Resumen de la Ponencia:
Desde o momento que assumiu o poder em 2010, Mujica tornou-se alvo da imprensa internacional, principalmente por ter sido um ex-guerrilheiro Tupamaro que chegava ao governo pelo viés democrático e também por seu modus vivendi austero, outro ponto a ser ressaltado são seus discursos conciliatórios. Este trabalho pretende realizar uma análise de trajetória de forma sucinta para não fugir do objetivo de um artigo, pontuando algumas reflexões e insights teóricos para compreender minimamente esse “popstar” do campo político chamado de Pepe Mujica. Para tanto, como metodologia, serão utilizadas as pesquisas teórico-bibliográficas etambém será realizado um mapeamento qualitativo referenciando a trajetória do agente político emquestão. Para a consecução deste trabalho serão utilizados alguns insights teóricos sobre trajetória,habitus, campo político, capitais, poder simbólico entre outros do arcabouço teórico Bourdieusiano e Lahireano e também será realizada uma análise reflexiva de alguns excertos discursivos proferidos por Pepe Mujica que são fundamentais para analisar seu ethos dentro do campo político e a sua “distinção”para com os demais presidentes da “esquerda” latino americana, enfatizando a importância do “capital conciliatório” que consistiu no diferencial de sua práxis política. A heterodoxia desse político está alicerçada na seguinte fórmula: no diálogo combinado com uma linguagem simples e o compromisso de viver de acordo com os seus ideais. Um excelente comunicador de idéias que usava e usa palavras simples para explicar idéias profundas e complexas e, sobretudo, no seu modo sóbrio de vida.
Introducción:
O campo político da América do Sul na última década foi acometido por diversos escândalos de corrupção, fraudes eleitorais, prisões e impeachment, principalmente nos governos da chamada “virada à esquerda”, uma pessoa heterodoxa como José Mujica surge como uma “estrela solitária”.
José Alberto Mujica Cordano ex-guerrilheiro Tupamaro e ex-presidente do Uruguai atraiu atenção mundial, por ser um chefe de estado que “renunciou” as benesses inerentes ao protocolo presidencial e apontou para muitos que ser presidente de um país é estar a serviço de uma nação e não pensar em “favorecimentos pessoais”. A sobriedade demonstrada por Mujica para o mundo está alicerçada na lógica de servir de modelo para os que estão inseridos no campo da política; “não se pode mudar o mundo, mas podemos mudar a nós mesmos”, elucida este político, que mesmo passando por diversas adversidades, como ficar aprisionado e incomunicável por anos, preserva a doçura e a conciliação em seus discursos, sem espaços para ódio e vingança.
O objetivo principal deste trabalho é realizar apontamentos críticos-reflexivos a respeito da ação política de Pepe Mujica frente à doxa do processo de globalização; também se intenta demonstrar e verificar sua heterodoxia que se alicerça na premissa da sobriedade como um estilo de vida, que contradiz uma das principais características do processo de globalização, que é a “transformação do cidadão em consumidor”, parafraseando Boaventura de Sousa Santos, mediante análise de alguns discursos proferidos por este político, que são estruturados a partir de um viés do “capital conciliador[2]”, que ele mesmo inaugura. Tal objetivo se justifica tendo em vista que Mujica, em sua práxis política, ao invés de criticar o avanço das políticas neoliberais, estruturou suas políticas públicas que ampliaram os direitos civis, e, sobretudo, a partir de sua retórica disseminou a importância de uma postura austera em seu modo de vida como forma de se adaptar as regras impostas pela doxa global, assim, austeridade é o sinônimo de liberdade e para refutar a alcunha de presidente mais “pobre do mundo”, Mujica explana que não é pobre é sóbrio.
A heterodoxia de Mujica, está alicerçada na seguinte fórmula: no diálogo combinado com uma linguagem simples e o compromisso de viver de acordo com os seus ideais, fez de Mujica um presidente inédito para alguns ou mera estratégia política para outros.
Através de discursos conciliatórios proferidos de forma simples e enfatizando a mediação de ideais como a melhor maneira de compreender o mundo, Mujica inaugura o “capital conciliador”. Este capital seria uma maneira mais contida dos indivíduos ajustarem toda indignação frente às complexidades advindas do processo da globalização que fomenta o hiperconsumo, mediante ações que priorizem uma postura pacificadora frente às dificuldades incididas do processo de globalização, como por exemplo, adotando um estilo de vida mais singela, consumir de forma consciente. Mujica pode ser considerado um exemplo de liderança que enalteceu um estilo de vida sóbrio, estruturado na austeridade[4].
