Resumen de la Ponencia:
Nesta apresentação oral propomos discutir o impacto da pandemia nas relações de gênero e a posição social da mulher a partir de duas pesquisas realizadas em Manaus/Amazonas/Brasil. A primeira sobre a difusão dos estereótipos femininos entre as crianças, na produção das culturas infantis em creche e a segunda, sobre a colonialidade e seus efeitos na educação das crianças, com foco nas questões de gênero e etnia, refletido na forma como as mães lutam para proteger suas filhas/os da violência da opressão e exclusão social, e também contraditoriamente mantendo/perpetuando as formas de violência. Tratam-se de pesquisas produzidas no Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação e Diferenciação Sociocultural – GEPEDISC linha Culturas Infantis, da Universidade Estadual de Campinas/São Paulo/Brasil. Na primeira pesquisa, foi realizado um levantamento bibliográfico sob a perspectiva da Pedagogia da Infância com abordagem nas Ciências Sociais, com foco nos estudos de gênero, interlocução com a bibliografia italiana da educação infantil traduzida para o português e o pensamento de autoras/es marxistas. O trabalho assalariado da mulher fora de casa e o acúmulo de tarefas domésticas trouxe a urgência da creche, isto é, espaço coletivo, laico, gratuito e de qualidade na esfera pública de educação e cuidado das crianças pequenas. A patriarcal divisão sexual do trabalho é uma construção histórica que produz, conserva e reproduz as desigualdades sociais, aspecto fundante do capEtalismo. No espaço da creche – e na sociedade de maneira geral – as tarefas são socialmente direcionadas diferentemente a homens e mulheres, transformando as diferenças em desigualdades. Durante a pandemia, a sobrecarga de trabalho foi ampliada, quando as mulheres passaram a acumular a quádrupla jornada ao assumirem em casa o trabalho das professoras. A segunda pesquisa investigou os elementos sociais, políticos e as pluralidades históricas da realidade, que pudessem ser tomados como representativos de concepções do educar e cuidar de crianças presentes nas alternativas criadas pelas mães manauaras, na perspectiva de compreender a falta de creche pública em um contexto urbano complexo. Para dar conta dos objetivos, foram entrevistadas doze mulheres de um bairro com maior número de crianças pequenininhas. A bibliografia utilizada para as análises resultou de uma incursão nos estudos pós-coloniais, que avançaram para os decoloniais, priorizando os estudos feministas. As pesquisas, concluídas em meio a pandemia, além da contribuição com a produção científica acerca dos efeitos da colonização na vida das mulheres e na educação das crianças, trazem provocações resultado das contradições que o sentimento morte/vida evoca. Trazem os dados anunciados nos problemas que geraram as pesquisas, num movimento de idas e vindas como se flutuássemos num rio, ora emergindo buscando o ar necessário na superfície da razão para dar conta das exigências acadêmicas; ora totalmente submersas, afogadas nas amarras do tempo-espaço onde estão fincadas as autoras.
Introducción:
As pesquisas aqui apresentadas são oriundas dos esforços empreendidos na realização de dois trabalhos em contextos brasileiros distintos. Na primeira pesquisa, foi realizado um levantamento bibliográfico sob a perspectiva da Pedagogia da Infância com abordagem nas Ciências Sociais, com foco nos estudos de gênero, interlocução com a bibliografia italiana da educação infantil traduzida para o português e o pensamento de autoras/es marxistas.
A segunda pesquisa, investigou os elementos sociais, políticos e as pluralidades históricas da realidade, que pudessem ser tomados como representativos de concepções do educar e cuidar de crianças presentes nas alternativas criadas pelas mães manauaras, na perspectiva de compreender a falta de creche pública em um contexto urbano complexo. Para dar conta dos objetivos, foram entrevistadas doze mulheres de um bairro com maior número de crianças pequenininhas.
O objetivo deste artigo é partir das pesquisas citadas, na perspectiva de refletir sobre o impacto da pandemia nas relações de gênero e a posição social da mulher. A questão do trabalho assalariado da mulher fora de casa e o acúmulo de tarefas domésticas, discussão base de ambas as pesquisas, trouxe a urgência da creche, isto é, espaço coletivo, laico, gratuito e de qualidade na esfera pública de educação e cuidado das crianças pequenas. A creche no Brasil é a primeira etapa da Educação Básica, reafirmada pelaResolução nº 5, de 17 de dezembro de 2009, que fixa as Diretrizes Curriculares Nacionais para Educação Infantil, como:
Primeira etapa da educação básica, oferecida em creches e pré-escolas, às quais se caracterizam como espaços institucionais não domésticos que constituem estabelecimentos educacionais públicos ou privados que educam e cuidam de crianças de 0 a 5 anos de idade no período diurno, em jornada integral ou parcial, regulados e supervisionados por órgão competente do sistema de ensino e submetidos a controle social.
