Resumen de la Ponencia:
O trabalho agora apresentado visa refletir sobre o ensino remoto emergencial, não o Brasil, não o contexto da pandemia desencadeada pela covid-19.Metodologicamente utilizamos pesquisa documental e bibliográfica.
Introducción:
A crise pandêmica desencadeada pelo vírus Sars-CoV-2, causador da doença covid-19, impõe a população mundial a um contexto emergencial, com repercussões que perpassam todas as esferas da vida social e vão se dá a partir das particularidades de cada país/região. O primeiro caso da doença foi identificado pela primeira vez em dezembro de 2019 em Wuhan na China, sendo que em março de 2020[1] a Organização Mundial da Saúde (OMS) passa a reconhecer a doença como pandemia. Em decorrência da elevada transmissividade da doença, associado a ausência de vacinas, entre as medidas recomendadas pela OMS o isolamento social, foi uma das alternativas para conter a propagação da doença.
No Brasil, o primeiro caso da covid-19 foi confirmado pelo Ministério da Saúde (MS) em fevereiro de 2020, no entanto em setembro de 2021, o Brasil já ocupava o segundo lugar no ranking dos países com mais números de casos da Covid-19[2]no mundo, totalizando 21.006, 424 casos confirmados, 587.066 óbitos e com apenas 34% da população imunizada. A crise de saúde pública exigiu um conjunto de medidas governamentais com o objetivo de garantir a proteção social da população de acordo com o estado de vulnerabilidade social causado pelos efeitos da pandemia. Dessa forma, mesmo assumindo um discurso negacionista, o Governo Federal passa a considerar a necessidade de medidas de distanciamento social. Sem pacote de medidas, destaque para a Lei n. 13.979, de 6 de fevereiro de 2020 ou Decreto n. 10.282, de 20 de março de 2020, definindo as atividades e serviços públicos essenciais, que devem assegurar a prestação de serviços à população. Essas medidas incentivam diferentes setores da economia e instituições públicas a adotar o trabalho remoto,
Entre os setores mais afetados, com medidas de isolamento social, estão as instituições de ensino, pois como são espaços propícios para aglomeração e contaminação, tiveram a suspenção das suas atividades decretada pela portaria do Ministério da Educação de nº 342 de 17 de março de 2020, atualizada pelas portarias nº 345 e consecutivamente a em vigência de nº 544/2020, que regulamenta e autoriza o Ensino Remoto Emergencial (ERE) propondo a substituição, em caráter excepcional, das aulas presenciais, por aulas “em meios digitais”, enquanto perdurar a pandemia do Covid-19.
Sendo estabelecido, portanto diretrizes para o funcionamento do ensino, ordenando uma nova dinâmica no processo de ensino e aprendizagem, que impôs aos sujeitos envolvidos um processo de adaptação da rotina e tempo de trabalho, domínio de softwares e plataformas digitais, adaptação dos conteúdos ministrados, espaços adequados para desenvolvimentos das atividades, equipamentos, acesso à internet, entre outros.
Diante, dessas questões levantadas, esse artigo, busca refletir sobre os impactos do ERE para o trabalho docente nas universidades públicas. Para subsidiar essa analise realizamos uma revisão bibliográfica e documental sobre o tema, como também utilizamos como fonte de dados as pesquisas realizadas com docentes, pôr sessões sindicais do Sindicato Nacional dos Docentes das Instituições de Ensino Superior (ANDES)[3] em conjunto com a Associação de Docentes da Universidade Federal do Pará (Adufpa) e a pesquisa realizada na Universidade Federal de Lavras (UFLA).
Partimos do pressuposto de que a crise vivenciada pelo modo de produção capitalista desde a década de 1970 tem desencadeado um reordenamento do capital sob a égide da economia financeira, fazendo com que aquele busque novas formas de valorização e acumulação de riquezas. Essa busca incessante pela valorização tem impactos de natureza tanto econômica quanto política, cuja alternativa para garantir acumulação e concentração de riquezas tem se dado a partir da precarização da vida da classe trabalhadora, seja pela retirada dos direitos historicamente conquistados, como desregulamentação das relações trabalhistas, seja pelos ajustes fiscais e privatização disfarçada dos bens e serviços sociais.
