Resumen de la Ponencia:
O presente artigo tem como objetivo a apresentação da política previdenciária do agricultor familiar, a partir de uma perspectiva histórica crítica. Por meio de dados bibliográficos, analisa-se a trajetória de construção e desconstrução da política previdenciária voltada para o mundo rural. Simultaneamente, para conquistar dois direitos previdenciários conquistados pela classe trabalhadora no final do século XX, a ofensiva da desconstrução levou a dois deles, principalmente os do agricultor familiar. Resultado do enfraquecimento de dois movimentos sociais organizados pela sociedade na década de (19) 90 e, por iniciativa do Estado, seguem princípios neoliberais e, priorizam a política econômica em detrimento da política social. Recentemente, no ano de 2016, recebi uma proposta do governo para alterar a Constituição – PEC 287, Após extensa discussão e intensos debates no Congresso Nacional, a referida proposta não foi acolhida devido ao reconhecimento institucional das particularidades do trabalho desenvolvido pelo agricultor familiar.
Introducción:
Este artigo aborda a luta da classe trabalhadora em busca da conquista da política de previdência social no século XX, bem como, a ofensiva de desconstrução dos direitos previdenciários ao longo do tempo. O mesmo objetiva refletir a trajetória de construção e (des) construção da política de previdência social voltada aos agricultores familiares rurais, bem como, a ofensiva que ocorreu em razão da proposta de reforma previdenciária, enviada pelo governo Michel Miguel Elias Temer Lulia, de Proposta de Emenda à Constituição – PEC 287 de 2016, para apreciação e debate no Congresso Nacional.
Para a realização do artigo, foi realizado levantamento de dados junto a sites oficiais do governo, política de previdência social, bem como, levantamentos bibliográficos de livros, artigos, revistas científicas dentre outras.
Em um panorama histórico dos direitos previdenciários, constata-se que no ano de 1923, a classe trabalhadora conquista os primeiros direitos previdenciários, por meio das Caixas de Aposentadorias e Pensões – CAPs,. No entanto, permaneceram excluídos os trabalhadores rurais, mesmo sendo reconhecida a relevância do trabalho por eles realizado junto a macroeconomia. Da década de 30 a 70, os trabalhadores, aos poucos foram ampliando seus direitos previdenciários.
Na década de 1980, os movimentos sociais organizados da sociedade lutaram pelo fim do governo autoritário e, pela redemocratização do país, bem como, contribuíram por meio da Assembleia Nacional Constituinte com propostas para a construção do sistema de proteção social, que foram acatadas e promulgadas na Constituição Federal de 1988.
Simultaneamente a conquista dos direitos sociais, por meio da seguridade social, iniciou-se um processo de desmonte dos direitos sociais, em virtude do governo seguir os princípios neoliberais. Recentemente, com a alegação de déficit previdenciário o governo Michel Temer propôs a Proposta de Emenda à Constituição – PEC 287 de 2016, a qual visava a desconstrução de direitos.
Desarrollo:
5. SURGIMENTO DA POLÍTICA PREVIDENCIÁRIA BRASILEIRA
Na década de 1920 em razão das reivindicações e lutas dos movimentos sociais da classe trabalhadora, que exigiam políticas previdenciárias, bem como, em consequência das reivindicações dos trabalhadores prejudicarem o modo de produção capitalista de acumulação, os clamores dos mesmos em busca de direitos sociais foram atendidos em parte pelos empresários e, em parte pelo Estado (FALEIROS, 2009).
Em virtude das persistentes reivindicações da classe trabalhadora, que obstruíam o sistema de acumulação capitalista, os empresários com o aval do Estado estabeleceram um projeto liberal, as Caixas de Aposentadorias e Pensões - CAPs. “[...] Para diminuir as tensões sociais e aumentar sua produtividade, sua autoridade seu poder junto aos operários, várias empresas têm instaurado caixas, serviços médicos, programas habitacionais para seu pessoal [...]” (FALEIROS, 2009, p. 174-175). Entretanto, à custa do projeto liberal as CAPs, procediam de contribuições dos próprios trabalhadores, bem como, dos empregadores que custeavam a manutenção dos benefícios, todavia, a gestão era realizada de maneira paritária. No entanto, “[...] essa medida era peculiar aos ferroviários e não se poderia aplicar a outros setores ao que Eloy Chaves acrescentou: “ao trabalho agrícola sobretudo” (FALEIROS, 2009, p. 147).
