Resumen de la Ponencia:
O presente trabalho trata de questões relacionadas aos estudos das relações raciais brasileiras e à teoria psicanalítica. Dialogamos com temas de filosofia, história, sociologia e psicologia. Consideramos aspectos históricos da escravidão e da colonização brasileira e realizamos uma análise psicanaliticamente direcionada sobre os efeitos dessa experiência. Uma perspectiva epistemológica decolonial, questionamento ou discurso social que considera como rejeição imaginária as condições materiais e subjetivas da população negra. Comprometida com a fantasia ideológica eurocêntrica, como produtora desse tipo de pensamento, ainda está presente em setores do campo psicanalítico brasileiro que temos ouvidos para ver, mas não conseguimos compreender; medo ovidos para ouvir, mas eles se recusaram a ouvir. A aflição entre a psicanálise e a questão racial não é, entretanto, perene ou incontroversa. Para Gonzáles, cujo suporte epistemológico se dá a partir da Psicanálise, as condições de existência material da comunidade negra referem-se a condições psicológicas que temem ser atacadas e desmascaradas pelo racismo ou se constituir como um sintoma que caracteriza a neurose cultural brasileira. Por demanda de analistas negros por analistas negros, urgentemente acusados de identidade, foi construído historicamente. Os impasses dessa relação entre o movimento negro e as instituições da psicanálise não têm a ver com insuficiências teóricas da psicanálise, mas sim com desentendimentos políticos e institucionais no campo. Diferente das concepções históricas de natureza mística, Biologicamente ou culturalmente evolutivos centrados na consciência, psicanalisados desde Freud e Lacan, apontam para um modo de subjetividade que se dá pela entrada do sujeito na linguagem na cultura que antecede a estrutura. Uma linguagem, para Lacan, define, por si só, a subjetividade. Retomar os aspectos históricos dos dois processos de segregação e racismo iniciados a partir do século XV permite estabelecer uma relação entre memória, história e subjetividade na atual constituição de sujeitos engendrados em uma formação social racializada. A convergência entre epistemologia africana e psicanálise se sustenta, não que estas produzam um discurso crítico sobre a racionalidade moderna fundado por Descartes. Lacan se detém na história é o passado na medida em que é historicizada e não presente porque foi vivida e não passada, para a epistemologia africana, Diferente da sociedade moderna que tenta se garantir por um sujeito abstrato a-histórico, ou pelo simbolismo da liturgia e de dois mitos, ela permanece como um portal de acesso a imagens originais e transcendentes. Para Sodré, o ritual, que condensa a experiência histórica da comunidade negra, não representa uma mera repetição, mas sim um processo de atualização da origem no tempo presente, uma mutação acelerada da história. Nesse universo, não há contradição entre história e mito, trata-se de uma temporalidade onde muito pouco importa dados, muito pouco ou realismo obsessivo de dois fatos, e apenas a narrativa de uma experiência existencial veiculada por famílias, amigos, amigas , todas elas, as pessoas apoiam uma comunidade. O simbolismo da liturgia e de dois mitos permanece como porta de entrada para imagens originais e transcendentes. Para Sodré, o ritual, que condensa a experiência histórica da comunidade negra, não representa uma mera repetição, mas sim um processo de atualização da origem no tempo presente, uma mutação acelerada da história. Nesse universo, não há contradição entre história e mito, trata-se de uma temporalidade onde muito pouco importa dados, muito pouco ou realismo obsessivo de dois fatos, e apenas a narrativa de uma experiência existencial veiculada por famílias, amigos, amigas , todas elas, as pessoas apoiam uma comunidade. O simbolismo da liturgia e de dois mitos permanece como porta de entrada para imagens originais e transcendentes. Para Sodré, o ritual, que condensa a experiência histórica da comunidade negra, não representa uma mera repetição, mas sim um processo de atualização da origem no tempo presente, uma mutação acelerada da história. Nesse universo, não há contradição entre história e mito, trata-se de uma temporalidade onde muito pouco importa dados, muito pouco ou realismo obsessivo de dois fatos, e apenas a narrativa de uma experiência existencial veiculada por famílias, amigos, amigas , todas elas, as pessoas apoiam uma comunidade. mas sem um processo de atualização da origem na atualidade, uma mutação acelerada da história. Nesse universo, não há contradição entre história e mito, trata-se de uma temporalidade onde muito pouco importa dados, muito pouco ou realismo obsessivo de dois fatos, e apenas a narrativa de uma experiência existencial veiculada por famílias, amigos, amigas , todas elas, as pessoas apoiam uma comunidade. mas sem um processo de atualização da origem na atualidade, uma mutação acelerada da história. Nesse universo, não há contradição entre história e mito, trata-se de uma temporalidade onde muito pouco importa dados, muito pouco ou realismo obsessivo de dois fatos, e apenas a narrativa de uma experiência existencial veiculada por famílias, amigos, amigas , todas elas, as pessoas apoiam uma comunidade.