Este artigo, é composto, além da introdução, de duas seções: Teletrabalho: nota introdutória e Implicações do ERE para o trabalho docente em instituições federais, seguido das considerações finais.
[1] Dados obtidos no site https://www.paho.org/pt/covid19/historico-da-pandemia-covid-19
[2] Fonte: ECDC (Our World in Data) Descarregar estes dados Criado com Datawrapper. Disponível em: https://especiais.gazetadopovo.com.br/coronavirus/numeros/
[3] Dados disponibilizados no site: https://www.andes.org.br/
Desarrollo:
Teletrabalho: nota introdutória
O debate em torno no teletrabalho não é algo recente, conforme Rosenfield e Alves (2011) emerge na década de 1950, mas só passa a ser amplamente utilizado em 1970. O debate inicial, no contexto da crise do petróleo, era que os “trabalhadores eletrônicos em domicílio”, contribuiria para diminuição do deslocamento ao trabalho reduzindo custos e tempo, posteriormente é associado a flexibilidade e ao trabalho em rede. Na década de 1990, com o crescente desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação (TICs), o teletrabalho se torna uma tendência nas relações de trabalho. De acordo com a Organização Mundial do Trabalho (OIT), o teletrabalho é a forma de trabalho que é realizada distante da sede das empresas por meio da utilização das TICs. No entanto, não é apenas o distanciamento e a utilização das TICs que categoriza essa modalidade de trabalho, é necessário que seja considerado algumas variáveis, entre estas: local de trabalho, tempo de trabalho, forma de contrato e competências exigidas. Desse modo, o teletrabalho abarca uma série de modalidades de trabalho que são desenvolvidas predominantemente à distância e com o uso de TICs, no entanto nesse estudo abordaremos a modalidade home- office, por compreender que o ERE, passou a exigir que os/as docentes desenvolvessem suas atividades em espaços distintos do seu local de trabalho, por meio de equipamentos eletrônicos, softwares e plataformas digitais.
Conforme, a nota técnica da OIT para orientações acerca do trabalho remoto, no contexto da Covid 19, apresenta os seguintes conceitos: o trabalho remoto é descrito como situações em que o trabalho pode ser totalmente ou parcialmente realizado em um local alternativo que seja distinto do espaço padrão do trabalho. Possibilita, portanto que o trabalho seja executado nos mais variados locais, levando em consideração a profissão e a situação no emprego. Já o teletrabalho é compreendido como uma subcategoria do conceito mais amplo de trabalho remoto, que pode ser realizado em diferentes espaços distintos do espaço padrão de trabalho, no entanto o que diferencia essa modalidade de trabalho é que é realizado remotamente com o uso das TICs.
No Brasil, o teletrabalho é previsto no Conjunto de Leis Trabalhistas -(CLT), sendo revisto em pela Lei nº 13.467/2017, no Capítulo II A, artigos 75 A ao 75-E. O teletrabalho passa a ser considerado como “a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo” (BRASIL 2017). A lei ainda dispensa controle da jornada de trabalho, no entanto desobriga o pagamento de horas extras. Em relação a saúde e a segurança do trabalho a empresa deve se responsabilizar por instruir o empregado para evitar acidentes e o empregado deve assinar um termo de responsabilidade e de compromisso com o cumprimento das recomendações. Em relação aos equipamentos de trabalho, infraestrutura e manutenção destes é de responsabilidade da empresa, cabendo também o reembolso ao empregado das despesas.