De acordo com Behring e Boschetti (2008), as primeiras políticas voltadas à área previdenciária voltavam-se exclusivamente a alguns setores estratégicos da economia brasileira, como o setor agroexportador da monocultura cafeeira, o qual era responsável por setenta por cento do Produto Interno Bruto – PIB nacional. “O ano de 1923 é chave para a compreensão do formato da política social brasileira no período subsequente: aprova-se a lei Eloy Chaves, que institui a obrigatoriedade de criação de Caixas [...]” (p. 80). Ao findar da década de 1920, as CAPs, tinham expandido para diversas categorias de trabalhadores, no entanto, permaneceram excluídas algumas categorias de trabalhadores urbanos, bem como os trabalhadores rurais, estes vitais a macroeconomia.
6. FOMENTO GOVERNAMENTAL NA AMPLIAÇÃO DAS CAPS E A CRIAÇÃO DOS INSTITUTOS DE APOSENTADORIAS E PENSÕES E A SELETIVIDADE EM SUA ABRANGÊNCIA
Getúlio Vargas (1930-1945), no início de seu governo autoritário promoveu o desenvolvimento industrial e incentivou fortemente a expansão das Caixas de Aposentadorias e Pensões - CAPs, que avultaram rapidamente. O intuito do governo em fomentar a expansão das CAPs era proporcionar benefícios previdenciários e assistência médica aos segurados e suas famílias, com medicamentos a preços acessíveis, assim como atenuar as reivindicações sociais (ROJAS COUTO, 2010).
Nesse período histórico brasileiro encontravam-se incluídos ao sistema previdenciário somente os trabalhadores inseridos ao mercado formal de trabalho, ou seja, apenas categorias de trabalhadores assalariados de setores estratégicos da macroeconomia.
Passaram a ser critérios de inclusão ou exclusão nos benefícios sociais a posição ocupacional e o rendimento auferido. Estes critérios colocaram somente os trabalhadores urbanos em posição de privilégio, pois sua vinculação ao mercado formal de trabalho era a garantia de inserção nas políticas sociais da época. Esse corte de inclusão deu-se ainda numa realidade onde a maioria dos trabalhadores estava vinculada ao trabalho rural e, portanto, desprotegida [...] (ROJAS COUTO, 2010, p. 96).
No primeiro Governo de Getúlio Vargas (1930-1945), os trabalhadores rurais eram reconhecidos pela importância do trabalho executado. Entretanto, o reconhecimento da relevância dos trabalhadores rurais à economia nacional, não foi suficiente para que o governo implementasse e regularizasse legislações trabalhistas e previdenciárias em prol dos mesmos. “[...] Apesar disso os discursos dos dirigentes políticos do país estavam cheios de elogios à dedicação e ao trabalho desses trabalhadores [...]” (FALEIROS, 2009, p. 150).
Como as oligarquias políticas representavam grande poder econômico e político no país, o governo de Getúlio Vargas absteve de adentrar em território de domínio dos latifundiários. “[...] É necessário lembrar que os camponeses estavam completamente submetidos à oligarquia, isolados de todo espaço político e de representação” (FALEIROS, 2009, p. 150).
Segundo Carvalho (2003), o programa de governo de Getúlio Vargas na década de 1930, que incentivava o desenvolvimento da industrialização no país, possibilitou a mudança de direção da política macroeconômica. Em decorrência surgiu a necessidade de criação de políticas trabalhistas dirigidas aos trabalhadores urbanos. “[...] Na área da previdência, os grandes avanços se deram a partir de 1933. Nesse ano, foi criado o Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Marítimos (IAPM) [...]” (CARVALHO, 2003, p. 113). O orçamento dos IAPs, contava com três fontes de recursos: a contribuição dos empregados, dos empregadores e, a do Estado, ou seja, o governo passa a ser parte integrante do sistema. “[...] O presidente da República nomeava o presidente de cada IAP, que contava com um Conselho de Administração formado de maneira paritária [...]” (CARVALHO, 2003, p. 113). A gestão dos IAPs contava com um conselho de administração composto por representantes em pé de igualdade, como por exemplo, o da rede de proteção dos trabalhadores urbanos, por meio dos sindicatos, empregadores e empregados em cada um dos IAPs, de acordo com a categoria de trabalhadores urbanos.
