Resumen de la Ponencia:
A possibilidade de greve geral de transportadores rodoviários de cargas (caminhoneiros) no Brasil, como a ocorrida no ano de 2018, é observada como uma catástrofe econômica e social. Apesar de ser um movimento antigo, foi a partir de 2018 que a categoria ganhou notoriedade como uma das mais essenciais do país. Este artigo tem como objetivo apresentar debate sobre os conceitos de movimento social, ação pública e analisar as ações coletivas realizadas pelos caminhoneiros do Brasil, com vistas a auxiliar os trabalhadores e a sociedade em geral no entendimento às especificidades de agenda da classe. Utilizou-se como metodologia análises qualitativas a partir de pesquisa bibliográfica, documental e revisão de literatura. Toda a análise dos conteúdos foi no intuito de confrontar a literatura com os estudos dos movimentos sociais e da ação pública, para compreender o movimento dos caminhoneiros do Brasil e ajudar no direcionamento das ações.
La posibilidad de una huelga general de los transportistas de carga por carretera (camioneros) en Brasil, como la que ocurrió en 2018, es vista como una catástrofe económica y social. Apesar de ser un movimiento antiguo, fue a partir de 2018 que la categoría ganó notoriedad como una de las más esenciales del país. Este artículo tiene como objetivo presentar un debate sobre los conceptos de movimiento social, acción pública y analizar las acciones colectivas realizadas por camioneros en Brasil, con el objetivo de ayudar a los trabajadores y a la sociedad en general a comprender las especificidades de la agenda de clase. Se utilizó como metodología los análisis cualitativos basados en la investigación bibliográfica, documental y revisión de la literatura. Todo el análisis de contenido tuvo como objetivo confrontar la literatura con estudios de movimientos sociales y acción pública, con el fin de comprender el movimiento de camioneros en Brasil y ayudar en la dirección de acciones.
The possibility of a general strike by road freight transporters (truckers) in Brazil, such as the one that occurred in 2018, is seen as an economic and social catastrophe. Despite being an old movement, it was from 2018 that the category gained notoriety as one of the most essential in the country. This article aims to present a debate on the concepts of social movement, public action and analyze the collective actions carried out by truck drivers in Brazil, with a view to helping workers and society in general to understand the specificities of the class agenda. Qualitative analyzes were used as a methodology based on bibliographical and documental research and literature review. All content analysis was aimed at confronting the literature with studies of social movements and public action, in order to understand the movement of truckers in Brazil and help in directing actions.
Introducción:
A classe profissional dos transportadores rodoviários de cargas (caminhoneiros) foi regulamentada no Brasil por meio da Lei nº 12.619/2012 e alterada pela Lei nº 13.103/2015 (BRASIL, 2015), onde foram estabelecidas regras ligadas às condições de saúde e bem-estar para o exercício da profissão de motorista de caminhão, tais como: o estabelecimento de limite de jornada de trabalho e intervalo, descanso obrigatório de 11 horas diárias, indenização por tempo de espera e repouso semanal remunerado.
É importante destacar que, apesar de ser conhecida como a Lei dos Caminhoneiros, de acordo com o Parágrafo 1º do seu Art. 1º a Lei nº 12.619/2012 trata de transportadores rodoviários de cargas e passageiros:
Art. 1º. É livre o exercício da profissão de motorista profissional, atendidas as condições e qualificações profissionais estabelecidas nesta Lei.
Parágrafo único. Integram a categoria profissional de que trata esta Lei os motoristas de veículos automotores cuja condução exija formação profissional e que exerçam a profissão nas seguintes atividades ou categorias econômicas:
I - de transporte rodoviário de passageiros;
II - de transporte rodoviário de cargas. (BRASIL, 2015).
De imediato, é perceptível a necessidade de um melhor detalhamento sobre a classe na instrumentação da ação pública brasileira, a fim de caracterizar as especificidades dos diversos tipos de transportadores rodoviários de cargas, quanto ao tipo de veículo/caminhão, às distâncias percorridas, aos tipos de cargas e/ou serviços realizados, aos vínculos empregatícios (ou não), se rurais ou urbanos, entre outras classificações práticas da categoria.
