Resumen de la Ponencia:
O modo de produção capitalista se caracteriza por crises sistêmicas, provocadas, especialmente, ainda que não exclusivamente, pela retração da renda do capital. Os anos 80 do século XX são marcados por uma nova crise, respondida por uma reestruturação das esferas econômica, política e ideológica, e por um processo voltado para o desmantelamento de toda e qualquer organização política da classe trabalhadora. No que tange à esfera produtiva, alterações na relação tempo de trabalho necessário versus tempo de trabalho excedente, materializado nas “novas” modalidades de contratação em tempo parcial, terceirização e informalidade, constituem o cenário costumeiramente chamado de “precarização do trabalho” e das formas de vida da classe trabalhadora. A literatura da sociologia e da economia do trabalho revelam que a diminuição da renda e a instabilidade das atividades laborais e de trabalho digno têm atingido diferentes esferas das condições de vida do trabalhador, sejam elas materiais ou sociais. Isso inclui a possibilidade de garantia de moradia e de alimentação, tempo de lazer e acesso à educação. No entanto, quando nos debruçamos sobre os estudos da história dos trabalhadores desde o século XIX, especialmente nas obras de Marx e Engels, E.P. Thompson, Eric Hobsbawn e, mesmo, Michelle Perrot, entre outros(as) autores(as), observamos que as condições de vida de trabalhadores foram marcadas por instabilidades e precariedades. Para citar um exemplo, em A situação da classe operária na Inglaterra, Friedrich Engels analisa o vestuário inadequado, as condições de moradia insalubres e a renda insuficiente para a compra de alimentos pelos trabalhadores do seu tempo. Assim, podemos inferir a precarização não é um fenômeno novo e que, historicamente, a classe trabalhadora, ou frações da classe, vive uma vida precária e processos de precarização específicos de cada época histórica. Conforme argumenta Giovanni Alves, no livro Dimensões da Reestruturação Produtiva: ensaios sobre sociologia do trabalho, o tema da precarização do trabalho tem sido discutido, atualmente, com certa displicência teórica, cujas análises aparecem demasiadamente atreladas ao suporte empírico dos dados estatísticos. Segundo o autor, a precarização faz parte de um processo histórico marcado pela determinação da luta de classes e da correlação de forças políticas entre capital e trabalho. Esta pesquisa, que está em curso, estrutura-se em três etapas: 1) análise da situação dos trabalhadores na história; 2) levantamento dos autores da sociologia e da economia do trabalho que analisam processos de precarização; e 3) elaboração de um arcabouço conceitual para o termo “precarização do trabalho”, levando-se em considerações aspectos históricos e conjunturais da exploração do trabalho. Como resultado parcial, consideramos que o fenômeno da precarização pode ser analisado numa chave estrutural, quando observamos variáveis que são orgânicas ao sistema de produção capitalista; e aspectos conjunturais, específicos de cada época e, particularmente, do capitalismo neoliberal.
Introducción:
1 – Introdução
A reestruturação produtiva, iniciada nos anos 80, criou o que se convencionou chamar de “flexibilização das relações de trabalho”, que significa, entre outras coisas, 1) validação legal de determinadas modalidades de contrato de trabalho e de desligamento simplificado de trabalhadores; 2) alteração do tempo de trabalho, com mudanças na jornada laboral de acordo com as necessidades do capital; e 3) distribuição da produção e dos serviços por uma rede de empresas terceiras e de trabalhadores informais. Em síntese, o capital passou a operar um novo arranjo entre atividades produtivas e improdutivas, entre trabalho formal e informal e compra direta e indireta da força de trabalho com objetivo de retomar a curva ascendente da acumulação.
