Resumen de la Ponencia:
Esta pesquisa, financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul (FAPERGS), objetiva conhecer diferentes aspectos das trajetórias escolares e estratégias de egressos e estudantes concluintes do nível médio da Educação de Jovens e Adultos (EJA) para acessar e/ou permanecer no campo universitário brasileiro. Para isso, trabalha-se com uma perspectiva teórica baseada no Estruturalismo Construtivista de Pierre Bourdieu assim como nas prolongações e contrapontos produzidos em diálogo com essa teoria por outros autores do campo intelectual francês (principalmente Bernard Lahire) e latino-americano (Afrânio Cattani, Maria Alice Nogueira, Cláudio Nogueira Martins, Emilio Tenti, Mercedes Molina Galarza, entre outros). Trata-se de contribuições que permitem problematizar a noção de trajetória social e seus desdobramentos nas particularidades do campo educacional brasileiro. A metodologia combina o uso de dados quantitativos e qualitativos. Para o trabalho com dados quantitativos foram utilizadas fontes secundárias provenientes do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira-INEP (Censos da Educação Básica e Superior; microdados do Exame Nacional de Ensino Médio-ENEM) e das informações estatísticas referidas ao ingresso vestibular de duas universidades da cidade de Porto Alegre/RS, uma pública e outra privada. Os dados qualitativos foram construídos a partir da realização de entrevistas semiestruturadas com 10 egressos/as da EJA que atualmente estudam ou são graduados recentes dessas universidades e com 10 alunos do último ano do Ensino Médio de duas escolas públicas, uma da rede estadual e outra da rede federal, com características diferentes.Destacam-se, entre outros resultados, os atravessamentos das políticas públicas do período do governo do Partido dos Trabalhadores (REUNI, Política de cotas, PROUNI), que ampliaram o acesso à universidade nas trajetórias de estudantes universitários de origem popular, que realizaram ou tiveram alguma passagem pela modalidade EJA na Educação Básica, em um contexto marcado por uma tendência geral de incremento do aumento de candidatos ao ENEM e da diversidade de ingressantes à universidade; a participação de alguns desses estudantes nos cursos de Pré-vestibular popular, como estratégia preparatória para a aprovação desse exame ou do vestibular; os retrocessos experimentados a partir de 2016, que ameaçam a continuidade das classes de escolarização de jovens e adultos pelas redes públicas de ensino; a atual ascensão do Exame Nacional de Competências de Jovens e Adultos (ENCCEJA) como única prova de certificação para o ensino fundamental e médio, sendo retirado do ENEM a certificação do Ensino Médio, pelo decreto presidencial do governo Michel Temer- lei 9.432, de 29 de junho de 2018 e as dificuldades enfrentadas por esses estudantes no contexto da pandemia do vírus Sars-CoV-2, causador da Covid-19 e da interrupção compulsória da escolaridade presencial.
Introducción:
Este trabalho apresenta resultados parciais de uma pesquisa que objetiva conhecer aspectos das trajetórias escolares e acadêmicas e das estratégias de egressos e estudantes do último ano do nível médio da Educação de Jovens e Adultos (EJA) para acessar, permanecer e se formar no campo universitário. Trata-se de uma investigação em andamento, prevista para ser realizada em um período de três anos, com financiamento da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio Grande do Sul (FAPERGS), desenvolvida no grupo de pesquisa Adultos, jovens e Educação no contemporâneo, registrado no CNPq.
Nesse espaço foram elaborados vários estudos e pesquisas sobre trajetórias educativas que permitiram avançar na análise teórica do conceito de trajetória social (de la Fare, 2020; de la Fare & Nunes, 2020); na realização de estados do conhecimento que deram visibilidade aos usos desse construto teórico na pesquisa em temas de Educação e em estudos empíricos sobre trajetórias profissionais de estudantes e egressos de diferentes âmbitos: ensino médio (Silva, 2020 ); curso técnico (Nunes, 2018); cursos universitários de graduação (Machado, 2019; Corsette, 2021) e pós-graduação (Rosa, 2021).