Introducción:
Neste trabalho desenvolvemos o tema Psicanálise e relações raciais a partir de um diálogo entre a teoria psicanalítica e os estudos das relações raciais. Recorremos a conceitos da filosofia, história, sociologia e psicologia para sustentar três hipóteses: i) que a formação social brasileira se caracteriza por um sistema de pertencimento ambíguo de natureza moebiana derivada de um histórico processo de miscigenação e do desenvolvimento da ideologia da democracia racial que determinou um modo singular de relações entre colonizado e colonizador; negros e brancos; ii) que a segregação moderno-colonial se constituiu a partir do século XV subjacente à formação de uma economia mundo sob a acumulação primitiva do capital, e que, a partir do século XVII, o Iluminismo, a ciência moderna e o capitalismo vencedor introduziram um tipo de universalização refratária à diversidade social, política, étnico-racial e sexual; iii) que a demanda de analistas negros para analisantes negros foi historicamente determinada por impasses das instituições de psicanálise e do movimento negro, não se caracterizando por divergências epistemológicas irredutíveis mas por um desarranjo político-institucional contextual.
Desarrollo:
O negro: um sujeito ético, político e ativo
No Brasil, os colonizadores desenvolveram certo temor em relação aos negros, em parte pelo medo das insurreições, mas sobretudo porque temiam que a mestiçagem apagasse os marcadores de diferenciação e hierarquização das estruturas sociais. Na relação entre escravizados e a classe senhorial havia permanente conflito, resistência da parte dos escravizados e, apesar da brutalidade da escravidão, a sujeição não era total: o escravizado não perdia sua condição de sujeito ativo; mesmo configurado no ordenamento jurídico como propriedade, permanecia no escravizado a disposição ético-política de luta. Por isso, há que se estar advertido de que “nos dias atuais parece ser in-contestável reconhecer que a velha ideia colonialista que naturalizou o status social dos colonizadores – e que, em razão disso, eles puderam submeter uma série de imposições autoritárias aos colonizados –, não pode mais ser aceita como verdadeira” (MARTINS, 2019,
p.54).
Ao lado da luta, e mesmo dentro do regime estrito de segregação, havia no Brasil um nível significativo de interpenetração entre brancos e negros. Obviamente em grau muito menor que os brancos, a população negra acumulara algumas propriedades materiais e simbólicas e constituíra uma relevante rede de apoio social e familiar. A partir de meados do século XIX, estas estruturas de apoio e permeabilidade social que se desenvolviam com a resistência explícita da classe senhorial foram fortemente abaladas com a aprovação da lei de terras a partir de 1850 e a opção pelo embranquecimento da população através da imigração de trabalhadores europeus. A classe senhorial optou por uma mudança lenta e gradual do sistema escravista e com a aprovação da referida lei, impediu o acesso de negros alforriados a um pedaço de terra pondo em curso a construção de inúmeras legislações que criminalizaram e estigmatizaram o negro livre (MATTOS, 2013).
