Resumen de la Ponencia:
O trabalho é o esboço de uma monografia que explana uma pesquisa desenvolvida no contexto da renda renascença no Cariri Ocidental da Paraíba. Tomando como objetivo analisar a relação de rendeiras reunidas em 6 associações, no que se refere a perspectiva da atividade artesanal em suas vidas e o seu valor simbólico a partir da técnica. As associações estão situadas em cinco municípios paraibanos: Monteiro, São João do Tigre, Camalaú, São Sebastião do Umbuzeiro e Zabelê. Além da delimitação inicial de estudos sobre o tema, o aporte teórico escolhido para privilegiar a perspectiva das rendeiras está ancorado na sociologia da vida cotidiana sobre o viés de Martins (2014). O percurso metodológico adotado seguiu os caminhos do mesmo autor, juntamente com Whyte (2005) através da observação participante no Centro de Referência da Renda Renascença – CRENÇA, além da realização de entrevistas semiestruturadas com rendeiras vinculadas as associações. Nos relatos, foi constatado que, as iniciativas implementadas pelos agentes estatais não estão sendo suficientes, fazendo com que as rendeiras encontrem dificuldades nas associações para a compra da matéria prima para o tecimento da renda renascença, além do que a comercialização das peças ainda é um problema recorrente. Foi percebido que as ações ainda não estão sendo suficientes para a independência financeira das rendeiras, o que torna a renda renascença uma fonte de renda complementar do grupo familiar. Mesmo assim, as rendeiras persistem para que o mínimo que é oferecido através das políticas de incentivo se converta em valorização para a atividade artesanal. Nos relatos das entrevistadas a renda renascença significa mais do que uma fonte de renda econômica, se remete ao valor simbólico e de pertencimento na sua história. Ademais, o convívio pessoal e a necessidade de negociações e ajustes com grupos maiores são alguns dos desafios para que se alcance os objetivos anunciados com as associações e iniciativas coletivas implementadas em torno da renda renascença no Cariri Paraibano.
Introducción:
A renda renascença é uma técnica artesanal que ultrapassa gerações. Trata-se de um bordado delicado e minucioso feito à mão por rendeiras nordestinas. É um trabalho árduo que, dependendo da peça, pode exigir semanas e até meses para a sua finalização. Nela utiliza-se a linha, a agulha e o lacê. Este sustenta toda a estrutura do bordado, representando “para as rendeiras do Cariri Paraibano um significado muito forte porque serve para identificar a renda local” (SEBRAE, 2014, p. 27). Dentre os pontos mais conhecidos de renascença estão: o ponto pipoca, o abacaxi, o richelieu, a malha, o amor seguro, a aranha e a traça. Geralmente as peças concentram-se na cor branca, porém, podem ter outras cores. Uma das formas é a partir do tingimento de elementos extraídos da natureza, por exemplo, a ameixa e a castanha de caju.
Indícios apontam que sua origem se deu na Itália, na época Renascentista (daí o nome renascença), estando também na corte francesa como símbolo artesanal, na sua maioria em colarinhos do Rei Henrique II, que usava as peças para esconder a cicatriz que tinha em seu pescoço2 (SEBRAE, 2014). Quanto à inserção da renda renascença no Brasil, não há uma exatidão nas informações coletadas. De acordo com o Instituto Interamericano de Cooperação para a Agricultura (IICA) (2017), a renda renascença foi trazida na época da colonização. E, de início, era bastante utilizada nas roupas de padres e em decorações nos altares das Igrejas. Isso porque a renda, ou melhor, o modo de se fazer as peças, por muito tempo foi mantido em segredo para população, sendo a produção restrita apenas nos conventos, por freiras que tinham habilidade com essa técnica.
A partir da década de 1930 que mulheres pobres do Agreste pernambucano e Cariri paraibano tomaram conhecimento do ofício e assim passaram a confeccionar peças de renda renascença que, desde então, perpassa gerações. Essa disseminação ocorreu através de duas mulheres. Conhecidas popularmente como Lalá e Maria Pastora. Maria Pastora trabalhava em um convento de Olinda – PE, onde aprendeu o ofício. Foi em uma das visitas à casa dos seus pais na cidade de Poção, que fez com que Lalá aprendesse a tecer a renda, já que Maria Pastora teria levado uma encomenda para tecer.
