Resumen de la Ponencia:
Este trabalho apresenta resultados de observações em trabalhos de campo realizados junto a agentes sociais, que atuam no Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia - PNCSA, entre 2015 e 2019. Parte de uma série de indagações, reforçadas em momentos de pandemias, quando descortinam-se os horrores de tragédias enunciadas repetidamente, em narrativas de mulheres sobre os efeitos dos megaempreendimentos e das agroestratégias (ALMEIDA, 2010; 2016) na Amazônia, sobretudo, em áreas ocupadas por povos e comunidades tradicionais. Sempre que se fala em “efeitos” de megaempreendimentos, há uma tendência a se privilegiar aspectos mais tangíveis e mais rápidos de serem identificados, como as questões vinculadas ao desmatamento, imobilização da força de trabalho, deslocamentos de membros das famílias para outras áreas ou regiões e a transitividade para outras atividades econômicas, como forma de garantir a permanência dos grupos familiares em seus territórios. A prioridade dada a esses aspectos coloca na sublinariedade outros que possivelmente estão no campo subjetivo e que só aparecem ou vêm à tona em narrativas construídas por mulheres. Isso tem a ver com a propriedade de fala de quem narra, no dizer de Foucault (1997) e ou com o lugar de fala, se seguirmos a inspiração de Ribeiro (2017) e com o modo de percepção da realidade apreendido por elas. As mulheres, autoras dessas narrativas, costumam acionar múltiplas identidades nos eventos e entrevistas como: quebradeiras de coco babaçu, negras, quilombolas, sindicalistas, assentadas. Um olhar mais acurado sobre essas narrativas - algumas já compiladas em livros de suas próprias autorias (OLIVEIRA, 2017; AIRES, 2016; SANTOS, 2019; AMÉLIA, 2016 e SILVA NETA, 2018) - nos alertou para um debate que se apresenta nas entrelinhas dessas memórias construídas. Tratam-se de mulheres, cujos grupos familiares secularmente tentam manter seus modos de viver, cotidianamente confrontado com o imaginário social (TAYLOR, 2010) de desenvolvimento tecido nas sociedades industriais do Ocidente. Elas ocupam papel de liderança em seus grupos e ou comunidades e que transitam, também, no campo da mediação, quer como coordenadoras de movimentos sociais de abrangência regional, quer como representantes de movimento sindical, quer como coordenadoras de organizações de caráter mais local. Refletimos sobre a percepção das mulheres que vivem na região ecológica dos babaçuais - que abrange os estados do Maranhão, Pará, Piauí e Tocantins, regiões Nordeste e Norte do Brasil, com tipos de economias específicas - sobre os projetos econômicos implantados na Amazônia e seus efeitos sobre modos de vida seculares devido à devastação de florestas e palmeiras e uso de agrotóxicos. Tragédias e esperanças mesclam-se no imaginário de desenvolvimento dessas mulheres, na construção de uma memória coletiva das lutas sociais na Amazônia.
Introducción:
Este trabalho apresenta resultados de observações em trabalhos de campo realizados junto a agentes sociais, que atuam no Projeto Nova Cartografia Social da Amazônia - PNCSA, entre 2015 e 2019. Parte de uma série de indagações, reforçadas em momentos de pandemias, quando descortinam-se os horrores de tragédias enunciadas repetidamente, em narrativas de mulheres sobre os efeitos dos megaempreendimentos e das agroestratégias[1] (Almeida, 2010; 2016) na Amazônia, sobretudo, em áreas ocupadas por povos e comunidades tradicionais.
Sempre que se fala em “efeitos” de megaempreendimentos, há uma tendência a se privilegiar aspectos mais tangíveis e mais rápidos de serem identificados, como as questões vinculadas ao desmatamento, imobilização da força de trabalho, deslocamentos de membros das famílias para outras áreas ou regiões e a transitividade para outras atividades econômicas, como forma de garantir a permanência dos grupos familiares em seus territórios.
