Resumen de la Ponencia:
Este artigo resulta de uma pesquisa em andamento, desenvolvida com lideranças da religião de Umbanda no estado do Paraná, Brasil. O intuito principal é saber como os adeptos de Umbanda enfrentam a pandemia de Covid-19, observando continuidades e rupturas nas interações sociais e em seus rituais, e pensam no pós-pandemia. Inspirada por vertentes de diferentes matrizes religiosas (católica, espírita, africana e indígena), esta religião brasileira pratica o acolhimento em seus encontros religiosos, ou sessões, por meio de contato ou proximidade física. Para seus adeptos e simpatizantes, as relações sociais, os aconselhamentos dos mais velhos, os benzimentos e toda ritualística são encontros que formam uma força significativa no processo de cuidar do outro; é um cuidado do corpo e espírito com relação direta a práticas relacionadas à saúde. Metodologicamente, foram realizadas entrevistas virtuais com lideranças de oito terreiros do Paraná, no primeiro semestre de 2022. Nos resultados parciais, há narrativas de preocupações com os adeptos de Umbanda e comunidades do entorno do terreiro que neste período deixaram de ter, de forma presencial, o acolhimento e a ação terapêutica representada pelos saberes umbandistas. Contudo, observou-se que muitos terreiros utilizaram a tecnologia, as redes sociais, mantendo abertos os canais de comunicação, como forma de resistir às dificuldades encontradas neste percurso. As lideranças demonstram apreensões e expectativas no pós-pandemia com os caminhos da religião de Umbanda.
Introducción:
E de repente tudo parou! A pandemia do Covid-19, decretada pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em março de 2020, se instalou no Brasil, assim como no mundo inteiro, e com isso atividades sociais e culturais tiveram restrições a fim de não propagar ainda mais o vírus que devastou vidas. A vigilância sanitária e leis municipais foram criadas indicando a interrupção de serviços, do comércio, das escolas, das igrejas e templos religiosos, bem como a circulação das pessoas. O uso de tecnologias para trabalhos de forma remota era uma das soluções encontradas, trabalho presencial era somente os de primeira necessidade como as farmácias, hospitais e supermercados.
Os terreiros de Umbanda também tiveram que se adequar às orientações sanitárias e normas legais, a fim de proteger a saúde e a vida dos seus adeptos e simpatizantes.
A Umbanda, religião brasileira, traz em seu bojo outras vertentes religiosas de acordo com a cultura local, sendo que a inspiração principal está na religião católica, espírita, matriz africana e indígena, apresenta um forte laço de acolhimento em seus encontros religiosos, ou sessões, por meio de contato ou proximidade física. Para seus adeptos e simpatizantes, as relações sociais, os aconselhamentos dos mais velhos, os benzimentos e toda ritualística são encontros que formam uma força significativa no processo de cuidar do outro; é um cuidado do corpo e espírito com relação direta a práticas relacionadas à saúde que acontecem entre grupos de gerações diferentes: crianças, jovens, adultos e idosos.
Nesse contexto, o objetivo deste trabalho consiste em compreender como os adeptos de Umbanda enfrentaram a pandemia de Covid-19, observando continuidades e rupturas nas interações sociais e em seus rituais, e pensam no pós-pandemia. Para tanto, como técnica de coleta de dados, foram realizadas entrevistas com lideranças de oito terreiros do estado do Paraná, no primeiro semestre de 2022. Em função da necessidade do distanciamento por causa da Covid-19, optou-se por fazer as entrevistas de forma remota, utilizando os canais virtuais de comunicação.
O artigo está dividido em duas partes, além desta breve introdução e das considerações finais. Na primeira, os saberes da Umbanda e seus rituais são abordados, ainda que brevemente, com o intuito de conhecer mais sobre a religião. Na segunda parte, apresenta-se análises preliminares dos dados coletados, referente ao enfrentamento dos tempos pandêmicos, e a resistência e reexistência da religião.
Desarrollo:
CAMINHOS DA UMBANDA
Para iniciar o diálogo relacionado à temática Umbanda, vale trazer historicamente que a hegemonia eurocêntrica, em sua lógica imperialista e colonizadora, sempre tentou invisibilizar e apagar as contribuições de várias sociedades na produção do conhecimento. Isto foi possível por meio de uma narrativa criada pela modernidade e baseada na existência de uma hierarquização a partir da estrutura biológica de pessoas, situando uns em um patamar de inferioridade em relação a outros (BOAVENTURA SANTOS, 2013; CARNEIRO; 2005; MIGNOLO, 2003).