De acordo com Behring e Boschetti (2008), a organização previdenciária pública por meio dos IAPs: “[...] foi criado em 1933 – o IAPM, dos marítimos -, e com isso foram se extinguindo as CAPs, organizações privadas por empresa, até 1953 [...]” (p.106). Os IAPs abrangeram diversas categorias de trabalhadores urbanos a partir da década de 1930, em razão disso as CAPs, organizações privadas previdenciárias extinguiram-se na década de 1950.
7. DELONGADO PROCESSO DE UNIFICAÇÃO DOS INSTITUTOS DE APOSENTADORIAS E PENSÕES – IAPS E O SURGIMENTO DO DIREITO PREVIDENCIÁRIO AOS TRABALHADORES RURAIS
Cumpre ressaltar que a discussão para a unificação dos IAPs, que tramitava no congresso desde 1947, e que tinha como pressuposto a redução de custos e a unificação dos benefícios e dos institutos, ao ser retomada no governo Vargas, alcançou pouco êxito, devido os participantes do congresso organizado por Goulart, terem decidido pela não alteração das normas dos institutos. No entanto em 1960, no governo de João Goulart, foi aprovada a Lei n.º 3.807, de 26 de agosto de 1960, a Lei Orgânica da Previdência Social – LOPS (CARVALHO, 2003).
Conforme Faleiros (2009), houve intenso debate até a criação da Lei Orgânica de Previdência Social - LOPS, em 1960. O processo de unificação dos IAPs, foi longo e arrastado, porém, proporcionou aos trabalhadores urbanos inseridos ao mercado formal de trabalho, como também aos profissionais liberais que contribuíam com o seguro social, o acesso aos direitos previdenciários. A unificação dos IAPs, somente concluiu-se no Regime Militar no ano de 1966, quando incorporados ao Instituto Nacional de Previdência Social - INPS.
De acordo com Mota (2015), durante a vigência do Regime Militar (1964-1985), os governos autoritários implementaram políticas sociais seletivas como forma de legitimar o regime autoritário e, ao mesmo tempo atender as exigências de acumulação capitalista, “[...] pela contenção das formas de rebeldia política das classes subalternas e pela necessidade de estabelecer uma ordem consentida, além de atender exigências do grande capital [...]” (p. 153-154). Neste período iniciou-se a expansão de direitos sociais seletivos e, “[...] ampliação da cobertura dos programas sociais, em que se incluem as políticas de seguridade social, respondeu, preponderantemente, pela estratégia de modernização autoritária adotada pelos governos militares” (p. 153-154).
O receio dos governantes de adentrar ao território dos latifundiários que possuíam poder econômico e político desde a colonização do país, provocou retardamento na implementação de políticas sociais aos trabalhadores do campo. “[...] A extensão da legislação social ao campo teve que esperar os governos militares para ser implementada [...]” (CARVALHO, 2003, p. 123). Ela ocorreu na década de 1970, porém a mesma, não foi suficiente para que os trabalhadores rurais gozassem dos mesmos direitos que os trabalhadores urbanos. “[...] Esse grande vazio na legislação indica com clareza o peso que ainda possuíam os proprietários rurais [...]” (CARVALHO, 2003, p. 123).
Rojas Couto (2010) ressalta que houve a concessão dos direitos previdenciários aos trabalhadores rurais, sem a exigência de contribuição prévia dos mesmos, e de seus empregadores, como forma de legitimar o governo autoritário vigente.
A previdência social dos trabalhadores rurais sucedeu na segunda metade do século XX.
A previdência destinada aos trabalhadores rurais teve início em 1963, com a criação do Fundo de Assistência e Previdência do Trabalhador Rural. Foi modificada em 1969, com a criação do Plano Básico Rural e, em 1971, a lei complementar n. 11 instituiu o Programa de assistência ao trabalhador rural, que foi alterado em 1973 pela Lei Complementar n. 16 [...] (SILVA, 2012, p. 131).
Segundo Silva (2012), depois de um longo período de luta e de reivindicação por direitos sociais, os trabalhadores rurais são incluídos ao direito previdenciário. Sendo este, destinado exclusivamente ao trabalhador rural arrimo de família, no valor de meio salário mínimo.
