Resumen de la Ponencia:
O ensaio busca destacar a importância do tema do subdesenvolvimento como debate político na América Latina e, no Brasil, também como bandeira de lutas de Leonel Brizola (1922-2004) no período de 1945-1964. Apoiando-se em discursos e conferências proferidos pelo líder trabalhista brasileiro em 1947 e 1961, procuramos demonstrar como o tema do subdesenvolvimento, que aparecia nos discursos pelo debate sobre a pobreza e as condições de vida era mobilizador do debate político da América Latina e mobilizado por diversos e amplos setores sociais interessados em construir um discurso que pudesse se colocar de modo hegemônico na sociedade e no Estado. Neste espectro, Brizola nasceu politicamente tendo o combate ao subdesenvolvimento como bandeira e assim permaneceram até 1964, no caso brasileiro, quando os acontecimentos políticos do período interromperam a democracia, o mesmo se passando na América Latina em tempos diferentes, com a instalação de ditaduras em diversos países como Argentina, Uruguai, Paraguai, Chile e outros. Brizola, que foi uma importante liderança política brasileira no período, adotava a superação da dependência da América Latina dos países centrais, mais especificamente dos EUA, como bandeira de lutas, construindo uma plataforma política baseada na denúncia da pobreza e das péssimas condições de vida dos trabalhadores como consequências do subdesenvolvimento latino-americano, a quem atribuía responsabilidade por drenar os frutos do trabalho para os países centrais, traduzindo politicamente os conceitos construídos pela CEPAL de termos de troca, substituição de importações, dependência e outros, os quais ele dominava e eram tanto norteadores de suas intervenções como também a própria denúncia política em si, reforçando a hipótese de que o subdesenvolvimento e as condições de vida eram o principal debate político latino-americano para amplos setores da sociedade de então. É o que procuraremos demonstrar ao longo do trabalho.
Introducción:
O presente ensaio busca destacar o tema do subdesenvolvimento, uma das principais bandeiras de lutas de Leonel Brizola e que, em nosso ver, também era o tema central do debate político do período entre 1930-1945, ora aparecendo sobre a forma das “condições de vida”, ora como “espoliação”, como preferia o líder trabalhista gaúcho, mas sempre norteando a atuação política de amplos setores daquele período histórico.
Ao longo de sua trajetória, o tema da emancipação nacional acompanhou a luta política de Brizola até o fim de sua vida. Neste trabalho, veremos somente três passagens, uma de 1947, de quando ainda era deputado e outras duas, mais conhecidas, de 1961, já depois dos eventos da Campanha da Legalidade e, portanto, em uma posição mais radicalizada da luta política no Brasil.
Em todos os casos, o que une as passagens é o domínio que Brizola tinha destes conceitos e como eles eram tanto norteadores de suas intervenções como também a própria denúncia política em si, reforçando nossa hipótese de que o subdesenvolvimento e as condições de vida eram o principal debate político do período para amplos setores da sociedade de então. É o que procuraremos demonstrar ao longo do trabalho.
Ensaios, no entanto, são um modelo de trabalho científico que tem por finalidade apontar grandes panoramas de ideias, formular problemas, sem, contudo, esgotar o assunto, mais deixando questões em aberto do que as resolvendo e este não foge à regra. Em termos metodológicos, nossa intenção foi a iniciar o debate, abrir espaços para que pesquisas outras possam se aprofundar tanto sobre Brizola quanto sobre o desenvolvimentismo, que é praticamente uma linhagem política brasileira. Neste sentido, nos apropriando da definição de Barrington Moore Jr (1983), o presente ensaio se assemelha a um “mapa em grande escala”, que busca localizar o debate em uma teia de acontecimentos maior, abrindo caminho para outras pesquisas detalharem melhor o terreno que aqui exploraremos panoramicamente.