O não reconhecimento das contribuições do pensamento e da visão de mundo dos povos que sofreram a violência do projeto colonizador é denominado de epistemicídio que, para Boaventura de Sousa Santos (1995), é um processo de destituição da civilização, racionalidade e cultura do outro.
Nesse sentido, as religiões de matriz africana, onde transita a Umbanda, propõe formas de cuidado com a saúde que foram inferiorizadas e negadas pela cosmovisão dualista do ser humano que o entende como sendo formado por mente e corpo, descartando a espiritualidade, a subjetividade e a identidade como elementos estreitamente ligados à saúde.
A Umbanda é uma religião nascida no Brasil, na primeira metade do século XX. É resultado de um sincretismo religioso e cultural que é melhor compreendido a partir da contextualização histórica que nasceu, teve, na sua origem, contribuições da Doutrina Espírita, das religiões Indígena, Africana, Católica, e com forte relação com a natureza. Essa relação pode ser percebida, por exemplo, nos seus espaços sagrados que vão além dos seus templos, estendem-se para os espaços da natureza (rios, matas, cachoeiras, praias, pedreiras, encruzilhadas, cemitérios), que se tornam uma extensão dos seus locais de práticas ritualísticas. A participação nesse espaço durante o tempo dos rituais religiosos, a aproximação com o sagrado, fortalece a fé e torna os indivíduos mais fortes para voltar ao mundo profano e enfrentar as dificuldades e obstáculos presentes na vida cotidiana (ELIADE, 1992).
O “sagrado” existe, como escreveu Eliade em oposição ao profano: “O profano e o sagrado constituem duas modalidades de ser no mundo, duas situações existenciais assumidas pelo homem ao longo de sua história” (ELIADE, 1993, p. 20).
Apresentam em suas práticas e relações cotidianas, diversos saberes, sem obedecer, estritamente, a matriz hegemônica ocidental, principalmente das religiões cristãs, trazidas como elemento cultural do branco europeu. Os terreiros são considerados, pelos umbandistas, territórios com força vital, chamado de axé. Este deve ser conservado e transmitido para os adeptos de forma oral e geracional. Ou seja, os mais novos aprendem com os mais velhos a forma de preservar e cultuar a sua forma particular de fé e a conservação do terreiro, enquanto territorialidade e construção/manutenção de identidade. (MALOMALO, 2007).
O local designado para o ritual umbandista está impregnado de simbolismo religioso, passa a ser um território simbólico consagrado aos orixás (divindades africanas) e outras divindades, a depender da forma de culto que cada dirigente ensina. Para Barros (2008, p.59), o terreiro é:
O ponto de encontro dos homens com seus “guias”. A terra dos homens opõe-se à terra dos orixás, o terreiro, porque nela se dá esse encontro dos homens com seus deuses, simbolizando também nos pontos de encontro da natureza, pois o terreiro é também como se pode perceber, mar, cachoeira, rio, caminhos, matas, florestas, encruzilhadas, ruas e cemitério (BARROS, 2008, p.59).
Os adeptos da religião de Umbanda, tem sua iniciação, feita pela transmissão oral e geracional, de modo que a liderança de terreiro, também chamado de sacerdote ou ainda, pai ou mãe de santo, transmite os ensinamentos de conhecimentos e vivências nos espaços sagrados, dentro e fora do terreiro, a partir do vínculo que se estabelece entre a liderança do terreiro e os adeptos.
Os terreiros podem ser reconhecidos como territórios promotores de saúde, uma vez que possibilitam o desenvolvimento de práticas e cuidados para com a saúde em seu sentido amplo, que envolve a espiritualidade, a saúde mental e física de seus adeptos.
A ritualística de Umbanda, em suas sessões, apresentam proximidade física em função dos benzimentos e conversas com suas divindades incorporadas em seus médiuns e com a pandemia de Covid-19, a necessidade do distanciamento e isolamento é eminente para manter a saúde da população de terreiro e sua comunidade, bem como da liderança, normalmente o mais velha(a), considerada como uma biblioteca viva que deve ser preservada pelos seus saberes obtidos de forma oral com seus mais velhos.