Para cumprir tal objetivo, este trabalho está organizado em duas seções, nas quais cada uma delas corresponde a objetivos específicos. Na primeira seção serão trabalhados alguns aportes teóricos para se pensar em análises de trajetória e alguns aspectos biográficos sucinto de Pepe Mujica. Em seguida, serão abordadas algumas questões referenciando a heterodoxia deste político, ou seja, questões que relacionam sua práxis política com excertos de seus discursos sobre o processo de globalização.
[1] País latino-americano, que apresenta os melhores níveis de igualdade e o mais alto índice de desenvolvimento humano e também tem a menor taxa de corrupção.
[2] O capital conciliador faz menção a teoria bourdeusiana dos capitais, neste caso este capital é uma junção do capital cultural com o capital social.Bourdieu entende por capital não apenas o acúmulo de bens e riquezas econômicas, mas todo recurso ou poder que se manifesta em uma atividade social. Assim, além do capital econômico (renda, salários, imóveis), é decisivo para o sociólogo a compreensão de capital cultural (saberes e conhecimentos reconhecidos por diplomas e títulos), capital social (relações sociais que podem ser convertidas em recursos de dominação). Em resumo, refere-se a um capital simbólico (aquilo que chamamos prestígio ou honra e que permite identificar os agentes no espaço social). Em suma, o capital conciliatório inaugurado por Pepe Mujica é uma junção do capital cultural que perfaz saberes acumulados durante sua trajetória; o capital social – todo o processo interacional e o capital simbólico, que evidencia características nobres de um agente. Assim, o capital conciliatório é o poder que o agente possui para externalizar as mazelas advindas da doxa econômica em forma de discursos que instigam transformações no limiar da ação subjetiva de cada agente.
[3] Nas palavras de Rabuffetti, 2014.
[4] Para Mujica a palavra correta é sobriedade e não austeridade, pois muitos países usam esta palavra como motivo para reduzir gastos em políticas sociais.
Desarrollo:
1 CONCEITOS SEMINAIS PARA ESTUDO DE TRAJETÓRIAS POLÍTICAS
Nesta seção será realizada uma discussão pormenorizada dos aportes teóricos mais significativos elaborados por Bourdieu e Lahire e a posteriori será apresentados alguns insights sobre a trajetória de Pepe Mujica, sendo conduzida teoricamente a pelas concepções teóricas trabalhadas na seção anterior a respeito dos constructos teóricos sobre trajetória, objetivando demonstrar à práxis do político supracitado a partir do seu habitus campesino e sua participação na luta Tupamara.
No que tange às pesquisas que se dedicam a estudar trajetórias há que se destacar todo o hibridismo que envolve tal devir, fazendo a interface com outras ciências como a filosofia, a história, a economia. O estudo sobre trajetórias faz com que o pesquisador fuja da dicotomia subjetivismo/objetivismo implícito nas ciências humanas, ou seja, faz com que o momento objetivo e subjetivo das complexas relações sociais estabeleça uma relação dialética.
Para Bourdieu (1996), uma trajetória pode ser entendida como “a série das posições sucessivamente ocupadas por um mesmo agente ou por um mesmo grupo de agentes em espaços sucessivos”. Nessa perspectiva, os eventosbiográficos e seus respectivos sentidos podem ser compreendidos dentro de um contexto no espaço social, ou seja, dentro de uma estrutura de distribuição dos diversos capitais (econômico, político, cultural, entre outros) que legitimam uma ação em um determinado campo.
Os conceitos de habitus e campo, elaborados por Bourdieu servem como categorias de análise fundamental para melhor compreender a ação do agente. O habitus, ao se apresentar ao mesmo tempo como individual e social referem-se não só ao elemento individual, mas também a um grupo ou a uma classe social. Assim, a história da vida de um indivíduo pode ser vista como uma variante do habitus de seu grupo ou de sua classe, na medida em que seu estilo individual aparece como um desvio codificado em relação ao estilo de sua época e de sua classe ou grupo social. Do mesmo modo, ao servir como suporte da noção de habitus, o conceito de campo se constitui em outra ferramenta conceitual importante para os estudos sociológicos sobre trajetórias.