A condição de trabalho a que estão submetidos os (as) teletrabalhadores é diversa, pois depende do setor a qual estão inseridos (público ou privado) e o regime contratual. Especificamente, destaca-se o caso específico dos servidores públicos federais, pois a Instrução Normativa nº 65 de 30 de junho de 2020, estabelece orientações, critérios e procedimentos gerais a serem seguidos pelas instituições e órgãos federais referente à implementação de Programa de Gestão para a regulamentação e implementação do teletrabalho, que passa a ser compreendido, como:
O teletrabalho: modalidade de trabalho em que o cumprimento da jornada regular pelo participante pode ser realizado fora das dependências físicas do órgão, em regime de execução parcial ou integral, de forma remota e com a utilização de recursos tecnológicos, para a execução de atividades que sejam passíveis de controle e que possuam metas, prazos e entregas previamente definidos e, ainda, que não configurem trabalho externo, dispensado do controle de frequência, nos termos desta Instrução Normativa; (Brasil, 2020, Art. 3º, VII)
Os trabalhadores (as), que estão submetidos a essa modalidade de trabalho, isto é , ao trabalho remoto, o desenvolvimento de suas atividades sob essa lógica representa a maior intensificação do trabalho, aumento das formas de controle e produtividade. Como coloca Venco (2016), as mudanças ocorridas na gestão pública, transpõe técnicas e concepções gerencialistas do setor privado para o setor público alterando as relações de trabalho historicamente flexíveis e precárias.
Um outro ponto relevante da Instrução Normativa nº 65 é que diferentemente Lei nº 13.467/2017 estabelece que os trabalhadores (as) serão responsáveis por toda estrutura física e tecnológica para o desenvolvimento de suas atribuições, inclusive arcando com todos os custos referente a internet, energia e todas as despesas que forem necessárias.
Implicações do ERE para o trabalho docente em instituições federais
O ERE, no Brasil, emerge em decorrência do cenário da pandemia COVID-19, que impõe a necessidade do isolamento social e suspensão das atividades educacionais presenciais em todos os níveis de ensino. Desse modo, o ERE passa a ser regulamentado, no ensino superior, pela atual Portaria do MEC nº 544/2020, que autoriza a substituição das aulas presenciais por “meios digitais”. Em setembro de 2021, o quadro das universidades federais em relação à forma da oferta de ensino[1] está distribuído da seguinte forma: 24 encontram-se em ensino remoto, 8 em ensino hibrido e 2 em condição a definir.
É necessário destacar que o ERE, como vem sendo adotado, remete a condução de aulas de forma síncrona e assíncrona realizadas por meio de plataformas digitais, não deve ser visto como ensino à distância (EAD). Behar (2020) problematiza essa distinção e ressalta que o termo “remoto” deve ser visto não como à distância/espaço, mas como distanciamento geográfico, em decorrência de estudantes e professores não poderem está no mesmo espaço em decorrência dos riscos de contaminação, enquanto que o ”emergencial” remete a algo pensado rapidamente sem nenhum planejamento. Essa distinção é importante para auxiliar nas nossas compreensões nos diversos entraves vivenciados pelos docentes, remetendo desde a adaptação das matrizes curriculares elaboradas para modalidades de ensino presencial, como a elaboração/ condução aulas e atividades e esse contexto exigiu, ainda, o “reinventar” do labor docente, dominar software, gravar, editar, além de adaptar suas casas e adquirir equipamentos. Em relação ao ensino EAD, a autora, destaca que é executado em a partir de uma “arquitetura pedagógica”, englobando aspectos organizacionais, pedagógicos e tecnologias especificas. Destarte, a partir das questões aqui levantadas, observa-se que o ensino remoto, pelo próprio contexto em que surge, remete a uma alternativa de continuidade das aulas, que vem a reforçar a precarização como condição posta ao trabalho dos professores no Brasil.