A seguir, apresenta-se de que forma se estabeleceu estas ritualísticas em tempos pandêmicos para as lideranças de oito terreiros do Paraná, entrevistadas remotamente.
A RESISTÊNCIA DO POVO UMBANDISTA SEM OUVIR OS TAMBORES DA FÉ: REEXISTÊNCIA
A religião de Umbanda, normalmente em sua ritualística, utiliza tambores, atabaques para suas sessões, pois rezam cantando ou cantam rezando. Porém, nestes tempos pandêmicos tiveram que silenciar o som de seus tambores pela necessidade do afastamento físico, do distanciamento, a fim de conter a doença que se espalhou com tamanha pressa.
Para a construção da entrevista, procurou-se eleger questões que dessem pistas para estabelecer análise com base no objeto de estudo relacionado ao enfrentamento da pandemia Covid-19 para as lideranças dos terreiros de Umbanda, entrevistadas no primeiro semestre de 2022.
Na caracterização das lideranças quanto a idade, variam de 42 a 66 anos, quanto ao gênero foram seis masculinos e dois femininos, todos brasileiros. Com relação à raça/cor, sete são brancos e um pardo. Sobre a escolarização dois afirmaram possuir ensino fundamental completo, um ensino médio completo, três com graduação, um com mestrado e um com doutorado. No que tange as profissões destas lideranças, apontaram um assistente administrativo, um autônomo, um pedagogo, um motorista, um gerente de tecnologia da informação, um auditor de sistemas, uma cenógrafa e um deles apontou como profissão sacerdotisa de Umbanda. A média salarial ficou entre um a cinco salários mínimos.
Das lideranças entrevistadas, cada uma indicou o tempo que estão na religião de Umbanda: 8 anos, 9 anos, 25 anos, 31 anos, 37 anos, 40 anos, 42 anos e outra com 52 anos, salientando que está a vida toda nesta religião.
Na análise dos dados da pesquisa, a ênfase maior será sobre as respostas referentes ao significado da pandemia de Covid-19 para comunidades de terreiros do estado do Paraná.
Nos resultados parciais, encontra-se narrativas de dificuldades e preocupações vivenciadas por um segmento social religioso, adeptos de Umbanda e comunidades do entorno do terreiro que neste período deixaram de ter, de forma presencial, a ação terapêutica representada pelos saberes umbandistas, a partir de um conjunto de representações simbólicas que visam o tratamento de doenças por meio de acolhimento e escuta, formando uma espécie de rede de apoio aos que buscam ajuda no terreiro, espaço sagrado desta religião.
Esse contato corporal afetivo faz com que o cuidado e a cura sejam pensados a partir da realidade vivida e apresentada por cada pessoa que busca a sua saúde por meio dos recursos rituais e religiosos dos terreiros, que neste período pandêmico tiveram que parar.
Vale dizer que antes da pandemia, as lideranças relatam que a frequência das sessões variam para cada terreiro conforme o número de adeptos e o porte físico da instituição. Nos terreiros pesquisados encontramos quatro que tinham sessões uma vez por semana, outros dois terreiros com uma gira de forma quinzenal e dois terreiros que tinham giras todos os dias da semana, de 25 a 100 adeptos, em cada terreiro, atendendo a comunidade simpatizante que buscava espontaneamente os atendimentos presenciais de benzimentos, acolhimentos, inclusive meios físicos de sobrevivência, como cestas básicas, alimentação e materiais de limpeza e higiene.
Foi em março de 2020 que receberam a notícia da pandemia da Covid-19 e as impressões tidas nos relatos foi de preocupação, susto, espanto, medo do desconhecido com poucas informações, medo de contaminação, embora apontaram esperança em dias melhores, conforme afirmam as lideranças de terreiro a seguir:
Primeiramente foi um susto pois não estávamos preparados para devido caos a partir da chegada do Covid, mas com muita fé e esperança lutei incansavelmente para que os membros do meu terreiro tivessem a fé e a coragem de enfrentá-la sem esmorecer, trazendo sempre uma palavra de conforto e convocando a casa para uma avaliação mais íntima do seu próprio ser. Tempos tão difíceis que, com fé e todos unidos, passamos pelos piores períodos (Liderança Moacir- 45 anos).