Daí a escolha dos três discursos aqui utilizados para explorar a visão de Brizola sobre o tema: todos versam sobre a questão das condições de vida, ainda que em momentos e com profundidades diferentes, nos ajudando a ver como tais ideias evoluíram junto com a atuação do líder gaúcho.
Por fim, importante destacarmos que, ainda que não tenham sido citados diretamente, os trabalhos de Brigadão e Ribeiro (2015), Marco Antonio Medeiros Silva (2015), Gilberto Vasconcelos (2005) foram consultados e, portanto, referenciados, pois são fontes importantes para se compreender o pensamento e a atuação de Brizola, entre muitos outros dignos de destaque.
Feita esta introdução, passemos ao estudo do objeto em si deste ensaio.
Desarrollo:
Brizola e as condições de vida: um projeto de nação para superar o subdesenvolvimento
Diversos e importantes analistas do pensamento e da atuação política de Brizola, além do farto material colecionado sobre seus discursos e intervenções, nos permitem acessar a obra política do líder trabalhista por diversos ângulos. Nossa intenção é enfatizar o debate sobre a pobreza e as condições de vida e como elas se articulam no discurso de Brizola , em muito porque era uma bandeira do PTB que ele próprio ajudou a elaborar, em partes porque a carestia era a “questão política” nacional naqueles tempos.
Octávio Ianni (1989) entende que, após a Revolução de 1930, o proletariado, que até então era tratado como uma “questão de polícia”, passa a ser encarado de outra forma, que o próprio Vargas resumiu na expressão “questão política”. Isso porque, no processo de formação e consolidação do capitalismo industrial tornou-se imperativo a inclusão da classe operária na dinâmica capitalista, na medida em que nela se concentrava a força produtiva necessária para impulsionar a indústria.
E é esta ideologia da “paz social”, da harmonia e da parceria entre capital e trabalho que moldará o pensamento e a ação de Estados e industriais nas relações com o proletariado, seja através da legislação trabalhista, do reconhecimento dos sindicatos e, principalmente, do salário-mínimo. Não sendo mais possível ignorar as desigualdades e a luta entre as classes desiguais, reforçar o modelo de parceria pacífica era fundamental para a consolidação do capitalismo industrial brasileiro.
No mesmo diapasão, Ângela Maria de Castro Gomes (1978), aponta que a Revolução de 1930 foi um marco na medida em que inaugurou uma nova era nas relações capitalistas, com o modelo industrial de acumulação ganhando a dianteira em relação à agricultura, reorganizando, também, a linha argumentativa e de ação da burguesia industrial na busca de seus interesses. A questão das condições de vida e seu enfrentamento já faziam parte, segundo a autora, da preocupação dos formuladores das teses políticas da Aliança Liberal, constando inclusive de seu manifesto, no entanto abordadas por um viés de naturalidade, de consequência da expansão capitalista. Após a chegada ao poder, fez-se necessário incorporar a parcela excluída da sociedade no nascente projeto hegemônico. (GOMES, 1978, p. 311).
Como se vê, portanto, as condições de vida e o subdesenvolvimento eram questões políticas correntes no Brasil daqueles tempos, iniciando os debates nos anos 1930 e seguindo pelas décadas seguintes, em muito pela atuação de Brizola e do PTB.
Sobre a formação do PTB e sua importância política para a formação de suas lideranças, Cánepa (2005) afirma que, desde sua fundação e ao longo do período de 1945-1964, o PTB do Rio Grande do Sul enraizou-se socialmente, a partir de lideranças como Jango, Brizola e outros, o que teria sido decisivo para que o partido no Rio Grande do Sul fosse a sessão mais destacada, incorporando as questões nacionais dentro das regionais.
Ainda, Miguel Bodea (1992) entende que Brizola não era um líder “populista”, mas uma liderança que, tal como o trabalhismo, transcendia sua formação partidária e eleitoral para se colocar como uma força social, indo além de sua liderança – e sua liderança indo além das questões políticas regionais (BODEA, 1992, p. 179). Em importante diálogo teórico com o conceito de populismo, que aqui trataremos apenas de passagem, o autor entende que a liderança de Brizola não se deu pela ligação direta com as massas, mas sim baseado em uma estrutura partidária forte e organizada que permitiu a Brizola se identificar e ser identificado com a própria ideologia trabalhista.