Outra perspectiva muito interessante para os estudos de trajetórias está alicerçada a partir dos constructos teóricos elaborado por Bernard Lahire (2003), sobre a perspectiva da ação do indivíduo, que pode ser considerado um grande apreciador e crítico da teoria bourdieusiana principalmente no que versa a unicidade do conceito de habitus elaborado por Pierre Bourdieu.
Para Lahire o indivíduo não é fruto apenas das disposições incorporadas pelo habitus de classe e sim, a práxis do indivíduo é fruto de todo o processo de socialização, ou seja, o mesmo vai internalizando o contexto as circunstâncias e vai fazendo uma conciliação com o habitus já internalizado. Os indivíduos determinam-se com base de experiências do passado, inclinações do sujeito como um produto do pretérito incorporado, assim a práxis do indivíduo seria que o mesmo olhasse para o seu passado. Em ambos os autores citados, a praxiologia desenvolve-se em torno da ideia de incorporação do social ao longo da trajetória de vida dos sujeitos, hipótese em que a averiguação do passado individual ganha uma extrema importância.
A abrangência do social demonstra voltar a olhar para os indivíduos ao longo de sua trajetória de vida, levando em consideração algumas influências do âmbito familiar, religioso, entre outras, na concepção de Lahire constitui-se como a constituição do patrimônio de disposições individuais mais importantes do que a própria classe social a qual o sujeito está inserido. Assim, o presente é compreendido mediante as sinopses de experiências decorridas, ou seja, assimilações de uma conjuntura em desempenho dos esquemas de percepção já estabelecidos, as disposições que seriam as forças internas e os contextos que constituiriam as forças externas.
Para melhor compreender o agir na concepção estabelecida por Lahire há de fazer uma conexão entre a sociologia disposicionalista que representa a incorporação do passado com a sociologia contextualista da ação que seria o presente que invoca o passado, ou seja, e o contexto que processa as disposições internalizadas ao longo das experiências socializadoras precedentes. Nas palavras de Lahire: “(...) o presente é visto, percebido, interpretado através dos resumos de experiências passadas (apropriações de uma situação em função dos esquemas de percepção já constituídos” (Lahire, 2011). É a partir do presente que tais disposições serão acionadas e quais cairão no esquecimento.
EL PEPE UNA VIDA SUPREMA[1]
A Trajetória de José Alberto Mujica Cordano, popularmente conhecido por Pepe, Ulpiano e Facundo, nos tempos da guerrilha Tupamara é bastante singular, e pode ser comparada a um tango, que nas palavras de Pepe: “O tango é pura nostalgia. Pelo o que se tinha. Pelo que não tinha. É algo para as pessoas que aprenderam como perder na vida. Você precisa ter sofrido algumas derrotas para começar a gostar no tango.”
Pepe nasceu no bairro de La Arena, em Montevidéu, Uruguai, no dia 20 de maio de 1935, filho de Demétrio Mujica Cordano Terra, descendente de uma família basca que chegou ao Uruguai em 1840 e Lucy Terra que era de Colonia, de uma segunda geração de italianos. Frequentou o ensino primário e secundário na escola pública de seu bairro. Ficou órfão de pai, ainda criança com apenas sete anos. Quando terminou a formação básica, ingressou no curso de Direito, mas não chegou a concluí-lo. Tornou-se chefe de família com o cultivo e a venda de flores profissão que exerce até nos dias atuais e sempre ressalta: “É bom ensinar aos pobres o ofício de plantar flores. Pois, neste mundo, tudo cresce. E sempre haverá gente muito rica. Então, se plantarem flores para vender aos ricos, ficarão bem. Pegarão uma parte de suas fortunas. Os pobres, pelo menos na América, não consomem flores, eles têm que consumir alimento. Mas, quando há o poder sedentário, a flor é consumida.”
Na infância foi um grande adepto dos esportes, em especial do ciclismo, o qual competia com grande êxito. Seu tio materno, Ángel Cordano, era nacionalista e teve uma grande influência sobre a formação política de Mujica. Em 1956, conhece o então deputado nacionalista Enrique Erro por meio de sua mãe, militante de seu setor. Nesse mesmo ano, Mujica iniciou sua militância política no Partido Nacional, onde se tornou o secretário geral da juventude.