As novas circunstâncias da relação capital-trabalho estimularam uma série de estudos no campo das Ciências Sociais e das Ciências Sociais Aplicadas, que colocaram no centro do debate o tema da “precarização do trabalho”. Para Druck (2011b), a partir dos anos 1990, os estudos sobre trabalho passaram a utilizar mais fortemente os termos precarização e flexibilização em substituição ao termo informalidade, que é mais operacional no diagnóstico da precarização. Um levantamento preliminar dos estudos sociológicos e econômicos de autores(as) brasileiros(as) sobre o tema revelou a associação entre precarização e o período posterior à reestruturação produtiva da década de 80, estabelecendo uma ideia de encadeamento complexo de fatores relacionados a mudanças contínuas nas formas de produção e diminuição dos direitos dos trabalhadores. Outra parte identifica a precarização com flexibilização dos vínculos empregatícios, com a falta de segurança e de previsibilidade quanto às possibilidades de reprodução da unidade familiar.
Em face do levantamento bibliográfico sobre o tema da precarização do trabalho, elencamos algumas questões de pesquisa. 1) Levando-se em conta que, desde o início do capitalismo, o trabalhador vem sendo explorado, brutalizado e alienado dos meios de produção, o que especifica mais diretamente a precarização posterior à reestruturação produtiva? 2) Existem variáveis específicas da precarização que distingam este processo atual de outros momentos históricos? 3) A expressão “precarização do trabalho” diz respeito às condições próprias do trabalho, que tornam o trabalhador mais propenso a adoecimentos e acidentes laborais, ou inclui, também, as condições de vida e de sociabilidade? 4) A precarização pode ser associada ao aumento da exploração do trabalho no sentido próprio de Marx, isto é, relacionada à diminuição do trabalho necessário e aumento do trabalho excedente? 5) É possível estabelecer uma definição mais objetiva para o termo precarização dentro do campo de estudos do trabalho?
O objetivo mais geral deste texto é colocar em relevo a importância da elaboração de um conteúdo conceitual para o termo “precarização do trabalho”. Sendo assim, o objetivo específico destina-se à tentativa de defini-lo por meio de três eixos particulares: apresentação do conceito de exploração do trabalho em Marx; apontamentos sobre as condições da classe trabalhadora na História; apresentação de algumas definições para o termo “precarização do trabalho” dadas por autores atuais da sociologia do trabalho. Em síntese, trata-se da combinação entre eixos teórico e histórico e sua comparação com os usos do termo empregados por autores brasileiros contemporâneos. O fim último é a elaboração de uma matriz conceitual para a compreensão do termo “precarização do trabalho”.
Desarrollo:
2 – Princípios teórico-metodológicos
a) Condições laborais da classe trabalhadora na história
A literatura clássica dos estudos do trabalho na sociedade moderna revelaram problemas enfrentados por trabalhadores desde a acumulação primitiva até a consolidação do sistema capitalista de produção. Marx, Engels, Thompson e Hobsbawn, para citar alguns pensadores, desenvolveram estudos elucidativos sobre as condições de trabalho durante o período de avanço do capitalismo. Uma breve mirada sobre os seus estudos não deixa dúvidas quanto à degradação material e moral que tem governado a experiência dos trabalhadores livres no século XIX e início do século XX. Assim como no tempo corrente, a história da classe trabalhadora foi marcada por imprevisibilidade, penúria material, desemprego e opressões contra as suas formas de organização e de luta.
Uma das mais importantes obras que tratam do tema é A situação da classe trabalhadora na Inglaterra, do pensador revolucionário Friedrich Engels ([1845] 2008)[1]. Nessa obra seminal, o pensador descreve a condição de pobreza dos operários numa Inglaterra que se industrializava em meados do século XIX. Segundo ele, no período anterior ao advento das máquinas, o trabalho era feito em casa, envolvia toda a família e era suficiente para manter a sobrevivência. A Revolução Industrial acabou por transformar por completo a vida dos trabalhadores, “arrancando-lhes das mãos os últimos restos de atividade autônoma (...)” (ENGELS, 2008, p. 47). O aperfeiçoamento das máquinas passou a impactar a classe trabalhadora por meio da simplificação do ofício e da concorrência entre trabalhadores, o que diminuía sobremaneira o valor da força de trabalho.