Por sua vez, Roberto Bitencourt da Silva (2011) entende que Brizola, Jango e outros políticos riograndenses do PTB tinham uma concepção partidária que, para além da representação das demandas políticas, incluía uma doutrinação política das massas aos valores e ideias por eles defendidas. O autor afirma que, até o golpe militar de 1964, o PTB e suas lideranças sempre mantiveram a defesa da ideia de reformas, ainda que cada uma de suas lideranças fizesse tal enfrentamento a seu modo e estilo: Jango com uma estratégia parlamentar, Brizola buscando a democracia direta (SILVA, 2011, p. 190-191).
Bodea (1992) credita ao positivismo e sua incorporação e adaptação pela ideologia trabalhista por meio de Brizola e de outras lideranças trabalhistas gaúchas é que abre espaço para que o tema das condições de vida do proletariado se torne uma questão política, sendo agregado aos discursos e análises políticas do período.
Sobre esta questão, Jorge Ferreira (2016), em importante obra (FREIRE e FERREIRA, 2016) – cujas análises vão ao encontro de parte dos argumentos que aqui lançamos no tocante às questão da bandeira do subdesenvolvimento, ainda que os autores caminhem mais pela atuação política de Brizola, enquanto nossa hipótese é mais voltada a reforçar o desenvolvimentismo como questão política chave do período e como uma das bandeiras do líder gaúcho – aponta que Brizola estava antenado com as teorias mais recentes daqueles tempos sobre as razões do subdesenvolvimento latino-americano, associando a pobreza dos países latinos com a exploração estrangeira dos grandes centros.
Liderando a ala mais radical do PTB, para Brizola o Brasil era um país dotado de riquezas, mas com um povo pobre (FERREIRA, 2016, p. 27), pois estaria estruturado de modo a produzir e a enviar suas riquezas para os grandes centros, atrasando, quando não impedindo, nosso desenvolvimento. Adotando a luta contra a espoliação, o modo como se referia aos mecanismos promotores do subdesenvolvimento, Brizola entendia que somente um projeto de reformas - as “reformas de base” - que alterasse as estruturas sociais e econômicas nacionais, fazendo romper com a exploração externa.
Colocada a questão do ponto de vista teórico, vejamos nos discursos do próprio Brizola como estes temas acima relacionados aparecem em suas intervenções políticas.
Combater o subdesenvolvimento: a bandeira de Brizola
Separamos para este ensaio três discursos, feitos em tempos e circunstâncias diferentes por Brizola, procurando evidenciar seus argumentos em relação aos temas aqui relacionados: condições de vida, pobreza, subdesenvolvimento. O primeiro deles, de 1947, de quanto ainda era Deputado Estadual pelo Rio Grande do Sul, em uma situação política tensa, mas ainda distante da radicalização dos anos 1960, o líder trabalhista já alinhavava os conceitos que acabariam por moldar a própria atuação do PTB enquanto partido.
Os outros dois, mais famosos, são conferências feitas a jovens da Escola Júlio de Castilho e para a Junta Acadêmica Regional do Oeste Paulista e Norte Paranaense, ambas em 1961 e depois dos eventos da Campanha da Legalidade e já apresentam argumentos mais consolidados e radicalizados, tendo como centro as reformas de base em debate naquele período e que eram o centro do programa do PTB, como vimos acima nas contribuições de Cánepa (2005), Bodea (1992) e Ferreira (2016).
A mensagem do discurso proferido na Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul em 1947, período de Assembleia Constituinte Estadual, é clara: não se pode falar em democracia se o povo vive na miséria.