Nas eleições de 1958, Enrique Erro, seu companheiro revolucionário, foi designado Ministro do Trabalho, sendo acompanhado por Mujica nessa época. Em 1962, Erro e Mujica abandonam o Partido Nacional para criar a Unión Popular, junto ao Partido Socialista do Uruguai e um pequeno grupo chamado Nuevas Bases. Nessas eleições, colocam Emilio Frugoni como candidato a presidente da República, que chega apenas aos 2,3 % dos votos.
Nos anos 60 integrou-se ao Movimento de Libertação Nacional-Tupamaros[2], nome dado a um grupo de guerrilheiros uruguaios que agiu entre os anos de 1963 e 1972. A alcunha do partido remete ao período da colonização do Uruguai, quando Tupac Amaru III, um cacique peruano, foi líder de um confronto contra os espanhóis (século XVIII). Do nome do indígena surgiu a palavra tupamaro, que era a forma como os conquistadores espanhóis chamavam os seguidores do líder tribal.
A luta tupamara no Uruguai tem um significado de contestação político-econômica, sendo responsável - ainda que derrotada militarmente em 1972 - por expor deficiências sociais e econômicas presentes no país na década de 1970. No processo de retorno à democracia a participação do grupo foi focada em suas ações políticas juntamente a Frente Ampla, uma coalizão de esquerda que já havia surgido em 1971 e acabou por quebrar o bipartidarismo uruguaio no início do século XXI.
Em 28 de junho de 2009, Mujica foi eleito como candidato presidencial único da Frente Ampla, superando seus concorrentes com 52,02% dos votos. Vence as eleições presidenciais e no dia 1 de março de 2010 foi empossado no Palácio da República do Uruguai.
Durante o governo de Mujica, o Estado assumiu a regulação estatal da produção, venda e distribuição e consumo de maconha, em dezembro de 2013. Foram estabelecidos limites para cultivo e venda de maconha, bem como registros de consumidores e clubes de fumadores. A nova lei tornou o Uruguai o primeiro país do mundo com um regulamento tão abrangente.
O direito ao aborto foi uma conquista que ocorreu no mandato de Pepe Mujica, assim, as mulheres puderam ter a opção de interromper uma gravidez até a 12ª semana de gestação. Outra das conquistas no mesmo período foi à legalização do casamento homoafetivo no Uruguai.
Na junção entre a sociologia disposicionalista com a sociologia contextualista, desenvolvida por Lahire, é inegável que Mujica justifica a sua práxis, graças ao seu passado, ou seja, o presente é visto e interpretado através de sinopses pretéritas, e como o próprio Mujica profere que tem uma memória seletiva, assim as coisas que aconteceram no passado que não acarretaram aprendizado foram esquecidas e segue: “Muito do que eu digo hoje, nasceu da época da solidão na prisão. Eu não seria quem eu sou hoje: seria mais fútil, mais frívolo, mais superficial, mais ligado ao sucesso, mais imediatista. Provavelmente, mais seduzido pelo sucesso. Mais rígido. Mas tudo isso, que não sou hoje, talvez eu seria se não tivesse vivido aqueles mais de dez anos de grande solidão. É por isso..... que as vezes, o que é ruim é bom. E, as vezes, o que é bom é ruim.”
2 A HETERODOXIA[7] DE PEPE MUJICA
A heterodoxia de Pepe Mujica dentro do campo político da América Latina pode ser compreendida pelo viés discursivo que será trabalhado a posteriori, por adotar um estilo de vida simples atípico para um chefe de estado e o mais importante é por inaugurar o “capital conciliador” no rol dos políticos latino americanos da chamada “virada à esquerda”. Basicamente esse “capital conciliador” está solidificado nas ações discursivas e políticas deste político, principalmente na forma de conceber e conciliar a estrutura econômica pautada no neoliberalismo materializado no processo de globalização com a implementação de políticas públicas que intentavam salvaguardar as liberdades individuais.
A recorrência de discursos que atacam o processo de globalização e o neoliberalismo consiste na pauta central de políticos latinos americanos da “virada à esquerda”, frases como: temos que barrar o processo de globalização; os problemas do país são culpa das políticas neoliberais e assim sucessivamente. Muitas críticas ao processo de globalização e as políticas neoliberais e poucas ou quase nenhuma proposição em prol de mudanças. Estas atitudes discursivas poderiam ser vistas como estratégias de defesa, para muitas vezes explicar o insucesso de um determinado governo.