Vale destacar que o transporte rodoviário de cargas é responsável por cerca de 60% das entregas em território nacional e de quase 90% das entregas de itens básicos de higiene e alimentação. De acordo com a Confederação Nacional dos Transportes, CNT, a classe dos caminhoneiros conta com mais de 2 milhões de profissionais, que trafegam de Norte a Sul do país, muitas vezes, em condições precárias, sendo estes frequentemente diagnosticados com problemas de saúde, tanto no aspecto físico, quanto mental (CNT, 2019).
O levantamento da CNT apresenta dados alarmantes sobre a saúde e a qualidade de vida desses profissionais, cujas demandas podem e devem ser tratadas de forma interdisciplinar e interseccional a fim de evitar perda considerável na qualidade de vida, aposentadoria precoce, invalidez temporária ou permanente e até mesmo a morte desses profissionais (CNT, 2019). É importante considerar ainda que estes prejuízos vão além da questão da saúde, interferindo na economia e no desenvolvimento nacional.
No ano de 2018, o Brasil parou por conta de uma greve dos caminhoneiros, que durou apenas 11 dias, mas deixou prejuízos em todos os setores da economia. Entre outras questões, os profissionais reivindicavam a redução no preço dos combustíveis, dos valores dos pedágios e melhores condições de trabalho. Nesse período, o caos foi instalado e os insumos essenciais chegaram a faltar em boa parte do país (EXAME, 2018, on-line).
Foi durante a greve que a sociedade passou a conhecer um pouco mais os problemas enfrentados pelos caminhoneiros e sensibilizar-se com as suas dificuldades, valorizando o trabalho essencial que é realizado por essa classe trabalhadora. O movimento acabou após a realização de um acordo com o governo, que cedeu a parte das reivindicações, mas, para a sociedade e o poder público, restou o fantasma de uma nova greve. A partir de então, as frequentes ameaças de paralisação passaram a influenciar as ações governamentais e apontaram a evidente necessidade de melhoria nas condições de trabalho dessa classe trabalhadora essencial para o país.
A questão central do estudo recai sobre a resposta para a seguinte pergunta: Quais as contribuições de se analisar o movimento dos caminhoneiros brasileiros à luz das teorias dos movimentos sociais?
Considera-se que a resposta para tal pergunta possa ajudar no direcionamento de ações coletivas mais transversais e participativas, voltadas para a melhoria das condições de trabalho dessa classe trabalhadora, no necessário entender do espírito do movimento e dos principais ganhos e perdas acumuladas para os caminhoneiros e para a sociedade.
Tendo-se o método como estratégia geral de produção de conhecimento científico, associado à geração e validação de teorias, que se aproxima da epistemologia, e as técnicas como estratégias específicas de formas padronizadas de coleta e análise de dados (CANO, 2012), para o estudo, selecionou-se o método qualitativo e as técnicas de análise documental, dados secundários e revisão de literatura.
Assim, a construção do estudo foi realizada em quatro etapas: 1º) pesquisa bibliográfica sobre os conceitos e as aplicabilidades de movimentos sociais e ação pública; 2º) Revisão Sistemática de Literatura (RSL) sobre o movimento que existe no Brasil voltado para a classe trabalhadora dos caminhoneiros, no intuito de identificar características que possam contribuir para a compreensão dessa ação coletiva como um movimento social; 3º) pesquisas documentais sobre os temas explorados; e, 4°) apresentação dos resultados alcançados, considerando os fatores que determinaram o posicionamento dos autores.
Com o objetivo de subsidiar as técnicas de produção, o problema de pesquisa foi objeto de levantamento de ambientes de pesquisa, com a montagem de sintaxe de pesquisa de palavras-chaves, com identificação de saliência do assunto, de grupos de interesse, de autoridades, de imprensa e de acadêmicos. Nesse contexto, a análise documental, os dados secundários e a revisão de literatura foram utilizados para contextualizar a complexidade do objeto de pesquisa multi e interdisciplinar do movimento social e das ações coletivas realizadas pelos transportadores rodoviários de cargas (caminhoneiros) do Brasil.
Para a primeira fase da pesquisa, foi levantada literatura sobre movimentos sociais e ação pública, a fim de analisar as origens dos termos, os principais conceitos e características. Tentou-se ainda, estabelecer nexos temporais e referenciais sobre a importância dessas ações e da necessidade de análises interdisciplinares e interseccionais sobre os temas.