Noutro depoimento, a liderança traz fortemente o medo, embora com esperança de dias melhores, trouxe em seu relato que mantém a fé, que tudo ficará bem, após ter conversado com os guias. Salientou também que achava que a pandemia iria durar menos tempo do que ainda está durando, enfatiza que houveram tempos muito difíceis no decorrer da necessidade do isolamento:
Recebemos a notícia pela mídia com espanto e medo do desconhecido. Poucas informações no início mas com fé que tudo no seu tempo seria resolvido. Principalmente depois que falamos com os guias. Achávamos que seria um tempo menor, mas foram tempos tão difíceis que perdemos tantas pessoas (Liderança José - 66 anos).
O relato a seguir, aponta a aceitação da ciência com as orientações seguidas conforme as legislações de direcionamento dos órgãos de saúde com a compreensão da necessidade das medidas de afastamento:
Assim que a pandemia foi instaurada, paralisamos imediatamente as atividades, de acordo com a legislação vigente à época, cada semana tinha um direcionamento dos órgãos de saúde. Todos entenderam que a medida era necessária e estavam com muito medo da contaminação. Com medo de sermos infectados, ficamos parados até novembro de 2021. (Liderança Sandro - 56 anos)
A interrupção das atividades dos terreiros seguindo as exigências dos órgãos da vigilância sanitária trouxe outro problema de saúde para as comunidades. O acolhimento, o cuidado e a cura espiritual e material que são proporcionados também foram interrompidos. Além disso, a sobrevivência material de muitas dessas comunidades foram prejudicadas pela ausência das contribuições dos adeptos de Umbanda e simpatizantes.
As lideranças de sete terreiros relatam que ficaram sem sessões presenciais por mais de uma ano, durante os períodos mais difíceis, com mais contágios, sendo que uma liderança contou que faziam encontros presenciais com menor número de pessoas, de dez em dez, com equipamentos de segurança como máscaras e álcool gel para limpeza das mãos.
Em todos os terreiros pesquisados, com a paralisação das sessões durante o período de pandemia não houveram batizados, casamentos e rituais fúnebres pela necessidade de afastamento. Estes rituais estão presente na maioria das religiões e na Umbanda acontece sempre na presença da liderança de terreiro, os rituais de despedidas constituem um traço cultural de valor emocional, uma vez que é o principal momento em que a comunidade umbandista se une para a despedida dentro do ritual específico conforme cada terreiro.
Os encaminhamentos criaram novas estratégias durante a pandemia, tendo em vista que uma das principais recomendações era o distanciamento social. Segundo o relato da liderança Maria (52 anos), a ritualística era feita somente pelo sacerdote sem o corpo da pessoa morta, pois segundo as diretrizes da Organização Mundial de Saúde (OMS) era para evitar aglomeração. Vale dizer que a ritualização da morte é indissociável do processo de elaboração das perdas. A ausência de rituais fúnebres, aliada ao distanciamento social, repercute de forma desafiadora para as lideranças de terreiros de Umbanda e sua comunidade.
Durante a pandemia, principalmente nos momentos mais críticos, vivencia-se tanto as perdas de vidas humanas quanto as perdas das interações sociais, pois há diferentes formas de contato com os significados da morte e do luto em larga escala social, com a privação coletiva da convivência com as pessoas em vários espaços, incluindo os terreiros de Umbanda para os adeptos e simpatizantes. E foi neste viés que as lideranças apontaram como uma das maiores dificuldades que a pandemia impôs para a religião de Umbanda e seus adeptos, conforme enfatiza uma liderança abaixo:
A Umbanda foi a religião mais afetada, pela forma de ritualística que pratica, onde o contato presencial é fundamental para o atingimento dos objetivos. Fica praticamente impossível praticar Umbanda de forma remota, pois é uma religião afetiva e de acolhimento, quando o guia faz aconselhamento precisa ser na presença, então com isto, desta forma, houve prejuízo para todos, é como estar de luto por não estar com os adeptos (Liderança João - 42 anos).