Pepe Mujica, pode ter se inspirado nos discursos pacificadores de Gandhi ou Nelson Mandela, mas a forma como ele faz a conciliação entre a estrutura promovida pela doxa do consumo global, que é algo que está posto na esfera mundial que não dá para ser combatido, mas pode ser amenizado, com a sua práxis política é inovador no campo político, demonstra uma coerência entre seus discursos e suas ações, postura exitosa, que lhe conferiu grande destaque no rol dos políticos latino americanos.
Um presidente ex guerrilheiro que foi eleito democraticamente e que entendeu que uma boa relação com a burguesia seria útil para o país, fato que é expresso com uma metáfora: “Não quero mais esmagar a burguesia, como desejava antes. De jeito algum. Eu quero é ordenhar a burguesia!”.
A heterodoxia de Pepe Mujica também está alicerçada nos constructos teóricos de Lahire no sentido de que o político supracitado foi se re-construindo ao longo da vida e mudando de posição e discursos por conta do contexto vigente, fato que demonstrou toda a dinamicidade do seu habitus. A sociologia disposicionalista lahireana representa a incorporação do passado vivenciado pelo agente com a sociologia contextualista da ação, o presente que juramenta o passado. Como o fato de evitar falar sobre as questões ideológicas que o inspiraram a adentrar na luta armada nos tempos de guerrilha Tupamara, ao contrário, Mujica enfatiza as punições e o sofrimento por que ele passou, por lutar por uma sociedade distinta, talvez a atual conjuntura peça uma retratação.
2.1 EXCERTOS DISCURSIVOS DE UM PENSADOR LIVRE[9]
A grande distinção de Pepe Mujica no campo político da América Latina configura-se na esfera discursiva. Vários discursos proferidos por Mujica viralizaram pelo mundo e serviram para inspirar e suscitar reflexões acerca do sentido da vida, do trabalho, felicidade e principalmente valorizar os momentos simples do cotidiano. Há também a disseminação de discursos inflamados que reproduzem todo idealismo do político em questão, frente às questões sociais, políticas e econômicas, mas quase sempre é enaltecida a importância da conciliação.
Os discursos proferidos por Pepe Mujica dificilmente passam absortos. O discurso político comumente expõe uma representação do futuro, ao conservar ou renegar ações, ao propor a continuidade ou alterações de prática de projetos sociais, visto que ele projeta a imagem da sociedade que está por vir; essa projeção, evidentemente, é um tanto quanto mitológica.
Na tentativa de aproximar os instrumentos conceituais formulados por Bourdieu e Lahire é possível observar que o habitus e mais ainda a sociologia disposicionalista e contextualista podem ser compreendidas como espaço delegitimação dos dispositivos de poder perpetuados através dos discursos e Pepe Mujica que inaugura o “capital conciliador[10]” via discursos.
É a partir dos discursos proferidos por Pepe Mujica que o aparato midiático, aproveita para disseminar a renúncia que Pepe fez de seu ethos dos tempos de guerrilheiro Tupamaro, que são expressos muitas vezes por lembranças de um jovem idealista que queria mudar o mundo e, portanto foi para o viés do crime e que pagou pelos seus atos, com a prisão, e em contrapartida é enaltecido o ethos de um velho sábio, atencioso, autocrítico e com uma grande capacidade conciliatória, que prefere refletir e acionar as memórias do passado para melhor compreender o presente de forma pacífica, como se fosse um processo de desidentificação[11], que é o gênesis da subjetividade política.
2.2 OS DISCURSOS CAPTADORES DE CONSCIÊNCIA POR PEPE MUJICA[12]
Nesse limite interpretativo, podemos afirmar que as falas de Mujica fazem parte da matriz dos discursos políticos latino-americanos mais notórios da atualidade, não só por acreditar na integração regional como uma forma de emancipação humana, mas porque nas suas intervenções pôde-se observar uma condução significativa do mote latino-americano para uma retórica "internacionalista”. Também pode ser enfatizada a capacidade de dialogar com um público ideologicamente heterogêneo inspirando tanto lideranças anticapitalistas como capitalistas através da grandeza humanista e pragmática presentes em seus discursos.
