Resumen de la Ponencia:
Resumo
A feira de confecções aparece como protagonista na economia da cidade de Santa Cruz do Capibaribe - Agreste de Pernambuco. O crescimento “desordenado” em torno do capital aparece neste artigo como elemento tangente da análise. Como questão norteadora, objetiva-se analisar a relação existente entre os agentes sociais e as instituições público-privadas na produção do espaço como marcadores temporais e analisar como ocorreram as principais mudanças no espaço resultantes da evolução das feiras de rua. Mobilizando a noção de Corrêa (2015) sobre o agente, o texto centraliza o papel da atuação na transformação do indivíduo e faz a relação com a noção de habitus e supraestrutura presente na obra de Bourdieu. Na relação entre agente-estrutura, vai de encontro com a noção de reflexividade proposta por Margaret Archer e do como, mesmo no interior desses espaços, a reprodução, interiorização e externalização das relações sociais aparecem como marco objetivo na produção do espaço. Para fazer a análise, o texto tem como objeto fotografias históricas[1], partindo da década de 1950 - espaço que verifica-se nas feiras de confecção de roupas (ou sulanca) - na cidade e percorre o desenvolvimento e a materialidade econômica na expansão do comércio até os anos de 2020. Identificou-se que a relação e produção do espaço, para a expansão da cidade, tem em sua nascente, uma narrativa e discurso do campo do empreendedorismo, pautada no compartilhamento trajetórias e histórias de sucesso.[2]
[1] Por limitações da revista online, as imagens utilizadas como unidade analítica foram disponibilizadas no link https://medium.com/@rodrigozf/imagens-os-agentes-sociais-na-produção-das-feiras-de-rua-o-caso-de-santa-cruz-do-capibaribe-8c5e04656c59
[2] Este artigo foi apresentado no XXXIII ALAS com apoio da FAPESQPB – Fundação de Amparo à Pesquisa da Paraíba
Introducción:
Introdução
As feiras de rua em Santa Cruz do Capibaribe[1] (SCC) aparecem como elemento centralizar para o desenvolvimento da cidade. Em seu centro produtivo está a indústria têxtil, principal fonte de renda e motor gerador de empregos na localidade. De maneira incipiente e tímida a formação de um espaço destinado para a realização das trocas, a ocupação e expansão do espaço aparecem organicamente na história da cidade, centralizando o papel de agentes produtores, imbuídos de uma racionalidade empreendedora, aparecem como figuras-chave para sua transformação (XAVIER, 2009; BURNETT, 2014, SÁ, 2018).
Mais de 50 anos após o início das feiras, o espaço passou por diversas intervenções diretas de agentes políticos frente à expansão dos mercados de produtos têxteis no Nordeste. A exemplo, Toritama e Caruaru são as cidades que formam os pilares centrais do polo de confecções[2] e apresentaram um histórico semelhante ao de SCC. Márcio Sá (2018) destaca em sua tese que após o surgimento das feiras de SCC, houve um intervalo de poucos anos para a manifestação nas outras duas cidades-pilar. Esse imbricamento do desenvolvimento, com semelhanças na racionalidade para atrair consumidores se dilatam para outros estados, a exemplo da cidade de Fortaleza, no Ceará. (SAMPAIO, 2020).
A racionalidade presente nos agentes sociais de SCC produziu o espaço e o local competitivo na atualidade em paralelo com outras cidades que estão no polo de confecções e em outros estados (MARTINS e CORTELETTI, 2022).
Partindo da noção em que o contexto urbano como um meio resultante de diversas intervenções causadas pelos agentes transformadores do espaço, surgiu a inquietação de identificar como essas transformações ocorreram na cidade de SCC, os atores e suas questões motivadoras para promoção de uma ação no espaço.
Sendo o setor têxtil como principal motor econômico, marca um divisor de águas que remonta os anos 50, ao qual, ainda incipiente, a produção de roupas estava destinada, majoritariamente, para uso próprio. Esse elemento fronteiriço na história da economia da cidade, simbolizado por uma expansão em que apresenta elementos de um êxodo de retorno (MARTINS e CORTELETTI, 2022), como efeitos de um sucesso financeiro e desenvolvimento orgânico de um setor da economia é vislumbrada através do crescimento da população na década de 80 (CAMPELLO, 1983). Este artigo coloca como questão norteadora: como as narrativas e racionalidade de políticas empreendedoras potencializaram a ação dos agentes sociais na transformação do espaço?