Na segunda parte da pesquisa, que tem como objetivo uma busca de correlações entre as ações coletivas voltadas para a classe dos caminhoneiros com os conceitos de movimentos sociais, foi utilizado o método de Revisão Sistemática de Literatura. A revisão de literatura, elemento vital do processo de investigação, caracterizado pela análise bibliográfica pormenorizada de estudos relevantes publicados sobre o tema (BENTO, 2012), permite obter uma ideia sobre o estado atual dos conhecimentos estudados, suas lacunas e potenciais contribuições.
O levantamento foi realizado na base de dados do Google Acadêmico, utilizando as palavras-chave “movimentos sociais” e “movimento social”, ligadas pelo operador booleano “OR”, “caminhoneiro” e “Brasil”, antecedidas pelo operador booleano AND. Foi marcado o campo “em qualquer lugar do artigo” e desmarcados os “incluir patentes” e “incluir citações”; totalizando 1.190 trabalhos.
Foram excluídas as publicações anteriores ao ano de 2019, resultando em 271 trabalhos, e, após a leitura dos títulos, selecionaram-se apenas os trabalhos inseridos no contexto da pesquisa, restando 27 trabalhos. Em seguida, foram lidos os resumos, para identificar os trabalhos que expressavam as faces das ações coletivas realizadas pelos caminhoneiros sob a perspectiva dos movimentos sociais. Também foram excluídos os trabalhos diferentes de artigos científicos, resultando em 8 artigos.
As pesquisas documentais foram realizadas com vistas a colher legislações atinentes à legalização da classe trabalhadora dos caminhoneiros e relatórios técnicos sobre a saúde e qualidade de vida desses profissionais. Os resultados foram apresentados por meio de quadro qualitativo das pesquisas resultantes do processo de escolhas da RSL, metassíntese do conteúdo selecionado e sínteses descritivas referentes às correlações realizadas no trabalho. Nesse setido, Loureiro et al. (2016, p. 98) destacam que na metassíntese há uma compilação dos resultados de forma qualitativa a fim de se obter conclusões macro sobre o conjunto de estudos.
Desarrollo:
Os Movimentos Sociais
Não existe definição unívoca de movimentos sociais, mas múltiplas possibilidades de conceituação, que variam historicamente e em função do paradigma teórico assumido (NUNES, 2014). Assim, uma abordagem possível, relacionada ao institucionalismo, é aquela apresentada pela teoria do confronto político (McADAM; TARROW; TILLY, 2009), que coloca o enfoque na existência de reivindicações realizadas por um grupo que afetariam os interesses de outros atores. No âmbito dessa perspectiva mais abrangente, inclui-se a chamada teoria da mobilização de recursos (TMR), segundo a qual os atores lançam mão de estratégias racionais, com base em análise de custo-benefício (NUNES, 2014).
Em contrapartida, Melucci (1989, p.57), com base em uma perspectiva de filiação culturalista, propõe que os movimentos sociais sejam definidos como uma “forma de ação coletiva a) baseada na solidariedade, b) desenvolvendo um conflito, c) rompendo os limites do sistema em que ocorre a ação”. Ainda de acordo com o autor, a solidariedade seria entendida como o compartilhamento de uma identidade coletiva, o conflito, uma oposição entre atores em disputa pelos mesmos recursos, e os limites do sistema, o espectro de variações admitidas dentro dele.
Vinculada à corrente de pensamento similar, estaria a noção de movimento social como “um conflito social que opõe formas sociais contrárias de utilização dos recursos e dos valores culturais, sejam estes da ordem do conhecimento, da economia ou da ética” (TOURAINE, 1989, p.182 apud SCHERER-WARREN, 2011, p.116). Trata-se, nesse caso, de ações coletivas movidas pela intenção de orientar as transformações societárias em sentido abrangente, mudanças que ultrapassam a esfera de interesses de um público particular. Com base nessas ideias, pode-se falar em movimentos sociais como redes constituídas a partir de articulações entre organizações populares e outros movimentos políticos (SCHERER-WARREN, 2011).