A perspectiva teórica na que essas pesquisas e este estudo se baseiam é a Teoria dos Campos, elaborada por Pierre Bourdieu e posteriormente debatida, continuada e utilizada para o desenvolvimento de estudos empíricos por outros autores do campo francês[1] e latino-americano[2]. Nessa linha de produção a trajetória social se define como uma serie de posições sucessivamente ocupadas por um mesmo indivíduo ou grupo em espaços sociais em movimento, também submetidos a transformações ininterruptas. Assim, a análise da trajetória implica considerar os campos e suas lógicas de funcionamento assim como as relações estabelecidas entre os habitus singulares e as forças do campo que se objetivam nessas trajetórias (Bourdieu, 1996). Dessa forma, “pode-se substituir a poeira das histórias individuais por famílias de trajetórias intrageracionais no seio do campo de produção cultural (ou, se se quiser, por formas típicas de envelhecimento específico)” (Bourdieu, 1997: 292).
A apropriação desse conceito nesta pesquisa leva a priorizar a análise dos campos escolar e universitário, para reconhecer como jovens e adultos de origem popular se movimentam nesses espaços e tentam avançar na escolaridade. Trata-se de trajetórias nas que se mobilizam um amplo conjunto de recursos materiais e simbólicos para a passagem entre dois espaços considerados historicamente distantes em relação à continuidade dos estudos: A EJA e a universidade.
A EJA, como subcampo da Educação Básica estabelecida como “categoria organizacional constante da estrutura da educação nacional, com finalidades e funções específicas” se estrutura a partir de três funções específicas: reparação de um direito civil negado como é a escolarização, equalização ante as históricas desigualdades de acesso a esse bem social e qualificação (Brasil, 2000: 5). Reconhecida pela normativa nacional (LDB e Parecer do Conselho Nacional de Educação n. 11/2000) como modalidade do sistema educacional congrega trabalhadores e trabalhadoras que buscam completar a escolaridade básica.
A universidade brasileira, com uma origem elitizada e uma longa história de exames altamente competitivos para o acesso, passou por importantes transformações a partir dos anos 2000 e experimentou um processo de ampliação democrática do ingresso, impulsado pelas políticas dos governos nacionais dos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff, do Partido dos Trabalhadores (PT). Assim, como efeito desse processo, se verifica que as pessoas com diploma de Educação Superior de 25 a 64 anos de idade passaram de representar o 8,9% desse grupo em 2010 para o 14,7% em 2015 (Ibge, 2016). Nesse recorte, esta pesquisa prioriza a focalização das transformações experimentadas por esse campo no Brasil nas últimas décadas, particularmente as relacionadas a políticas públicas de ampliação do acesso à universidade. Interessa particularmente a análise dos efeitos que as ações resultantes do Programa do Governo Federal de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais Brasileiras (REUNI), das Ações Afirmativas nas Universidades Públicas e do Programa Universidade para Todos (PROUNI), entre outras implementadas a partir dos anos 2000, tiveram nas trajetórias de indivíduos e grupos sociais que tradicionalmente não acessavam à universidade, como são as pessoas egressas da EJA.
No entanto, os últimos cinco anos de desmoronamento de políticas que garantem o direito à educação no Brasil[3] levam a analisar efeitos de retrocesso, como a tendência marcadamente decrescente de candidatos ao Exame de Ensino Médio (Enem) e de matriculados no Ensino Médio da EJA.
A perspectiva teórica adoptada nessas produções também postula a condição inseparável entre teoria e metodologia e prioriza o trabalho com dados quantitativos e qualitativos. Os primeiros, aos que prestaremos especial atenção neste texto, permitem reconstruir trajetórias escolares modais[4], entendidas como tendências gerais da escolarização de grupos sociais, neste caso: estudantes e pessoas egressas da EJA.