Como fatores metodológicos, buscou-se fotografias e narrativas das feiras através de fóruns, publicações e acervo de moradores da cidade, aos quais se dedicaram a registrar e manter uma memória. Partimos dos anos de 1950 a 2020, analisando as formas e os fatores estéticos da ocupação do espaço e as maneiras de exposição dos produtos nas feiras. Também buscou-se visualizar as narrativas de produtores locais na finalidade de entender como a ação dos agentes produtores se intercalam com as ações na cidade. As narrativas foram captadas e coletadas também a partir de fóruns de debate em páginas do Facebook e matérias vinculadas em jornais a partir de 2012, aos quais, através da memória, as pessoas debatiam as imagens e o desenvolvimento histórico da cidade. O comparativo entre os anos permitirá visualizar as formas que sofreram manutenção, assim como os fatores aplicados no ambiente considerando a temporalidade entre os momentos e a conjuntura social e política.
Este texto está dividido em duas sessões: a primeira irá discutir sobre a noção da produção do espaço, o papel dos agentes e do Estado; a segunda, iremos discutir o objeto deste estudo e entender como a construção dos espaços ocorreu.
[1] Cidade localizada no estado de Pernambuco, Nordeste brasileiro.
[2] Compreendemos que a formação do polo de confecções vai além das três cidades que estamos chamando de piares. Apresentaremos mais adiante uma aproximação dos espaços que formam o grande ecossistema produtivo têxtil do agreste pernambucano.
Desarrollo:
A ação dos agentes na produção e (re)produção do espaço
Corrêa (2011) considera um fator sobre a produção do espaço: a produção como resultado decorrente da ação dos agentes sociais concretos, com interesses e ações dotadas de um sentido e objetivo, inseridos em uma temporalidade permeadas e geradores de conflitos.
As transformações no espaço urbano decorrem de diferentes agentes modeladores do espaço. Corrêa (1989) discorre sobre os tipos ideais de agentes, que são eles os proprietários tanto de meios de produção quanto fundiários, promotores imobiliários, bem como o estado e por fim, os grupos sociais excluídos.
Alguns fenômenos na produção do espaço podem ser vistos, também, nos efeitos provocados por grandes grupos detentores do capital, como a produção das favelas ou conglomerados habitacionais (CORRÊA, 2011).
Como exemplo dos efeitos da ação de agentes transformadores detentores de capital, podemos olhar para o trabalho de Mariana Fix (2001). Em “Parceiros da Exclusão”, a autora acompanha a construção de duas grandes avenidas em São Paulo: a avenida Berrini e a Faria Lima. À época, a primeira localizava-se em um local periférico da cidade — distante do centro urbano e financeiro (avenida Paulista) —, ocupada por mais de dois milhões de famílias. Com fins objetivos para a requalificação do espaço, interesses de um grupo de empresários, iniciaram um processo de planejamento e loteamento, sem estabelecer diálogos com os moradores. As ações para ocupação do espaço se deram através de expulsão, gradual, lenta e, por vezes, violenta. A remoçam do grupo, com suas vozes silenciadas tanto pelo Estado quanto pela mídia, os moradores foram obrigados a ocupar as regiões mais distantes do centro. A segunda remoção e requalificação do espaço, a avenida Faria Lima, ocupada por uma classe média alta, teve um tratamento diferenciado quando comparado ao primeiro grupo. Este, através de mobilização e ordem judicial obrigaram os empresários investidores na localidade, a efetuar os pagamentos dos preços que estavam em prática no mercado.
Parte dos pressupostos e fatores que permitem a atuação dos agentes transformadores é o que Corrêa (2011) pontua na categoria de “agentes transformadores”. Em alguns cenários há centralidade naqueles que são detentores de capital financeiro com objetivos pontuais e orientados por uma busca de capital. Entretanto, não há uma observação que suas ações culminam em um processo de causalidade, impactando aqueles que estão em situação de vulnerabilidade.