Aqui é interessante registrar que a liderança utiliza a palavra luto, não para morte de uma pessoa, mas para dar a conotação de perder a relação social existente na religião de Umbanda, o que coaduna com a fala de outra liderança ao mencionar um dos aprendizados na pandemia de Covid-19:
Meu maior aprendizado nesta pandemia é que as pessoas e as relações sempre serão importantíssimas e únicas na vida e em qualquer situação. O todo, o junto que faz toda a diferença (Liderança Antônio - 43 anos)
Nesse sentido, muitos terreiros utilizaram a tecnologia, as redes sociais, mantendo abertos os canais de comunicação, resistindo a tantas dificuldades encontradas neste percurso. As lideranças demonstram apreensões e expectativas no pós-pandemia apontando sentimentos de inexistência diante das religiões ditas hegemônicas.
“E nosso atabaque silenciou…” disse a liderança de terreiro, Maria (52 anos), com emoção e choro intenso, continuou dizendo “mas com fé, em breve voltaremos”. Este foi um dos momentos mais impactantes e simbólicos da pesquisa, tendo em vista a importância do toque dos atabaques para esta religião.
O atabaque é um instrumento considerado sagrado pelos umbandistas e é por meio dos toques e cantos que são feitas as sessões, são instrumentos de grande importância dentro da maioria das casas, considerados como Orixás - divindades africanas - que dão sustentação aos trabalhos. São instrumentos que quando tocados são evocadas divindades por meio das rezas. O cantar rezando junto ao som do atabaque fazem parte do ritual de Umbanda, enriquecendo e criando condições para os trabalhos práticos, portanto, quando silenciados sob qualquer necessidade, a religião silencia.
Silêncio que aos poucos vem rompendo com o lento retorno aos terreiros, anunciam as lideranças que, com a devida segurança de saúde, com uso máscaras, álcool gel e menor número de pessoas, tanto de adeptos quanto de simpatizantes, vão até os centros de Umbanda receber benzimento, acolhimento e até materiais de subsistência, mas ainda com o distanciamento social, o que antes o abraço era acolhimento, hoje distanciamento aponta cuidado com o outro.
Buscamos distanciamento, testamos os médiuns que dão atendimento frequentemente, observamos se tem sintomas em todos, acompanhamos cada um com sintomas a fazer exames, e continuamos desinfetando tudo com álcool, nós oferecemos álcool gel. Não temos mais abraços, evitamos toques (Liderança Pedro - 55 anos)
As lideranças apontam preocupações e apreensões relacionadas com o futuro da religião, tendo em vista que são os adeptos que mantém o terreiro e ajudam as comunidades ao entorno, em meio ao momento político e de dificuldade em função da pandemia da Covid-19, a liderança comenta uma das dificuldades:
Muitos terreiros fecharam durante a pandemia, por dificuldades financeiras, pois, não podendo receber pessoas, as angariações financeiras diminuíram. A maior dificuldade, era receber pessoas saídas de outros terreiros que fecharam, em busca de auxílio, tanto espiritual quanto material, e não poder ajudar, pois não podia haver aglomerações (Liderança Maria - 52 anos).
Por fim, salienta-se que chamou a atenção nos dados coletados com as entrevistas semiestruturadas, a insistência em existir, em resistir, em manter a religiosidade em tempos adversos, seja por conta da pandemia ou da intolerância religiosa, que parece ter se fortificado com o avanço do neoconservadorismo no Brasil dos últimos anos, as dificuldades encontradas pelas lideranças aqui citadas são somente um pequeno recorte dos desafios vivenciados, mas que demonstram acreditar em um processo de melhoria em função do retorno pós pandemia e da força, enquanto coletivo, que fortalece cada vez mais o ser umbandista, a resistência enquanto reexistência.
Conclusiones:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta pesquisa constatou-se que as lideranças dos terreiros pesquisados apontam que uma pessoa não tem apenas uma existência física, enfatizam que quando o corpo adoece, a sua existência mental, espiritual, social e cultural também ficam adoecidas. É em virtude disso que as lideranças de terreiros justificam a realização de rituais de cuidado e cura, mesmo quando os especialistas em saúde dizem que não há mais o que fazer diante de uma pessoa com quadro clínico comprometido. Mesmo porque, segundo os participantes da pesquisa, as forças de morte que se apresentam na vida da pessoa doente, naquele momento, já afetaram e estão afetando o entorno familiar e extrafamiliar. Para os umbandistas, aqui retratados, o enfrentamento não pode ser somente individual, mas também coletivo.