Hoje em dia, a produção da renda renascença prevalece no nordeste brasileiro. No qual, o foco da pesquisa será municípios do Cariri paraibano ocidental: Monteiro, São João do Tigre, Camalaú, São Sebastião do Umbuzeiro e Zabelê.
O lócus da pesquisa se consolida no Centro de Referência da Renda Renascença – CRENÇA, localizado no município de Monteiro – PB, através da observação participante. O espaço que é proposto para a comercialização das peças de renda renascença, reúne rendeiras integrantes do Conselho de Associações, Cooperativas, Empresas e Entidades vinculadas a renda renascença do Cariri Paraibano (CONARENDA), seis Associações dos municípios apresentados nesse trabalho. São elas: Associação dos Artesãos de Monteiro (RENASCI); Associação dos Artesãos de São João do Tigre (ASSOARTI); Associação de Resistência das Rendeiras de Cacimbinha (ARCA); Associação Comunitária das Mulheres Produtoras de Camalaú (ASCAMP); Associação dos Artesãos de São Sebastião do Umbuzeiro (ADARTI); Associação das Produtoras de Arte de Zabelê (APAZ).
A medida que fazia as observações refleti sobre algo importante na descrição dos métodos de pesquisa de Whyte (2005) no qual o autor saluta que é necessário saber o momento adequado sobre o que perguntar e o que não perguntar na observação participante. As interações envolvem também a relação de confiança que o pesquisador estabelece com o pesquisado.
Sentando e ouvindo, soube as respostas às perguntas que nem mesmo teria a ideia de fazer se colhesse minhas informações apenas por entrevistas. Não abandonei de vez as perguntas, é claro. Simplesmente aprendi a julgar quão delicada era uma questão e a avaliar minha relação com a pessoa, de modo a só fazer uma pergunta delicada quando estivesse seguro de minha relação com ela (WHYTE, 2005, p. 304).
Diante disso procurei estabelecer uma relação de confiança com as rendeiras que estavam frequentemente no CRENÇA, procurando respeitar suas individualidades e interações. Conforme Martins (2014) salienta:
O artesanato intelectual na Sociologia, para se inviabilizar, pede mais respeito do que o habitual pelas pessoas com as quais conversamos para obter os dados necessários a nossas análises e interpretações, que muitas vezes são pessoas iletradas e sábias da própria sabedoria do vivencial. Sobretudo porque pede mais tempo, mais demora que implica uma certa recíproca invasão da vida do pesquisador por aqueles com os quais dialoga e até mesmo sua ressocialização (MARTINS, 2014, p. 29).
Esse aspecto de estabelecer confiança entre as rendeiras foi de suma importância, pois, na medida em que fui sendo aceita por elas não precisei perguntar diretamente sobre essas questões mais delicadas. Além disso, esse contato foi importante para que pudesse conseguir me aproximar das rendeiras que residiam em outras cidades.
Desarrollo:
As informações coletadas na observação participante foram acrescidas com o roteiro de entrevista semiestruturado. A base de análise, inspirada na sociologia da vida cotidiana, se baseou em Martins (2014) e Certeau (1998), procurando evidenciar percepções em comum entre as rendeiras e abordando aspectos positivos e negativos das intervenções. Com isso, fiz o agrupamento de termos mais frequentes em suas falas, que serão explanados nos resultados. Seguindo a teoria de Certeau (1998)
Os relatos de que se compõe essa obra pretendem narrar práticas comuns. Introduzi-las com as experiências particulares, as frequentações, as solidariedades e as lutas que organizam o espaço onde essas narrações vão abrindo um caminho, significará delimitar um campo. Com isso, será preciso igualmente uma “maneira de caminhar”, que pertence, aliás, às “maneiras de fazer” de que aqui se trata. Para ler e escrever a cultura ordinária, é mister reaprender operações comuns e fazer da análise uma variante de seu objeto (CERTEAU, 1998, p.35).