Nascimento (2010) nos alerta sobre o papel dos conflitos na geração das favelas, pois destaca que há uma dualidade entre a produção e reprodução do espaço como fenômeno criado pelos agentes sociais, mas que, para sua manutenção, deve ser reproduzido pelos mesmos agentes[1]. Em outras palavras, a relação estabelecida pela autora pontua que há uma reprodução da ideia do espaço presente em um contexto histórico e que se manifesta nos agentes sociais[2].
O conflito aparece como elemento central no trabalho de Nascimento[3], algo que podemos, também, encontrar no trabalho de Mariana Fix (2001). Entretanto, o elemento centralizador presente nos dois trabalhos é o interesse de um Estado capitalista (Corrêa, 2011).
Kawahara (2018) insere novos elementos para o debate sobre a produção do espaço e a atuação de estruturas do Estado capitalista nesse cenário: a atuação do mercado imobiliário no interior das favelas. O autor pontua que há uma relação conflitiva entre Estado e favela, destacando a produção do espaço como algo criminalizado ou criminalização de uma situação jurídica. Entendendo que a ocupação e produção daquele espaço pode ocorrer de diferentes maneiras: ocupação, arrendamento, compra; o cenário de conflitos se manifesta com maior destaque nos processos de ocupação. Kawahara pontua que, em cenários da produção do espaço em favelas, ocorre um processo de legitimação de espaços distintos durante os processos de ocupação e compra.
A atuação do agente transformador segue alguns fatores: 1 - ocorre através do conflito no espaço; 2 - tem um sentido dotado de finalidade imbuído em suas ações; 3 - tem ideais de um Estado capitalista como fator gerador da ação; 4 - tem, como enfoque maior de atuação, agentes sociais dotados de capital financeiro; 5 - seus efeitos atingem indivíduos que ocupam aquele espaço e são direcionados para outros ambientes. Como, a partir dos fatores acima aplicados, podemos compreender o processo de geração do espaço das feiras em Santa Cruz do Capibaribe?
2. Da origem da produção às grandes expansões: o histórico de uma cidade produtiva
Há pouco mais de 190km da capital Pernambucana, SCC é a cidade conhecida por ser a tríade dos munícipios principais do polo de confecções do agreste pernambucano[4]. Formada por um conjunto de municípios, o polo de confecções é formado por um conjunto de pequenos Arranjos Produtivos Locais (APLs) que representam, somados, 73%[5] da produção têxtil do estado.
A cidade se insere em uma região marcada pela seca e terras pouco produtivas. Em sua história, a comercialização de algodão e pecuária marcou períodos da economia local, sofrendo os impactado pela sazonalidade. Essa tese é apresentada por Felipe Rangel e Roselli Corteletti (2022) e Roberto Verás (2013), ao qual apontam como elementos que marcaram e estimularam novas maneiras inventivas de trabalho, culminando na produção têxtil.
A produção têxtil aparece como marca na história da cidade que retorna momentos antes dos anos 50 e são marcadas pela presença e protagonismo no trabalho das mulheres. De maneira artesanal, a produção é perpetuada, no início, através da troca de experiências, passadas através das gerações (BURNETT, 2013; LIMA; SOARES, 2002; MILANÊS, 2019; SÁ, 2018; VÉRAS DE OLIVEIRA, 2013 apud MARTINS e COTELETTI, 2022).
Imagem 1 – Arranjo Produtivo Local (APL) – As mulheres e costura em SCC
Descrição da imagem: costureiras em atividade em um pequeno fábrico nos anos de 1980. Destaca-se que não há a presença de homens na produção e uma marca das horas de produção traduzidas pelo arqueamento das costas para a costura. Nenhuma das cadeiras possuem encosto, além de ser marcada pela ausência de calçados fechados. Também se nota que não há entrada de ventilação nas laterais, sendo que o foco da luz se localiza nas extremidades.