Os avanços parciais que se apresentam neste trabalho referem a um recorte dessas trajetórias, especificamente à tentativa de ingresso à universidade por parte de estudantes e egressos/as do Ensino Médio da EJA. Para isso, se analisam dados quantitativos provenientes das estatísticas oficiais produzidas pelo Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais “Anísio Teixeira” (Inep), especificamente microdados do Enem dos últimos cinco anos e informações do Censo da Educação Básica do mesmo período.
A seguir, este trabalho se apresenta organizado em três subseções: a primeira resgata sinteticamente o estado do conhecimento sobre os estudantes da EJA e oferece um panorama que caracteriza esse grupo; a segunda introduz uma descrição da situação do nível médio dessa modalidade educativa e demonstra o retrocesso dos últimos anos em relação ao número de matrículas. Ambas permitem contextualizar as informações que se apresentam na terceira subseção, referida à participação e resultados obtidos Enem por estudantes e egressos da EJA.
[1] Interessam a este grupo de pesquisa principalmente as contribuições de Wacquant (2007), para ampliar a compreensão e possibilidades de apropriação nas pesquisas do conceito de habitus e de Bernard Lahire, com seus « prolongamentos críticos », termo que esse autor usa para se referir ao trabalho desenvolvido em continuidade e contraponto com a obra de Bourdieu (Lahire, 2004).
[2] Na América Latina, as produções de Galarza (2016) para pensar o conceito de campo escolar e os estudos de Alice Nogueira, Cláudio Nogueira e Nadir Zago, entre outros, representam contribuições relevantes para pensar os desdobramentos dessa teoria em nossos contextos. O trabalho de Carvalho e Bento (2021) realiza uma interessante revisão dessas contribuições.
[3] A partir do governo de Michel Temer a aprovação da Emenda Constitucional 95, do 15 de dezembro de 2016, limita por 20 anos os gastos públicos (denominada PEC do teto de gastos). Isso representou o início do desmonte e desfinanciamento da educação pública em todos os níveis e modalidades, afetando fortemente as metas previstas pelo Plano Nacional de Educação 2014-2024 (PNE 2014-2024), aprovado pela Lei n. 13.005 do 25 de junho de 2014. Posteriormente, com o governo de extrema direita liderado por Jair Bolsonaro, essa situação de descaso com a Educação Básica continuou-se agravando e atingindo as universidades, com uma importante diminuição dos recursos para as instituições de Educação Superior e às principais agências científicas, como CAPES e CNPq. A isso se sumam os contínuos ataques às universidades através de intervenções e ações que afetam fortemente a autonomia dessas instituições.
[4] Um estudo detalhado deste conceito é apresentado em uma publicação anterior (de la Fare, 2020).
Desarrollo:
A EJA no Rio Grande do Sul: o escândalo das desigualdades educativas
Em tempos de retrocesso das políticas que ampliaram o acesso à educação no País, o descaso do poder público com a EJA se evidencia tanto na ausência de políticas para essa modalidade, com o indispensável investimento de recursos públicos, quanto no aumento de obstáculos para a certificação do nível médio como possibilidade de acesso à universidade. Assim, o Decreto Presidencial n. 9.432, de 29 de junho de 2018, estabeleceu novas diretrizes para a Política Nacional de Avaliação e Exames da Educação Básica e eliminou a possibilidade de certificação do nível médio pelo Exame Nacional de Ensino Médio (Enem), estabelecendo novamente o Exame Nacional de Competências de Jovens e Adultos (Encceja) como única prova de certificação para o ensino fundamental e médio.
No caso do público da EJA, a reversão dos processos de exclusão formal da escolaridade nas trajetórias educativas depende das condições que o sistema educacional disponibilize para essa modalidade, como escolas com funcionamento em horários e espaços de acesso possível e que favoreçam a continuidade da presença escolar a trabalhadores e trabalhadoras estudantes; professores com condições de trabalho adequadas e uma formação específica, metodologias de ensino próprias e currículos pertinentes. Dessa forma, a demanda potencial encontra possibilidades de efetivação para a continuidade e conclusão da Educação Básica e assim se garante o direito à educação reconhecido pela Constituição Federal de 1988, a LDB e o Parecer n. 11/2000 do Conselho Nacional de Educação.
