Resumen de la Ponencia:
Este estudo teve como objetivo analisar a constituição das representações sociais de professores do ensino fundamental sobre educação étnico-racial e as implicações em sua prática pedagógica. Tem como referencial teórico metodológico a Teoria das Representações Sociais e traz como categorias fundamentais a “educação”, “o racismo” e a “colonialidade”. A abordagem é qualitativa, com Técnica de Evocação de Palavras para produção de dados pelos professores do ensino fundamental de uma escola pública e o Mapa Mental para sua análise. O percurso deste estudo nos conduz a uma visão psicossocial da educação para as relações étnico-raciais na atualidade. Problematizamos o cômodo lugar a que uma perspectiva hegemônica de ciência e pesquisa — moldada na história moderna/ocidental/eurocêntrica — nos levaria. Daí o problema deste estudo: Como se constituem as representações sociais de professores do ensino fundamental sobre a educação étnico-racial e quais as implicações em sua prática pedagógica? Os resultados revelam que as representações sociais dos professores do ensino fundamental sobre a educação étnico-racial — num contexto diferenciado de mudanças socioculturais, político‑legais, econômicas e educacionais, engendrado desde o processo de redemocratização do Brasil — apresentam perspectivas ambíguas, que em alguns momentos podem reproduzir o racismo, o preconceito e discriminação racial via educação. Entretanto, além de mudanças sensíveis a visão, um “território simbólico” com “solo fértil” para que novas mudanças sejam concretizadas na sociedade e no cotidiano escolar vem sendo construído a partir de aproximações da perspectiva intercultural como referencial demandado pelos alunos e alunas e impulsionados pela organização e mobilização do Movimento Negro.
Introducción:
Sawabona a todos e todas — participantes e leitores — envolvidos com este estudo, que versa sobre a educação étnico-racial e objetiva analisar a constituição das representações sociais de professores do ensino fundamental sobre a educação étnico-racial e as implicações destas representações em suas práticas pedagógicas. Sawabona e shikoba. Essas expressões nos encaminham a uma outra forma de pensar; marcam algo diferente de uma realidade construída com a elevação da lógica racional moderna a status de um conhecimento verdadeiro, que supostamente garantiria o acesso a um pretenso mundo civilizado, evoluído, superior. Mundo, na verdade, marcado historicamente pela devastação de povos, num intenso genocídio praticado desde a colonização europeia na América, Ásia e África, que de alguma forma continua a nos atingir... É neste sentido que se faz importante o estudo das representações sociais de professores do ensino fundamental sobre a educação étnico-racial, base fundamental para a formação dos sujeitos em nossa sociedade. As representações sociais, de acordo com Moscovici (2015, p. 208), “são formadas através de influências recíprocas, através de negociações implícitas no curso das conversações, onde as pessoas se orientam para modelos simbólicos, imagens e valores compartilhados e específicos”. Assim, para Martins da Silva e Nascimento (2019, p. 9), “as representações sociais emergem a partir das trocas e negociações de conhecimentos partilhados e consensuados entre os sujeitos de um grupo social. Para compreendermos a perspectiva de estudo proposta é necessária uma compreensão da relação entre racismo, colonialidade e representações sociais que circulam no ambiente educacional. Portanto, faremos uma breve reflexão sobre essa relação. Ao longo do século XIX, quando as ciências sociais adotaram uma lógica científica afinada com os métodos das ciências naturais, as ideias evolucionistas e funcionalistas predominavam no pensamento social. Assim, a história era configurada num plano linear em que as sociedades eram classificadas sob um padrão europeu de “evolução” e “civilização”. Nesse sentido, as sociedades do além-mar eram consideradas primitivas e atrasadas e, portanto, só após percorrerem os mesmos percursos históricos dos países europeus poderiam alcançar o patamar da civilização, do racionalismo científico.
Na escola, por exemplo, o racismo se expressa nas relações entre os sujeitos que compõem a dinâmica social rotineira. Professores ainda reproduzem em suas práticas pedagógicas formas de preconceitos que se disseminam na sociedade em geral. Entretanto, os alunos e alunas hoje trazem inúmeras demandas socioculturais quando expressam suas diferenças na escola e os professores podem contribuir para superação de padrões de identidade e compreensões de mundo pautados em uma pureza racial inexistente, referenciada no modelo eurocêntrico de beleza, comportamento, valores, ideologias, que tenta forjar nos estudantes uma identidade marcada pela supremacia branca, cristã, heterossexual, masculina. Arroyo (2012, p. 125), ao articular o campo de disputas políticas às representações que elaboramos acerca dos sujeitos e grupos que consideramos diferentes, evidencia que a educação e as teorias e práticas pedagógicas são também atravessadas e desafiadas pelas tensões e disputas sociais, sobretudo nos grupos subalternizados. Assim, pode-se abrir um espaço maior para que relações dialógicas se concretizem no cotidiano escolar, uma vez que, ao compreender a complexidade do processo de ensinar-aprender, os agentes escolares podem fazer frente à insistência do racismo na atualidade. Nesse caso, ao articular o programa modernidade/colonialidade, a Teoria das Representações Sociais e a Educação intercultural nos remetem a investigações que englobam a realidade da educação escolar de uma perspectiva fundamental na construção do conhecimento, pois esta se encontra nas intersecções, pontes, travessas, “entre-lugares” (BHABHA, 2001), teias de significados que abarcam a relação dialógica entre indivíduo e sociedade.
