Resumen de la Ponencia:
Este ensaio analisa, por meio de pesquisa bibliográfica e documental, duas tendências perversas na execução da Política de Assistência Social no Brasil no contexto da pandemia da COVID-19: o aumento de seu público-alvo e o desfinanciamento de verbas.
Introducción:
Durante os anos de 2020 a 2022 vivenciamos os rebatimentos da crise do capital, uma crise sistêmica e estrutural, que ganhou uma inflexão mais perversa diante da crise sanitária de COVID-19. Nas palavras de Antunes (2021), quando eclodiu a pandemia mundial da COVID-19, nós tínhamos no Brasil “um cenário econômico, social e político dilacerado” (p. 13).
Desde março de 2020, quando iniciou o isolamento social no Brasil, a assistência social foi considerada, pelo governo federal, como uma das principais políticas de proteção social à população. Várias medidas foram debatidas e disputadas tanto nos espaços da sociedade civil quanto nos aparatos governamentais, onde o Executivo protagonizou em defesa do retorno às atividades econômicas, apoiado pelo empresariado, contrariando as determinações da Organização Mundial de Saúde (OMS) sobre o isolamento social.
Para mitigar a crise do capital sentida desde meados de 2008 no mundo e avivada com o fechamento e paralização das atividades econômicas durante a pandemia, em abril de 2020, o governo brasileiro regulamentou a renda básica emergencial como medida excepcional de proteção social. Além do auxílio de renda, os serviços de assistência social foram essenciais para informação e atendimento de necessidades básicas da população.
O desmonte dos direitos sociais, previdenciários e trabalhistas já estava em curso no país através de medidas austeras desde 2016, quando se adotou uma postura ultraneoliberal pelo governo. Estas medidas somadas ao isolamento social impactaram na renda e sobrevivência dos trabalhadores, aumentando o desemprego, a insegurança alimentar e as demandas pelos serviços e benefícios de assistência social. É sobre isto que este artigo se debruça, a partir de levantamento bibliográfico e análise de documentos produzidos pelo governo brasileiro no período.
Desarrollo:
OS IMPACTOS DO PROJETO NEOLIBERAL DE AUSTERIDADE FISCAL NA PANDEMIA DO COVID-19 NA SOCIEDADE BRASILEIRA
“A desigualdade e a pobreza são produtos de escolhas políticas injustas que refletem a distribuição desigual do poder nas sociedades” (OXFAM BRASIL, 2021, p. 11), considerando que a desigualdade social é efeito das relações políticas e econômicas, passíveis de serem enfrentadas e mitigado pela ação do Estado.
Segundo Behring (2019 apud BEHRING; SOUZA; 2020) as últimas décadas no Brasil foram marcadas por uma densa convivência entre instrumentos jurídicos, fruto do processo de redemocratização das lutas, como é o caso da Constituição Federal de 1988, em No campo dos direitos sociais e de políticas públicas como o direito à cidade, inclino-me a avançar na expansão da cobertura previdenciária, ao mesmo tempo em que estamos sob os auspícios de uma orientação macroeconômica neoliberal que vem sendo gestada no ajuste fiscal . As contrarreformas das políticas sociais são percebidas como mecanismos de captação de recursos públicos pelo capital para a retomada dos superlucros e, em momentos de crise, são ainda mais severas no campo do trabalho, principalmente a partir de 2016.
Antunes (2021) reforça a ideia de que vivíamos um período de recessão econômica mundial e mais acentuada no país, afirmando que além da recessão econômica, vivíamos o aprofundamento de uma grave crise social potencializada durante o período do governo de Michel Temer , entre os anos 2016-2018 e posteriormente, em 2019, como governo de extrema direita de Jair Bolsonaro. O Brasil tem experimentado índices significativos de informalidade, precariedade e desemprego, “sem falar em subutilização, subocupação, tudo contribuindo para a ampliação dos níveis abissais de desigualdade social e miserabilidade social” (ANTUNES, 2021, p. 14), contudo, a pandemia exacerbou esse cenário social.
Neste sentido, buscamos analisar algumas medidas que colocaram em xeque os direitos sociais efetivados pelas políticas sociais, especialmente a Política de Assistência Social, que é tratada com maior ênfase neste artigo.