É dever do Estado garantir a oferta de Educação Infantil pública, gratuita e de qualidade, sem requisito de seleção (Brasil, 2009).
A patriarcal divisão sexual do trabalho é uma construção histórica que produz, conserva e reproduz as desigualdades sociais, aspecto fundante do capEtalismo. No espaço da creche – e na sociedade de maneira geral – as tarefas são socialmente direcionadas diferentemente a homens e mulheres, transformando as diferenças em desigualdades. Durante a pandemia, a sobrecarga de trabalho foi ampliada, quando as mulheres passaram a acumular a quádrupla jornada ao assumirem em casa o trabalho das professoras.
Parte-se, portanto, de duas distintas iniciativas a fim de alcançar uma discussão comum. Ambas as pesquisas foram produzidas no Grupo de Estudos e Pesquisas em Educação e Diferenciação Sociocultural – GEPEDISC linha Culturas Infantis, da Universidade Estadual de Campinas, no interior do estado de São Paulo, Brasil. Na pesquisa de Pereira (2021), foi realizado um levantamento bibliográfico fundamentado na Pedagogia da Infância, com abordagem nas Ciências Sociais, com foco nos estudos de gênero, na interlocução com a bibliografia italiana da educação infantil traduzida para o português e o pensamento de autoras/es marxistas. A de Silva (2021), investigou os elementos sociais, políticos e as pluralidades históricas da realidade, que pudessem ser tomados como representativos de concepções do educar e cuidar de crianças presentes nas alternativas criadas pelas mães manauaras, na perspectiva de compreender a falta de creche pública em um contexto urbano complexo, onde convivem brancos e brancas, não brancos e não brancas, negros e negras, quilombolas, estrangeiros, sendo a maioria haitianos e venezuelanos e várias etnias indígenas.
Desarrollo:
OS CAMINHOS TRILHADOS: MANAUS E SEUS DESAFIOS
Desde o início das duas pesquisas, inúmeras e repentinas mudanças aconteceram e a realidade, até então conhecida, transformou-se em uma grande interrogação. A pandemia do Coronavírus fez com que o procedimento metodológico e o planejamento da realização do grupo focal – da primeira pesquisa –, definido como: “[...] um conjunto de pessoas selecionadas e reunidas por pesquisadores para discutir e comentar um tema, que é objeto de pesquisa, a partir de sua experiência pessoal” conforme Powell & Single (1996 como citado em Gatti, 2005, p. 7), sofressem grandes alterações. Neste contexto, é fornecido às pesquisas um olhar ainda mais sensibilizado diante da prática, das teorias subjetivas e de toda as observações retratadas.
Assim, a pesquisa de Pereira (2021) foi desenvolvida em contexto remoto, com professoras de uma creche manauara, a partir da realização dos estágios curriculares obrigatórios do curso de Pedagogia em andamento. Epicentro da pandemia por meses, a cidade de Manaus, capital do estado do Amazonas, Região Norte brasileira, conta ainda com condições de trabalho menos favoráveis para as professoras da Educação Infantil, ao passo que – segundo as próprias docentes – possui índices bons de qualidade, avaliados pelos órgãos municipais e estaduais.
Com o estágio em desenvolvimento e por intermédio de colegas em comum, foi possível realizar o grupo focal com professoras de Manaus. Na mesma época, ocorria nas salas de aulas virtuais o Estágio Curricular Obrigatório em Educação Infantil, num formato jamais presenciado no curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Unicamp: remoto, síncrono e fisicamente distante. A proposta inicial era de acompanhar professoras de crianças entre 0 a 6 anos, nos contextos mais diversos: São Paulo, Manaus, Mato Grosso do Sul, cidades brasileiras de distintas regiões e, até mesmo em outro país da América do Sul, como a Colômbia.