No entanto, a situação atual da EJA encontra-se distante do estabelecido pela normativa e apresenta um cenário adverso para a garantia do direito à educação. O ideário neoliberal se encarna na política educacional e tenta impor um novo modelo escolar regido pela sujeição direta da escola à razão econômica (Laval, 2004). Nesse marco, a denominada reestruturação da EJA no Rio Grande do Sul (RS), iniciada em 2019 e continuada em 2020, avança na eliminação de espaços escolares da rede pública destinados a essa modalidade educativa. Como resultado desse processo, os dados estatísticos evidenciam uma tendência decrescente das matrículas de Ensino Médio na rede pública no período dos últimos cinco anos, principalmente no âmbito estadual e um incremento no setor privado.
Em 2015, a matrícula total era de 61.517 estudantes, predominando a rede pública com um 79,5% (48.875). Nesse grupo, a maior matrícula era a das escolas estaduais (46.022, 94,2% do total da matrícula da rede pública). Comparando com a matrícula de 2019, se identifica uma diminuição do 8% na rede pública, associada principalmente à matrícula das escolas estaduais que decresceu um 8,9%. Em contraste, a matrícula das escolas da rede privada se incrementou em um 21,7%, nesse mesmo período.
Esta tendência decrescente da matrícula da rede pública se agudiza em 2020, que comparada com a de 2019 evidência, em um único ano, um decréscimo do 25,6%, sendo a diminuição nas matrículas das escolas estaduais de um 38,1%. Como contraponto, a matrícula das instituições privadas se acrescenta em 5,7% nesse mesmo período[1].
Essas informações estatísticas permitem identificar uma tendência a reduzir a oferta educativa da rede pública, especialmente estadual e a promover a privatização do Ensino Médio da EJA no Rio Grande do Sul. Assim, a retração da oferta em escolas públicas, especialmente estaduais, dificulta e até impossibilita o acesso a essa modalidade educativa a estudantes de origem popular que procuram prolongar suas trajetórias educativas através da conclusão do ensino médio na EJA.
Por outra parte, o alcance mundial do acontecimento recente da pandemia mundial de COVID-19 e o isolamento obrigatório, como medida de prevenção sanitária, produziram uma situação inédita nos sistemas educativos de grande quantidade de países, resultando na interrupção supressiva e compulsória da escolaridade presencial por períodos prolongados de tempo e a implementação emergencial de um conjunto de ações e estratégias para tentar dar respostas a algum tipo de continuidade escolar, na tentativa de manter tanto os vínculos pedagógicos quanto as aprendizagens.
Nesse marco geral, que incluiu as instituições educativas do Brasil, no Rio Grande do Sul (RS) foram interrompidas as aulas presenciais a partir de 23 de abril de 2020, pelo Decreto nº 55.118, de 16 de março de 2020, que suspendeu as aulas na Rede Estadual de Ensino e estabeleceu regime excepcional de teletrabalho, e pelo Decreto nº 55.128, de 19 de março de 2020, que declarou a situação de calamidade pública em todo o território desse estado para fins de prevenção e enfrentamento à pandemia. Assim, se implementaram emergencialmente aulas programas a distância, mediadas por recursos digitais e disponibilização de merendas escolares mediante demandas, através de entregas aos estudantes.
Um documento elaborado pelos Fóruns Estaduais da EJA do Brasil informou, em junho de 2020, a ênfase no direito à educação para todos, no contexto nacional de “descaso do poder público com a defesa da VIDA e saúde dos trabalhadores, com a educação pública, e, sobretudo, com a modalidade da Educação de Jovens e Adultos (EJA).” (Fóruns EJA, 2020: 1). Também que as desigualdades socioeconômicas, culturais, educacionais e digitais convertem as aulas remotas em “obstáculo quase intransponível para a maioria dos (as) educandos (as) essencialmente trabalhadores (as)”, sendo evidente o descumprimento do “princípio da igualdade de condições para acesso e permanência na escola, conforme previsto na Constituição Federal de 1988, e na Lei de Diretrizes e Base da Educação Nacional de 1996” (Fóruns EJA, 2020:1).