Dentro deste contexto, Behring e Boschetti (2008) esclarecem que:
[...] A unificação, uniformização e centralização da previdência social no Instituto Nacional de Previdência Social (INPS), em 1966, retiram definitivamente os trabalhadores da gestão da previdência social, que passa a ser tratada como questão técnica e atuarial. Em 1967, os acidentes de trabalho passam também para a gestão do INPS, apesar de certa contrariedade das seguradoras privadas. Ao lado disso, a previdência foi ampliada para os trabalhadores rurais, por meio do Funrural, política que adquiriu, neste caso, um caráter mais redistributivo, já que não se fundava na contribuição dos trabalhadores, mas numa pequena taxação dos produtores, apesar de seu irrisório valor de meio salário mínimo (1971) [...] (p. 136).
A concessão do benefício ocorreu por meio da criação do Fundo de Assistência Rural (Funrural), o qual proporcionou a ampliação de benefícios previdenciários e serviços médicos aos trabalhadores rurais. Cumpre ressaltar que, na década de 1970, apesar de o êxodo rural ter contribuído com a redução do número de trabalhadores rurais ativos no campo, estes ainda representavam quase a metade dos trabalhadores ativos no país.
8. CONSTRUÇÃO E A (DES)CONSTRUÇÃO DO SISTEMA DE PROTEÇÃO SOCIAL PREVIDENCIÁRIO DOS AGRICULTORES FAMILIARES
Na década de 1980 a sociedade brasileira enfrentava uma intensa crise econômica, além de vivenciar a repressão devido à vigência do Regime Militar no País. Em razão do quadro estrutural, aumentava-se a pressão dos movimentos sociais pelo fim do governo autoritário.
A conjuntura econômica já se demarcava pela inflação, dívida pública acentuada, mas a sociedade emergiu com força inaudita dos porões da repressão com manifestações de rua, formação de comitês, articulação de organismos, estruturação de abaixo-assinados, organização de lobbies. Apareceram as vozes de mulheres, índios, negros, além de empresários, setores específicos de empresas, ruralistas, evangélicos na disputa por seus interesses na Assembléia Nacional Constituinte [...] (FALEIROS, 2009, p. 204).
Frente a este quadro conjuntural, nasce o sistema de proteção social brasileiro, o qual, para Silva (2012, p. 273-274), “[...] além de uma conquista significativa dos movimentos organizados da sociedade, impôs uma nova lógica para presidir a proteção social no país, a lógica da universalização do acesso aos direitos relativos à saúde, à previdência social e a assistência social [...]”. Aquele trouxe a garantia de direitos sociais à população, na perspectiva de universalização ao direito de acesso à política de saúde e, um sistema de seguro social contributivo que proporcionou aos indivíduos que contribuíssem com a previdência social, o acesso à previdência social, propiciando, assim, benefícios sociais de cobertura na velhice, em caso de doenças, entre outros, e o direito ao acesso à política de assistência social aos indivíduos em situação de vulnerabilidade social.
Sucederam outras importantes modificações no sistema de proteção social com a promulgação da Constituição Federal em 1988, como:
[...] a equidade na participação do custeio da seguridade social, reforçada pela introdução do parágrafo 8º do art. 195 da Constituição Federal, estimulou consideravelmente a cobertura previdenciária na área rural, o que justifica parcialmente o crescimento do número de segurados contribuintes individuais, em particular os trabalhadores rurais que trabalhavam em regime de economia familiar, nos termos do parágrafo supramencionado – os meeiros, parceiros, arrendatários, garimpeiros e outros trabalhadores similares -, nesta década de 1980, ainda que o crescimento maior da cobertura a esse grupo populacional tenha ocorrido na década de 1990 [...] (SILVA, 2012, p. 275-276).
Para a Silva (2012) os trabalhadores do setor agrário, como os agricultores familiares rurais entre outros, obtiveram a ampliação de acesso à previdência social com a inclusão das mulheres trabalhadoras, desde que essas contribuíssem com o custeio da previdência social.
Para a autora (2012), a Lei n. 8.212 de julho de 1991, art. 12, inciso VII, e art. 195, § 8º da Constituição Federal propiciaram aos trabalhadores rurais que executavam atividades laborativas em regime de economia familiar na condição de proprietário de lote de terra e\ou na situação de meeiro, de parceiro, de arrendatário rural e de pescador artesanal e seus cônjuges, o direito de acesso à previdência social. Esse grupo de trabalhador passou a ser considerado segurado especial no regime geral da previdência social.