Não há negacionismo da doença, pois os seus efeitos se alastram e interferem o coletivo, a comunidade de terreiro, cuja harmonia se encontra prejudicada, abalada. A ritualística de cura e acolhimento oferecidos pela Umbanda não pretendem substituir os cuidados terapêuticos da medicina alopática, mas complementá-la e potencializar com a força vital, que emana da relação com a ancestralidade e com a natureza.
Neste período pandêmico de maior dificuldade, no que tange perdas de vidas e de momentos de relação social, observou-se sentimentos de luto por perder o ente querido ou pelo distanciamento do grupo. Nesse sentido, outro fator importante de dificuldade encontrada pelas lideranças e que compreendemos, a partir da pesquisa, que ficou impresso que as comunidades religiosas de matrizes africanas de certa forma foram invisibilizadas e excluídas do debate sobre a saúde no Brasil em tempos pandêmicos, tendo em vista que não foi levado em conta o formato da ritualística apresentada nestas religiões.
Nestes tempos pandêmicos, a perspectiva mais prejudicada das comunidades de Umbanda foi o isolamento das pessoas, pois os rituais de terreiro com o acolhimento e os cuidados não poderiam mais acontecer. Tendo em vista que durante a ritualística, os adeptos e simpatizantes, ficam próximos uns dos outros durante o benzimento por exemplo.
Com os relatos nas entrevistas, durante a pesquisa, foi possível observar que a pandemia da Covid-19 é interpretada por várias lideranças religiosas da Umbanda, como sendo resultado de um desequilíbrio na relação entre os seres humanos, a natureza e o mundo sobrenatural. Em razão disso, muitas comunidades interromperam suas sessões presenciais, a fim de observar as orientações sanitárias, iniciando outros formatos de encontros, na sua maioria de forma virtual com os adeptos.
Nos resultados parciais, encontramos narrativas de preocupações com os adeptos de Umbanda e comunidades do entorno do terreiro que neste período deixaram de ter, de forma presencial, a ação terapêutica representada pelos saberes umbandistas, a partir de um conjunto de representações simbólicas que visam o tratamento de doenças por meio de acolhimento e escuta, formando uma espécie de rede de apoio aos que buscam ajuda no terreiro, espaço sagrado desta religião. Contudo, observamos que muitos terreiros utilizaram a tecnologia, as redes sociais, mantendo abertos os canais de comunicação, resistindo a tantas dificuldades encontradas neste percurso. As lideranças demonstram apreensões e expectativas no pós-pandemia apontando sentimentos de inexistência diante das religiões ditas hegemônicas.
Não é o objetivo deste trabalho abordar sobre o silenciamento dos atabaques fora do âmbito da pesquisa relacionada à pandemia de Covid-19. Não obstante, é preciso registrar que, conforme o disque 100, outros fatores têm silenciado os tambores de Umbanda e Candomblé. Somente no ano de 2022, o país teve mais de 550 denúncias por intolerância religiosa, o que é crime de multa e prisão. Contudo não é difícil de observar crimes de ódio, de racismo religioso contra as religiões de matriz africana, em convenções de partido durante a presidência de Jair Bolsonaro, nos discursos inclusive da primeira dama. Portanto, além das dificuldades que trazem os tempos pandêmicos, a religião de Umbanda ainda passa por períodos de intolerância religiosa sendo reforçada pela liderança política nacional.
O avanço rápido da pandemia Covid-19 vem mudando o formato do fazer Umbanda, de acordo com os participantes da pesquisa. É consenso entre as lideranças que o momento de tristeza requer recolhimento, isolamento, cuidados com a saúde e com as pessoas, principalmente no cuidado com seus mais velhos, pois estes são considerados bibliotecas vivas, por ser uma religião constituída de forma oral e geracional.
Vale salientar que o retorno está, para os entrevistados, acontecendo com o mesmo cuidado que foi para o afastamento, acreditando na ciência e nas vacinas. Nesse sentido, as lideranças apontam que incentivam seus adeptos a seguir as orientações dos órgãos de saúde e manter a vacinação em dia para um retorno mais seguro.
Com resistência, os atabaques voltam a tocar nos terreiros, dando ritmo à reza da Umbanda, reexistência.
Bibliografía:
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Palabras clave:
Umbanda, Pandemia, Covid 19.