A crise fiscal que permeou o Brasil entre 2014 e 2015 criou espaço político para mudanças radicais. Iniciada em 2014 e retomada pós-golpe, em 2016, quando houve o impeachment da Presidente Dilma Rousseff (2011-2016), as propostas de reformas ameaçavam reverter o processo de construção de um Estado social em contexto de crise econômica. Em 2015 já havia indícios que a pobreza voltava a crescer depois de queda contínua na última década. A Emenda Constitucional (EC) nº. 95, instituída em 2016, conhecida popularmente como “teto de gastos” ou “PEC da morte”, inaugurou o marco normativo do ultraneoliberalismo sob o pretexto do país ter que se sacrificar para quitação das dívidas públicas, apresentando um enorme retrocesso nas políticas sociais no âmbito do seu financiamento, sendo a política de assistência social uma das mais atingidas, impondo como medida, um congelamento das despesas primárias do governo federal, pelos próximos vinte anos. Desde a vigência da EC 95, os municípios vêm sofrendo com a redução dos recursos destinados à Assistência Social, tendo em vista o pacto federativo, atestando a perversidade deste ideário neoliberal.
O teto dos gastos, compreendido como um novo regime fiscal no âmbito da União, faz parte de um conjunto de medidas que incluem a reforma trabalhista, a reforma da previdência, a reforma do ensino superior e outras ações que dão fim ou que flexibilizam os direitos e a proteção social duramente conquistados pela luta dos trabalhadores ao longo de quase um século. De acordo com um estudo de projeções realizado pelo IPEA (2016), os pesquisadores acreditavam que haveria uma proposta de redução de 8% no orçamento da assistência social no primeiro ano de vigência da lei, em 2017, e, de maneira progressiva, chegaria a 54% no ano de 2036. (PAIVA; DELGADO. 2021, p. 262).
Em 2017, a classe trabalhadora sofreu um duro ataque com a instauração da reforma trabalhista, através da Lei Federal nº. 13.467, que alterou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), modificando as relações de trabalho e potencializando a sua precarização estrutural. Em 2019, uma nova agressão ocorreu contra os trabalhadores com a promulgação da Emenda Constitucional nº. 103 que instituiu a contrarreforma previdenciária, com intuito de satisfazer o grande capital, já que a previdência social é a segunda maior destinatária do fundo público.
Com estas medidas, o Estado se tornou mais funcional para o mercado, se apropriando desse momento de aprofundamento de crise para justificar a desregulamentação crescente dos direitos trabalhistas e previdenciários, protegendo as demandas do capitalismo para atender aos interesses do capital, experienciando um acirramento do neoliberalismo. Priorizou a economia em detrimento da vida dos cidadãos, desmantelando e precarizando os direitos sociais conquistados pela classe trabalhadora (MACHADO; STAMPA; 2021), com isso, constatamos o esvaziamento da intervenção social do Estado e a precarização do trabalho para obtenção de superlucros, na tentativa de reduzir os custos das empresas e legalizar novas formas de trabalho, como consequência, intensificando as desigualdades no Brasil, já que desmantelou parte das garantias de proteção da classe trabalhadora.
Sabe-se que em momentos de crises do capital se intensificam as expressões da questão social, aumenta-se a pauperização de parcelas dos trabalhadores e o crescimento de uma superpopulação relativa, como resultado das consequências do modo de produção capitalista em busca de aumento da taxa de lucro.
Na experiência brasileira, o Estado focou suas ações na redução de sua atuação nas políticas sociais e na regressão dos direitos sociais previstos pela Constituição Federal de 1988. De acordo com o último Relatório do Desenvolvimento Humano do Programa das Nações Unidas, em 2017, o Brasil ocupou o décimo lugar no ranking mundial de país desigual e o terceiro pior índice de Gini na América Latina e Caribe.
Mészáros (2002) reforça que o capital em si é totalmente incapaz de impor limites e não importa as consequências, nem mesmo se a consequência for a eliminação total da humanidade.
Na agenda de contrarreformas do Congresso, algumas vindas do Executivo, de governos anteriores, do governo Dilma e do governo golpista, é bom que se diga, e outras de iniciativa parlamentar, segundo levantamento de Rejane Hoeveler (2016) atualizado, há cerca de 66 projetos que atacam os direitos humanos, especialmente os direitos sociais e trabalhistas: sete que acometem o serviço público, 27 que acometem os trabalhadores, sete que tratam do Banco Central e empresas públicas, 6 que atingem as mulheres e a população LGBT, oito que atingem indígenas e trabalhadores do campo, e dez que ampliam mecanismos de repressão sobre as lutas sociais. Com a composição atual do parlamento brasileiro, só a luta social será capaz de conter ou dar limites a este ímpeto destrutivo (BEHRING, 2016, p. 15).