O pensador alemão (ENGELS, 2008) afirma que muitas famílias laboriosas passavam necessidades materiais e o pobre tinha um salário que lhe permitia tão somente se manter vivo. Além disso, a garantia de trabalho era incerta, e o operário vivia todo tempo na iminência se ser lançado ao desemprego, à fome e ao frio. Naqueles anos, segundo o pensador, era possível ler nos semanários casos frequentes de pessoas que morriam de fome.
Um dos aspectos que mais chamou a atenção de Engels foram as moradias precárias onde viviam os trabalhadores. Entre os muitos exemplos empíricos apresentados pelo revolucionário, consta a condição dos albergues para trabalhadores, em Birmingham, que, segundo ele, eram sujos, malcheirosos e serviam como refúgios para mendigos. Numa passagem do livro, o revolucionário relata:
(...) os jornais descreveram a casa da falecida nos seguintes termos: morava no nº 3 de White Lion Court, Bermondsey Street, Londres, com o marido e o filho de dezenove anos, em um pequeno quarto onde não havia cama ou qualquer outro móvel. Jazia morta ao lado do filho, sobre um monte de penas, espalhadas sobre o corpo quase nu, porque não havia lençóis ou cobertores. As penas estavam de tal modo aderidas à sua pele que o médico só pôde observar o cadáver depois que o lavaram – e encontrou-o descarnado e todo marcado por picadas de insetos. Parte do piso do quarto estava escavado e esse buraco servia de latrina à família (ENGELS, 2008, p. 73).
A obra traz diversos excertos que expressam a situação de miséria da classe trabalhadora inglesa, causada por desemprego, renda baixa e trabalhos informais. Segundo ele (ENGELS, 2008), a situação de vulnerabilidade e miséria das famílias aumentava exponencialmente com o desemprego. Isto se devia ao fato de que as relações de trabalho da época obstavam as garantias sociais para a subsistência das famílias operárias.
Engels (2008) também se deparou com uma espécie de população “supérflua”, desempregada, que, além da mendicância e de pequenos roubos, varria ruas, transportava objetos em carrinhos de mão ou puxado por tração animal.
A maior parte dos “supérfluos” dedica-se ao comércio ambulante. Especialmente nos sábados à noite, quando toda a população operária sai à rua, podem-se ver aqueles que vivem dessa atividade. Fitas, rendas, galões, laranjas guloseimas, em resumo, todos os artigos inimagináveis, são oferecidos por homens, mulheres e crianças. Mas também nos outros dias da semana vêem-se [sic] circular ou parar nas ruas esses vendedores de laranjas, doces, ginger beer ou nettle beer [bebidas gasosas]. Fósforos e coisas do gênero, cera, aparelhos para acender fogo etc. são igualmente artigos à venda. E ainda outros desempregados, os chamados jobbers, circulam pelas ruas em busca de qualquer trabalho ocasional; alguns deles conseguem trabalho por uma jornada, mas esses afortunados são poucos (ENGELS, 2008, p. 127).
Sendo assim, é possível encontrar alguns problemas que atravessam a história da classe trabalhadora desde a sua origem, entre os quais adoecimento, penúria material e trabalhos provisórios e incertos. Portanto, não é possível utilizar esses aspectos como exclusivos do capitalismo contemporâneo ou como variáveis exclusivas de um processo de precarização das condições de trabalho que figuram na época posterior à chamada reestruturação produtiva.