No entanto, Mota (2015, p. 164), observa que, em virtude da consequência do avanço da ideologia neoliberal e da crise econômica enfrentada pelo País nas décadas de 1980 e 1990 essas serviram de argumento ao governo, para priorizar a política econômica visando atender as exigências do capital.
Com a justificativa da crise econômica, foi estabelecido na década de 1990, um programa de reforma da seguridade social. Neste momento, inicia-se o processo de desmonte dos direitos sociais estabelecidos na referida Constituição, em relação a seguridade social, “[...] por parte do grande capital e da burocracia estatal, que procura negar aquelas conquistas obtidas, sob a alegação da necessidade de adequação do modelo de seguridade social às atuais reformas econômicas do país” (MOTA, 2015, p. 164). As reformas econômicas vieram prejudicar e reduzir a cobertura do sistema de proteção social, dificultando a implementação de acordo com os princípios constitucionais.
Para Silva (2012), os princípios de orientação democrática e de universalidade de cobertura, de atendimento e, de custeio da seguridade social sofreu retrocesso em função da supremacia da política econômica encaminhar-se para o capital financeiro. A divisão do orçamento único e, da gestão administrativa por área da seguridade social, em razão das mudanças constitucionais nas décadas de 1990 e 2000 ocasionou o recuo de direitos relacionados à previdência social, bem como a expansão dos planos privados de previdência social e saúde. A criação do Fundo do Regime Geral da Previdência Social (FRGPS) sucedeu em razão da criação da Lei Complementar n. 101, de 4 de maio de 2000, conhecida como a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que em seu artigo 68, refuta o significado de seguridade social, ao atribuir ao FRGPS a responsabilidade em fornecer recursos para o pagamento de benefícios, menosprezando o orçamento único da seguridade social estabelecido na carta magna de 1988.
Ainda de acordo com Silva (2012), o governo criou instrumentos na década de 1990, que desviava recursos financeiros da seguridade social, para saldar os juros da dívida externa contraída pelo Estado.
A referida autora (2012, p. 192-193) ressalta ainda que “[...] o governo federal fala em déficit da previdência social, enquanto a Associação dos Auditores-Fiscais da Receita Federal – Anfip se refere a superávit de seguridade social. Ou seja, para o governo o objeto de análise é RGPS, isolado das demais políticas de seguridade social [...]”. Para a Anfip, o governo federal em suas análises, desconsidera o sistema de proteção social composto por três políticas sociais, a política de saúde, a política de assistência social e a política de previdência social, que juntas formam o sistema de proteção social que promove a cidadania e um padrão de vida satisfatório. Deste modo, desvincula-se a política de previdência social do sistema de seguridade social e, analisa apenas o regime geral da previdência social, alegando que as despesas são maiores que a arrecadação previdenciária.
Entre as justificativas do governo para que ocorram os desvios de recursos financeiros da seguridade social encontram-se alguns fenômenos externos e internos, como por exemplo: a crise financeira internacional de 2008 e a crise nacional instaurada no país a partir de 2014, bem como, o envio a discussão da PEC 287 de 2016, ao Congresso Nacional referente a promoção de reforma na previdência social.
O fator externo que influenciou a proposta de reforma da previdência social sobreveio em razão da crise econômica internacional, ocorrida nos Estados Unidos da América e na Europa em 2008, denominada como a crise imobiliária, que ocasionou a falência de algumas instituições pertencentes ao sistema financeiro mundial, sendo considerada a segunda maior crise econômica internacional desde a Grande Depressão de 1929.
De acordo com Puty, (2017, p. 8) o reflexo da crise financeira internacional ocasionou sequelas na economia Brasileira, como por exemplo: o quadro de recessão na economia brasileira, que iniciou no ano de 2014, e permanece nos dias atuais, com a redução no índice de crescimento da macroeconomia e do desemprego estrutural. Porém, ao voltar-se a compreensão da crise brasileira, devem-se considerar fatos inerentes ao contexto histórico, tais como: as eleições presidenciais de 2014; reeleição da presidente Dilma Rousseff; o impeachment presidencial em 31 de agosto de 2016, o qual interrompeu o ciclo de permanência do partido dos trabalhadores no poder (2003-2016), e a operação de investigação de combate a corrupção no país, denominada como a “operação lava jato” instaurada em 17 de março de 2014, que investigou a corrupção no país. Devido os fatos elencados e, juntamente com o reflexo da crise financeira internacional, agravou-se o quadro de recessão e o índice do desemprego estrutural.