O processo de contrarreformas, especialmente na área trabalhista, implicou no enxugamento dos direitos sociais e mudanças na proteção do trabalho, causando insegurança no emprego, a redução dos salários e o aumento das desigualdades sociais, com a crescente pauperização relativa ou absoluta para a maioria da população.
No mesmo sentido, a contrarreforma previdenciária alterou o direito dos brasileiros acarretando dificuldades para conseguir acessar os benefícios da previdência social, sendo o principal deles, a aposentadoria. Com a Emenda Constitucional nº. 103, o acesso é cada vez mais dificultoso, pois com as alterações das regras, os trabalhadores têm um aumento no tempo mínimo de contribuição e aumento da idade mínima para requererem este benefício.
De acordo com Netto (2012), a mais importante modificação do Estado Burguês é a transferência para a sociedade civil daquilo que historicamente foi função do Estado, em nome da autonomia, da iniciativa, da independência da sociedade civil, antagonicamente, essa transformação não traz ganho aos trabalhadores, pois lhe custam seus postos de trabalhos, o desemprego, o aumento da exploração, resultando na queda do padrão de vida, derivando um forte ataque no sistema de seguridade social.
O Brasil vive tempos nebulosos na qual direitos são reduzidos, as desigualdades se potencializam, as tensões entre capital e trabalho se ampliam, reorientadas a uma superexploração dos trabalhadores, sem garantias e direitos, em função do modo e a relação que o trabalho vem assumindo desde a crise do capital, aprofundada a partir de 2008, destruindo os direitos conquistados ao longo dos anos pela classe trabalhadora.
Os efeitos dos ajustes neoliberais sobre a classe trabalhadora têm sido desastrosos. Os programas de austeridade, supressão ou redimensionamento dos gastos públicos, principalmente os gastos sociais, juntamente com os processos de mercantilização e privatização, agudizaram as expressões da questão social, não foi a pandemia que causou essa tragédia social; ela exasperou, desnudou e potencializou exponencialmente um quadro que já existia antes da expansão do novo coronavírus (MACHADO; STAMPA; 2021, p. 26).
Segundo o IPEA, os primeiros meses de 2020, demonstrou o aumento da crise do mercado de trabalho. Segundo a pesquisa,
até o final de maio, a população ocupada total já havia diminuído em torno de 7 milhões de pessoas, comparada ao mesmo período do ano anterior, e, no acumulado do ano até esse período, já se registrava um saldo negativo de mais de 1,1 milhão de empregos formais. A taxa de desocupação estimada subiu de 11,8% para 12,8% entre fevereiro e maio de 2020, e só não foi maior devido à queda substancial da taxa de participação da força de trabalho (de 62% para 56%) no mesmo período, sobretudo em função da parcela da população sem emprego que deixou de buscar recolocação devido às medidas necessárias de prevenção sanitária. Conforme identificou Hecksher (2020), os números da PNAD em abril indicavam que a população ocupada foi inferior a 50%; ou seja, pela primeira vez desde que esse indicador é medido, o contingente de pessoas em idade ativa (14 anos ou mais) não ocupadas no país superava o de ocupadas. As estimativas apontam para uma queda absoluta da ocupação em torno de 9,9 milhões entre fevereiro e maio de 2020, além de aumento da população desalentada (+1,2 milhão) e queda dos ocupados com contribuição previdenciária (-3,3 milhões). Como resultado, a massa de rendimentos efetivamente recebidos apresentou redução de R$ 37 bilhões, queda de 16,5%.2 Os primeiros dados da PNAD Covid-19 já indicavam que 5,2% dos domicílios brasileiros (cerca de 3,5 milhões) sobreviveram no mês de maio somente com os rendimentos recebidos do auxílio emergencial do governo federal, passando no mês seguinte para 6,5%, 4,5 milhões de domicílios (Carvalho, 2020a; Ipea, 2020a). Praticamente todos os setores econômicos registraram retração no nível do emprego em relação ao mesmo período do ano anterior, sendo que os mais afetados foram: comércio, construção civil, alimentação e alojamento, além da categoria de serviços domésticos, marcada fortemente por vínculos informais. Os únicos setores que não sofreram retração foram: agricultura, serviços para empresas (informação, comunicação e atividades financeiras, imobiliárias, profissionais e administrativas) e administração pública (Ipea, 2020a). (2020, p. 7-8)
No que concerne a insegurança alimentar, o relatório elaborado pela Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (2022), demostrou que nos anos de 2021 e 2022, foram 125,2 milhões de pessoas em insegurança alimentar e mais de 33 milhões em situação fome.