A fim de identificar corretamente o objeto de estudo, importa distinguir movimento social organizado de manifestação de rua, na medida em que o primeiro implicaria certa continuidade temporal e envolveria a construção de significados políticos e culturais comuns com, vistas à transformação social, enquanto a segunda se caracterizaria como reação conjuntural coletiva e pública (SCHERER-WARREN, 2014). A permanência do primeiro como ator político dependeria, essencialmente, de quatro aspectos constitutivos: a) engajamento organizacional e construção de significados comuns; b) articulações discursivas que viabilizam o estabelecimento de projetos de mudança social; c) ações de advocacia por direitos para incidência nas políticas públicas; e, d) manifestação como forma de conferir visibilidade, sem prejuízo da continuidade para além desse momento.
O último elemento assemelha-se à diferenciação entre os chamados períodos de latência, quando são criados novos códigos culturais, e de visibilidade dos movimentos sociais, no qual se dá o embate mais aparente entre os grupos e as autoridades com relação a decisões específicas (MELUCCI, 1989).
Identificados alguns aspectos que podem orientar a análise sobre a conceituação dos movimentos sociais, cabe tecer considerações a respeito de suas formas de atuação. A esse respeito, parte-se da noção de repertório (TILLY, 1992 apud ABERS; SERAFIM; TATAGIBA, 2014), que se relaciona à construção e sucessiva reconstrução dos modos de fazer a luta com base no aprendizado de experiências pregressas e das influências exercidas pela cultura. Nesse sentido, são mobilizados diferentes repertórios de ação coletiva, incluindo desde negociação com o ator que, via de regra, aparece como polo oposto ao do movimento, o Estado, até formas de enfrentamento, a exemplo de protestos e greves.
A Ação Pública
A concepção clássica do conceito de políticas públicas, que tem em Thomas Dye um de seus principais expoentes, está associada às opções de atuação do Estado sobre o que ele faz ou deixa de fazer. O objetivo da análise de políticas públicas, nesse contexto, deve ser o de explicar e descrever as consequências da ação pública. Ainda segundo o autor: “Governments do many things (...) public policies may regulate behavior, organize bureaucracies, distribute benefits, or extract taxes--or all of these things at once”. (DYE, 2013, p.9).
Como argumenta Daroit (2020), a linearidade das reflexões tradicionais tem cedido lugar para pensamentos em rede com múltiplas influências, com multiplicidade de atores, que lançam luz às especificidades do objeto de estudos. Assim, uma abordagem mais contemporânea, de origem francesa, busca qualificar o entendimento acerca da ação pública a partir de uma mudança de perspectiva, considerando especificidades do lado social e do lado regulatório das ações, em que a sociologização do Estado o faz atuar em redes a partir de uma perspectiva mais horizontal e interacional (CRUZ, 2020).
Também caracterizada como um fenômeno complexo e transversal, é possível realizar a análise das políticas públicas a partir das interações existentes entre os atores, a abordagem francófona, que tem em Lascoumes e Le Galès um de seus principais expoentes, defendendo, a partir da sociologia da ação pública, que a ação pública deva ser compreendida como espaços sociopolíticos resultantes das múltiplas interações entre os diversos atores. De acordo com os autores, “a ação pública é um espaço sociopolítico construído tanto por técnicas e instrumentos quanto por finalidades, conteúdos e projetos de ator”. (LASCOUMES; LE GALÈS, 2012, p.1).
Nesse contexto, uma ação pública transversal, por exemplo, tem o potencial de responder a problemas públicos complexos e de difícil solução, que ultrapassam as capacidades da administração e das políticas públicas, os chamados wicked problems, a partir de uma transformação profunda na cultura e na mentalidade da organização (BRUGUÉ; CANAL; PAYA; 2015).
No âmbito das estruturas hierarquizadas e setorializadas do Estado, Cruz (2020) instiga reflexão acerca da existência de um leque de possibilidades envolvendo a transversalidade da ação pública de fóruns participativos para o fomento de modelos de desenvolvimento de caráter democrático que atendam às expectativas e às necessidades da sociedade.