De acordo com o autor Barboza Filho (2017), o vice-presidente Michel Temer ao assumir a presidência da República após o Impeachment de Dilma Rousseff, adotou algumas estratégias na tentativa de superação da crise econômica e política, formalmente estabelecida no país, desde os anos de 2014, com o pressuposto da retomada do crescimento da economia. “A aprovação da PEC do teto dos gastos, combinada com o envio da reforma da previdência, marca o início da solução da crise de sustentabilidade da dívida [...]” (p. 51).
Para a Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura - CONTAG, Federação dos Trabalhadores na Agricultura - FETAGs e Sindicato dos Trabalhadores Rurais - STTRs (2016, p. 31) a mais relevante conquista dos trabalhadores brasileiros foi o sistema de seguridade social, que se encontrava ameaçado pela ofensiva do governo de implementar a reforma previdenciária. O programa do então governo almejava realizar reformas no sistema de proteção social brasileiro, conquistado pela nação e, se, “[...] forem realizadas reformas na previdência social que restrinja ou suprima direitos dos trabalhadores e trabalhadoras. Não bastam desonerações e DRU a suprimir os recursos que deveriam ser de propriedade da Seguridade? [...]” (CONTAG; FETAGs; STTRs, 2016, p. 31). Na época, o argumento do governo era de que as finanças da previdência social apresentava um quadro de déficit fazendo-se necessária tal reforma previdenciária.
De acordo com a Anfip (2017), os dados de déficitna previdência social, apresentados e divulgados pelo governo não correspondia com a realidade das finanças da seguridade social. Para a referida associação (2017), os dados apresentados e divulgados sobre o déficit na previdência social são inverídicos e servem unicamente para causar temor na população trabalhadora brasileira, seja aos trabalhadores urbanos, ou seja, aos trabalhadores rurais, os quais conquistaram os direitos previdenciários recentemente, ocasionando apreensão e temor com a Proposta de Emenda à Constituição – PEC 287 de 2016.
De acordo com a Anfip (2017) a Proposta de Emenda à Constituição - PEC – 287 de 2016, enviada pelo governo, com o pressuposto de reformar a Previdência Social, apresentava diversas propostas de desconstrução dos direitos dos trabalhadores, inclusive aos dos trabalhadores rurais. “[...] Desde a CF-88, esse segmento contribui proporcionalmente à receita da comercialização de sua produção, e a aposentadoria é concedida pela comprovação da atividade rural por, no mínimo 15 anos, aos de 60 ou 55 anos de idade [...]” (p. 82).
A PEC-287 de 2016, visava aumentar a idade de acesso do trabalhador rural ao benefício previdenciário por idade, equiparando-se a dos trabalhadores urbanos de 65 anos, independente do sexo. “[...] Esse modelo contributivo não se coaduna com os regimes de safra e sazonalidade da produção rural, que dificultam a regularidade de contribuições monetárias [...]” (ANFIP, 2017, p. 82). O custeio passaria a ser mediante contribuição mensal, além da alíquota de 2,1% sobre a comercialização dos produtos.
Caso os agricultores familiares rurais pertencentes ao grupo de segurados especiais tivessem que contribuir mensalmente com a previdência social, os mesmos encontrariam dificuldades de efetuar a contribuição, em virtude, de possuírem recursos financeiros somente nos períodos de colheita da safra agrícola e, no momento da realização da comercialização da mesma, caso não haja intempéries climáticas, que prejudique a produção agrícola (ANFIP, 2017, p. 82).
A desconstrução dos direitos previdenciários dos trabalhadores rurais, conforme a PEC 287 de 2016 desconsiderava o princípio de equidade Constitucional, estabelecido no sistema de proteção social que reconheceu as particularidades existentes entre os trabalhadores urbanos e rurais e, concedeu tratamento diferenciado conforme as particularidades e/ou singularidades apresentadas pelos trabalhadores rurais, como forma de reconhecimento das injustiças sociais historicamente construídas (PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO, 2017).
Em consequência do avanço da nova onda de desconstrução dos direitos previdenciários, principalmente os voltados aos agricultores familiares ocorreu o “[...] renascimento que presenciamos, com os movimentos organizados em constante mobilização e com vozes sociais diversificadas ecoando cada vez mais forte, precisa continuar [...]” (ANFIP, 2018, p.3), e continuaram, o som de vozes, o brado, principalmente, voltado a permanência dos direitos previdenciários rurais conquistados com a Constituição Federal de 1988.