b) Exploração do Trabalho em Marx
Em O Capital (2013), Marx afirmará que uma parcela da jornada de trabalho do trabalhador é dedicada à produção de valor para a sua reprodução. Uma vez que o trabalhador realiza o seu próprio valor, o restante da jornada é dedicada à produção de mais valia. Em algumas situações, esse tempo da jornada pode ser constante. No entanto, a relação entre trabalho necessário e mais-trabalho pode ser alterada sem que se altere a jornada de trabalho. Como afirma o pensador, “[ao] prolongamento do mais-trabalho corresponderia o encurtamento do trabalho necessário, ou, em outras palavras, a parte do tempo de trabalho que o trabalhador até agora utilizava para si mesmo é convertida em tempo de trabalho para o capitalista” (MARX, 2013, p. 387). Colocando a questão de outra forma, o aumento da produtividade do trabalho está relacionado com a usurpação do domínio do tempo de trabalho necessário, que é aquele relativo à reprodução da força de trabalho, relativo também ao salário do trabalhador. Isso não significa, ainda segundo o revolucionário alemão, que há uma redução do salário abaixo do valor de sua força de trabalho, mas sim que há uma diminuição do próprio valor de sua força de trabalho (isto é, ao mesmo tempo em que há uma elevação da força produtiva de trabalho, há uma diminuição do valor das mercadorias e da própria força de trabalho como mercadoria).
Estas reflexões são a chave para a compreensão da exploração no processo de extração de mais-valia relativa, e também aponta para um fenômeno mais estruturante da sociedade capitalista, ou seja, para manter o sistema de acumulação é preciso elevar sempre a força produtiva do trabalho por meio de alterações no processo de trabalho. Isto ocorre pela diminuição do tempo socialmente necessário para a produção de mercadorias, por meio do revolucionamento das condições técnicas e sociais do processo de trabalho.
Também em O Capital (2013), Marx adianta a noção de que a grandeza do valor produzida pelo trabalho muda conforme a mudança na força produtiva do trabalho. O pensador afirmará que a maquinaria serve para encurtar a parte da jornada de trabalho que é dedicada à reprodução do próprio trabalhador. Ele compreende que seu aperfeiçoamento se torna inevitável cada vez que um material mais difícil de ser trabalhado se choca com as limitações pessoais do trabalho. E nesse movimento dialético no interior das forças produtivas, a classe trabalhadora é abatida em suas habilidades, tendo que consumir corpo e mente em novas configurações da produção.
Para reduzir o valor da força de trabalho, a intensificação da produção tem que atingir os outros ramos da indústria, que são necessários no sistema de produção. Sendo assim,
(...) o valor de uma mercadoria não é determinado apenas pela quantidade de trabalho que lhe confere sua forma última, mas também pela massa de trabalho contida em seus meios de produção [trabalho morto]. O valor de uma bota, por exemplo, não é determinado apenas pelo trabalho do sapateiro, mas também pelo valor do couro, do piche, do cordão etc. Portanto, a queda no valor da força de trabalho também é causada por um aumento na força produtiva do trabalho e por um correspondente barateamento das mercadorias naquelas indústrias que fornecem os elementos materiais do capital constante, isto é, os meios e os materiais de trabalho para a produção dos meios de subsistência” (MARX, 2013, p. 390).
Em síntese, quando se calcula a diminuição do trabalho necessário, essa diminuição tem que estar relacionada com a soma da redução de cada um dos ramos dos processos produtivos como um todo. O pensador afirma que, se o capitalista consegue produzir durante as 12 horas, ao invés de 12 peças, 24 peças, sem alteração do valor dos meios de produção, a mercadoria cai de valor. Dessa forma, “[o] valor individual dessa mercadoria se encontra, agora, abaixo de seu valor social, isto é, ela custa menos tempo de trabalho do que a grande quantidade do mesmo artigo produzida em condições sociais médias” (MARX, 2013, p. 391). Assim, com o aumento da produtividade, o dono do empreendimento poderá vender o produto acima de seu valor individual, ou seja, dos custos e do valor da força de trabalho que foram necessários para a sua confecção. O valor final não se mede pelo tempo concreto dispendido na confecção, mas pelo tempo de trabalho socialmente requerido na sua confecção. Mesmo diante desse aumento do lucro, pela produção de mais-valor pelo trabalhador, o capitalista continuará pagando a ele o salário médio pelas horas trabalhadas.