A ação pública transversal e participativa (APTP), compreendida por Cruz (2020), assim, é caracterizada por ser um processo complexo de ação pública, viabilizada por instrumentos de ação pública e ocorrendo em fóruns híbridos, a partir de questões multidimensionais formadas por uma ação coletiva de interações entre atores da sociedade civil e da sociedade política:
“Trata-se da ação inscrita em processos complexos, que tomam em conta questões multidimensionais, que não se restringe a dinâmicas setoriais específicas e que se dá em fóruns formalmente estabelecidos para realizar interações entre atores da sociedade civil e da sociedade política. Nesses fóruns, são produzidas deliberações ou orientações na forma de normas sociotécnicas ou de elos e ideais mais difusos”. (CRUZ, 2020, p.116).
O entendimento acerca do conceito de ação pública, assim, se torna mais abrangente do que o de política pública no contexto defendido por Dye (2013), uma vez que a participação social, sustentada pelos instrumentos de ação pública, se torna efetiva no processo de construção de soluções públicas.
Os instrumentos da APTP ao organizar e engajar atores, por exemplo, buscam qualificar e democratizar as ações públicas (CRUZ, 2020). Para Lascoumes e Le Galès (2012) os instrumentos e a instrumentação da ação pública consistem em importantes indicadores das especificidades das mudanças nas políticas públicas, pois desvelam não apenas as múltiplas interações entre os diversos atores inseridos nos difusos espaços sociopolíticos constituídos, mas também a consistência da efetividade e da legitimidade da própria ação pública, seja na resolução de conflitos, em fenômenos de inércia ou na própria recomposição da ação pública, estabilizando representações comuns sobre questões sociais.
“(...) a criação de instrumentos de ação pública pode servir de indicador de transformações profundas, por vezes invisíveis, da ação pública, do seu significado, do seu enquadramento cognitivo e normativo e dos seus resultados”. (HALPERN; LASCOUMES; LE GALÈS, 2021, p.37).
Dos Resultados da Pesquisa
A Revisão Sistemática de Literatura (RSL) teve como objetivo trazer um caráter de atualidade para o estudo, incluindo contribuições de publicações recentes, dos últimos 4 anos, no pós-greve dos caminhoneiros de 2018, e que estivessem de acordo com os objetivos deste estudo.
Silva, Alves e Lage (2019) buscaram analisar, a partir da paralisação dos caminhoneiros ocorrida em maio de 2018 no Brasil, as novas configurações no mundo do trabalho, as formulações dos novos movimentos sociais e o posicionamento do Estado frente às demandas imediatas da sociedade civil, tendo por reflexão teórica o método materialista histórico-dialético.
Souza Júnior (2020) estudou como os caminhoneiros se mobilizaram e se estruturaram durante o período que antecedeu a greve geral de 2018 e durante esta, bem como analisou a atuação desses profissionais durante todo o conflito gerado pela paralisação.
Silva (2019, p.1) abordou a desmobilização, entendida pelo autor como “uma dinâmica comunicativa orientada para a criação de entraves capazes de frear e enfraquecer a criação ou ação durante a greve dos caminhoneiros de 2018”, reconhecendo o potencial do conceito para a comunicação organizacional e pública. Constatou que as condições de desmobilização oferecem novas lentes para encarar a problemática, destacando apelos sobre a falta de concretude e caráter público na causa dos caminhoneiros, sobre a impossibilidade de soluções para o problema da greve e sobre seu desalinhamento moral com os horizontes éticos da sociedade brasileira.
Soares et al. (2019) analisaram a trajetória do movimento dos caminhoneiros de 2018 no intuito de compreender o papel desempenhado pelo sistema de mensagens instantâneas WhatsApp, usando a Teoria Ator-Rede como base teórica e metodológica, constatando que tal ferramenta foi de fundamental importância para a organização do movimento, onde inclusive se viu aumentada a participação política da sociedade como um todo.
Patta (2019) se propôs a identificar pistas de processos de abertura e de fechamento da democracia, da ordem e da crise, considerando as ações realizadas durante as ocupações de escolas por estudantes secundaristas em 2015, 2016 e a greve dos caminhoneiros de 2018.
Barbeiro Filho e Canzi (2019) analisaram o que chamaram de aspectos teóricos e factuais que impulsionaram o movimento dos caminhoneiros de 2018, apresentando uma série de conclusões, entre elas a de que “os governos ainda carecem de ferramentas e estratégias mais contemporâneas para identificar essas novas configurações dos movimentos sociais e suas dimensionalidades de pautas que vinculam as ações de governo e da gestão pública” (BARREIRO FILHO; CANZI, 2019, p. 166).