Posteriormente ao pleito das eleições de 2018, ocorreu a promulgação da Emenda Constitucional n.º103, de 12 de novembro de 2019, em quealterou o sistema de previdência social e, estabeleceu regras de transição e disposições transitórias. A referida Emenda Constitucional endureceu as regras de acesso aos benefícios previdenciários de diversas categorias sociais. Todavia, os direitos previdenciários dos agricultores familiares em regime de economia familiar não foram alvo de qualquer alteração, tanto a relacionada a particularidade voltada a forma de contribuição com o seguro social que ocorre de modo sazonal, quanto a referente a faixa etária estipulada ao acesso a aposentadoria por idade dos trabalhadores rurais de para ambos os sexos.
Conclusiones:
A construção dos direitos previdenciários da classe trabalhadora sucedeu na década de 1920, em consequência de intensas lutas e reivindicações sociais, contudo, os direitos previdenciários sobrevieram de modo seletivo abarcando algumas categorias de trabalhadores urbanos do setor de agroexportação. Os trabalhadores rurais apesar de serem reconhecidos pela força de trabalho essencial para a economia, e responsáveis pela produção diversificada de produtos alimentícios de qualidade, indispensáveis para a manutenção da força de trabalho urbana e rural permaneceram desprotegidos.
A exclusão do trabalhador rural ao direito previdenciário manteve-se por várias décadas até o golpe civil militar de 1964. Em consequência ao apoio à legitimação ao governo militar (1964-1985) realizado pelas oligarquias políticas em 1971, o governo autoritário concedeu aos trabalhadores rurais, por meio da lei complementar n.º 11, os primeiros direitos previdenciários destinados ao arrimo de família no valor de meio salário mínimo.
Em consequência de lutas e reivindicações de vários segmentos da classe trabalhadora na década de 1980, e a participação ativa da mesma, no envio de propostas para a construção do sistema de proteção social constituído pela política de assistência social, saúde e previdência social, algumas de suas propostas foram acolhidas e posteriormente promulgadas na Constituição Federal de 1988, propiciando a equidade e a equiparação dos direitos previdenciários aos trabalhadores rurais, independente de sexo. A política de previdência social rural implantada no final do século XX representa a maior conquista social na contemporaneidade voltada ao setor rural.
Concomitante a conquista da seguridade social sucedeu uma ofensiva de desconstrução dos direitos, em consequência do avanço da ideologia neoliberal e da crise econômica vivenciada no país. Ambas, serviram de argumento para a elaboração de políticas governamentais de desconstrução dos direitos sociais ao longo do tempo, sobretudo os previdenciários.
Por meio de mecanismos criados pelo governo, como: a divisão do orçamento único da seguridade social e, a gestão dos recursos financeiros de modo separado em fundos, por exemplo, o fundo do regime geral da previdência social - FRGPS, bem como, o desvio de percentual dos recursos financeiros proveniente da política de previdenciária, tornaram as normas e os critérios ao acesso ao benefício previdenciário mais rígido, principalmente aos trabalhadores rurais.
A crise econômica instaurada no país a partir de 2014, proveniente de fatores externos e internos, bem como, o quadro de recessão na economia brasileira, o desemprego estrutural e os baixos índices de desenvolvimento econômico, fundamentaram a alegação do governo Temer para a necessidade de se realizar reformas no país, dentre elas, a reforma previdenciária, por meio da PEC 287 de 2016. Na época, o principal argumento apresentado por parte do governo foi o suposto déficit na previdência social, no entanto, especialista na área, bem como instituições conceituadas como a Anfip, afirmaram haver superávit constante na seguridade social, mesmo com os desvios de recursos financeiros da política de previdência social.
Frente a este cenário, a manifestação de entidades civis e da sociedade em geral contribuiu para que o Congresso Nacional não acatasse a PEC - 287 de desconstrução voltada aos agricultores familiares. Ressalta-se que a manifestação da sociedade é de extremada relevância na luta contra a futuras investidas de desconstrução dos direitos sociais previdenciários dos trabalhadores urbanos e rurais, caso ocorra uma nova retomada da reforma da previdência social.
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Palabras clave:
Política Previdenciária, agricultor familiar, investida de desconstrução.