Essa declaração e informações sobre o cenário educativo da EJA, no contexto da pandemia, conduzem a identificar o escandaloso agravamento das desigualdades educativas preexistentes, causado pela interrupção da escolaridade presencial em um sistema educativo caracterizado pela segmentação de circuitos escolares e pela segregação educativa, que dificulta e até impossibilita o acesso a uma educação de qualidade, sendo a EJA um dos espaços mais afetados. Nesse marco, esse subcampo escolar apresenta claras sinais de restrições e fechamentos, incluindo a diminuição de turmas e espaços escolares. Assim, se estreita uma via de acesso importante à conclusão da Educação Básica para trabalhadores e trabalhadoras que experimentaram processos de exclusão escolar.
A busca pelo ingresso à universidade via Enem em declínio: estudantes e pessoas egressas da EJA nesse cenário
O Enem, criado em 1998 como um instrumento de avaliação do Ensino Médio em grande escala passou a constituir-se como principal exame para o ingresso à universidade, substituindo, em muitos casos quase totalmente ao tradicional exame vestibular, organizado por cada universidade. Essa mudança efetivou-se no governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva do Partido dos Trabalhadores (PT), ao ser criado o Sistema de Seleção Unificada (SISU) mediante a Portaria Normativa do MEC n. 2, de 26 de janeiro de 2010, com outras normativas posteriores que introduziram modificações. Assim o SISU foi estabelecido como “o sistema por meio do qual são selecionados estudantes a vagas em cursos de graduação disponibilizadas pelas instituições públicas e gratuitas de ensino superior que dele participarem” (Brasil, 2012), posteriormente sua abrangência foi ampliada e atualmente é realizado para o acesso a universidades públicas e privadas do Brasil, estas últimas através do sistema de bolsas implementadas pelo Programa Universidade para todos (Prouni), criado pela nº 11.096 de 13 de janeiro de 2005.
Com a criação do SISU, o Enem experimentou um importante crescimento no número de candidatos, de 4.148.721 em 2010 a 8.721.946 em 2014 (Inep, 2015). Porém o período em estudo nesta pesquisa indica um importante declínio nessa tendência no País e no RS.
O crescimento sistemático do número de candidatos inscritos no ENEM no Brasil, experimentado até 2016, embora com uma diminuição de 2014 a 2015, começa a reverter para uma tendência decrescente em 2017 e chega em 2021 a uma redução assustadora de quase a metade dos candidatos, comparados com o ano anterior e um pouco mais de um terço dos de 2014. Dentro das possíveis explicações para essa diminuição, produzida a partir de 2017, pode ser considerada a mudança nas políticas públicas no período pós-impeachment da Presidenta Dilma Rousseff do Partido dos Trabalhadores, incluídas as educativas, a finalização da certificação de Ensino Médio através desse exame e a crise econômica geral. Posteriormente, a partir de 2020, com o governo de extrema direita liderado por Jair Bolsonaro, o agravamento da crise política e econômica, o desfinanciamento e descaso com a educação, os problemas na organização do próprio ENEM e os efeitos da interrupção da escolaridade presencial por causa da pandemia de COVID-19 potencializam os obstáculos materiais e simbólicos que afetam possibilidades e expectativas de ingressar à universidade. No entanto registra-se um incremento de inscritos do 13,5% ao comparar 2019 e 2020, essa recuperação não representa um contrapeso importante em relação à diminuição em anos anteriores e no 2021.
No caso do RS, o número de inscritos acompanha o decréscimo no número de inscritos geral de 2014 a 2015: se mantém quase constante de 2015 a 2016 e evidencia uma queda relevante, do quase 30% em 2017, e com diminuições do 17,4% e do 10,2% em 2018 e 2019. Posteriormente, seguindo a tendência geral se evidencia uma leve recuperação de quase 14% em 2020 e novamente uma queda abrupta, do 28%, em 2021.