Esse mais valor, por sua vez, desaparece “assim que o novo modo de produção se universaliza e apaga-se a diferença entre valor individual das mercadorias barateadas e seu valor social” (MARX, 2013, p. 393). Isto porque o barateamento da mercadoria abaixo do seu valor social força os concorrentes, pela lei coercitiva da concorrência, a incorporar os novos métodos de produção, instalando a generalização de um processo de produção. Este é o método da dinâmica do capital: desenvolver técnicas, tecnologias, inovações na administração e na produção, que incrementem o processo de acumulação, estando o trabalho no núcleo dessas alterações.
Em síntese, o processo de destruição das forças produtivas é acompanhado pela evolução das técnicas e da ciência, capazes de diminuir o tempo da produção e baratear os objetos de toda a cadeia produtiva, tanto dos trabalhadores como do resultado do trabalho, a mercadoria. A lógica consiste no prolongamento do mais-trabalho que é resultado da redução do tempo necessário da reprodução da força de trabalho e não o contrário (MARX, 2013). Quanto mais avança o aprimoramento das máquinas, quanto mais se exige um trabalho simplificado e mecânico do trabalhador, menos ele precisa dedicar horas de trabalho para a sua própria reprodução, sendo este o cerne da exploração.
c) Para uma definição de “precarização do trabalho”
Países de capitalismo central e de capitalismo periférico vêm sendo impactados nas últimas décadas por alterações nas formas de produção, num processo de complexificação da divisão social do trabalho. Essas transformações têm associado inovações tecnológicas, mudanças nas formas internas de produção e alterações na legislação protetiva do trabalho. Diferentes governos - especialmente os de orientação neoliberal - passaram realizar alterações na legislação trabalhista ocasionando uma revolução na produtividade do trabalho. Além disso, novas modalidades de contratação e de utilização da força de trabalho, como terceirização, pejotização, contratos temporários e uberização, permitem ao capital economizar com o trabalho vivo e ampliar o cardápio de contratações, de forma a liberar o empregador para alugar força de trabalho da maneira que interessa aos seus rendimentos (TAVARES, 2021; KREIN, 2020).
Seguindo Franco et. al (2010), precarização é um processo multidimensional que altera as condições de vida do sujeito trabalhador dentro e fora do trabalho e que causa um sentimento de despertencimento social. Isso inclui as mudanças organizacionais governadas por métodos de maximização dos lucros, aumento da exploração do trabalho, imposição de mecanismos de autoexploração, entre outros fenômenos que visam sequestrar o tempo e a subjetividade dos sujeitos. Ainda segundo Franco et. al (2022), ao mesmo tempo em que ocorre a evolução de técnicas de produção, práticas organizacionais e conhecimento científico, a classe trabalhadora é lançada à própria sorte num processo que combina precarização, adoecimento e destruição ambiental.
Para Alves (2007), precarização do trabalho consiste em um processo de natureza histórica e estrutural que degrada a força de trabalho humana. Mais especificamente no caso brasileiro, diria respeito à articulação entre heranças históricos-estruturais e especificidades inerentes ao atual contexto do capitalismo financeirizado. Para o autor (ALVES, 2007), a precarização diz respeito a um processo histórico complexo, determinado pela luta de classes e pela correlação de forças entre capital e trabalho, que desequilibra acentuadamente a balança para o lado do capital, de forma a suprimir resistências firmadas pela luta de classes contra o seu avanço.