Segundo as entrevistas o processo de aprender a tecer a renda nem sempre foi algo prazeroso. Na maior parte foi por necessidade de conseguir comprar algo ou ajudar nas despesas da família. Conforme relato:
Aprendi com 8 anos e é... questão de... a maioria das pessoas principalmente aqui da região é essa idade que já começa a trabalhar com a renda. Minha mãe fazia pra ajudar nas coisas de casa, e naturalmente a gente precisaria ajudar na renda, então, começa tendo o interesse ou sendo incentivada a trabalhar... que pra mim assim, na época não era uma coisa prazerosa, agradável. A gente fazia porque não tinha outra opção e... precisaria fazer pra comprar as coisas pra gente, roupa... tinha essa necessidade. (Rendeira C, vinculada como MEI. Entrevista concedida à autora).
Durante as entrevistas as rendeiras evidenciaram que hoje em dia não existe mais a tradição de avó, filha e neta tecerem a renda renascença. Devido à desvalorização da atividade e por não ter um retorno financeiro satisfatório.
Nós trabalhávamos para ajudar a mãe a criar os filhos mais novos. Eu casei, comprei minhas coisas de casa pra casar eu comprei tudo com renda renascença. Quando me casei, já passei pra minhas filhas e das filhas já passei pras netas. Só que hoje as meninas não querem, diz que o ganho é pouco. Acha melhor estudar para fazer outra coisa e ganhar mais, elas acham que a renda é sem futuro, elas sabem saber mas não querem. Eu desejo que elas façam, porque é uma coisa que eu tô passando pra elas, né? (Rendeira G, membro de associação. Entrevista concedida à autora).
No cenário atual, nem sempre a renascença se encontra como atividade principal, visto por muitos como apenas um complemento da renda econômica familiar. A autora salienta que “a Renda Renascença é tida como fonte secundária, ficando atrás do Bolsa Família e aposentadoria, já que o número de pessoas trabalhando com Renda Renascença depois da aposentadoria foi relativamente alto” (RODRIGUES, 2019, p. 104).
Seguindo a pesquisa da autora sobre os projetos voltados para as rendeiras, muitas afirmaram que nem sempre os projetos chegam ao final, o que dificulta a produção e a venda das peças. Por mais que as iniciativas sejam vangloriadas pelas mídias digitais e entidades, muitos projetos voltados para rendeiras param no caminho e não se consolidam. Além disso, as peças de renda renascença que são produzidas por mulheres rendeiras no Cariri, nem sempre pessoas de sua mesma classe podem compra-las. Isso por se tratar de peças de custo elevado. Existem peças, por exemplo, que ultrapassam o valor de 30.000 mil reais. Nesse cenário, “o conceito de status amplia a percepção das diferenças de classe. Classe expressa a dimensão econômica da desigualdade social e status, o seu aspecto honorífico, de maior ou menor prestígio entre os demais” (MIRA, 2017, p. 143).
Conforme Moraes (2018) esses agentes do campo da moda imprimem sua assinatura às peças feitas com renascença, ainda que a manufatura seja feita por artesãs nordestinas. É minimizada a criação da artesã, transformada em mão de obra qualificada para a cadeia de valor da moda. E cresce em importância e capital simbólico o artista.
Quando perguntei sobre a possibilidade de obter lucro das peças de renda renascença, uma rendeira menciona
Eu acho em alguns casos sim, em outros não. Depende muito de quem compra, de quem está vendendo. No meu caso em nunca consegui ter um lucro satisfatório pela questão de ser caro os produtos, se encarecer muito fica muito difícil a venda. Ter um lucro satisfatório né? Eu vejo na convivência das pessoas que fazem renda, que depende do caminho que fez, da clientela que conseguiu né? acho que já deu pra você perceber que renda renascença é mais pra aquelas pessoas que tem um poder aquisitivo bom, aí em alguns casos não temos um lucro satisfatório. É um capital de giro que dá pra ir se sustentando, mas pra gerar lucro não. Pelo menos no meu caso não (grifo nosso) (Rendeira E, membro de associação. Entrevista concedida à autora).
A maneira como as rendeiras enxergam quem pode ou não usar as peças é algo para se indagar. Em conversas informais algumas rendeiras relataram que a matéria prima é cara, diante disso não costumam usar uma peça “toda” de renda renascença.
Conversando com algumas rendeiras percebi que falar da renda renascença remete a um valor simbólico, algo que faz parte da sua história, mas existe uma coisa curiosa, elas não costumam usar as peças de renascença a não ser que seja um aplique. Penso que seja pelo alto valor do novelo (Anotações do diário de campo, dia 28 de janeiro de 2022).