Todo processo de conhecer inclui um trabalho de memória
Neste processo, a marca da cor foi reforçada como fiadora da estratificação econômica e da hierarquia sócio-racial como um projeto de país. Os marcadores raciais definem os lugares sociais, ao mesmo tempo em que se fortalece a ilusão de que os descendentes de africanos e indígenas poderiam ascender socialmente. Primeiramente temida, a miscigenação passará a ser um instrumento de dominação desde que fosse controlada intencionalmente pela classe dominante branca. A miscigenação, assim, promoveria o embranquecimento do país que se realizaria pelo aporte de contingentes imigrantes europeus brancos, e seria a via da ascensão social. Neste sentido para Nogueira (2005) “no Brasil a concepção de branco varia em função do grau de mestiçagem, de indivíduo para indivíduo, de classe para classe, de região para região” (NOGUEIRA, 2005, p.178).
É importante lembrar que a característica própria da forma política brasileira, ou seja, as relações de força entre as raças e classes, se oculta pela negação da política de cor que determina a hierarquia social. Esta forma propriamente política é necessariamente construída por uma formulação estética –imagem- e produz uma formação ética, ou seja, uma forma simbólica – linguagem/cultura- que a rigor é um constructo epistemológico imagético. É importante lembrar que, de acordo com Bastos (1994) nós herdamos da cultura africana, ibérica e dos povos originários, um traço constituinte marcado pelo impressionismo e sensualidade. Não por acaso para Bomfim, na psicologia “como qualidade, o branco é uma sensação de côr, distinta da sensação de luz; é uma sensação simples [...]. O negro tambem é uma sensação distinta, e não, como se poderia imaginar — a simples ausencia de sensação (BOMFIM, 1917, p. 78). No entanto, a experiencia adquirida e o conhecimento que recebemos do agente impressionante, nos dois casos, fazem com que lhe atribuamos “um valor representativo de fatos externos ao nosso corpo, porque, na nossa consciencia, a sede da sensação como que se transporta a do objeto impressionante” (BOMFIM, 1917, p. 86), pela fugacidade “da consciencia-sensação” (Bomfim, 1917, p. 86) e “lhe damos uma significação propria (BOMFIM, 1917, p. 90). Bomfim escreve,
Essas duas intensidades são bem distintas: o amarello do espectro é uma côr pouco saturada, e muito luminosa; o encarnado é muito saturado e pouco luminoso. À saturação é, para a côr, o seu maximo ou ótimo, como qualidade corante (Bomfim, 1917, p. 77) [...] Desse ótimo, descem duas escalas de nuanças — uma para o branco e outra para o negro: azul, azul celeste, azul desmaiado, branco azulado... verde, verde fraco... branco esverdeado... purpura, rosa, branco rosado... Na queda para o branco, as cores guardam mais a sua tonalidade que na escala do denegrido. Desde que escurecem, tendem as cores a degradar-se num pardo onde as diferenças são menos sensiveis (Bomfim, 1917, p. 78), Grifo nosso.
Três dimensões da luta: ética, estética e política. Real, imaginária e simbólica
A partir do trinômio ético-estético-político ressaltados por Rolnik, (1993, p. 245), e que apontam mais para uma tradição foucaultiana, deslizamos para elaboração lacaniana sobre o imaginário-simbólico-real. De acordo com Zizek (2010), trata-se de uma articulação de Lacan dos conceitos freudianos: eu ideal (Idealich), ideal do eu (Ich-Ideal) e supereu (Uber-Ich), termos que Freud usa para distinguir a “agência que impele o sujeito a agir eticamente” (ZIZEK, 2010, p. 99 e 100). Não foi por acaso que Gonzáles categorizou o racismo brasileiro como um racismo de denegação (GONZÁLES, 1984). O racismo brasileiro, de natureza mais complexa é uma estrutura perversa. Nosso racismo, se caracteriza por um modo de negação da realidade distinta do recalque, ou seja, se dá por meio da clivagem. No recalque, a negação ocorre por um traço nosso que não se quer reconhecer. Na clivagem não é um traço do sujeito que está em questão e sim umadimensão da realidade que se sabe, mas não se quer saber (GONDAR, 2018, n.p). “Eles sabem muito bem o que estão fazendo, mas mesmo assim o fazem” (SLOTERDIJK, 1998, APUD; ZIZEK, 1996, p.313).