No Brasil, a creche aparece inicialmente como um direito das mulheres trabalhadoras. Consistia em espaços criados próximos aos locais de trabalho, onde as crianças eram deixadas em segurança para as mães trabalharem. Com esta nova posição ocupada, após anos de reivindicações, surgiram outros impasses a serem superados. A patriarcal divisão sexual do trabalho, no entanto, impõe sua força, estabelecendo jornadas duplas e até triplas para aquelas que laboravam fora de casa. Os afazeres domésticos do dia-a-dia, os cuidados com os filhos e filhas e o trabalho remunerado, constituíam o cotidiano de muitas mulheres brasileiras (Teles, 2015). O movimento feminista reivindicou a creche como um direito a ser garantido e lutou por políticas públicas que o efetivasse:
A creche não só libera a força de trabalho feminino, mas facilita condições para o acesso à autonomia das mulheres. Pode também contribuir para enfrentar as desigualdades sociais nas relações de gênero, sendo uma das questões cruciais o sexismo. A creche deve desenvolver uma educação não sexista e não racista. A creche é uma maneira concreta de enfrentar a desigual divisão sexual do trabalho, fator determinante para se manter a discriminação, subjugação e exploração das mulheres.
O feminismo reivindica políticas públicas que enfrentem a questão da maternidade como função social, o que exige a criação de equipamentos sociais como creches, restaurantes e lavanderias populares (Teles, 2015, p. 29).
Na cidade de Manaus, a questão do oferecimento e da demanda das creches é diferente (Silva, 2021). O cuidado e educação das crianças pequenininhas eram destinados às famílias, não havia a centralidade da instituição educativa neste âmbito, logo, as creches não faziam parte prioritariamente das reivindicações femininas como no caso da cidade de São Paulo nas décadas de 1970 e 1980. A creche que comporta as professoras que participaram do grupo focal, foi a primeira do município:
A primeira creche municipal de Manaus, construída após a publicação da LDB, é inaugurada em 2007. Os estados da Região Norte possuem o maior quantitativo de crianças entre as regiões brasileiras e a menor cobertura de creches do país. A criação de vagas para atender à crescente demanda é incompatível com as questões que contextualizam o início da Educação Infantil no Brasil, como a inserção de um número maior de mulheres no mundo do trabalho (as negras e indígenas trazidas para a zona urbana sempre trabalharam), o processo de industrialização e o decorrente aumento da população urbana que, no caso do Amazonas é marcado principalmente pela criação da Zona Franca de Manaus (ZFM), em 1967 (Silva, 2021, pp. 37-38).
Existe, neste contexto, uma densa dualidade de ideias que prevê a observação de duas interpretações comuns à mesma realidade. As mulheres manauaras tem uma posição relevante no polo industrial da cidade enquanto trabalhadoras, porém, a luta pela creche não é observada como forte bandeira de luta por essa mulheres. A pesquisa de Silva (2021), demonstra ainda a creche sendo aguardada pelas mulheres-mães, como uma dádiva dos administradores públicos, não um direito das famílias e das crianças revelando a repercussão da colonialidade na contemporaneidade.
Nas reflexões sobre as formas como a colonialidade opera nas subjetividades, reproduzindo as desigualdades, pensando a creche como lugar de uma educação branca, colonizadora, destacamos que,
A colonialidade tem uma força inegável na produção das subjetividades. Nesse sentido, a educação das crianças pequenininhas em instituições de um Estado colonizador vai atuar na reprodução das subjetividades coloniais e, por consequência, na hegemonia do poder. Mas também é possível pensar a creche como um espaço contra hegemônico, “propício à emancipação”, como afirmam Santos e Faria (2015). Para isso, precisamos conhecer mais as formas de atuação e atualização da colonialidade, que nos colocam na condição de subalternizadas/os e dialogar com as diferenças que nos constituem, a fim de pensar quais são as alternativas de desvio (Silva, 2021, p. 40).
Nesse sentido, considerando a ancestralidade indígena de parte expressiva das mulheres manauaras, inicialmente foi possível pensar a não luta das mães pela creche para seus filhos e filhas, como resistência aos processos coloniais hegemônicos. No entanto, as entrevistas com as doze mães de crianças de 0 a 3 anos de idade, reafirmam o poder colonial operando. Das doze, onze mães desejam a creche para suas crianças, como forma de fugir do empobrecimento e das violências daí decorrentes. Nossa expectativa como militantes em defesa das infâncias e da Educação Infantil, é que este mesmo espaço, possa também, na contramão da hegemonia neoliberal, dispor do acesso e qualidade no atendimento, compreendendo o cuidar e o educar como práticas indissociáveis e emancipatórias para todas as crianças, como está garantido nos marcos legais brasileiros.