Link da imagem: https://medium.com/@rodrigozf/imagens-os-agentes-sociais-na-produção-das-feiras-de-rua-o-caso-de-santa-cruz-do-capibaribe-8c5e04656c59
Fonte: José Romildo Bezerra/Acervo pessoa (1980)
A comercialização dos produtos confeccionados em SCC encontrou duas vias paralelas ao longo do tempo: a primeira, marcada pela presença das mulheres, aos quais comercializam os produtos produzidos a partir de retalhos nas ruas da cidade; em segundo, via-se que a produção era escoada através dos mascates (XAVIER, 2000; BURNETT, 2014). Os mascates aparecem como uma marca na expansão da produção, pois rompem as fronteiras da cidade, aumentando o campo de atuação da produção local. O terceiro movimento, ocorre através da visitação de feirantes itinerantes — as chamadas sacoleiras —, aos quais vão em busca dos produtos (BURNETT, 2014).
Esse fenômeno têxtil produtivo tem início a partir de dois cenários: o primeiro movimento ocorre a partir de relações comerciais existentes entre Recife e SCC e; em segundo momento, a migração dos retirantes nordestinos para São Paulo (MARTINS, COTELETTI, 2022; XAVIER, 2000; BURNETT, 2014). As relações comerciais com a Capital do estado ocorrem a partir do contato com retalhos de tecidos das fábricas direcionadas para as costureiras da região. O caráter produtivo se expande com o envio de resíduos têxteis dos migrantes em São Paulo, ao qual adicionaram maior quantidade de produtos junto àqueles enviados do Recife.
Imagem 2 – Mascastes comercializam produtos de Santa Cruz do Capibaribe no Estado Bahia
Descrição da imagem: Vendedores ambulantes, também popularmente conhecido na região como tropeiros, comercializam os produtos dispondo-os no chão sobre um tecido em chão de cascalhos.
Estima-se que a fotografia é da década de 1970.
Link da imagem: https://medium.com/@rodrigozf/imagens-os-agentes-sociais-na-produção-das-feiras-de-rua-o-caso-de-santa-cruz-do-capibaribe-8c5e04656c59
Fonte: Acerto pessoal de Arnaldo Vitorino
A sua expansão e institucionalização ocorre em meados dos anos 1990, após o grande crescimento populacional local e fluxo semanal de efluente populacional, as instituições do Estado e equipamentos do setor produtivo iniciam processo de atuação no local na finalidade de estruturar, regular e formalizar as atividades. Neste momento ocorre a mudança na terminologia utilizada para designar a produção presente no conglomerado produtivo têxtil de “Sulanca[6]” para “confecção” (BURNETT, 2014). A expansão das feiras também marca o processo de retorno daqueles que saíram para outras cidades, capitais, na finalidade de conseguir renda. Marco o êxodo de retorno (MARTINS, COTELETTI, 2022.)
O desenvolvimento da atividade produtiva na cidade tem como premissa as APLs distribuídas e conhecidas através da terminologia de facções ou fabricos, marcadas no processo histórico e inseridas nos processos de sociabilidade. Martins e Corteletti (2022) destacam o hábito e organização dos espaços domésticos em SCC através das entrevistas realizadas em 2016. Há uma experiência familiar, passada através das gerações, impregnadas na memória coletiva. A produção aparece, em termos bourdieusianos como um habitus daquele campo de atuação: “A entrada na costura não é uma escolha puramente individual, mas um trabalho que vai aparecendo como alternativa de renda e faz parte da vida da maioria dos moradores da região” (MARTINS e CORTELETTI, 2022).
Esse é o espírito centralizador na produção de SCC, ao qual tem, em sua maioria, a informalidade como forma de trabalho (MARTINS e CORTELETTI, 2022). Em matéria publicada em 2019 na Folha, Zanini pontua que a informalidade — considerando suas dificuldades de mapeamento — chegam a 80% do mercado de trabalho. Questões que favorecem e estimular a individualidade a partir de um discurso do empreendedorismo e trajetórias de sucesso (MARTINS e CORTELETTI, 2022). Zanini (2019) pontua que o “espírito capitalista cobra um preço”, mas que a produção reifica o proletário, o “tornando escravo da máquina.”