Há, por um lado, um aspecto real da miscigenação como fator decisivo da formação social brasileira que não pode ser desprezado. Por outro lado, há um discurso em que estes processos são retratados de modo idílico. Se o postulado freyriano da democracia racial em 1932 representava o fim da narrativa racista e eugênica da intelectualidade que vigeu até os anos 1920, por outro criava uma áurea mística em torno da miscigenação, que pecava por não enfrentar as desigualdades reais sociais e econômicas (CARNEIRO, 2000, n.p).
Gilberto Freyre e outros autores buscaram enfrentar as questões do racismo atribuindo a condição de marginalização do contingente negro à herança do período escravista e colonial. No entanto, autores como o sociólogo Carlos Hasenbalg (2005) e a socióloga Ângela Figueiredo apontaram em outra direção, destacando a relação atual entre a exploração capitalista de classe e a permanência do racismo brasileiro. Contra a tese dos mitos fundadores nacionais, Hasenbalg explica a situação de exclusão da população negra por fatores estruturais contemporâneos da sociedade de classe, na qual o negro é submetido a processos que dificultam no presente seu acesso aos meios de desenvolvimento socioeconômico. O autor não relega a questão racial a segundo plano, mas associa a afirmação da identidade étnico-racial à mobilização do contingente negro para luta de classe, da “constituição da raça como princípio de identidade coletiva e ação política” (HASENBALG, 2005, p. 255; FIGUEIREDO, 2012)
Até 1964, a democracia racial representou um ideal de integração do negro na sociedade de classe. Durante o regime civil-militar de 1964 romperam-se os compromissos de inclusão: a democracia racial foi propalada como um dado já constituído da formação brasileira, e nos anos 1980 foi retomada pelo Movimento Negro Unificado como mito a ser denunciado. Enquanto foi discurso social hegemônico, até os anos 1980, a democracia racial produziu no Brasil um tipo de cisão da consciência. O racismo vivenciado na prática era negado no discurso dominante (GUIMARÃES, 2001, p.1).
Partindo da constatação da dupla miscigenação (temida e manipulada), democracia racial (como projeto real e como ideologia), segregação e interpenetração, Gilberto Freyre e Guerreiro Ramos sustentam o postulado da ambiguidade como traço fulcral das relações sociais e raciais no Brasil. Historicamente, como vimos anteriormente, essa ambiguidade é associada por Gilberto Freyre às raízes ibéricas de nossa cultura, posto que o ethos da formação social espanhola e portuguesa teria origem na África, na dupla gênese oriental/ocidental presente na Península Ibérica. Elide Bastos sustenta que, desde os anos 1920, Freyre tornava positiva a miscigenação do Brasil, filho de três raças, dois climas e dois tempos históricos. No entanto, ela ressalva que esta relação produziu uma civilização baseada em relações mórbidas – sadistas-masoquistas – e que inverteu a relação senhor-escravo, introduzindo o papel civilizador do negro na sociedade brasileira (Bastos)
Esta abordagem nos permiti afirmar que a formação sócio-racial brasileira é homologa à topologia da banda de Moebios. A banda de moebius é uma estrutura de apenas um lado, nela não há lado de dentro nem de fora; não é possível isolar-se nela numa ou noutra parte, a separação existe e inexiste simultaneamente. Esta figura topológica foi tomada por Lacan como metáfora do aparelho psíquico, uma forma de demonstrar que que não há uma cisão radical entre o psíquico e o social. Se a banda pode servir de metáfora de nosso sistema de pertencimento e relações sócio-raciais ambíguas, a rigor, apenas de modo artificial se pode alegar a cisão étnico-racial da sociedade brasileira (MONTEIRO, 2022).