A prioridade dada a esses aspectos coloca na sublinariedade outros que possivelmente estão no campo subjetivo e que só aparecem ou vêm à tona em narrativas construídas por mulheres. Isso tem a ver com a propriedade de fala de quem narra, no dizer de Foucault (1997) e ou com o lugar de fala, se seguirmos a inspiração de Ribeiro (2017) e com o modo de percepção da realidade apreendido por elas. As mulheres, autoras dessas narrativas, costumam acionar múltiplas identidades nos eventos e entrevistas como: quebradeiras de coco babaçu, negras, quilombolas, sindicalistas, assentadas. Um olhar mais acurado sobre essas narrativas - algumas já compiladas em livros de suas próprias autorias (Oliveira, 2017; Aires, 2016; Santos, 2019; Amélia, 2016 e Silva Neta, 2018) - nos alertou para um debate que se apresenta nas entrelinhas dessas memórias construídas.
Trata-se de mulheres, cujos grupos familiares secularmente tentam manter seus modos de viver, cotidianamente confrontado com o imaginário social[2] (Taylor, 2010) de desenvolvimento tecido nas sociedades industriais do Ocidente. Elas ocupam papel de liderança em seus grupos e ou comunidades e que transitam, também, no campo da mediação, quer como coordenadoras de movimentos sociais de abrangência regional, quer como representantes de movimento sindical, quer como coordenadoras de organizações de caráter mais local.
Refletimos sobre a percepção das mulheres que vivem na região ecológica dos babaçuais - que abrange os estados do Maranhão, Pará, Piauí e Tocantins, regiões Nordeste e Norte do Brasil, com tipos de economias específicas - sobre os projetos econômicos implantados na Amazônia e seus efeitos sobre modos de vida seculares devido à devastação de florestas e palmeiras e uso de agrotóxicos. Tragédias e esperanças mesclam-se no imaginário de desenvolvimento dessas mulheres, na construção de uma memória coletiva das lutas sociais na Amazônia. Alcançamos as percepções de mulheres que, nos seus enfrentamentos cotidianos, acionam múltiplas identidades e constroem diferentes mecanismos de defesa da vida.
[1] Uso o termo no sentido atribuído por Almeida (PROJETO BRASIL CENTRAL, 2016), que entende que as denominadas “agroestratégias” estão na ordem do dia das agências multilaterais e de conglomerados financeiros referidos às indústrias alimentícias. No quadro de uma propalada “crise do setor de alimentos” elas tem sido anunciadas com alarde e como uma medida salvacionista para resolver todos os problemas de abastecimento de gêneros alimentícios. Elas compreendem um conjunto heterogêneo de discursos, de mecanismos jurídico-formais e ações ditas empreendedoras. Abrangem tanto estudos de projeção, que tratam das oscilações de mercado e suas tendências, quanto de ajustes na carga tributária de produtos e insumos utilizados em produtos alimentares considerados básicos. Tais estudos versam também sobre medidas regulamentares e atos perpetrados por diferentes agências financeiras (bolsas de valores, fundos de investimentos, bancos) e por entidades representativas de grandes empreendimentos agropecuários. Abrangem ainda um conjunto de iniciativas para remover os obstáculos jurídicos à expansão do cultivo de graõs, notadamente a soja, e para incorporar novas extensões de terras aos interesses industriais, numa quadra de elevação geral do preço das commodities agrícolas. (Almeida, 2010:101,102). Cf. Almeida, A.W.B. de -”Agroestratégias e desterritorialização: direitos territoriais e étnicos na mira dos estrategistas dos agronegócios” in Acselrad, H. (org.) Capitalismo globalizado e recursos territoriais. Rio de Janeiro. Ed.Lamparina.2010 pp.101-143
[2]no modo habitual como as pessoas “imaginam” o seu ambiente social, e isto não se expressa, muitas vezes, em termos teóricos, mas apoia-se em imagens, narrativas e lendas (1), imaginário social é a sua partilha por largos grupos de pessoas, se não por toda a sociedade (2), o imaginário social é a compreensão comum que possibilita práticas comuns e um sentido de legitimidade amplamente partilhado (3) ( ) O imaginário social incorpora um sentido das expectações normais que temos uns dos outros, o tipo de compreensão comum que nos possibilita levar a cabo práticas colectivas que constituem a nossa vida social (Taylor, 2010, p.31-36)
Desarrollo:
2. Estratégias e constatações da pesquisa: entre tragédias e esperanças
As observações que balizam esse estudo foram condicionadas pelo desfecho do fenômeno da pandemia do coronavírus Covid 19, anunciado pela Organização Mundial de Saúde, em 31 de dezembro de 2019. Inicialmente, pela impossibilidade de realização de trabalho de campo, direcionamos a pesquisa para a consulta em fontes secundárias, via internet, leitura e interpretação de livros de autoria de mulheres quebradeiras de coco babaçu, de documentos e sites oficiais e dos megaempreendimentos, acompanhamento e realização de lives pelo Google Meet com lideranças dos movimentos sociais.