No final de 2020, a fome era realidade vivida pelos moradores de 22,8% dos domicílios (1 a cada 5) cuja renda familiar era de ¼ de Salário Mínimo Per Capta. Nesta mesma faixa de renda, a insuficiência de alimentos para cobrir as necessidades de todos os membros da família [...] estava presente em 1 a cada 4 domicílios. Entre o final de 2020 e início de 2022. Nesta mesma faixa de rendimentos, houve redução significativa da proporção de famílias em Segurança Alimentar. Em pouco mais de um ano, a fome dobrou nesses domicílios em extrema pobreza. (p. 46)
A crise sanitária vivenciada e articulada à uma crise capitalista que já estava consolidada no Brasil, ampliou o empobrecimento da classe trabalhadora, avigorando as formas de precarização e exploração, além de intensificar o desemprego e o subemprego, sendo estes, produtos socialmente determinados no sistema capitalista, em uma sociedade de classes antagônicas, que tem na figura do Estado um aliado (MACHADO; STAMPA; 2021), atingindo de uma forma mais intensa setores pauperizados da classe trabalhadora.
O SISTEMA ÚNICO DE ASSISTÊNCIA SOCIAL (SUAS) NO CONTEXTO DE DESFINANCIAMENTO DAS AÇÕES E NO ENFRENTAMENTO DA PANDEMIA DE COVID-19
A organicidade do Sistema Único de Assistência Social compreende os parâmetros definidos pela Política Nacional de Assistência Social (PNAS) e as competências técnico-políticas das esferas de governo para implementação e operacionalização desta política pública e o financiamento por meio de transferências automáticas na modalidade fundo a fundo, numa lógica de gestão compartilhada, possibilitando a efetivação de um sistema integrado, participativo e territorializado.
Conforme vinha sendo pactuado entre o governo federal, estados e municípios, o desenvolvimento da PNAS foi interrompido em 2016, quando se iniciou um período marcado pelo conservadorismo, pela ofensiva ultraneoliberal e pela fragilidade dos canais institucionais de participação social. Na busca em atender os interesses do capital de dominação financeira, o SUAS foi atacado com um perverso desmonte, anulando as conquistas históricas das lutas dos movimentos sociais e dos trabalhadores, com a redução do financiamento da Seguridade Social, restrição da abrangência do acesso aos benefícios de assistência social, invalidação do pacto federativo e controle social.
O cenário diante das contrarreformas agravou e fragilizou o precário funcionamento do SUAS e da Previdência Social, ou seja, as políticas de Seguridade Social estão sendo exigidas para as ações emergenciais e preventivas, sem suprir, os trabalhadores brasileiros, radicalizando a “questão social” e como consequência potencializando estratégias de subalternização, reconfigurando as políticas públicas e os sistemas de proteção social (RAICHELIS; WAXBECK; SANT`ANA; 2020).
É vivido um momento de descontinuidade e fragmentação das políticas de proteção social e dos sistemas estatais, reduzindo a participação do Estado a favor da supremacia dos interesses do capital, colocando em risco a democracia e todas as conquistas sociais.
Em dezembro de 2019 o Ministério da Cidadania através da Portaria 2.362, determinou prioridade de repasse para os municípios com menor saldo individualizado dos programas, sob discurso de reequilíbrio financeiro, acarretando graves consequências aos municípios, principalmente aos de pequeno porte, uma vez que foram depositados parcialmente as parcelas atrasadas de 2019 além de diminuir o repasse mensal destinado a oferta dos serviços do SUAS para 2020, desconsiderando o pacto federativo e ameaçando a existência do SUAS.
Antes da eclosão da pandemia de COVID-19, a política de assistência social já passava por desmontes e desfinanciamento. Com a Emenda Constitucional nº. 95 e as contrarreformas que o Brasil vivenciava, regrediu-se os direitos sociais através do financiamento de políticas públicas, ao mesmo tempo que jogou parcela maior da população necessitando da seguridade social, em especial da política de assistência social.