Conclusiones:
Parece-nos que, se for acertada a hipótese de que nossa gramatica sócio-racial é ambígua e homóloga à banda de moebius, essa interpenetração se faz sentir na própria linguagem brasileira. Segundo Gonzáles, os brancos riem dos negros como ignorantes quando estes dizem que são Framengo, mas ignoram que a presença desse R no lugar do L nada mais é que a marca linguística de um idioma africano, no qual o L inexiste. Perdem de vista que a fala brasileira, que corta os erres dos infinitivos verbais, condensa você em CÊ, o está em TÁ ... é uma linguagem própria, e os brancos mesmos não se dão conta de que estão falando PRETUGUÊS (GONZÁLES, 1984). Para a autora, “o objeto parcial por excelência da cultura brasileira é a bunda”, um termo que deriva do quimbundo[1] e juntamente com o ambundo2 pertence ao tronco linguístico bantu. “De repente bunda é língua, é linguagem, é sentido é coisa. De repente é desbundante perceber que o discurso da consciência, o discurso do poder dominante, quer fazer a gente acreditar que a gente é tudo brasileiro, e de ascendência europeia, muito civilizado, etc. e tal” (GONZÁLES, 1984, p.238).
Conforme indica Sodré, a classe dominante brasileira produz um idioleto, uma linguagem privada que se “coloniza” os extratos subalternizados da população e que atua na forma de um Supereu sádico. Nesta função a classe dirigente emula no imaginário social brasileiro a velha forma escravista (imaginária). A psicologia do racismo é engendrada artificialmente através de técnicas de controle social racionalmente calculadas que determinam o laço social em geral e as funções econômicas/libidinais particulares do indivíduo. É concebível falar em racismo estrutural como mote político, mas, conceitualmente, trata-se de um racismo para-estrutural, “difuso, sutil, evasivo, camuflado, silenciado em suas expressões e manifestações, porém eficiente em seus objetivos” (MUNAGA, 2017, p.17). Um racismo que, como argumenta Almeida, é uma ideologia que molda o inconsciente por padrões de clivagem racial inseridos no imaginário e em práticas sociais cotidianas (ALMEIDA, 2018, p.50).
É notável, a partir daí a homologia entre o papel do Supereu como instancia psíquica que “comanda o jogo de relações de que depende toda a relação a outrem” (LACAN, 1986, p.165) e a elaboração de Sodré de que a classe dominante, na configuração social brasileira, assume uma posição análoga a um Supereu sádico (SODRÉ, 2021, n.p). Supereu e gozo, no sentido lacaniano, estariam estruturalmente relacionados pois: “gozar não é uma maneira de seguir nossas tendências espontâneas, é antes algo que fazemos como um tipo de dever ético estranho e distorcido” (ZIZEK, 2010, p. 99). O discurso social sobre o negro, no contexto atual, emerge de modo ambivalente revelando o caráter insensato no puro gozo perverso da classe dominante, “na destruição incessante dos objetos, que nada mais faz do que atualizar um excedente de gozo” (ZIZEK, 2010, p. 22,23).
Também o subalternizado submetido ao racismo participa de alguma maneira neste jogo, numa espécie de gozo masoquista. Não são suas disposições psicológicas que causam este processo; pelo contrário, a classe dominante na posição de Supereu sádico, define os termos desta relação por razões de interesse próprio que são completamente não psicológicas. O sádico atua como mandatário de poderosos interesses econômicos e políticos. É neste sentido que a lei estabelece as coordenadas do desejo do masoquista. Como nos lembra Adorno, o motivo subjetivo deste processo de submissão é o medo da exclusão e dos sansões sociais vinculadas a raça e a classe. Sedimentado no indivíduo, transforma-se em uma segunda natureza pela valorização do outro, branco, rico, homem, europeu, e a negação de si mesmo (ADORNO, 2015, p. 164).