Santa Cruz do Capibaribe é marcada pela ação do empreendedor e uma narrativa e discurso de valorização do esforço e do trabalho. Tal como pontua Martins e Corteletti (2022): “a região precede a expansão de uma ideologia neoliberal de empreendedorismo, remetendo à certa cultura do trabalho rural e às origens relativamente autônomas da produção da sulanca, forjada na dialética da privação e da inventividade” (MARTINS e CORTELETTI, p.16. 2022). A tese apontada apresenta as traduções das narrativas reveladas por Eduarda Esteves (2017): “Temos o maior orgulho da nossa história, fruto do espírito empreendedor do povo de Santa Cruz do Capibaribe. Foi um passo crucial para sermos atualmente a capital pernambucana da moda e para projetarmos a qualidade da confecção produzida no Agreste de Pernambuco para todo o Brasil” (Síndico do centro comercial Moda Center, 2017). Com base nisso, como as disposições e ações dos indivíduos podem ser visualizadas na produção do espaço?
3. A transformação do espaço e das feiras
Dois aspectos são presentes na cidade: 1) a noção de inventividade que marca os agentes produtores (OLIVEIRA, 2013); 2) os discursos, narrativas e elementos de uma individualidade neoliberal que culmina no empreendedorismo (MARTINS e CORTELETTI, 2022). Esses princípios aparecem como os elementos primários da produção do espaço, a partir do ponto inicial, marcado pelas ocupações do espaço e formas de expansão — com a saída dos viajantes para comercializar e levar matéria-prima para cidade. Esses fatos corroboram com o entendimento que o ethos — conjunto de práticas, ações, comportamentos — presente nas práticas cotidianas reproduzem e garantem a manutenção e continuidade dos fatores produtivos da indústria. Essas marcas, presentes no espaço, podem ser traduzidas em duas fotografias — imagem 1 apresentada no tópica anterior e na imagem 3, abaixo —, aos quais a centralidade da categoria produtora do espaço encontra sua força de trabalho no papel desempenhado pelas mulheres.
Imagem 3 - Mulheres comercializando suas mercadorias – Rua Siqueira Campos
Descrição da imagem. Mulheres comercializam seus produtos com tecidos abertos no chão na Rua Siqueira Campos. Destaca-se que há majoritariamente mulheres em uma rua já marcada pelo calçamento de pedra. Registra-se que a foto é da década de 1950, entretanto há divergências entre os residentes e pesquisadores.
Link da imagem: https://medium.com/@rodrigozf/imagens-os-agentes-sociais-na-produção-das-feiras-de-rua-o-caso-de-santa-cruz-do-capibaribe-8c5e04656c59
Fonte: Acervo pessoal Arnaldo Viturino.
Os elementos presentes na feira após a inserção de instituições que estimularam o desenvolvimento regional, possuem, na produção têxtil, seu aspecto primordial. Esse destaque e referência pode ser visto no tópico anterior ao qual descrevemos a atuação das costureiras na atuação com os retalhos. Os elementos constitutivos de toda composição da imagem, colocam uma nascente da produção e comercialização do produto, além da presença majoritária de mulheres na comercialização dos produtos.
Imagem 4 - Rua Siqueira Campos, 1981
Descrição da imagem: Rua Siqueira Campos com a rua preenchida de bancas de feira, algumas com lonas e pessoas circulando. Registra-se que a imagem foi capturada em 1981, na mesma rua onde as feiras tiveram início.
Link da imagem: https://medium.com/@rodrigozf/imagens-os-agentes-sociais-na-produção-das-feiras-de-rua-o-caso-de-santa-cruz-do-capibaribe-8c5e04656c59
Fonte: Arquivo pessoal Arnaldo Vitorino
A expansão das feiras a partir do ethos reproduzia a noção e construção desse mercado ocupando as ruas. Xavier (2006) destaque que houve um crescimento populacional daqueles que estavam economicamente ativas (PEA) entre os anos de 1960, com migração da zona rural para a cidade, assim como estavam iniciando as marcas do retorno das pessoas que migraram para outras regiões, o chamado êxodo de retorno (MARTINS e CORTELETTI, 2022).