Alves (2009) discute a precarização como constituinte do novo metabolismo social, que, objetivamente, associa-se à intensificação da exploração da força de trabalho, ao desmantelamento dos coletivos de trabalho e das lutas sindicais, além de a fragmentação social pelo aumento acentuado do desemprego. Especificamente no que tange às greves, adverte o autor que “as dificuldades de ‘greves gerais’ por categoria e a disseminação de greves por empresas no decorrer da ‘década neoliberal’ expressam condições objetivas adversas de precarização do mercado de trabalho e de ofensiva do capital na produção” (ALVES, 2009, p. 190).
Ao analisar o contexto do início dos anos 2000, o mesmo autor (ALVES, 2012) delineia os contornos e dimensões da precarização do trabalho, resultado das novas configurações produtiva nas empresas. Nesse sentido, ele considera que há uma nova precariedade salarial em decorrência do ajuste neoliberal e a processo de reestruturação produtiva, ocasionando uma regulação salarial que engloba mecanismos de contratação flexível, organização do trabalho com base no toyotismo e uma base técnica informacional da produção que atinge diretamente a qualificação dos trabalhadores. Ademais, a precarização também assume novos contornos relativos à deterioração da vida pessoal e da saúde do trabalhador. Cabe destacar que, na década de 2000, a diminuição salarial é um dos aspectos chave para compreender a precarização, sendo que a redução da renda do trabalho é resultante do aumento do número de trabalhadores periféricos, incluídos em ocupações cujas relações de trabalho são precárias: flexibilização da jornada de trabalho por meio do banco de horas, remunerações flexíveis do tipo Participação nos Lucros e Resultados PLR, etc (ALVES, 2012).
Por fim, o autor (ALVES, 2021) observa a precarização do trabalho segundo uma multidimensionalidade de fatores, não se restringindo apenas à precarização salarial. E se a diminuição do salário é uma das dimensões concretas de expressão da precarização do trabalho, ela também é parte integrante do que ele chamou de precarização existencial, que diz respeito à totalidade da vida social (ALVES, 2013). O autor define precarização existencial da seguinte forma:
A precarização existencial não se reduz ao estresse ideológico provocado pela precarização do homem como ser humano-genérico, mas diz respeito também à degradação das condições de existência do trabalho vivo no território das metrópoles e nos espaços públicos de desenvolvimento humano, isto é, as condições da reprodução social como circulação, territorialidade, consumo e lazer (ALVES, 2013, p. 243).
Graça Druck (2011), por sua vez, compreende o processo de precarização social do trabalho como constituinte de um novo e velho fenômeno, que é contemporâneo, mas paradoxalmente igual àquele do passado. Sendo assim, a autora compreende que “ao lado de novas condições e situações sociais de trabalho, velhas formas e modalidades se reproduzem e se reconfiguram, num claro processo de metamorfose social” (DRUCK, 2011, p. 35). Druck (2011) propõe a construção de um conjunto de indicadores para capturar a complexidade do fenômeno da precarização social do trabalho, de forma a combinar recursos qualitativos e quantitativos.
Apreendendo a realidade concreta, a autora (DRUCK, 2011) considera que o primeiro indicador deve ser a vulnerabilidade das formas de inserção e as desigualdades sociais. No caso do Brasil, o país possuiria um mercado de trabalho heterogêneo com formas de inserção que combinam contratos precários, sem proteção social, com as ocupações e desemprego. Um segundo conjunto de indicadores expressa-se na intensificação do trabalho e na terceirização. A precarização, nesse caso, é resultado dos padrões de gestão e organização do trabalho, pela intensificação do trabalho por meio de metas inalcançáveis, prolongamento da jornada de trabalho apoiada na forma de gestão pelo medo, discriminação imposta pala terceirização e manifestações de abuso de poder, como o assédio moral. A insegurança e saúde no trabalho aparecem como o terceiro grupo de indicadores, apresentando como fatores a precarização e a evolução do número de acidentes de trabalho no país. Uma quarta medida para a precarização consiste na perda das identidades individual e coletiva, que ganha significado na condição de desempregado e na ameaça constante de perda do emprego. A fragilização da organização dos trabalhadores emerge como o quinto indicador de precarização do trabalho, identificado nas dificuldades da organização sindical com sua crescente pulverização. Por fim, o sexto grupo de indicadores que caracteriza a precarização associa-se à perda de direitos trabalhistas (DRUCK, 2011).
