Resumen de la Ponencia:
Embora se possa cogitar da mobilização institucional do Direito e da subversão de sua (onto)lógica moderno-colonial para fins emancipatórios, por pessoas negras, no Brasil, pelo menos desde Esperança Garcia (1770) e Luiz Gama (1869), é com as pesquisas desenvolvidas por Eunice Aparecida de Jesus Prudente (1980) e por Dora Lucia de Lima Bertúlio (1989) que é possível identificar no país a formulação precursora de uma crítica racializada e sistematizada ao pensamento jurídico tradicional. Deslocando para o centro do debate jurídico a problemática do racismo na sociedade brasileira, mediante o combate à neutralidade racial do direito e à meritocracia, o conhecimento produzido por essas pesquisadoras influenciou gerações e possibilitou que, atualmente, haja uma profusão de pesquisas que questionam e aprofundam as análises a respeito da instrumentalização do Direito e do sistema de justiça para sustentação da ordem racial a partir do controle social dos corpos negros (MOREIRA, 2019, p. 103). Com a fundação do campo teórico-prático denominado
Direito e Relações Raciais, Eunice Prudente e Dora Bertúlio contribuíram de modo seminal para o desenvolvimento, sistematização e organização acadêmica do pensamento jurídico afrodiaspórico brasileiro, dando ensejo à formação de uma contracultura jurídica nacional comprometida com a promoção da justiça racial (PORTELA, 2021, p. 1204). Por intermédio da desestabilização da cultura jurídica tradicional, criou-se um quilombo jurídico comprometido com a práxis emancipatória. Sendo que, a categoria quilombo é aqui mobilizada para classificar esse movimento teórico-prático porque, a partir de Abdias Nascimento, Clóvis Moura e Beatriz Nascimento é possível pensar os quilombos para além da experiência histórica em que se consubstanciaram, para percebê-los enquanto tecnologia político-social, espaço de insurreição e de práticas emancipatórias e como um lugar que transcende o físico, tornando-se também existencial (CARNEIRO, 2021, p. 325). Nesse sentido, a pesquisa pretende demonstrar quais foram as contribuições dessas intelectuais para a fundação e consolidação do campo teórico-prático
Direito e Relações Raciais. Valho-me metodologicamente das funções da teoria crítica dos direitos humanos, proposta por Herrera Flores (2009), para o qual a função epistemológica buscaria
visibilizar as relações sociais e as desigualdades existentes; a função ética visaria a
desestabilizar o
status quo injusto e opressor; e a função política
transformar a realidade (CARNEIRO, 2021, p. 36). Assim, em uma postura acadêmica que milita contra o genocídio epistêmico (NASCIMENTO, 2016), pretendo, mediante revisão bibliográfica e entrevistas,
visibilizar a trajetória pessoal e acadêmica de Eunice Prudente e Dora Bertúlio; analisar de que modo a atuação, as produções e o legado dessas intelectuais negras
desestabilizaram o pensamento jurídico brasileiro hegemônico; e demonstrar quais foram as
transformações promovidas pelo campo teórico-prático por elas fundado, na academia jurídica e na prática do sistema de justiça.