Feira, Evangelista e Flores (2020) analisam que o ensino remoto, no Brasil, é um “presente grego”, pois conforme enfatizam as autoras os diálogos realizados entre o Movimento Todos pela Educação (MTE ), o Conselho Nacional de Educação (CNE) , Banco Mundial (BM), Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (UNESCO), Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), entre outros órgão consultivos, cuja perspectiva era construir diretrizes para o ensino remoto durante a pandemia, no entanto, o discurso adotado pelos representantes da UNESCO , BM e OCDE é claro e parte do seguinte questionamento: “há como transformar o fechamento das escolas em oportunidades para o mercado?”. Essa “janela” de oportunidades para o mercado foi clara, pois as principais empresas transnacionais de tecnologia digital já demonstram interesse e disputa em ofertar serviços relacionados ao mercado educacional. Nessa mesma perspectiva, Lemann, em entrevista ao jornal O globo afirma: “o que eu gosto mais é que toda crise é cheia de oportunidades”. O empresário soube aproveitar bem as “oportunidades”, pois durante a pandemia resolver estender seus negócios para o âmbito da educação privada, voltada para a classe média, adquirindo 51 escolas de ensino infantil, fundamental e médio em todo o país. Nesse sentido, concorda-se com Silva (2011) quando afirma que o capital financeiro cria uma determinada “oligarquia financeira”, isto é, uma classe de rentiers que vive apenas dos rendimentos do capital financeiro, dos juros do capital monetário e da especulação, no qual o investimento monetário sobressai o investimento produtivo, criador de riquezas. “Em tempos atuais, de mundialização do capital, esses rentistas darão direção política e ideológica ao Estado e requisitarão a atuação do fundo público diretamente a favor de seus interesses [...]” (SILVA, 2011, p. 11)
Tomando como referência os dados levantados pelas pesquisas realizadas pela sessão sindical do ANDES- SN em conjunto com a Adufpa e a pesquisa realizada na UFLA, buscamos compreender os impactos do ERE para o trabalho docente nas universidades públicas. É importante destacar que as duas pesquisas foram realizadas no ano de 2021 e mesmo que o levantamento empírico tenha sido feito em instituições distintas e em regiões diferentes do país, no entanto os dados apresentam similaridade. Na UFLA, foi aplicado um questionário com 246 docentes, que corresponde 30% do corpo docente, enquanto que a UFPA contou com uma amostra de 232 questionários que foram distribuídos nos 12 campi que constituem a instituição. Os levantamentos apresentam basicamente três eixos: 1. caracterização do perfil docente; 2. condições gerais do trabalho e 3. percepção sobre o ERE. Nesse estudos nos deteremos aos itens 1 e 2.
É importante destacar, conforme Farage(2020), que a adesão ao ERE nas Instituições Federais de Ensino Superior (IFES) ocorreu na maioria das universidades a partir de um debate mínimo no qual foi forjado um debate democrático, que buscou-se apenas apresentar à comunidade acadêmica as resoluções que regulamentavam o ERE impostas pelo Ministério da Educação (MEC). Não houve, portanto, um debate efetivo, pois esse foi atravessado pela urgência do retorno das atividades a partir do ERE. A ausência desse debate é sinalizada pelos docentes que participaram do levantamento empírico tanto na UFPA, como na UFLA, inclusive apontando que essa essência tornou o processo arbitrário e sem transparência. É destacado, ainda a falta de um diagnóstico efetivo no intuito de compreender a realidade material, objetiva e subjetiva de docentes e discentes, bem como a subordinação as plataformas coorporativas de mediação tecnológica.
No eixo que tratou da caracterização do perfil docente observamos em relação ao sexo dos (as) entrevistados que a UFPA apresenta 53% de mulheres e 49,0% de homens em idades entre 25 e mais de 65 anos, enquanto que na UFLA 60,6% são homens e 37% são mulheres, em relação a idade a maioria tem entre 30 e 49 anos . A ampla maioria de professores do sexo masculino na UFLA pode estar associada ao fato de que boa parte dos cursos ofertados pela instituição são da área das engenharias. Nas duas instituições o corpo docente é composto majoritariamente por docentes efetivos com regime de trabalho de 40hs, com dedicação exclusiva e titulação de doutores, que encontram-se desenvolvendo suas atividades tanto na graduação, na pós-graduação, em cargos de gestão administrativa, pesquisa e extensão. Em relação ao estado civil a maioria dos (as) participantes da pesquisa relatam ser casados (as), com filhos (as) e que passaram a tem responsabilidades domésticas intensificadas durante a pandemia. A esse respeito os (as) docentes da UFPA relatam que o ERE teve um impacto na vida doméstica, destes 31, 9 % atribui como impactos fortes e 41,1% como moderado.