Nesse conjunto maior os dados referentes a estudantes e pessoas egressas da EJA se apresentam para o período 2014-2018, pois os microdados do Enem disponibilizados pelo Inep até a elaboração deste trabalho chegam até 2019 e nesse ano não registram nenhum candidato da EJA, questão que pode ser associada a dificuldades no levantamento ou registro. O número de candidatos provenientes do Ensino Médio da EJA, pessoas egressas e estudantes, apresenta uma tendencia diferente em relação às anteriormente apresentadas.
De 2015 a 2016, o número desses candidatos se incrementou em quase um 12%, em contraste com o número total de candidatos do RS que praticamente não apresentou variações, porém, no ano seguinte diminuiu um 15,6%, em proporção, quase a metade da tendência decrescente dos candidatos totais do estado, que foi próxima ao 30%. Em contraste, de 2017 a 2018 os candidatos da EJA aumentaram em um 7,6% e os do RS diminuíram um pouco mais de um 17%.
Acrescenta-se que ao comparar a proporção de candidatos provenientes da EJA, em relação ao total de candidatos do RS, a proporção aumenta em forma sistemática: 2,7% em 2015, se aproxima do 3% em 2016, supera essa porcentagem alcançando um 3,6% em 2017 e praticamente se duplica em 2018, com um 7,6% de estudantes e pessoas egressas da EJA no total de inscritos confirmados no RS.
Esses dados permitem identificar indícios interessantes: confirmam a presença de pessoas que estudam ou são egressas da EJA no Enem, principal exame de acesso à universidade, em contraste com algumas representações estereotipadas desse grupo, que tendem a não os considerar como potenciais estudantes universitários; a proporção dessa representação no conjunto de inscritos confirmados no RS aumenta expressivamente no curto período analisado de três anos (2015-2018) e passa do 2,7% a 7,6% e, por último, a tendência da participação quantitativa desse grupo no conjunto do total de candidatos inscritos confirmados no País ou no RS registra características próprias que exigem ser estudadas mediante um futuro aprofundamento da análise dos dados do ENEM.
[1] Uma informação relevante é que essa tendência não se vincula aos efeitos da interrupção da escolaridade presencial no contexto das medidas sanitárias de isolamento social causadas pela pandemia mundial de COVID-19, pois a pesquisa desses dados foi antecipada ao momento ao momento anterior à interrupção das aulas.
Conclusiones:
Este trabalho, como foi advertido na introdução, apresentou avanços de uma pesquisa em andamento. Embora os resultados não sejam conclusivos, os dados permitem visualizar aspectos das trajetórias escolares modais do público que frequenta ou frequentou a EJA e que projeta o acesso à universidade pela via do Enem e das políticas que ampliaram o acesso a esse espaço social.
Isso acontece em um país em que o número de pessoas que não completou o ensino médio nas idades estabelecidas pelas escolas regulares é expressivo. O cenário de descaso do governo com a educação pública evidência que jovens e adultos das classes populares se encontram cada vez mais limitados e até impedidos, pelas políticas que definem a oferta do próprio sistema educacional, de se movimentar na direção de construir trajetórias escolares prolongadas. Os dados apresentados em relação às matrículas de Ensino Médio no RS evidenciam uma tendência decrescente associada à redução e eliminação de espaços escolares dessa modalidade educativa nas redes públicas de ensino.
No entanto, também se verifica a participação de estudantes ou egressos no Enem nos últimos anos, questão que indica o interesse e a mobilização de estratégias e recursos desses grupos pela continuidade de suas trajetórias educativas. Na perspectiva trabalhada nesta pesquisa, esses movimentos se vinculam às transformações do campo universitário provocadas pelas políticas de democratização do acesso à Educação Superior durante os governos nacionais do PT.
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Palabras clave:
Palavras chave: Trajetória; Educação de Jovens e Adultos; Universidade.
Palabras clave: Trayectoria; Educación de Jóvenes y Adultos; Universidad.
Key-words: Trajectory; Youth and Adult Education; University.