Uma das grandes indagações do aparato midiático mundial é sobre a relação de Pepe Mujica com a guerrilha Tupamara e como um guerrilheiro tornou-se presidente da república pela via democrática, sobre tal fato o político em questão relata: "Fui presidente não porque fui guerrilheiro, por causa disso ou daquilo. Fui porque as pessoas me acompanharam e me respeitavam. Elas não levaram em consideração o ontem e preferiram apostar no amanhã” e segue falando sobre a importância de lutar pela defesa da igualdade: "Minha maneira de viver é conseqüência da evolução da minha vida. Lutei até onde é possível pela igualdade e equidade dos homens".
Em relação ao seu estilo de vida, Mujica sempre deixou claro que a sua opção de viver como a maioria e não como a minoria era estruturada na sobriedade que é uma maneira de vida, pois ele sempre teve alma de campesino: “Eu não sou pobre, eu sou sóbrio, de bagagem leve. Vivo com apenas o suficiente para que as coisas não roubem minha liberdade.” Pepe também ficava indignado com as críticas que recebia a respeito do seu estilo de vida:.“ "O que chama a atenção do mundo? O que eu vivo com pouca coisa, uma casa simples, que ando de carro velho, essas são as novidades? Então esse mundo é louco porque o surpreende normalmente. A esta altura, não preciso de dinheiro.
Sobre as questões ideológicas da juventude, Pepe Mujica, relembra que os ideais são readaptados a nova conjuntura: “Eu pertencia a uma geração que pensava o socialismo estava prestes a acontecer. A minha juventude pertence ao mundo da ilusão, como muitos outros. A história nos demonstrou que era bem mais difícil. E aprendemos isso. Para ter uma humanidade melhor, a questão cultural é importante, se não mais, do que a questão material. Podemos mudar o lado material, mas se a cultura não mudar, não haverá mudança. A verdadeira mudança acontece em nossas mentes. Muita gente era socialista e virou capitalista. O capitalismo os seduziu. E há outros, como eu e outros, que tentam limitar o possível do capitalismo. Mas o capitalismo não é a resposta. Precisamos descobrir outra coisa. Outra forma. Nós pertencemos a essa busca. Na América Latina, não há respostas, há busca.” Este político também ressalta a importância da valorização das transformações culturais latino-americanas, como uma grande aliada em prol de mudanças: “Não haverá uma humanidade melhor se não tiver uma transformação cultural. A cultura é a rotina dos valores que temos na vida. Isso é parte da construção de uma sociedade melhor.”
[1] Extraído do título do documentário produzido por Emir Kusturica em 2018.
[2] Ver livro: Porzecanski, A. C. (1973). Uruguay's Tupamaros: The urban guerrilla. New York: Praeger.
[3] Ver livro: A ditadura derrotada. Editora Intrínseca (2014).
[4] Período que foi retratado no filme: Uma noite de 12 anos do diretor Alvaro Brechner em 2018.
[5] Nas palavras de Pepe: “Eu e minha esposa nos dedicamos a mudar o mundo, e perdemos a chance de ter filhos. Nossa existência está chegando ao fim, então temos que pensar no que deixamos para trás...Sei que nenhuma dessas coisas podem mudar o mundo, mas precisamos de milhares dessas coisas para mudar o mundo”.
[6] Ver artigo: Moreira, C., & Lajtman, T. (2015). Uruguai: os movimentos sociais durante o governo de José Mujica (2010-2015). Plural-Revista de Ciências Sociais, 22(1), 66-82.
[7]Há também a heterodoxia, isto é, do questionamento e da desnaturalização da doxa pelo surgimento de uma doxa alternativa, e investigando a existência de uma ortodoxia, uma reação à heterodoxia, uma estratégia acionada pelas forças dominantes em um campo no sentido de cristalizar uma doxa. (Bourdieu e Eagleton).
[8] Vários os autores utilizam-se de outra terminologia em detrimento à globalização. Chesnais, por exemplo, prefere o termo mundialização, pois, globalização estaria imbuído de conotações ideológicas e ambíguas, já mundialização é o mais indicado para expressar “uma nova configuração do capitalismo mundial e nos mecanismos que comandam seu desempenho e sua regulação”. (CHESNAIS, 1996, p.13). Esse autor faz uso do conceito de “mundialização do capital” para fazer a articulação das dimensões políticas e econômicas, pois dessa forma é mais fácil entender o sistema capitalista no seu novo estágio: “a palavra mundial permite introduzir, com mais força do que o termo global, a ideia der que, se a economia se mundializou, seria importante construir depressa instituições políticas mundiais capazes de dominar o seu movimento” (idem, 1996, p.24).