Os dados relacionados a condição de trabalho as duas pesquisas abordam: 1. Se houve um aumento das horas de trabalho. Obtendo os seguintes dados: Na UFLA 36% docentes afirmam que aumentou entre 25% a 50% em relação as horas trabalhadas antes da pandemia, 24% afirmam ter aumentado de 50% a 100% e 13,8% mais de 100% e 20,7% acredita que não houve acréscimo. Logo os (as) entrevistados (as) reconhecem que há sobrecarga de trabalho 39,8% e 31,3% reconhece que a carga horária no ERE é inadequada. Enquanto que na UFPA 79% dos (as) entrevistados (as) afirmam haver intensificação da jornada de trabalho e 73,1% identificam que há uma ampliação da jornada de trabalho.
Esses dados nos permitem mensurar que uma parcela significativa dos (as) docentes vivenciam o processo de intensificação do trabalho, que diante dos desafios impostos pelo ERE se viram compelidos a desenvolver um ritmo mais intenso e acelerado de trabalho que remete não só a preparação das aulas e execução destas, mas ao domínio de equipamentos, plataformas, software, a edição e elaboração de material, reuniões e treinamentos. Associado as horas de trabalhos excessivas tem –se a dificuldade entre dissociar o tempo do trabalho e o da vida, onde a esfera doméstica/ privada dos docentes se vê prejudicada pela nova dinâmica de trabalho.
A respeito do uso de tecnologias no trabalho docente Fidalgo e Fidalgo (2008 p.16) afirmam que:
O uso das tecnologias no trabalho docente, apesar de aparentemente surgir, como forma poupadora e dinamizadora do esforço humano, também traz uma forte intensificação dos processos de trabalho. Esse fato nem sempre é percebido pelos docentes, pois se apresenta transfigurado na possibilidade de maior agilidade e dinamismo na execução das atividades, visto que as tecnologias permitem superar a lógica tradicional de tempo e de espaço.
A compreensão sobre o processo de precarização que envolve o trabalho docente deve ser remetida a análise do processo mais amplo das transformações do mundo do trabalho, que no contexto da era informacional, com o avanço da TICs, tem originado no mundo do trabalho inúmeras transformações de ordem econômica, social e cultural. Representa, portanto o avanço da reestruturação produtiva, com ênfase no aumento da lucratividade e da intensificação exploração da força. Nesse contexto, o advento da TICs, proporciona consecutivamente o desenvolvimento do teletrabalho, assim como todas as formas de trabalho mediadas pelo uso das tecnologias digitais, seja através de plataformas digitais e aplicativos. Previtali e Fagiani (2020), destacam que a inovação tecnológica, dentre outros aspectos, visa garantir mais controle do trabalho pelo capital representando uma perda da autonomia dos (as) trabalhadores (as) sob os meios e fins de suas atividades laborais, que conduz para uma forma mais ampla de degradação da vida.
Dentro desse contexto, Sennett (2010, p.68) afirma que “os mais flexíveis dos flexitempos” são os trabalhadores que desenvolvem suas atividades em casa, no entanto adverte que esse trabalhador (as) tem controle sobre o local de trabalho, mas não há como controlar o processo de trabalho em si. Desse modo, o autor compreende que há a substituição da supervisão direta pela supervisão eletrônica.
O contexto pandêmico, “novas/velhas” questões são recolocadas, marcando profundamente as relações precárias de trabalho, que já vinham sendo desenvolvidas, nas universidades públicas brasileiras. Chauí (1999) ao analisar a “universidade operacional” chama a nossa atenção para as Reforma do Estado, que no contexto da gestão do então presidente Fenando Henrique Cardoso – FHC, ao transformar a educação, que até então era concebida como direito, em serviço e conceber a universidade como prestadora de serviços educacionais, passa portanto a ser atribuída outra concepção à ideia de autonomia universitária, assim como introduz as concepções gerenciais como “qualidade universitária”, “avaliação universitária” e “flexibilização da universidade”. A partir dessa reflexão, entendemos que a política educacional, no Brasil, tem primado pela lógica da acumulação flexível, com ênfase na redução dos gastos públicos, na centralidade, na flexibilização do trabalho, da produtividade e da competitividade.