Foi neste contexto de colonialismo, segregação e ambiguidade, por vezes “não sabida” denegada-, que no Brasil se estabeleceu a psicanálise, e se confrontou (e conformou) não apenas com essa formação sócio-racial, mas também com as variações históricas do movimento negro e das negras psicanalistas. A aproximação entre a psicanálise e os movimentos sociais das maiorias subalternizadas, em especial do movimento negro, não se deu alheia ao contexto histórico-social. Setores conservadores da psicanálise tenderam a etiquetar as demandas de reconhecimento da população negra, das feministas, de pessoas trans e LGBTQIA+ de modo geral, reduzindo-as ao identitarismo.
No entanto, parecem convergir a psicanálise e o movimento negro neste momento – 2022 – quanto à noção de parcialidade do sujeito e do objeto. Neste sentido, rebaixar a identificação como identidade fechada ou identitarismo, a psicanálise, na leitura das demandas raciais, limita o uso da significante identidade como expressão contrária à dimensão não-toda e, portanto, faltosa do sujeito e do objeto. E, o que é mais grave do ponto de vista analítico, transpõem ao campo dos estudos das relações raciais um enunciado cuja enunciação deve ser tomada com rigor no interior da psicanálise, carecendo de mediações outras quando aplicado a outros campos.
Na teoria psicanalítica, identidade parece remeter a imagem fixa de uma construção especular, algo de um eu cartesiano, imaginário. No entanto, nos estudos das relações raciais, especificamente sobre a comunidade negra, sua enunciação é diversa. De fato, como argumenta Sodré, por exemplo, o pensamento nagô não está ancorado no Eu como figura de fundamento da subjetividade. O Eu é, no contexto nagô, uma unidade diferencial e pré-individual – Exu – e é investida de uma potência – axé – que se desdobra no desenvolvimento ontogenético do indivíduo. Não se trata, no entanto, de representações absolutas, mas que se inscrevem num movimento aleatório e não determinista. Para Sodré, no quadro de uma arqueologia da subjetividade, Exu implica uma concepção não subjetivista da personalidade, própria a culturas de enraizamento holístico (SODRÉ, 2017, p.115).
Nesta visada, Domingos ao conceituar a significante negritude enegrece o termo,
[...] no Brasil, negritude passou a ser um conceito dinâmico, o qual tem um caráter político, ideológico e cultural. No terreno político, negritude serve de subsídio para a ação do movimento negro organizado. No campo ideológico, negritude pode ser entendida como processo de aquisição de uma consciência racial. Já na esfera cultural, negritude é a tendência de valorização de toda manifestação cultural de matriz africana. (DOMINGUES, 2005, p. 194[2]).
De fato, os campos da negritude e da psicanálise possuem especificidades e mesmo questões políticas e epistemológicas de natureza irredutíveis. No entanto, é possível encontrar convergências. Asad (2019) chama a atenção para o aspecto estratégico do uso da identidade, que pode ser útil no sentido de favorecer estrategicamente a identidade étnico-racial como ponto de ancoragem inicial no processo de transferência entre analistas e analisantes, quando evocado por parte dos analisantes. Para Vargas (2020), a categoria analítica “racismo” não é suficiente para analisar as experiências de pessoas negras, seja no Brasil ou na diáspora mundial:
É inegável o poder que essa perspectiva analítica tem de aglutinar grupos sociais oprimidos díspares. Ao tornar as condições das vidas de mulheres negras comensuráveis às das mulheres não brancas, ou de cor (asiáticas, latinas, indígenas e outras), o manifesto abre a possibilidade da formação de blocos políticos multirraciais, que lutam contra as formas articuladas de opressão. Esses blocos políticos têm como base analítica e ética o reconhecimento de que tais opressões são o resultado da supremacia branca global. As opressões que cada grupo sofre não são necessariamente as mesmas, mas elas são comparáveis e traduzíveis umas às outras porque provêm de uma mesma fonte, qual seja, a supremacia branca cis-heteronormativa patriarcal e capitalista. E da comparação e reconhecimento das várias opressões sofridas por grupos não brancos diversamente categorizados (simultaneamente pela classe social, raça, gênero, sexualidade, entre outras variáveis) resultam denominadores comuns, os quais ressaltam experiências compartilhadas (VARGAS, 2020, p.17-18).