Todos os estudiosos de nossos problemas sociais são unânimes em ressaltar o baixo padrão de vida, as dificuldades e a ignorância, em que se debatem as classes mais empobrecidas. Essas classes, Sr. Presidente, englobadas, constituem a imensa maioria do povo brasileiro, o que se pode constatar pela simples verificação do ridículo coeficiente médio de nosso poder aquisitivo. Ou então, se atentarmos para as nossas condições de saúde e para o analfabetismo, fácil é concluir que, dos nossos tão cantados 45 milhões de habitantes, possivelmente, em condições plenas para o trabalho, talvez nem sequer 3 milhões nos restem. E, então, Sr. Presidente, como deveremos encarar o conceito de democracia, numa sociedade de tal natureza? Apenas nos reservamos em dizer que toda a política não orientada para o reerguimento da grande massa do povo brasileiro, do pauperismo em que vive, portanto, orientada para as questões sociais, não é política da maioria e, portanto, não pode ser democrática.” (BRIZOLA, 1947, apud BRAGA et al, 2004, p. 343).
É digno de registro, ainda que o tema esteja contido na citação acima, a constatação de Brizola de que a conciliação trabalho-estudo dependia de “favoritismos” dos patrões, pois não havia regulamentação legal que permitisse aos jovens equacionar trabalho e estudo em condições que lhes fossem favoráveis, ficando tais arranjos na dependência “(...) da maior ou menor magnanimidade dos chefes de serviço”, ainda que a maioria dos jovens compusessem a classe trabalhadora, portanto, eram obrigados a trabalhar, ainda que em detrimento de sua própria formação. O resultado, a seu ver, seria a conversão de toda uma geração de jovens em pessoas “sem espírito de iniciativa”, como que roubadas da energia da juventude, toda consumida pelo trabalho. (BRIZOLA, 1947, apud BRAGA, ANO, p. 346 e seguintes). E encerra a reflexão com a pergunta final:
É justo, humanamente justo, patrioticamente justo, que somente a minoria, filhos da fortuna, cercados de todas as garantias, possa realizar as suas aspirações, e os filhos da pobreza somente o consigam, à custa de sua própria saúde, ou então, inexoravelmente, morram na ignorância? Esta pergunta, há longos anos temos repetido. Não será com essas bases que iremos edificar um regime de igual oportunidade, como constitui a democracia. (BRIZOLA, 1947, apud BRAGA et al, 2004, p.347)
As transcrições acima apontam para a hipótese de que as condições de vida eram uma questão política, na medida em que refletia a consciência de parte das lideranças políticas do período de que a pobreza e a baixa produtividade da economia nacional, as péssimas condições de trabalho, de saúde, de moradia, enfim, o conjunto da obra da miséria nacional não só era um impeditivo para nosso desenvolvimento, como também era uma questão geradora de tensões políticas e sociais que não podia mais ser ignorada.
Em outra passagem importante, que se deu anos depois da intervenção na Assembleia Legislativa gaúcha e depois da campanha da Legalidade – portanto, em um ambiente já mais radicalizado – Brizola (1961, apud BRAGA, 2004, p. 510), então governador do Rio Grande do Sul, proferiu uma conferência no Auditório do Colégio Júlio de Castilhos, em 20 de outubro de 1961, com o tema “Subdesenvolvimento e processo espoliativo – atraso, pobreza, marginalização”.
O título já aponta uma mudança em relação ao argumento anterior: se no discurso de 1946 a discussão aparece como “condições de vida” e em perspectiva genérica, em 1961, amadurecida a questão do subdesenvolvimento e dos efeitos da dependência econômica, o tema já aparece em sua roupagem política: subdesenvolvimento, atraso, pobreza, processo espoliativo, elementos causadores da carestia nacional, o problema nacional prioritário.
