadas ou, ainda, no chão ou sobre sacos de lixo! (PASTORAL CARCERÁRIA, 2016, p. 7).
Os desdobramentos ensejados pelo encarceramento se estendem às famílias, sendo importante ressaltar que diversos fatores interferem dentro e fora do cárcere e reverberam no cotidiano do sistema prisional, bem como na vida das pessoas em situação de prisão. Por exemplo, a revista com abordagens consideradas vexatórias quando da visita de familiares ao sistema prisional, contribui “para penalizar, torturar e humilhar familiares, geralmente mulheres, que viajam longas distâncias para visitar o ente querido preso, quando não são dissuadidas pelos próprios presos de enfrentar essa prática horrenda” (PASTORAL CARCERÁRIA, 2016, p. 8).
De modo que a realidade do sistema penal brasileiro é perpassada por um caráter patriarcal e racial que reverbera na violação a direitos e na não ocupação de espaços na esfera pública, diante da privação de liberdade. Por outro lado, mesmo após a saída do sistema prisional permanecem os estigmas sociais que dificultam as mulheres egressas se inserirem no mercado de trabalho e exercerem seus direitos.
No referido contexto, a agenda nacional pelo desencarceramento de 2014 empreendeu a defesa da adoção dos paradigmas do direito penal mínimo[1] visando restringir a pena de prisão, para que esta seja aplicada somente nas situações de maior gravidade, ensejando lutas em prol da abolição da pena de prisão “nos crimes de menor potencial ofensivo; nos crimes punidos com detenção; nos crimes de ação penal de iniciativa privada; nos crimes de perigo abstrato; e nos crimes desprovidos de violência ou grave ameaça” (PASTORAL CARCERÁRIA, 2014, p. 11).
A atual agenda nacional pelo desencarceramento das mulheres defende: 1) “Suspensão de verbas para construção de prisões”; 2) “Reduzir a população carcerária e os danos causados pela prisão”; 3) “Alterações legislativas para se limitar ao máximo as prisões provisórias”; 4) “Uma nova política de drogas”; 5) “Diminuição máxima do sistema penal e abertura para a justiça horizontal”; 6) “Ampliação das garantias da Lei de Execução Penal (LEP)”; 7) “Abertura do cárcere para monitoramento através de mecanismos com a participação da comunidade”; 8) “Jamais o Estado deve privatizar o sistema prisional”; 9) “Prevenção e combate à tortura”; 10) “Desmilitarização das polícias e da gestão pública” (PASTORAL CARCERÁRIA, 2021, p. 2).
Herrera Flores (2009, p. 30), apresenta as bases de uma teoria crítica dos direitos humanos, considerando que se “afirmamos que os direitos ‘são’ processos de luta pelo acesso aos bens porque vivemos imersos em processos hierárquicos e desiguais que facilitam ou impedem sua obtenção, a pergunta é: quais são os objetivos de tais lutas e dinâmicas sociais?”. Nesse sentido, são de fundamental importância as medidas de desencarceramento, com a efetivação da proteção social, considerando a intersecção entre os marcadores de classe, de raça e de gênero, visando o desenvolvimento de ações que contribuam para a desconstrução das desigualdades, garantia de direitos e efetivação da cidadania.
[1] O direito penal mínimo tem um caráter intermediário quando se compara o nível de intervenção do Estado na esfera penal em relação ao direito penal máximo e o abolicionismo Penal (RAZABONI JUNIOR; LAZARI; LUCA, 2017).
Conclusiones:
O ingresso do neoliberalismo no Brasil foi marcado por inflexões nas políticas criminais e penais, com a criação de um inimigo social: a pessoa pobre, negra e periférica. No referido cenário, a ação do Estado assentada no proibicionismo e no punitivismo promoveu um encarceramento massivo a partir do recrudescimento da legislação e de ações repressivas.
Em tempos de neoliberalismo e de conservadorismo, além do atrelamento da ação do Estado aos interesses capitalistas, tem-se o negacionismo e os discursos de ódio como elementos norteadores das ações públicas, que reafirmam as violências e a violação aos direitos de elevados contingentes populacionais, sobretudo mulheres, sem acesso a emprego e renda e em atividades informais e precárias.
O projeto neoliberal ampliou as desigualdades e acirrou o individualismo e a competitividade, maximizando os lucros auferidos pela classe burguesa, restando aos segmentos subalternizados da classe trabalhadora a segregação exercida pelas instituições penais. Nesse contexto, a criminalização de mulheres pobres, negras e periféricas reafirma a violência estrutural e institucional exercida por meio do cárcere, fazendo-se urgente a adoção de medidas de desencarceramento.
A criminalização das pessoas pobres, negras e periféricas se constitui em estratégia de invisibilização das desigualdades historicamente construídas na realidade brasileira com a manutenção da ordem hierárquica, de exploração e de opressão, exercida pelo capitalismo, pelo racismo, pelo patriarcado e pelo sexismo, com a reafirmação de uma sociedade injusta e desigual. Assim, faz-se necessária a adoção de medidas efetivas de desencarceramento, com o enfrentamento das estruturas de desigualdades e violências, bem como a efetivação de políticas garantidoras de direitos das mulheres e de suas famílias.
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Palabras clave:
Encarceramento Feminino. Racismo Estrutural. Neoliberalismo Conservador.