Desarrollo:
Embora a presença do racismo na escola seja amplamente admitida pelos professores do ensino fundamental participantes deste estudo, evidências de que sua manifestação nem sempre é percebida são comuns nos discursos dos depoentes. Nesse sentido, outro aspecto concorre para que o racismo seja naturalizado na escola: a ausência ou o trabalho parcial que resgatem a história e cultura africana, afro-brasileira e indígena nas práticas pedagógicas cotidianas da educação escolar. De acordo com Müller e Santos (2014, p. 95): “A escola no Brasil, nas práticas educativas, conteúdos curriculares e relações desenvolvidas em seus ambientes e entre aqueles que nele transitam, acaba reproduzindo uma “lógica de discriminação”, fruto de uma hegemonia cultural de valorização da branquitude e desvalorização de padrões e valores culturais “não brancos”. De modo particular, a cultura negra, fatos, personagens e suas contribuições na construção da sociedade brasileira são considerados de menor valor, e até mesmo invisibilizados, mantidos os estereótipos e preconceitos, representados nos livros didáticos e nos espaços escolares nas cenas de escravidão, sofrimento e subserviência [...]”.
Portanto, como defende o autor, mais que admitir a presença do preconceito, da discriminação racial ou do racismo na escola, os professores — e todos aqueles que vivem os desafios impostos pela educação escolar — devem proceder uma radical transformação na perspectiva que considera a lógica de discriminação e orienta práticas perversas na escola. Na categoria Barreira atitudinal, agregamos as palavras que remetem às manifestações do racismo na escola: “bullying, preconceito, desrespeito, intolerância, apelidos, egoísmo, ignorância, tristeza, violência, desamor, piadas, ignorância, dor, maldade, descaso, velado”. Na categoria Ação, agrupamos as palavras em torno de práticas que, segundo os professores, podem combater o racismo: “conversa, valorização, direitos, conhecimento, educação, formação, diálogo”. Os professores identificam a manifestação do racismo na escola, o caracterizam como velado ou manifesto de outras maneiras como nas piadas. Associam o racismo ao “bullying”, que é uma expressão mais comum hoje para tratar da violência na escola, pelo maltrato sofrido por alunos e alunas que não se adequam a um padrão hegemônico de referência de beleza, classe, raça, gênero, etc. Ambas as categorias temáticas criadas — “Barreira atitudinal” e “Ação” evidenciam um movimento de reconhecimento da existência do racismo e das formas como podemos combatê-lo. Nesse sentido, Müller e Santos (2014, p. 98) destacam o duplo e paradoxal papel da escola quando se reportam ao problema do racismo neste microespaço: “A escola pode reproduzir a sociedade como ela é, mas também pode transformá-la”. Assim, diante do persistente racismo que assola o cotidiano escolar, com o mito da democracia racial ainda consolidando o preconceito e discriminação racial de forma velada e camuflada em “práticas aparentemente inclusivas, mas que mantêm a invisibilidade do negro”, torna-se fundamental a “descolonização da prática pedagógica e a efetivação de uma pedagogia antirracista”.
Consolida-se a imagem que retrata a superação do preconceito e discriminação raciais por meio da valorização da escola pela sociedade com a garantia da “infraestrutura” adequada para o trabalho do professor. Ao mesmo tempo, os professores enfatizam que as ações pedagógicas se transformarão à medida que tenham acesso a uma formação que lhes proporcione mais conhecimentos e esclarecimentos a fim de que outras mentalidades e identidades sejam originadas e se expressem na escola. Também há valores — individuais e coletivos — que entram na dinâmica das mudanças que retratariam a educação para as relações étnico-raciais expressas em ações pedagógicas diferenciadas. Nesse sentido, a luta por uma educação de qualidade que atenda às necessidades efetivas da população foi formalmente incorporada na Constituição Federal (CF) de 1988, que traz a educação como um direito social: “Art. 205. A educação, direito de todos e dever do Estado e da família, será promovida e incentivada com a colaboração da sociedade, visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho” (BRASIL, 1988). A “cidadania” e a “dignidade da pessoa humana” são fundamentos da República Federativa do Brasil, que se constitui em Estado Democrático de Direito. Assim, tratar do “humano” significa considerar as diferenças que são construídas pelas culturas que formaram e fazem parte do que hoje é o país, assegurando minimamente o respeito à diversidade e sua valorização nos processos educacionais escolares e não escolares.
Conclusiones:
O percurso deste estudo nos conduz a uma visão psicossocial da educação para as relações étnico-raciais na atualidade. Ao situar o sujeito em um contexto sociocultural, negamos o conhecimento sem “alma”, abstrato, pretensamente imparcial, neutro, “puro”, ao mesmo tempo em que lutamos para resgatar os conhecimentos que entrelaçam subjetividade, intersubjetividade e transubjetividade. Nesse sentido, as representações sociais de professores do ensino fundamental sobre a educação para as relações étnico-raciais emergiram de um amplo movimento — consolidado nas relações engendradas pelos professores — que revelou a dinâmica com que são formadas — pelos processos de objetivação e ancoragem — as representações sociais e as consequentes atitudes que surgem no “horizonte” de saberes, expressando contradições e ambiguidades, imagens e sentidos que configuram a dinâmica da realidade sociocultural. As relações tecidas no cotidiano e representadas nos discursos dos professores trazem as marcas da sociedade em que são formadas, mas deixam evidentes também as transformações concretizadas desde a expressão simbólica, criativa, com redefinições que, às vezes, “rasgam” imagens e sentidos que padrões hegemônicos insistem em propagar como verdades absolutas. Uma certa mudança, entretanto, num nível mais subjetivo — mesmo que orientado por um “horizonte” coletivo de debates, divulgações, desnaturalizações acerca do racismo — poderá não corresponder às expectativas de uma mudança mais global/radical como a legislação sobre a temática dita.
Bibliografía:
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Palabras clave:
Representações sociais. Prática docente. Interculturalidade. Educação étnico-racial.