Em outro momento, Druck (2013) compreende a precarização do trabalho como um fenômeno novo em que suas características, modalidades e dimensões revelam um processo de precarização social inédito, cujas expressões estão nas formas de organização e gestão do trabalho, na legislação trabalhista e social, no papel assumido pelo Estado, no papel desempenhado pelos sindicatos, bem como nas inéditas formas de atuação de instituições públicas e de associações civis. Dessa forma, Druck compreende esse fenômeno como novo porque foi reconfigurado e ampliado, resultando em um processo intenso de retrocesso social que afeta regiões mais desenvolvidas e as que já são historicamente marcadas pela precarização, estando presente nos setores mais dinâmicos e modernos da economia e não somente nos mais tradicionais em que a precarização já está presente (DRUCK, 2013).
Finalmente, Druck (2013) compreende como marca da precarização a condição de instabilidade, insegurança, fragmentação dos coletivos de trabalhadores e a crescente concorrência que se estabelece entre eles. Todos são atingidos pela precarização de forma indiscriminada; todavia, as formas de expressão variam em grau e intensidade, tendo como unidade a condição não mais provisória da situação de ser ou estar precário. Nesse sentido, o recurso aos indicadores visa apresentar as diversas expressões da precarização, com vistas a desenhar um quadro do trabalho precário no país. A autora seleciona como indicadores quantitativos da precarização do trabalho o desemprego, a informalidade, a terceirização, a organização do trabalho e as formas de resistência. Além disso, também caracteriza a precarização da saúde dos trabalhadores por meio de indicadores qualitativos, como as doenças relacionadas ao trabalho: Bournout e LER-Dort (DRUCK, 2013).
Antunes (2007; 2015) discute o que chama de precarização estrutural do trabalho, tratando-o como um fenômeno global. Em suas obras, o autor observa o crescente o número de homens e mulheres que, cada vez mais, encontram menos trabalho, sujeitando-se a qualquer atividade. Esse fator caracteriza uma elevação da tendência de precarização do trabalho em âmbito mundial, cuja expressão maior está na elevação do desemprego estrutural. Tal fenômeno associa-se aos trabalhos terceirizados, subcontratados, part-time como modalidades do trabalho precário. Embora a informalidade não seja sinônimo de precariedade, Antunes (2015) considera a relação íntima entre ambas, devido especialmente à ausência de direitos do trabalhador informal. Ele acrescenta “que a flexibilização e a informalização da força de trabalho são caminhos seguros, utilizados pela engenharia do capital, para arquitetar e ampliar a intensificação, a exploração e, [...] a precarização estrutural do trabalho em escala global” (ANTUNES, 2015, p. 260).
O mesmo autor (2020) discorre sobre o avanço tecnológico que levou muitos agentes a apregoar o fim da sociedade do trabalho. Para ele, o desenvolvimento dos meios de produção evidencia as condições degradantes de trabalho que incidem sobre o trabalhador coletivo. Numa espécie de fenomenologia da precarização, ele aponta para os contratos temporários, sem estabilidade, sem registros em carteira, dentro ou fora do espaço produtivo das empresas, quer em atividades mais instáveis, quer nas temporárias, e o desemprego como a locomotiva da precarização (ANTUNES, 2020).