Depois de iniciar a conferência ressaltando a importância da juventude de se inteirar das questões políticas mais urgentes e de colocar-se em neutralidade em relação à guerra fria, entendendo que o Brasil tinha problemas seus e que mereciam maior atenção do que as disputas entre os polos de então, Brizola apresenta o tema sobre o qual irá discorrer na palestra: a pobreza:
Este é um imenso país, um dos maiores do mundo em território, senhor das maiores reservas naturais de que o mundo ainda dispõe, abrigando a maior população latina do mundo. Infelizmente, entretanto, também em pobreza e atraso alcançamos o superlativo: somos dos povos mais pobres do mundo. (BRIZOLA, 1961, apud BRAGA, 2004, p. 512)
Brizola constata e reforça o efeito mais nefasto do subdesenvolvimento nacional: o Brasil era um país rico que tinha um dos povos mais pobres do mundo, com o trabalho mais mal pago, analfabeto, miserável, que vivia em péssimas condições sanitárias e de moradia, faminto, despossuído. Mesmo tendo condições de abrigar parte importante da população mundial, não conseguíamos abrigar nem o povo aqui vivente, oprimidos economicamente pelas seguidas crises econômicas que empurrava o povo para a base da pirâmide social sem condições de emergir (BRIZOLA, 1961, apud BRAGA, 2004, p. 512).
Depois de discorrer sobre a importância, a seu ver, de pensar os problemas brasileiros sem se deixar levar pelas disputas políticas da guerra fria, ou seja, sem defender o liberalismo e nem o marxismo como solução para as questões nacionais, o líder trabalhista se propõe a utilizar mecanismos do socialismo, especialmente a função social da propriedade, justiça nas relações de trabalho, condenar o colonialismo e outros, que ele entendia serem “cristãos”, citando para reforçar esta posição a encíclica Mater et Magistra, de João XXIII, para combater a pobreza.
A partir de sua experiência como governador, estudando a situação econômica do Rio Grande do Sul, constatou que no Estado, não obstante se produzisse sempre mais, a vida do povo não melhorava em igual proporção, mas o contrário: o trabalhador só se empobrecia. Constatou também que se tratava de um problema nacional e, em limites mais amplos, da própria América Latina.
(...) Imaginemos o nosso país como se fosse uma grande represa de que a barragem se encontre com seu eixo passando pelo Rio Grande e São Paulo. As áreas dependentes desta barragem estão parcialmente inundadas e aqui, junto à barragem, um sistema de bombas funciona sem parar. (...) Junto à represa a região centro-econômica do Brasil – São Paulo e Rio, a parte mais profunda, onde maior é a reserva de águas. Naturalmente todos os córregos, todos os rios deste país correm para a imensa represa. Todas as chuvas que porventura se precipitarem, para lá se escoarão. E lá estão as bombas, trabalhando incessantemente. Sugando incessantemente. (BRIZOLA, 1961, apud BRAGA, 2004, p. 515)
Direto ao ponto e sem mais metáforas, Brizola expõe a tese: o modelo produtivo brasileiro e da América Latina foi construído para manter a dependência econômica dos países periféricos em relação aos centrais. E, sem “terracear” e “entupir os canais”, não haverá como alterar tal situação:
Meus jovens amigos – vamos resumir: disse-lhes isto para significar que, no meu entender, a estrutura econômico-política de nosso País está orientada no sentido do processo espoliativo. Vou além – e atentem bem para esta afirmação, que considero fundamental: nossa estrutura interna é consequência, é modelada, foi sendo criada insensivelmente para servir ao processo espoliativo internacional, é função do processo espoliativo assim como o fundo da represa foi sendo modelada num complexo de canais para servir ao abastecimento das bombas. Isto nos leva a uma segunda conclusão, ainda mais importante: enganam-se os que imaginam que conseguiremos vencer o círculo vicioso da miséria, realizar reformas de base, alterar nossa estrutura econômico-política interna sem tocar no processo espoliativo. (BRIZOLA, 1961, apud BRAGA, 2004, p. 516/517)