PATRIARCADO E DIVISÃO SEXUAL DO TRABALHO EM CONTEXTOS PANDÊMICOS
O Brasil, país com dimensões continentais, possui em sua composição uma série de desafios. Entretanto, tais desafios, não justificam a exacerbada divisão sexual do trabalho e a consequente violência, empregada principalmente agora em tempos de pandemia, contra mulheres e crianças. Saffioti (2013), já trazia nas suas discussões, há tempos, sobre como as forças de poder operam, criando e reproduzindo nas relações desiguais entre homens e mulheres, o adultocentrismo. A subalternização das mulheres, por sua vez, acentua as hierarquizações das opressões, reproduzindo na relação entre mulheres-mães e os filhos e filhas, também processos de opressão.
Em Gênero Patriarcado e Violência (2015), Saffioti coloca em evidência a relevante pesquisa a respeito da violência contra as mulheres no Brasil, feita no final dos anos de 1990, pela Fundação Perseu Abramo. São trazidas ainda análises dos enredamentos que envolvem as relações de gênero e a violência. Corroboramos com Saffioti que, é preciso despatriarcalizar, pois:
Despatriarcalizar é também descolonizar nossas estruturas fundantes, processos defendidos como estratégias políticas em construção, repletas de tensões e contradições; assim como de possibilidades, alinhando-se ao que as autoras designam por quarta onda do feminismo, com perspectiva decolonial e crítica ao feminismo hegemônico do norte global, buscando interseccionalidades e referências transnacionais (Silva & Macedo, 2018, p.147).
A violência doméstica, mal que assola a realidade brasileira em diferentes estados e contextos, foi aumentada com o confinamento das mulheres em casa com seus agressores. Este fator, é abordado com objetividade por Falquet (2022), autora feminista materialista lésbica, que desdobra seus estudos na intensa divisão sexual do trabalho e suas consequências dentro do capitalismo:
Tanto no plano dos métodos quanto dos resultados psicológicos obtidos sobre as pessoas que as sofrem, violência doméstica e tortura possuem pontos comuns surpreendentes. A detenção em um espaço fechado e fora das regras sociais comuns (um espaço de não-direito), é geralmente um dos primeiros métodos comum à violência doméstica e à tortura política. Frequentemente, em ambos os casos, é organizado um face a face num lugar de onde os gritos raramente escapam – cela ou intimidade privada da habitação – ou que, caso sejam escutados, não sejam ouvidos. Os testemunhos desaparecem, se calam ou não podem intervir, sujeitos à mesma ameaça (Falquet, 2022, p. 27).
Para além desta questão, a acentuada sobrecarga do trabalho das mulheres, com a histórica desigual divisão sexual do trabalho, em toda a sua complexidade interseccional de classe, raça e gênero (Hirata, 2020), intensificou a necessidade do debate a respeito da economia do cuidado (Live de Monica Bolle & Debora Diniz, 2020), problematizando a responsabilização feminina, seja ela em qualquer relação parental (mães, tias, avós, etc.).
Mesmo diante de tantos desafios, estamos destinadas a compreender os movimentos de resistência, distanciando-nos dos “projetos históricos das coisas”, e aproximando-nos dos “projetos históricos dos vínculos” (Segato, 2020), reforçado com a consciência da morte e da nossa interdependência como seres humanos. É preciso “esperançar” e praticar a célebre frase de Luxemburgo (1918): “Há todo um velho mundo ainda por destruir e todo um novo mundo a construir. Mas nós conseguiremos, jovens amigos, não é verdade? Nós conseguiremos!”
Conclusiones:
A partir da dura experiência de vida e morte construída durante a pandemia do Coronavírus, período em que as desigualdades existentes se acentuaram, a relevância de práticas libertadoras, livres de discursos e ações racistas, machistas, elitistas e adultocêntricas, fazem-se obrigatoriamente necessárias nos distintos contextos sociais.
Embora os espaços ocupados pelas discussões nas duas pesquisas tragam algumas diferenças entre si, ambas fazem provocações resultadas das contradições que o sentimento morte/vida da pandemia evoca. Para além disso, os dados anunciados nos problemas que geraram as pesquisas, provocam um movimento de idas e vindas como se flutuássemos num rio, ora emergindo buscando o ar necessário na superfície da razão para dar conta das exigências acadêmicas; ora totalmente submersas, afogadas nas amarras do tempo-espaço onde estão fincadas as autoras.