Compreendendo, também, a terceirização como pilar da precarização, o mesmo autor (ANTUNES, 2013) argumenta que a recente crise em finais da primeira década dos anos 2000 fez ampliar a precarização em escala global, pois com a ânsia de aumentar a produtividade e o acirramento da concorrência, as empresas globais degradam ainda mais as condições de trabalho. Nesse sentido, alterna-se entre um cenário de crescente desemprego aberto e direto, além da degeneração dos empregados regulamentados, com elevação da terceirização, quarteirização, contratos part-time, todos desprovidos de direitos. Assim, o atual contexto do capital corrói os empregos e as formas de trabalho, constituindo a porta de entrada desse processo degradante (ANTUNES, 2013).
Para o autor, o processo de informalidade é verificado a partir da não existência de vínculos formais de contratação e consequentemente os regulamentos legais, nesse sentido, a informalidade constitui mecanismo de entrada para uma maior precariedade, pois o trabalho informal se caracteriza por vínculos desprovidos de direitos. De modo que, a informalidade e a terceirização tem sido utilizadas como recursos essenciais pelo capital para elevação da exploração do trabalho e valorização do capital. Nesse movimento, quanto maior a intensificação desses mecanismos maior é a propulsão da precarização estrutural do trabalho (ANTUNES, 2013).
[1] Neste trabalho, destacaremos apenas a pesquisa de Engels para respeitarmos os limites de palavras estabelecidos para o texto.
Conclusiones:
Conclusão
Como buscamos demonstrar nesse texto, a história da classe trabalhadora é marcada por processos de precarização de suas condições de existência. Esse fenômeno está diretamente ligado, em cada época histórica, às condições de trabalho impostas pelo capital com vistas elevar a produtividade do trabalho. Sendo assim, não é possível abordar o tema da precarização do trabalho sem ter clareza de que se trata de um fenômeno histórico e, ao mesmo tempo, sistêmico do capitalismo. Isso significa que o capital, de tempos em tempos, altera mecanismos de extração de mais-valia para manter a taxa de acumulação.
No entanto, a exploração do trabalho, da forma como Marx a concebeu, não coincide com alteração direta das condições de vida da classe trabalhadora. Isso porque o cerne da exploração é a diminuição do tempo de trabalho necessário para reprodução da força de trabalho. A diminuição do tempo necessário dependerá de alterações técnicas e sociais, que levam à desvalorização do valor da força de trabalho. Isto não significa que há diminuição salarial, ou que uma diminuição salarial se espalhará de forma generalizada para todas as unidades produtivas, em todos os países capitalistas existentes. No entanto, cada vez que as alterações técnicas acontecem, os trabalhadores esgotam as suas próprias habilidades, consumindo o seu corpo e a sua mente. Cada vez que a jornada se estende, o trabalhador vê seu corpo sucumbir e sua vida social desfazer-se.
Os autores da sociologia do trabalho identificam a precarização com a diminuição salarial, relativa a aspectos próprios do mundo do trabalho no capitalismo neoliberal, como uberização e terceirização. Mas também apontam para aspectos que extrapolam o problema da renda do trabalho. À penúria material se associam adoecimentos, enfraquecimento de organizações políticas, dificuldade relativa à produção existencial, como lazer e identidades territoriais. Desta forma, para elaborar uma matriz teórica para o tema da precarização do trabalho, é preciso 1) partir de uma análise sistêmica do fenômeno; 2) levar em consideração o tempo histórico analisado; 3) refletir sobre as consequências da exploração do trabalho, para além de uma exclusiva diminuição salarial e penúria material, sem deixar de considerá-la como uma das variáveis principais ; 3) considerar aspectos da precarização semelhantes e diferentes aos que se assentavam no passado; 4) incluir na análise, além da penúria material, as dimensões política, social e existencial experimentadas pelos trabalhadores; e 5) sobretudo, conectar a aspectos mais amplos da conjuntura de um tempo histórico às condições específicas dos trabalhadores, sejam materiais, políticas, físicas e sociais.
Bibliografía:
REFERÊNCIAS
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Palabras clave:
Precarização do trabalho; Exploração; Conceito