Esses aspectos se mantêm, mas também se transportam para novas variáveis além de uma expansão no número de ruas ocupadas pelas feira. Xavier (2008) aponta um crescimento exponencial no número de ruas que as feiras ocupam entre os anos 1980 e 1990. Mobilizando mais de 20 ruas do centro da cidade e cerca de 80% da população na produção têxtil. A produção possui funcionamento durante todos os dias da semana, e encontra-se presente em 90% das casas, enquanto as feiras estavam em dias específicos.
A feira se expande por todos os entornos, com uma potência de crescimento a partir de populações oriundas de outras regiões atraídas pelo “boom” econômico e oportunidades de negócio apresentando sinais de limitação, como pode ser vista na imagem 5.
Imagem 5 - Rua José Francelino Aragão, década de 90
Descrição da imagem — Lonas da feira tomam o espaço central da rua na cor azul. Prédios e casas nas extremidades. Destaca-se que não há espaços disponíveis para inclusão de uma nova banca de feira.
Link da imagem: https://medium.com/@rodrigozf/imagens-os-agentes-sociais-na-produção-das-feiras-de-rua-o-caso-de-santa-cruz-do-capibaribe-8c5e04656c59
Fonte: Arnaldo Vitorino, década de 90.
Os aspectos e cenários nas imagens anteriores reproduzem a forma vista na imagem 3, ao qual os feirantes espalham sobre tecidos os produtos comercializados. Nota-se a manutenção em algumas peças expostas de retalhos, destacados pela variação de cores nos tecidos. A transformação do espaço é vista com os novos elementos que constituem e que pode ser entendida também como os elementos de desejo a serem destacados pelo agente que registrou a imagem.
Imagem 6 – O crescimento das feiras e as ocupações espalhadas pela cidade
Descrição da imagem: região central de Santa Cruz do Capibaribe nos dias que a feira ocorria ao longo da cidade.
Link da imagem: https://medium.com/@rodrigozf/imagens-os-agentes-sociais-na-produção-das-feiras-de-rua-o-caso-de-santa-cruz-do-capibaribe-8c5e04656c59
Fonte: Acerto pessoal Arnaldo Vitorino
A modernização e a produção no espaço segam caminhos e paradigmas por uma lógica de desenvolvimento econômico, tal como a existência de um espírito do capitalismo presente no histórico da cidade. Nas imagens 5 e 6, a produção do espaço das feiras atinge uniformidade e preenche todos os espaços, ocupando, na década de 90, a região central. Xavier (2008) registra as dificuldades de locomoção na cidade, pois o crescimento das feiras tomava conta do centro e de parte do centro expandido da cidade. Também registra que nesses dias algumas condições ficavam em situação de insalubridade marcadas pela falta de banheiro e dificuldade da entrada da equipe de limpeza das ruas.
As limitações do espaço e a atração de outras pessoas movidas pela expansão econômica, passaram a apresentar limitações para novos compradores, aos quais passariam a procurar outras localidades para realização das compras. Em mensagem publicada em 2012, Arnaldo Vitorino frisa que as formas de transitar no espaço, com o crescimento das feiras e das movimentações, estavam difíceis: “Os espaços pra circular e comprar mercadoria ficavam cada dia menores e difícil de transitar” (Arnaldo Vitorino, 13/05/2012).
Todo o crescimento em torno das feiras, justifica a movimentação da população em torno das cidades. Xavier (2006) analisa as cidades próximas ao polo de confecções e, assim como a população rural, há uma migração para trabalhar em SCC.
Esses elementos do desenvolvimento e sua forma de exposição são mantidos ao longo do tempo e amplificados. Nas imagens 4, 5 e 6, pode-se visualizar a dimensão do comércio na cidade e a forma mantida produzida pela ação dos agentes transformadores, presentes no complexo de boxes e lojas, que possui mais de 10 mil pontos comerciais, chamado Moda Center Santa Cruz, inaugurado em 2006.