No início do ano de 2020, quando emergiu a pandemia de COVID-19, o Brasil já enfrentava uma agenda de reformas com foco na redução do papel do Estado e centrada em políticas fiscais que visavam o controle da dívida do setor público. Essas medidas contribuíram ainda mais para o agravamento das consequências da crise sanitária e pela forma que o sistema capitalista explora a força de trabalho, nos levando a compreender que a pandemia tem sido mais agressiva principalmente aos mais pauperizados.
De acordo com o IPEA (2021), diante da crise econômica e a implementação de uma série de medidas de austeridade fiscal que ocorreu anterior à pandemia, observou-se aumento da pobreza e da desigualdade social nos últimos anos, “com impactos distintos entre os diferentes estratos de renda, depois de o Brasil ter vivido grande conquista na primeira década do século XXI, em termos distributivos” (IPEA, 2021, p. 03)
Em abril de 2020, o governo brasileiro regulamentou a renda básica emergencial como medida excepcional de proteção social. Tiveram acesso a este direito o trabalhador autônomo, trabalhador informal, contribuinte individual ou facultativo da Previdência, microempreendedor, desempregado ou indivíduos que possuíam Cadastro Único para Programas do Governo Federal. Os beneficiários do Programa Bolsa Família migraram automaticamente para este auxílio, desde que o valor do benefício fosse menor que os R$ 600,00 oferecidos pelo Auxílio Emergencial. O auxílio foi expandido para mais quatro parcelas de R$ 300,00, findadas em dezembro de 2020, a partir de pressão popular e organização política no Congresso Nacional.
A implantação e o acesso deste auxílio foi marcado pela burocratização, desinformação tanto por parte da população quanto dos equipamentos públicos, atrasos no pagamento, visto que o governo optou em investir em tecnologias para o cadastro da população, subutilizando os mecanismos já presentes na gestão pública da Assistência Social, no âmbito dos seus serviços e nos sistemas de informação, deslegitimando o reconhecimento da assistência social como um direito do cidadão e dever do Estado, no aprofundamento da manutenção de uma estrutura que não se configuram como direito socioassistencial, ofertando ações paralelas, seletivas e focalizadas.
O Estado, para tentar amenizar as expressões da questão social vivenciadas pela população mais vulnerável, concedeu um auxilio emergencial irrisório que não é capaz de suplantar as implicações provenientes do modo de produção capitalista, que afeta gravemente a classe trabalhadora (MACHADO; STAMPA. 2021), embora tenha favorecido à reprodução do capital de dominação financeira no que se refere ao incentivo do consumo de bens e serviços, como forma de amenizar as falhas de mercado.
Além do auxílio de renda, os serviços de assistência social foram essenciais para informação e atendimento de necessidades básicas da população, que no contexto da pandemia, já estavam sucateados. Com o isolamento social, a população empobrecida se tornou ainda mais vulnerável, impactando no aumento das demandas pelos serviços socioassistenciais. Como resposta, o Governo Federal adotou a medida provisória nº. 953/2020 com destinação de crédito extraordinário, emergencial e temporário ao Ministério da Cidadania para o enfrentamento da pandemia, porém não realizou a recomposição orçamentária aos serviços, utilizando a publicação das Portaria 369 e 378.
Ainda que estes repasses de enfrentamento ao COVID-19 fossem relevantes ao momento de necessidade, foram pontuais e não substituíram a defasagem dos valores mensais repassados aos municípios para os atendimentos à população que já estava em curso pós PEC 95 e Portaria 2.362. Estes repasses emergenciais foram insuficientes para execução dos serviços, tendo em vista, o não repasse regular com parcelas atrasadas, mesmo diante de situação de calamidade pública a qual traz à tona novas e diversas demandas sociais.