Quando perguntei se as rendeiras costumavam usar as peças de renascença todas as entrevistadas responderam que sim, geralmente são aplicações em blusas com outro tipo de tecido. Embora a prevalência dessa afirmação, as rendeiras costumam usar essas peças em eventos ou feiras. Já que nas minhas observações no CRENÇA, raramente alguma fazia uso.
Quanto ao CRENÇA, localizado no município de Monteiro e que ainda é uma iniciativa recente, as rendeiras veem o espaço como uma possibilidade de melhoria na comercialização. Apesar de alguns relatos evidenciarem que ainda é preciso atrair turismo para o município, a maioria enxerga o CRENÇA como uma grande conquista, pois agora elas teriam um local para expor suas peças. Na fala de uma rendeira: “agora a gente tem lá em Monteiro o CRENÇA, que antes tinha peça da gente que ficava aqui guardado, sabe? e agora a gente tem um lugar pra expor”.
Mesmo assim, nas minhas observações no espaço, percebi pouca movimentação do público. Algumas pessoas entravam, perguntavam o preço e iam embora. A compra e exposição das peças também ocorria pelo Instagram da loja e presenciei algumas vezes as rendeiras mandarem fotos para os clientes, caso alguém comprasse, era combinado que em outro momento passaria no CRENÇA para pegar a peça.
Décadas depois da implementação de iniciativas públicas em torno da renascença, o problema recorrente na fala das rendeiras ainda é a dificuldade de comercialização. As rendeiras não possuem uma renda fixa mensalmente, os valores variam mês a mês. Apesar das intervenções, nem todas as associações detêm o “capital giro” expressão usada por elas, para comprar a matéria prima e tecer as peças. Essa lacuna abre espaço para aqueles que possuem a condição de suprir as necessidades financeiras básicas da produção.
Conclusiones:
Diante da pesquisa realizada, percebeu-se que, na prática, as ações de incentivo e fomento à renda renascença não alcançam o resultado esperado. As rendeiras associadas ainda encontram os problemas mais recorrentes, a produção e a venda das peças. Mesmo assim, as rendeiras persistem para que o mínimo que é oferecido através das políticas de incentivo se converta em valorização para a renascença. Todavia, o convívio pessoal e a necessidade de negociações e ajustes com grupos maiores são alguns dos desafios para que se alcance os objetivos anunciados com as associações ou iniciativas coletivas como o CRENÇA.
A renascença, para as rendeiras, significa mais do que uma fonte econômica, remete a um valor simbólico, algo que faz parte de sua história. Nesse sentido, suas percepções se constituem como importante fonte de análise para que os agentes percebam se as ações implementadas estejam atingindo de fato a vida das rendeiras. Em síntese, fica manifesta a relevância de pesquisas futuras sobre dimensões da renascença que não foram contempladas considerando a limitação da pandemia mundial e sobretudo a perspectiva de rendeiras não vinculadas as associações.
Bibliografía:
DE CERTEAU, M. (1998). A invenção do cotidiano. 3ª. Ed. Petrópolis–Rio de Janeiro. Editora Vozes.
Filha, J. F. D. A. M., Hercog, B. P., & Ramos, S. A. (2017). Pontos e histórias: Renda Renascença e Mulheres Rendeiras. IICA.
Martins, J. S. (2014). Uma sociologia da vida cotidiana. Contexto.
Mira, M. C. (2017). Estilo Xique Chique: o consumo de" cultura popular" na metrópole paulistana. Revista de Ciências Sociais: RCS, 48(1), 126-154.
Moraes, C. G. M. S. M. (2018). Renascença extraordinária: dinâmica social e produtiva em transformação no Cariri Paraibano.
RODRIGUES, M. A. F. (2019). Agulhas de sangue: renda renascença e expropriação do trabalho: análise da comunidade rural no Cariri Paraibano e da produção industrial na cidade de Poção-PE.
SEBRAE. Indicações geográficas brasileiras. Artesanato. Brasília: SEBRAE, INPI, 2014.
Whyte, W. F. (2005). Sociedade de esquina. Zahar.
Palabras clave:
artesanato; moda; renda renascença