Constatado o problema, falta a solução, não sem antes o alerta de que enfrentar as estruturas do capitalismo mundial requer preparo político, na medida em que os países centrais não aceitarão de bom grado renunciar a estruturas que lhes garantiam a riqueza que faltava aos demais povos do mundo. Na visão de Brizola, o caminho eram as reformas estruturais que pudessem reverter o processo espoliativo sem se descuidar da reação que se seguiria das nações centrais, pois as grandes corporações teriam sobreposto seus interesses inclusive a seus países de origem, que não mediriam esforços, inclusive contando com apoio de políticos ingênuos e corruptos, para manter intactos seus negócios:
Eis o motivo pelo qual firmamos a impressão de que aquela grande nação, a federação de Jefferson e Hamilton, em lugar de ser, hoje, uma federação política, é mais na prática uma federação de corporações econômicas e financeiras. Aí está porque considero ingenuidade sonharmos com reformas, sem nos precavermos contra a reação. Para fazê-las, teremos de estancar o processo espoliativo. Ao prejudicá-lo, teremos atraído contra nós seu poderio – o poderio destas corporações econômicas que, a princípio envolvendo políticos ingênuos e corruptos do Brasil, terminará envolvendo políticos ou corruptos do mundo inteiro. (BRIZOLA, 1961, apud BRAGA, 2004, p. 518)
Uma última passagem da conferência conecta ainda mais os argumentos que procuramos demonstrar acerca de como o tema do subdesenvolvimento era presente no debate político nacional – e em prismas variados. Relatando toda a sorte de ataques que sofreu por parte das grandes corporações e de seus aliados internos, que o acusavam de ser “comunista” por conta de suas ações enquanto governador, Brizola apresenta um argumento já defendido anteriormente por outras lideranças políticas: a de que a pobreza era o principal fator de “promoção" do comunismo no Brasil e na América Latina.
A grande diferença entre nós e os que nos acusam está em que eles querem combater o comunismo com a polícia, com a violência, com a ilegalidade, com o desrespeito à Constituição e, portanto, com o terrorismo e com a mentira. Querem a implantação do atestado ideológico e querem, principalmente, através destas campanhas odientas, envolver e inutilizar todos os que apontam seus privilégios e querem um Brasil novo e livre. E nós entendemos que a melhor maneira de combater o comunismo está em resolver os problemas que nos afligem. (BRIZOLA, 1961, apud BRAGA, 2004, p. 521)
Insta esclarecer, a despeito da expressão “combater o comunismo”, que pode denotar um viés diferente do que o apresentado na conferência e nas próprias ideias de Brizola, que não era incomum que se abordasse a questão política da pobreza por um prisma não revolucionário ou mesmo não classista, seja pela força da ideia de “união” entre as classes, ou porque era uma forma de se defender da pecha de “comunista”, que em um ambiente polarizado como o de então poria fim ao debate antes dele começar – talvez ambas. Associam suas críticas ao mercado e ao liberalismo desregulado mais a uma posição “anticristã” do que propriamente a uma condição inerente ao próprio capitalismo. Era a doutrina da “paz social”, já aqui debatida pela obra de Angela Maria de Castro Gomes (1979)
Ainda, a incorporação do positivismo no trabalhismo, de acordo com Bodea (1992), também nos ajuda a compreender por que parte das lideranças políticas do período acreditavam na conciliação entre as classes para fazer avançar a questão social, tendo o Estado como mediador dos conflitos, que deveriam ser resolvidos de forma “racional”, com compromissos entre as classes e não antagonismo. O Estado, então, passaria a ser o instrumento de construção das políticas sociais e as classes deveriam buscar sua mediação, usando da racionalidade cientifica e não da disputa política para dirimir seus conflitos.