Três instituições aparecem como engrenagens na transformação deste espaço: a primeira, está o papel dos agentes sulanqueiros — profissionais que trabalham na produção de confecção —; a segunda está o Sebrae; e o poder público. Alexandre Lima (2011) mapeia, em sua dissertação de mestrado, o papel e a ação do Sebrae no desenvolvimento regional. Dentre os objetivos da instituição, o autor identifica elementos como: incentivo ao empreendedorismo, facilitar acessos dos empresários às linhas de crédito, desenvolver e facilitar educação técnica na gestão dos negócios, apoio aos produtos locais etc. Essas iniciativas, propostas e absorvidas pela população local são elementos constitutivos da produção do espaço e a transformação da forma das feiras de rua para um centro comercial com estruturas e estética próximo a shoppings.
Xavier (2009) coloca a atuação do poder público como aqueles preocupados em realizar a requalificação do espaço:
Diante desta problemática, que perpassava o caráter morfológico espacial e o econômico, o poder público buscou uma saída para a requalificação do espaço citadino, ocasião em que foi pensado e instalado o Centro Comercial "Santa Cruz Moda Center", [...] localizado na periferia, distante mais de 7 km do centro da cidade de SCC. (XAVIER, p. 10. 2009)
A requalificação do espaço ocorre, mas sobre uma desconfiança da população sobre o desenvolvimento do espaço. Havia uma descrença sobre a construção e a ação de agentes políticos. Em texto publicado nas imagens de Arnaldo no Facebook em 2012, Donina Rejane pontua: “Fui contra o progresso, mas apelo pro bom senso... hoje vejo que estava errada.” Situação semelhante é mencionada por Arnaldo Vitorino: “eu que não sou sulanqueiro também não acreditava muito por ter políticos envolvidos.”
Twane Xavier (2018) relata que a construção do espaço requalificado das feiras, atuou e atingiu as principais questões que faltavam nas feiras nas ruas: limpeza, saneamento, banheiros, segurança etc. Também trouxe a questão relativa ao espaço fixo que cada um dos feirantes passaram a ter.
Imagens 7 - Moda Center Santa Cruz área externa e interna, 2021
Descrição da Imagem – Fotografias do exterior e interior do Moda Center Santa Cruz. Na primeira imagem, destaca-se a grande dimensão do espaço com cobertura em todos os pontos. Estacionamento preenchido de automóveis e ônibus. Na imagem do interior, destaca-se a reprodução da ideia de bancas ordenadas em grandes corredores com cores de identificação do setor. Manequins são utilizados para exposição com um limite de posicionamento na finalidade de manter corredor livre para passagem.
Link da imagem: https://medium.com/@rodrigozf/imagens-os-agentes-sociais-na-produção-das-feiras-de-rua-o-caso-de-santa-cruz-do-capibaribe-8c5e04656c59
Fonte: Fabricantes da Moda, 2022.
Entretanto algumas dinâmicas presentes no histórico de acúmulo com a construção do espaço também passaram a ser desenvolvidas: o arrendamento e acúmulo de pontos de vendas por um grupo dominante do capital:
A construção foi positiva para a solidificação da cidade como uma das principais do Polo e para dar mais visibilidade ao comércio da moda, mas não conseguiu alcançar todos os feirantes. Alguns proprietários dos boxes ou lojas, inclusive, não são os que lá vendem, pois apenas arrendam a estrutura, e “os ambulantes, que também ofereciam suas mercadorias em balaios ou carroças, desaparecem na nova configuração territorial” (LIRA,2009), ou alugaram, há bastante custo, um espaço dentro do centro para poder revender suas mercadorias. (TWANE XAVIER, p.107. 2018)
Na requalificação do espaço, tal como mencionado por Twane Xavier, os vendedores que dispunham seus produtos sobre um tecido deixam de existir — os chamados balaios. Uma das características primárias do desenvolvimento das feiras na rua na cidade.
A produção do espaço da moda center aparece como um fluxo entre a ação dos agentes transformadores em conjunto com a ação de instituições público-privada (Sebrae e poder público) e da representação de comerciantes da cidade (TWANE XAVIER, 2018).