[9] Pepe Mujica se considera um pensador livre, um indivíduo que constrói o seu pensamento a partir do que ele vivenciou e vivencia, sem o compromisso com as amarras teóricas.
[10] Seria uma forma de mediar e conciliar conflitos advindos do processo de globalização.
[11] Ver livro: RANCIÈRE, Jacques. O desentendimento-política e filosofia. São Paulo: Editora 34, 1996.
[12] Excertos extraídos da entrevista realizada pela autora em 2017 em Montevidéu no Uruguai e de jornais diversos e documentários.
Conclusiones:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O entendimento das representações individuais de um agente político, quanto à sua práxis política e sua inserção no campo político, perpassa pelo entendimento de sua trajetória e a conversão de capitais dentro do campo supracitado. É sabido das dificuldades de estudar a trajetória política de um político em plena atividade, pois, a cada instante ele está realizando coisas novas dentro do campo político. A fim de sistematizar esta pesquisa, foi proposto realizar um estudo sucinto sobre a práxis política de Mujica, objetivando corroborar que mesmo diante da doxa advinda do processo de globalização, o político supracitado conseguiu construir uma doxa alternativa como forma de protesto e também lança uma forma de “Revolução Tranquila”, sem armas, mas com sabedoria e reflexão que foi o que o distinguiu de outros líderes da América Latina. Pepe Mujica tornou-se um fenômeno durante seu pleito presidencial, mostrando ao mundo que a sua práxis estruturada, no modo de vida austero/sóbrio, como uma maneira de primar pela liberdade e estabelecer a primazia do valor da vida e a felicidade humana sobre qualquer bem material.
As práticas são resultantes, por intermédio do habitus, da relação dialética entre uma estrutura e uma circunstância, apreendidas como as categorias de atualização deste habitus, sendo este um estado reservado da estrutura. Toda trajetória social deve ser abrangida como uma maneira singular de percorrer o espaço social, onde se demonstram as disposições do habitus: cada probabilidade de deslocamento para uma nova posição. Formas de pensar e agir serão corroboradas apenas se analisada a experiência ou estrutura do agente. Nessa ótica, e analisando a relação de causalidade dos eventos, as análises de configuração serviriam como instrumentos para a elucidação aceitável dos fatos ou as opções ideológicas.
Outra questão salutar ao realizar análises referendando as trajetórias individuais dos sujeitos e observando a gênese das disposições, está alicerçada na sociologia disposicionalista ou sociologia da socialização de Bernard Lahire. Na trajetória de Mujica foram discutidas algumas questões inerentes ao seu passado internalizado, ou seja, a sociologia disposicionalista bem como a análise do presente para compor sua práxis política e com isso também enfatizando a sociologia contextualista, como as circunstâncias são fundamentais para fazer uma conexão com o passado e delimitar as suas ações na promoção da justiça social, o que faz de Mujica um político heterodoxo.
A heterodoxia desse político está alicerçada na seguinte fórmula: no diálogo combinado com uma linguagem simples e o compromisso de viver de acordo com os seus ideais, fez de Mujica um presidente inédito. Um excelente comunicador de idéias que usava e usa palavras simples para explicar idéias profundas e complexas e, sobretudo, no seu modo sóbrio de vida, como Mujica profere: “Eu como outros, tentam limitar o possível do capitalismo. Mas o capitalismo não é a resposta. Precisamos descobrir outra coisa. Outra forma. Nós pertencemos a essa busca, na América Latina, não há respostas, há busca.” Inaugurando com essa retórica pacificadora o “capital conciliador”, que foi a sua distinção para com os demais líderes da chamada “virada à esquerda” da América Latina.
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RABUFFETTI, M., 2014, José Mujica, La Revolución Tranquila, Editorial Aguilar, Argentina.
UBA, Andrés Buisán. El discurso latinoamericanista y la ética de lo “elemental humano” en los discursos de José “Pepe” Mujica.
Palabras clave:
Capital Conciliador, Sobriedad y Discursos.