Em outra conferência proferida no mesmo ano, desta feita para jovens da Junta Acadêmica Regional do Oeste Paulista e Norte Paranaense, em Presidente Prudente/SP, em 25 de novembro de 1961, Brizola retoma o assunto do subdesenvolvimento, conclamando os jovens ouvintes a se levantarem contra a “espoliação” que “marginalizava e brutalizava” o povo, ressaltando sua visão de que a pobreza, o efeito mais nefasto do subdesenvolvimento, era o principal problema nacional:
Muito mais dramático é verificar que, se persistir o quadro atual, tenderá a crescer em razão do próprio crescimento da pobreza nacional o desperdício de vidas humanas que hoje ocorre em nosso País, com nítidas características de hecatombe nacional. Já se disse que o homem é a maior riqueza de uma nação. Que perspectiva poderemos ter, porém, se a nossa estrutura econômica e social continuar sendo o que hoje é: um atentado frontal contra os direitos do homem brasileiro à vida e à própria dignidade?! (BRIZOLA, apud BRAGA, 2004, p. 529)
Espoliação e pobreza, no raciocínio do líder trabalhista, são causa e consequência do subdesenvolvimento: quanto maior a espoliação, maior a pobreza, maior a miséria que o povo está inserido, maior a dependência econômica em relação aos países centrais.
Em outra passagem da conferência, Brizola expõe seu entendimento sobre o que seria o “processo espoliativo” que, já vimos anteriormente, é a forma como ele entende se dar o movimento de dependência e subdesenvolvimento dos países periféricos, especialmente dos da América Latina, cuja situação ele entender ser “semicolonial”. O mais importante a se notar das passagens é o modo como Brizola se apropria dos conceitos de subdesenvolvimento, dependência e outros sem a roupagem acadêmica na qual foram forjados, mas com a experiência e o sentimento político da importância de tais temas que reforçam o entendimento de que o debate sobre o desenvolvimento era, antes de tudo, um debate político, mobilizador de parcelas da sociedade.
Mas o que significa processo espoliativo? É um complexo de relações: umas perceptíveis, outras invisíveis. Ele pressupõe no país em que atua, a existência de uma estrutura econômico-social modelada à sua imagem. Nas nações como o Brasil a estrutura interna é dualista, isto é, ao lado de uma economia moderna, em contato com o exterior, subsiste, em larga escala, uma economia semifeudal que aprofunda suas raízes aos capilares do organismo nacional. Esse dualismo é um dos traços característicos de todas as sociedades subdesenvolvidas, submetidas ao processo espoliativo. Uma complementa a outra. E como age o processo espoliativo? Ele opera da seguinte forma: através da penetração de certo tipo de capital estrangeiro adquire o controle próprio ou remoto da faixa econômica mais desenvolvida. Como, porém, nesses países subdesenvolvidos os empresários industriais e comerciais, os empresários das grandes empresas e os proprietários de bancos, são também proprietários rurais e, em tais países, a sociedade rural típica é a latifundiária, temos que o capital estrangeiro embutido nas grandes empresas modernas é também um fator decisivo na manutenção do latifúndio. (BRIZOLA, apud BRAGA, 2004, p. 533)
Reforçando seus conhecimentos sobre conceitos complexos como depreciação dos termos de troca, dependência econômica e outros, Brizola segue na linha de que as reformas “de base” precisam se chocar com os interesses do capital externo, pois “(...) não se pode tocar na estrutura interna de um país subdesenvolvido sem afetar os interesses do processo espoliativo”, não havendo mais tempo a perder para tomar logo as medidas necessárias ao desenvolvimento, pois não seria mais possível “(...) aguardar com resignação, soluções de maturação a longo prazo” em termos de desenvolvimento (BRIZOLA, apud BRAGA, 2004, p. 534), provavelmente aqui, se referindo à tese de ROSTOW (1961) sobre o desenvolvimento econômico ser uma etapa temporal a ser alcançada pelos países periféricos e não construída por eles.
As constantes menções à América Latina como região explorada e aos EUA como explorador também nos ajudam a visualizar que Brizola tinha em mente os conceitos de divisão internacional do trabalho, de imperialismo e, principalmente, de como as nações centrais operavam para manter este status quo no qual seus lucros estariam assegurados acima de qualquer outra demanda.