[1] Esses mesmos fatores, nos permite olhar para a teoria da morfogênese de Margareth Archer. A reprodução e manutenção dos espaços, ocorre a partir de uma dualidade entre agência-estrutura.
[2] A orientação proposta por Nascimento é o que Archer aponta como Conflação Descendente, quando um determinado fator é transportado da estrutura para a agência.
[3] Os conflitos presentes no trabalho de Nascimento também permitem estabelecer o diálogo com a obra de Ernesto Laclau e Chantal Mouffe. O conceito de antagonismo, presente na teoria do discurso, estabelece que um marco das sociedades é os conflitos.
[4] A tríade é formada por Santa Cruz do Capibaribe, Caruaru e Toritama (XAVIER, 2020).
[5]Extraído do portal PE-AZ, https://www.pe-az.com.br/o-estado/regioes/289-agreste-setentrional. Acesso em 04/08/2022 às 13:41.
[6] Para entender o neologismo sulanca, ver Filhos da Feira de Marcio Sá.
Conclusiones:
Considerações finais
A produção do espaço em SCC pode ser vista em dois tempos: o momento de ocupação das ruas para a existência das feiras — a partir da ocupação das mulheres na Rua Siqueira Campos — a requalificação e construção do Moda Center. Vê-se que, a primazia de um comportamento atravessado pela lógica neoliberal são os fatores impulsionadores dos agentes sociais: o discurso de empreender, os exemplos e trajetórias de sucesso, o aprendizado através de uma herança do conhecimento e individualidade; são os elementos que compõem os agentes que fazem a cidade. Vimos que há um elemento primário do agente para a estrutura — ou o que Margareth Archer chama de Conflação Ascendente — ao passo que a reprodução da lógica de ação encontro no habitus sua função reprodutora. Essa noção é transitória, pois os elementos opostos, de uma conflação descentes, também pode ser visto hoje. Martins e Corteletti (2022) captam em uma entrevista a motivação geradora de uma razão: a racionalidade empreendedora, de um microempresário, na obtenção de recurso. Isso também é visto na matéria escrita por Fábio Zanini (2019): “O argumento repetido na cidade é que um emprego com uma carteira assinada rende um salário minímo. O trabalho informal na confecção pode gerar o triplo.”
Os fatores geográficos limitantes para o desenvolvimento econômico e substancial da cidade aparecem como elementos impulsionadores de uma economia, ora inexpressiva, para um “boom” econômico. Fator que provoca e estimula o êxodo de retorno e a migração da zona rural para o urbano.
Este trabalho conduziu sua análise na ação dos agentes e a produção do espaço, entretanto aparece uma nova questão para captar e entender os impulsionadores para essa ação. Ainda não vê-se estudos sobre os fatores religiosos na cidade, aos quais, imbuídos de uma moral de conduta, pode ser os elementos que conduziram, a partir de uma moral e ética, o crescimento da cidade.
Por pouco mais de meio século, a cidade estava em reproduzir o espaço da maneira como ele nasceu: a partir da ocupação do espaço até os seus limites geográficos. O Sebrae, assim identificado por Alexandre Lima (2011), apareceu como instituição canalizadora do potencial transformador dos agentes sociais, a partir das demandas e limitações que estavam sendo apresentadas na cidade. Sendo assim, algumas questões podem ser levantadas: a não presença da instituição levaria a cidade a outros rumos? Nesse caso, é possível construir a hipótese de que os caminhos para a produção do Moda Center existiriam independentemente do Sebrae, partindo do pressuposto da existência de um Estado de “espírito” capitalista e neoliberal, presente no seio da sociedade e dos agentes que orientaram a formação do Moda Center. Desta maneira, o papel do Sebrae junto aos agentes comerciantes e o poder público, catapultaram esse acontecimento.
Bibliografía:
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CAMPELLO, G. M. C. A atividade de confecção e a produção do espaço em Santa Cruz do Capibaribe. (Dissertação de Mestrado em Geografia). Universidade Federal de Pernambuco. Recife, 1983.
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Palabras clave:
Palavras-chave: Agentes sociais; Feira de rua; Produção do espaço; Santa Cruz do Capibaribe