Moura et al. (2019) realizaram uma revisão de literatura a fim de descobrir os impactos econômicos da greve dos caminhoneiros de 2018, comprovando as perdas bilionárias, a alta da inflação além do esperado para aquele ano e a redução do crescimento Produto Interno Bruto (PIB), também se comparado às projeções para 2018.
Luguinho Cândido, Da Silva Santos e Rolim Tavares (2019) levantaram os principais pontos econômicos desencadeados pelo fenômeno das manifestações dos caminhoneiros nas rodovias federais e estaduais do Brasil durante a greve geral de 2018.
O presente estudo buscou analisar as características do movimento dos caminhoneiros à luz das teorias sobre movimentos sociais, não com o intuito de enquadrá-lo necessariamente nesse conceito, mas com vistas a elucidar novos ângulos para compreensão dessa ação social específica. Esse objetivo baseou-se na concepção de que o olhar focado na dimensão conceitual e normativa, embora relevante, é insuficiente para captar plenamente aspectos como as potências e limitações (GURZA-LAVALLE, 2003) da ação coletiva em estudo.
Para iniciar a caracterização do movimento dos caminhoneiros, à luz das teorias de movimentos sociais, observa-se continuidade no movimento, uma vez que ele não se iniciou nem se encerrou com a paralisação de maio de 2018. Conforme aponta Souza Júnior (2020), o movimento remonta a outra grande crise na história recente, em 2015, tendo registros de manifestações nacionais e regionais e anúncios de novas paralisações em anos seguintes ao ano de 2018.
Ademais, embora o movimento aparente, à primeira vista, suscitar reivindicações de cunho privado ou restrito ao grupo dos caminhoneiros, nota-se que as demandas, construídas a partir de elementos complexos e transversais, não dizem respeito apenas a direitos desses trabalhadores, mas também visam transformações nas políticas públicas, com repercussões para além dos atores diretamente envolvidos. Nesse sentido, as duas principais pautas de reivindicações encontradas por Pereira (2021), consistiam na redução do preço do combustível e mais segurança nas rodovias.
O atendimento dessas demandas proporcionaria um efeito indireto para a população de modo geral, ao diminuir os custos de frete e, consequentemente, os preços finais dos produtos para os consumidores. A maior segurança também produziria o mesmo efeito, na medida em que reduziria o índice de sinistros e, portanto, baratearia o preço do transporte de cargas. Como efeitos diretos decorrentes do acatamento das reivindicações, podem-se citar, entre outros, a redução de preço também para os demais usuários do óleo combustível e o aprimoramento da segurança para todos os que transitam pelas rodovias nacionais.
A formação do movimento e seu desenvolvimento revelam construção de engajamento organizacional e de significados comuns, além de um sentimento de solidariedade entre os atores, tendo presente que “a construção de uma cultura de classe” constitui fator chave para “a união de diferentes profissionais ligados ao setor do transporte em torno de uma mesma pauta bem como para o sucesso do movimento” (SOUZA JÚNIOR, 2020, p. 1-2).
Passando para a análise das formas de atuação do movimento, a greve de maio de 2018 poderia ser considerada um exemplo de período de visibilidade, no qual os caminhoneiros utilizaram-se de distintos repertórios de ação no âmbito dos espaços sociopolíticos constituídos. Inicialmente, antes mesmo de instalar-se a greve, foram realizadas tentativas de negociações com atores estatais, como meio de se evitar a paralisação, porém seu insucesso, contextualizado em estruturas hierarquizadas e setorizadas do Estado e na ausência de APTP para interações em fóruns híbridos entre caminhoneiros e a sociedade política, levou à convocação da greve. Em momento posterior, já com a manifestação em estágio mais avançado, verificou-se “a abertura do diálogo com o Governo Federal, que até então se mostrava impassível, bem como o atendimento a seus principais pleitos” (SOUZA JÚNIOR, 2020, p. 1). Ademais, a estratégia da paralisação foi utilizada com base no aprendizado do movimento de que o repertório fora efetivo quando da greve de 2015 (SOUZA JÚNIOR, 2020).