Parece óbvio destacar no líder trabalhista o conhecimento de conceitos que eram muito debatidos nos anos 1950 e 1960 no Brasil, mas esta é exatamente a questão que queremos ressaltar: protagonista do debate político daquele período, Brizola mobilizava os conceitos que eram debatidos socialmente e aos quais ele ajudou a construir e consolidar politicamente, buscando aprofundar a contradição então latente entre executar ou não um projeto nacional-desenvolvimentista.
Ao contrário de muitas visões que argumentam que nosso desenvolvimento político e social deu-se por meio de um eterno arranjo conservador entre elites, ver Brizola trabalhando politicamente estes conceitos, um debate que se iniciou nos anos 1930 e ganhou corpo até se converter na causa do golpe militar de 1964, demonstra, a nosso ver, que não só havia uma luta política na sociedade como ela se dava entre termos ou não um projeto de desenvolvimento que rompesse com as amarras que nos mantinham na condição “semicolonial” a qual denunciava.
Uma última passagem, de um longo debate no Congresso Nacional envolvendo a questão da espoliação, demonstra bem o quanto o tema era caro a Brizola e ao debate político nacional de então:
Concluo então as minhas palavras para dizer a este Congresso que, com a sua vontade ou contra a sua vontade, com as resistências ou sem as resistências das maiorias reacionárias e insensíveis que aqui tem assento, as reformas vão sair e o nosso País vai se libertar da espoliação internacional. Se os governantes e legisladores, os responsáveis pelos nossos destinos, continuarem indiferentes, insensíveis, como até agora, comprometidos, - porque não dizer? – com esse quadro de desgraça, de espoliação e de domínio estrangeiro, então, inexoravelmente, como está escrito na Carta de Vargas, o nosso povo há de fazer tudo isso em nome dos seus destinos, dos destinos eternos da nacionalidade, pelas suas próprias mãos e iniciativas e eu, como milhões, estarei ao seu lado. (BRIZOLA, apud BRAGA, 2004, p. 613).
Ao longo de tantas passagens, procuramos demonstrar o quanto o tema do subdesenvolvimento ganhou corpo na política nacional, mobilizando os debates políticos do período. O fato de Brizola, uma das mais destacadas lideranças políticas de então, ter encampado não só o discurso, mas tê-lo convertido em sua bandeira de lutas e de atuação, só reforça nossa hipótese de que as condições de vida, da carestia e dos caminhos para o desenvolvimento brasileiro por meio da execução de um projeto nacional de desenvolvimento era o centro da política nacional, envolvendo diversos setores.
Conclusiones:
Procuramos demonstrar que a questão do subdesenvolvimento foi o centro do debate político nacional do “século” 1930-1964, sendo a bandeira de lutas sobre a qual se ergue o PTB e suas lideranças, que continuaram o legado varguista da promoção do desenvolvimento nacional até a Ditadura. E nesta caminhada, Brizola teve papel fundamental.
O nacional-desenvolvimentismo era um tema amplo, que mobilizava diferentes setores sociais e que congregou parte importante da luta política nacional do período. Mas esta constatação não diminui a importância do líder trabalhista gaúcho, a eleva: em um ambiente radicalizado, Brizola conseguia transportar para a massa entendimentos complexos sobre as razões pelas quais tudo lhes faltava, um feito cujos precedentes mais imediatos só encontramos no primeiro dos líderes trabalhistas gaúchos, Getúlio Vargas.
Em seu último discurso em vida, Brizola afirmou (apud Braga, 2004, p. 612): “Estamos cumprindo a missão que nosso grande chefe inspirador, Getúlio Vargas - o maior de todos os brasileiros, porque foi simples, humilde e sábio –delegou”. Essa foi a vida do líder trabalhista: levar a bandeira da emancipação nacional adiante.
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Palabras clave:
Brizola. Condições de vida. Subdesenvolvimento