Essas especificidades apontadas, convergem para evidenciar, a estrutura desigual decorrente da divisão sexual do trabalho que recai sobre a mulher, dificultando a saída do lugar subalterno onde a colonialidade do poder tenta mantê-la, resvalando na pequena infância. Não obstante, é preciso considerar, as interseccionalidades que explicitam formas mais perversas na transformação de diferenças em desigualdades, visto que, não existe um único padrão familiar no Brasil. Há inúmeras organizações diferenciadas, além das indígenas que concentram formas distintas de organização familiar e, algumas ainda até desconhecida pela população não indígena, dada a quantidade de povos e etnias existentes. Em todas as formas familiares, o cuidado possui espaço de discussão central.
Dessa forma, a partir de tantos processos de ressignificações experimentados durante a pandemia, que de certa forma evidenciou algumas de nossas tantas fragilidades, saber saborear as constantes mudanças do cotidiano, assemelha-se à aquisição de um conhecimento essencial à vida. Nesse sentido, é preciso ansiar pelo que foi poeticamente denominado por Walter Benjamin, de “omelete de amoras”. Esta denominação é oriunda da parábola de um rei que possuía muitas riquezas e poderes, todavia não se sentia completamente feliz.
Na busca pela felicidade que há muito tempo não era capaz de ter, pediu para seu cozinheiro real refazer uma tal omelete de amoras que comera em sua infância, num episódio complexo de sua vida e, caso não experimentasse a mesma sensação que tivera da primeira vez, matá-lo-ia. O cozinheiro, no entanto, teve uma reação muito diferente do que o poderoso rei esperava, negou com veemência seu pedido, pois o sabor daquela omelete jamais poderia ser refeito. O tempero envolvia cuidado, medo e fome que ele enquanto criança teve a oportunidade de sentir. Num ato reflexivo, o monarca percebeu que a busca pela completude era um eterno movimento, que provavelmente não angariaria o que ele estava procurando há tanto tempo.
Os desafios que a vida impôs para nos mantermos na condição de estarmos vivas até o final das pesquisas, não pouparam nossas vivências de pesquisadoras, em busca da “Omelete de Amoras”, de espaços minimamente confortáveis e seguros e dos locais de convivência comuns às experiências já vividas. Apareceram situações e pessoas que – como o cozinheiro do grande rei – demonstraram a urgência de experimentar outros sabores e saborear outras omeletes para não apenas encontrar a felicidade, mas também compartilhar caminhos acadêmicos menos turbulentos.
Vale ressaltar ainda, nos caminhos tortuosos na luta para se manter vivas durante uma pandemia, fazendo pesquisa, a reiterada compreensão que a educação se constitui como ferramenta que, ao mesmo tempo em que pode refletir diretamente a sociedade e suas peculiaridades, também tem o poder de transformá-la. Assim, a divisão sexual do trabalho acompanhada da estereotipação feminina, constatada na contemporaneidade com toda a violência que ainda atinge mulheres e crianças, também está em movimento e as mudanças estão em curso. As contradições que colocam as mulheres responsáveis pelos cuidados na reprodução das famílias no centro de questões centrais que afetam a sustentabilidade do planeta e a continuidade das distintas formas de vida que aqui habitam, também impulsiona movimentos (Federici, 2020). O observável é um esforço coletivo de reinvenção para além de apenas amenizar os problemas.
Dessa forma, este artigo é finalizado evidenciando a necessidade de continuar existindo pesquisas no âmbito da discussão da divisão sexual do trabalho e seu impacto na vida das mulheres em diferentes espaços, para divulgação, especialmente em relação a desigualdade de gênero e difusão de estereótipos.
Para Galeano (1998), as cidades do mundo ao avesso estão o transformando num lugar difícil de viver. Ao contrário, lidando diariamente com a pequena infância, suas transgressões, seus feitos, suas falas, convicções e produções de culturas, notamos que este lugar tão repleto de impasses se tornará cada vez mais respeitoso, acolhedor perante as diferenças e dotado da capacidade de sentir empatia. É com essa expectativa que acreditamos na luta feminista como potência transformadora do processo de subalternização imposto às mulheres e na produção de uma educação cuidadosamente feminista, ant-patriarcal, antirracista, antimachista, antiadultocêntrica, anti-LGBTfóbica, antielitista e anticapitalista para as crianças desde a creche.
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Palabras clave:
Pandemia; educação; patriarcado