Sennett (2010, p.53) ao abordar o termo “flexível” remete que originalmente o seu sentido está atrelado a capacidade de “flexibilidade” das árvores que mesmo se dobrando os ventos fortes tem a capacidade de voltar à posição inicial. Desse modo, o comportamento humano flexível deve ser, como as árvores, adaptáveis as condições impostas.
Previtali e Fagiani (2020) sublinham que, outro elemento a ser destacado é a introdução de modelos de gestão do trabalho com base no desempenho individual do (a) docente associado a metas e resultados, que muitas vezes estão inclusive associados a gratificações diferenciadas, contribuindo, portanto, não só para individualização do trabalho, como também para o esvaziamento do sentimento de solidariedade de classe, obstaculizando o desenvolvimento de ações coletivas.
Os debates e algumas pesquisas realizadas sobre o ERE e a pandemia do coronavírus são unanimes ao identificar que a intensificação do trabalho docente e as suas implicações aqui tratadas tem contribuído para o adoecimento dos (as) docentes. Segundo Schlisting (2021) o trabalho home office imposto sem qualquer planejamento e carente de suporte adequado, trouxe impactos nefastos aos trabalhadores, dentre estes o aumento da jornada de trabalho, pois conforme os dados apresentados mais de 70% dos (as) docentes afirmam ter tido acréscimos na jornada de trabalho que variam entre 25 a 100%, inclusive a autora afirma que pesquisas[2] comprovam que os (as) teletrabalhadores (as) em home office, no Brasil, trabalham mais de 40hs por mês do que a média mundial. O contexto social de incertezas, perdas, intensificação do trabalho remunerado, do trabalho de consumo e do trabalho doméstico (não remunerado), entre outros fatores, estão entre os principais fatores para o agravamento dos problemas de ordem psicossocial. Concorda-se com Vizzaccaro (2019) ao afirmar que “O trabalho na era digital vem se caracterizando pela "desterritorialização" e "destemporalização" do trabalho, invadindo o espaço e o tempo de vida das pessoas que dependem do trabalho”.
Os dados empíricos levantados pela Adufpa sobre as principais doenças que acometem os (as) docentes durante a pandemia, corroboram com os estudos e a análise que vem sendo realizada ao constatar o impacto do trabalho home office na saúde do (a) trabalhador (a) tem contribuindo para o adoecimento mental, uma vez que 36,7% dos (as) entrevistados (as) afirmaram que apresentam um quadro clinico de depressão e nervosismo e 36,7% de alteração do sono.
No entanto, a autora supracitada, a os (as) teletrabalhadores (as), também, estão expostos aos riscos ergômetros e organizacionais, nesse sentido observa-se o aumento das queixas de tendinites, lombalgias, entre outras. Os dados sobre as condições objetivas de trabalho expressam a falta de apoio institucional na concessão de uma estrutura adequada para o desenvolvimento das atividades em home office, pois mesmo que os (as) docentes da UFLA afirmem possuir uma infraestrutura e equipamentos adequados para o desenvolvimento das atividades docentes. Destes, 8,1% afirmam ser excelentes, 31,3% boa, 38,6% regular, 17,1 % ruim e 0,4% péssima. Os (as) participantes do levantamento empírico da UFPA, também analisaram que dispõem infraestrutura e equipamentos adequados para o desenvolvimento de suas atividades, sendo que: 8,8% julgam ter excelentes condições, 39% boa, 46,5% razoável , 5,7% precárias. No entanto, 32% relatam que tiveram um custo alto na adaptação dos espaços, compra de equipamentos para escritório, melhoria no pacote de internet, compra de softwares, entre outros; 54,8% dos (as) participantes da pesquisa afirmam ter feito um investimento razoável e 12,6% afirmam não ter feito nenhum investimento. Percebe-se, portanto que na busca de solucionar problemas ergonômicos, tecnológicos e de infraestrutura os (as) professores (as) tiveram que arcar com as despesas, para adaptar-se da melhor forma possível o ambiente domésticos ao trabalho. Conforme, levantamento realizado pela Adufpa 81,7% dos (as) docentes entrevistados são os principais provedores da renda familiar, desse modo, em um contexto de retirada de direitos e congelamento de salários, pelo quais os funcionários públicos estão submetidos, arcar com os custos do seu trabalho representa comprometer parte do orçamento familiar. Portanto, os teletrabalhadores se vêm compelidos a ao arcar com os custos de melhores condições de trabalho (cadeiras apropriadas, mesas, iluminação e etc), ou “trabalhar com o que tem” e correr os riscos de desenvolver doenças ocupacionais.