Em que pesem algumas consequências da paralisação que poderiam ser consideradas negativas, o que permitiria inclusive reflexão crítica acerca da agenda com a questão do conceito de ação pública transversal e de wicked problems, com destaque para desabastecimento de produtos essenciais, como alimentos e medicamentos, o movimento dos caminhoneiros obteve significativo apoio da população brasileira (PINHEIRO-MACHADO, 2019 apud PEREIRA, 2021). Esse endosso foi possível graças a um esforço de publicização do problema de forma a evidenciar suas implicações mais gerais, “uma vez que a sociedade também se viu representada pela manifestação, na medida em que a política de reajuste da Petrobras atingia a todos” (SOUZA JÚNIOR, 2020, p. 3).
Evidencia-se, assim, a construção do problema público como um movimento social, em consequência da dimensão de indagação e experimentação (CEFAÏ, 2017) colocada em prática quanto aos direitos e condições de trabalho e vida desses profissionais. Ao alçar essas demandas ao centro do debate público, o movimento impulsionou não apenas a participação política dos próprios trabalhadores, como também a reflexão da sociedade civil a respeito da centralidade dessa categoria para a vida societária e de suas necessidades mais prementes (SILVA; ALVES; LAGE, 2019).
Embora se possa problematizar o alcance explicativo da lógica da racionalidade proposta pela TMR, sobretudo, no contexto da ação social, pode ser válida e útil como ferramenta analítica a ideia de que os movimentos, de forma coletiva, angariam recursos buscando a materialização de suas demandas. Nesse sentido, a conclusão alcançada por Pereira (2021), de que as reivindicações da greve de 2018 foram atendidas em decorrência, primordialmente, dos “prejuízos” provocados ao “mercado” e à economia nacional como consequência da paralisação, poderiam ser um indicativo desse modo de atuação.
Conclusiones:
Os estudos dos movimentos dos caminhoneiros no Brasil, a partir de um olhar à luz das teorias dos movimentos sociais e da ação pública, contribuiu para a reflexão crítica acerca das especificidades do movimento social, suas questões multidimensionais formadas pelas múltiplas interações entre os diversos atores, bem como para sua importância nos ambientes sociopolíticos constituídos. Nesse contexto, destacam-se elementos essenciais desse movimento social dos caminhoneiros, como a sua continuidade, uma vez que não esteve restrito a um único episódio, e a existência de elementos complexos e transversais da agenda, pois visam transformações profundas nas políticas públicas. É possível, assim, vislumbrar um leque de possibilidades envolvendo o movimento social dos caminhoneiros e a transversalidade da ação pública de fóruns participativos.
Vale destacar que a problemática exposta, nesse contexto, vai muito além da questão da categorização do movimento dos caminhoneiros, uma vez que compreende questões públicas com repercussões amplas na sociedade.
A Revisão de Literatura demonstrou que, após a greve dos caminhoneiros de 2018, houve um aumento no número de artigos sobre a temática apenas em 2019, passando a impressão de que tal tema, mesmo sendo de fundamental importância para o país, voltou a passar despercebido pela academia após o ano de 2020.
Como limitações do estudo, podem ser consideradas a baixa quantidade de pesquisas existentes sobre os caminhoneiros brasileiros e a falta de informações detalhadas sobre a evolução da categoria, tais como: alterações no quantitativo de profissionais, mudanças de hábitos, informações sobre o perfil desses profissionais e dos grupos que exercem algum tipo de influência sobre a classe. Nesse sentido, classificações como caminhoneiros autônomos, empregados com carteira assinada, freelancers, desempregados, de longa distância, urbanos, rurais, por regiões, por religiões, entre outras, podem nortear novas pesquisas.
Como continuação dos estudos, sugere-se analisar o caráter público dos serviços prestados por esses profissionais à sociedade; quantificar a classe e melhor dimensionar quanto às suas especificidades; e, traçar o perfil epidemiológico e social desses transportadores, propondo uma série de políticas públicas direcionadas por APTP voltadas para a categoria.
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Palabras clave:
Ação Pública; Movimentos Sociais; Caminhoneiro do Brasil.
Acción Pública; Movimientos sociales; Camionistas de Brasil.
Public Action; Social Movements; Truckers from Brazil.