Segundo a Pesquisa sobre orçamento e gestão financeira do Sistema Único de Assistência Social nos Estados e Distrito Federal (2021) realizado pelo Fórum Nacional de Secretários (as) de Estado da Assistência Social (FONSEAS), em 2016,
foi destinado para Assistência Social R$ 2,1 bi, e para o ano de 2020 foi aprovado R$ 1,3 bi, trata-se de uma redução de mais de 60% no período analisado, justamente num contexto de profunda precarização das condições de vida, dos serviços e das condições de trabalho e dos efeitos da pandemia no Brasil. Há, ainda, um déficit de mais de 2 bilhões relativos aos exercícios anteriores não repassados e não reconhecidos como dívida, pelo governo federal aos municípios [...]. A situação de desfinanciamento é mais agravada pela Portaria nº. 2.362/19, que visa equalizar os recursos autorizados para a manutenção da rede atual, o que tem provado reduções nos repasses que chegam em 70%. Os R$ 2.5 bilhões de crédito extraordinário para atender demandas emergenciais na pandemia, são insuficientes para a cobertura das novas requisições ao SUAS. (p. 28-9)
O FONSEAS (2021, p. 30) observou “que em 2017 houve déficit de 21,76%, em 2018 de 37,52%, em 2019 de 29,16%, e em 2020 de 35,47%” e para o exercício de 2021, o orçamento aprovado, “destinado ao custeio dos serviços e ações socioassistenciais totaliza R$ 2.6 bi, porém, teve aprovação de apenas R$ 1 bi, apresentando “redução nas despesas discricionárias de 59,34%”, com isso, verifica-se uma clara substituição dos cortes realizados no repasse regular aos municípios pelo crédito extraordinário e a sobrecarga aos municípios diante do pacto federativo, constatando, que a política pública está em processo de perda anual de repasses financeiros aos serviços continuados, diante do aumento da necessidade da população por serviços e benefícios socioassistenciais, visto o aumento do desemprego, da insegurança alimentar e da desproteção do sistema de seguro social e legislações trabalhistas.
Conclusiones:
A evidente redução do papel do Estado na área social vem aumentando as desigualdades no Brasil, exacerbadas a partir do contexto de contrarreformas e agudizadas pela crise sanitária de COVID-19.
O SUAS, por sua vez, vem sendo impactado, desde 2016, com a redução significativa de seus recursos anualmente, através da política de austeridade fiscal determinada pela EC nº. 95, como efeito, “reproduzindo o antagonismo de classe e suas resultantes como miséria e o pauperismo da classe trabalhadora” (RAICHELIS; WAXBECK; SANT`ANA, 2020, p. 209).
A redução do financiamento do SUAS é percebida desde 2014 como um processo de desfinanciamento – assim entendido porque interrompe uma série histórica de aumentos de gastos públicos decorrentes dessa política. Para a Portaria nº. 36, de 2014, significava bloqueio, suspensão e não repasse de recursos para entidades que tivessem dinheiro em suas contas bancárias. Isso comprova que, em 2016, o Sistema Único foi mais uma vez impactado por uma significativa redução de seus recursos em decorrência da austera política fiscal determinada pela Emenda Constitucional nº 1. 95, em consequência, os serviços de assistência social deixarão de ser considerados prioritários à luz da agenda política, correndo o risco de serem insuficientes.
A pandemia de COVID-19 agravou o desmonte do financiamento da Assistência Social, mesmo esta política pública sendo considerada essencial, onde a população foi atingida pelas consequências sociais. O isolamento social impactou diretamente a classe trabalhadora com o acirramento das desigualdades sociais e aumento da demanda pelos serviços ofertados pelo SUAS.
É importante incluir neste contexto de regressão de direitos sociais, trabalhistas e previdenciários, os próprios trabalhadores da política de assistência social, que vivenciam, antes mesmo da pandemia, a precarização do modo de trabalho, se incrementando a uma política social mercantilizada e sucateada, que foi potencializada na crise sanitária.
Observa-se o desmonte dos direitos sociais, civis, políticos e econômicos, representado por um projeto conservador com foco em políticas liberais, focalizadas e residuais para o enfrentamento da pobreza, agudizando as manifestações da questão social “revelando a barbárie cotidiana que assola sem trégua a classe trabalhadora” (BOSCHETTI, 2017, p. 55) e tendo como projeto, a política de austeridade fiscal, atuando no corte dos gastos públicos, impactando diretamente na Política de Assistência Social, tendo em vista o corte significativo de recursos destinados aos Estados e Munícipios para implementação e execução dos seus serviços à população, considerando que o financiamento materializa e dá a condição do trabalho qualificado ofertado nos territórios onde a população está inserida.
Diante desse cenário de retorno à pobreza e aumento das desigualdades, devemos nos lançar em defesa de políticas de inclusão social para a promoção de mudanças estruturais na garantia de proteção às políticas sociais, sendo necessária a revisão da Emenda Constitucional n. 95, das reformas trabalhista e previdenciária, sendo o Estado um importante veto para sua efetividade, garantindo o princípio da universalidade.
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Palabras clave:
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