Outro ponto a ser considerado é que os impactos do trabalho remoto sobre a mulheres é mais acentuado, uma vez que na sociedade capitalista a relação entre os sexos é perpassada pela divisão social e sexual do trabalho[3], que deve ser compreendida como a base material das relações entre os sexos e que é caracterizada por atribuir as mulheres prioritariamente à esfera reprodutiva e aos homens a produtiva. Desse modo, é estabelecido a divisão entre “trabalho dos homens” e “trabalho das mulheres” essa separação define não só apenas o lugar simbólico que cada um ocupa, mas também econômico e social, pois o trabalho do homem passa a ser mais reconhecido e melhor remunerado do que das mulheres (KERGOAT, 2000). O trabalho remoto por está restrito a esfera domestica acentua essa desigualdades, uma vez que as mulheres são responsáveis pelo trabalho reprodutivo e do cuidado, com o isolamento social passaram acumular simultaneamente, no espaço doméstico, o trabalho produtivo, o cuidado e o trabalho não pago (doméstico) fazendo com que as mulheres se sobrecarreguem ao acumular múltiplas funções, já que as tarefas referente ao cuidado e as atividades domésticas são distribuídas de forma desigual entre os sexos. Inclusive, de acordo com o estudo realizado[4] pelo Instituto de Psiquiatria (IPq) do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP), entre maio e junho de 2020, para analisar o impacto da pandemia na saúde mental e aspectos comportamentais dos brasileiros, foi constatado que as mais afetadas emocionalmente foram as mulheres, respondendo por 40,5% de sintomas de depressão, 34,9% de ansiedade e 37,3% de estresse, embora o estudo não tenha se detido as causa, outras pesquisas comprovam que as mulheres sofrem mais impactos devido as condições sociais a que estão submetidas.
O relatório final do levantamento empírico realizado pela sessão sindical do ANDES- SN em conjunto com a Adufpa e a pesquisa realizada na UFLA permite também refletirmos que o ERE se coloca como uma estratégia do projeto de mercantilização da educação pública e refuncionailização da função social das universidades públicas. Corroboramos com Antunes (2020) ao afirmar que, no contexto educacional, as práticas desenvolvidas durante a pandemia por meio das TICs e no EAD tem se tornado um “laboratório de experimental”. Inclusive, diante da ampla aceitação do ERE, associado aos cortes drásticos nos orçamentos das IFES, o governo federal aproveita a oportunidade para, em março de 2021 divulga a proposta preliminar do Programa de Apoio aos Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais- Reuni digital, visando a criação de uma Universidade Federal Digital, com o objetivo de ampliar exponencialmente o número de matrículas na modalidade de ensino EAD. Estima-se, que a taxa bruta de matrícula na educação superior aumente para 50% (cinquenta por cento) e a taxa líquida para 33% (trinta e três por cento) da população de 18 (dezoito) a 24 (vinte e quatro) anos, assegurada a qualidade da oferta e expansão para, pelo menos, 40% (quarenta por cento) das novas matrículas, no segmento público. BRASIL (2021). A proposta também, visa a dissociação do ensino, da pesquisa e da extensão, assim como amplia a carga-horária EAD nos cursos presenciais para 40% instituindo o ensino hibrido.
[1] Dados disponíveis na pagina de monitoramento COVID- 19 do MEC, no seguinte endereço eletrônico: https://www.gov.br/mec/pt-br/coronavirus/rede-federal. Acesso em: 16/09/21
[2] Dados disponíveis em: SCHLISTING, Bruna. Especial Trabalho Híbrido – Adoecimento e home office: O preço da produtividade. In: Declatra, jul 6, 2020. Disponível em: https://www.declatra.adv.br/adoecimento-home-office/. Acesso em: 10 de maio de 2021.