De certo modo a proposição de Vargas se comunica com teoria lacaniana que situa o sujeito do desejo como o que deve ser reconhecido, mas cujo reconhecimento não é dado por uma outra consciência. No entanto, ao se opor ao conceito de auto-identidade da consciência, a psicanálise não pode se transformar na hipóstase da diferença e das expectativas de reconhecimento (SAFATLE, 2006). O verdadeiro desafio posto à psicanálise não está em defender a desintegração do sujeito, mas de encontrar a potência própria às experiências de não-identidade; quebrar o círculo narcísico do Eu e as trocas intersubjetivas previamente estruturadas. Trata-se de uma experiência que implica em articular uma definição não totalizante do horizonte formal de síntese do sujeito que sustentaria processos de reconhecimento contrários a identidades fixas. No quadro das análises que articulam a teoria psicanalítica e os estudos das relações raciais, isso implicaria em afirmar moebianamente, que branco também é negro sem deixar de ser branco que negro também é branco sem reduzir-se à brancura (SODRÉ, 2017); Para que esse real da constituição de um “sujeito brasileiro” possa emergir, há que se afirmar um para além do espelho, para além do negro e para além do branco, reconhecendo assim a emergência de um sujeito da miscigenação: “[...] o nosso branco é, do ponto de vista antropológico, um mestiço, sendo, entre nós, pequena minoria o branco não portador de sangue preto” (RAMOS, 1995, p.225), portanto de uma formação sócio-racial que a rigor é ambígua e diversa, mas que foi historicamente barrada, negada e denegada (Gonzáles, 1984). Há que se fazê-lo sem ignorar as relações de poder e o papel da classe dominante nos processos de submissão racial e estratificação econômica.
Neste momento em que instituições da psicanálise inicial um lento processo de abertura a classe trabalhadora, a população negra e a população LGBTQIA+; “é preciso estar atento e forte”. Em primeiro lugar porque causa estranheza que as sociedades e escolas de Psicanálise que passam a adotar políticas afirmativas para o ingresso em seus quadros de formação, via de regra, o fazem sem um diálogo aberto e transparente com o movimento negro organizado, suas instituições e coletivos. Ou seja, um quadro em que essas escolas e sociedades há muito estabelecidas, hegemonicamente constituídas, organizadas e dirigidas por pessoas brancas e da classe média, irão tratar deste ingresso com “indivíduos”, homens e mulheres negras e negros que nem sempre estão conectados a organização política do movimento negro. Por outro, há que se afirmar que não estamos com o pires à mão buscando aceitação incondicional. Em nossa maturidade o movimento negro reclama por reconhecimento e equidade econômica, ética, política e epistemológica. Reconhecemos a importancia dos conceitos estruturais da psicanálise e não abrimos mão de igual reconhecimento aos conceitos estruturais e estruturantes do povo preto.
[1] Língua da família banta, falada em Angola pelos ambundos. 2Grupo étnico banto que vive em Angola.
[2] https://www.revistas.usp.br/africa/article/view/74041/77683
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Palabras clave:
Relações raciais, psicanálise, subjetividade