[3] Conforme Kergoat (2009, p. 67), ―[...] A divisão sexual do trabalho é a forma de divisão do trabalho social decorrente das relações sociais de sexo; essa forma é historicamente adaptada a cada sociedade. Tem por características a destinação prioritária dos homens à esfera produtiva e das mulheres à esfera reprodutiva e, simultaneamente, a ocupação pelos homens das funções de forte valor social agregado (políticas, religiosas, militares etc.). Essa forma de divisão social do trabalho tem dois princípios organizadores: o da separação (existem trabalhos de homens e outros de mulheres) e o da hierarquização (um trabalho de homem “vale” mais do que um de mulher)
[4] Segundo os dados de que disponho: FERREIRA, Ivanir. As mulheres são mais afetadas emocionalmente pela pandemia. Jornal da USP. 02/09/2021. https://jornal.usp.br/ciencias/mulheres-foram-mais-afetadas-emocionalmente-pela-pandemia/ .
Conclusiones:
A pesquisa realizada nos permitiu identificar que algumas questões que são colocadas remetem especificamente ao contexto do ERE, no entanto a intensificação do trabalho, aumento das cobranças , o produtivíssimo antecedem o contexto pandêmico, mas também foram agravadas com a sua implementação.
Compreendemos, que o debate sobre os impactos do ERE para o trabalho docente na universidade pública deve ser pautado a partir da compreensão de que ele se coloca como um dos elementos do processo de contrarreforma da educação em curso no Brasil. Desse modo, o ERE ao introduzir uma nova dinâmica de trabalho, como também de aprendizagem, que tem a precarização como regra, tem contribuído para a implementação de propostas já em curso, entretanto encontravam resistência por parte da comunidade acadêmica. São reformas que visam a perca da autonomia universitária, da liberdade de cátedra, a introdução do ensino hibrido como regra e o Reuni digital.
Paralelo ao cenário de desestruturação da educação superior, é necessário considerar que os (as) trabalhadores (as) da educação vêm paulatinamente tendo seus direitos mitigados pelo conjunto de reformas implantadas, entre estas destaca-se a Lei 103/2019, que reformula a Previdência Social, a Lei nº 13.467/2007 que altera as Leis trabalhistas, como também a PEC 95 que regulamenta o teto dos gastos públicos. E nessa mesma linha da desestruturação dos direitos é necessário considerar a PEC nº 32/2020, proposta de reforma administrativa que prevê a desestruturação do sistema público de garantia de direitos e que o Estado, a partir de um aparato jurídico, tem criado mecanismos legais que regulamentam novas formas de desmonte dos direitos sociais em consequência da supervalorização do capital.
Diante das reflexões, acredita-se que expansão das TICs, na educação superior, permanecerá mesmo pós- pandemia e com está uma serie de desvantagens para os (as) trabalhadoras que não deve ser visto apenas do prisma da intensificação e precarização do trabalho, porém o poder da individualização do trabalho, do isolamento, da dificuldade de construção de relações solidarias, coletivas e afetivas nos espaços de trabalho se coloca como um dos grandes desafios para a organização política desses (as) trabalhadores (as), em um contexto de contrarreformas, de perseguição dos (as) professoras, de ataque ao pensamento crítico, a ciência e que a organização política e a resistência são necessárias.
Bibliografía:
ANTUNES, Ricardo. Coronavírus: o trabalho sob fogo cruzado. São Paulo: Boitempo, 2020.
BEHAR, Patrícia Alejandra. O Ensino remoto emergencial e a educação a distância. Jornal da Universidade, 6 jul. 2020. Disponível em https://www.ufrgs.br/coronavirus/base/artigo-o-ensino-remotoemergencial-e-aeducacao-a-distancia. Acesso em: 20 de Agosto de 2021 .
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Palabras clave:
Palavras-chave: Ensino Remoto; Trabalho Docente, Covid-19