Buscávamos compreender a disputa que se apresenta no campo da construção de imaginários sociais sobre a ideia de “desenvolvimento”, via discursos oficiais e narrativas dos grupos afetados por esses megaempreendimentos. Outro interesse estaria na identificação e reflexão sobre a construção em curso de outras economias na região ecológica do babaçu e seu contraponto ao modelo “desenvolvimento” hegemônico, bem como sobre as estratégias da economia social e solidária assumidas por grupos de mulheres e a proposição de outros imaginários sociais de desenvolvimento. O estudo tem detectado a emergência de Outras economias[1], a partir da experiência de cooperativas lideradas por mulheres e a construção de laços de solidariedade e de defesa da vida.
Como estratégia de pesquisa, procuramos nos aproximar das experiências e vivências dos grupos de mulheres que acionam múltiplas identidades - entre elas: trabalhadoras rurais, quebradeiras de coco babaçu, quilombolas - conjugando suas lutas identitárias com uma economia específica, a economia do babaçu, que desde os anos de 1990 tem implicado a construção de redes de solidariedade, como um mecanismo de defesa da vida, numa imbricação constante entre dimensões econômicas, políticas e sociais e de sentimentos de esperanças em construção. E, por fim, quais seriam os saberes e imaginários sociais construídos por economias não capitalistas.
Nos pareceu interessante refletirmos, ainda, sobre as narrativas que enunciam tragédias que resultam da devastação e uso de agrotóxicos na região ecológica do babaçu, proporcionada pelo avanço do agronegócio que se firma por meio das monoculturas de soja, cana-de-açúcar, eucalipto. Nos questionamos sobre a relação entre a devastação na região causada, sobretudo, pelo uso de agrotóxicos e a pandemia. Quais seriam as tragédias que estariam se cruzando na região ecológica dos babaçuais?
Estudos têm apontado para o grave problema da devastação na Amazônia Brasileira
Entre 2017 e 2019, 733 km 2 de florestas primárias foram derrubadas na região amazônica do estado do Maranhão (INPE, 2019a), diminuindo a cobertura florestal original de 25% (24.700 km 2 ) em 2016 (Celentano et al., 2017) para 24% (23.967 km 2 , Fig. 1) em 2019. Em 2019, pelo menos 25% (6.038 km 2 ) das florestas remanescentes foram degradadas por incêndios florestais e/ou extração ilegal de madeira ocorridos entre 2007 e 2019 ( INPE, 2019a,b,c). Nas áreas legalmente protegidas, a degradação florestal representou 37 % da Conservação[2]
Recentemente, o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) divulgou que o desmatamento no cerrado cresceu 20 por cento em 2022. O Maranhão foi apontado como o estado brasileiro que mais desmata, com destaque para os municípios localizados ao sul do estado. Associado a esse problema, de acordo com estudos de pesquisadores da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), enquanto no mundo inteiro, são usados anualmente 2,5 milhões de toneladas de agrotóxicos, no Brasil, o uso anual supera 300 mil toneladas de produtos comerciais (Spadotto e Gomes, 2021)[3]
O estudo mais específico sobre a devastação provocada pelo uso de agrotóxicos, bem como do debate existente sobre a legislação vigente no Brasil tem revelado aspectos da luta em defesa da vida, como, por exemplo, a disputa que se apresenta no campo da construção de imaginários sociais sobre agronegócio, tão positivado em discursos oficiais e midiáticos.
Constatou-se que ao discutir a análise das representações do discurso no imaginário sobre as concepções de "desenvolvimento " há uma relação com a defesa da vida. Os Megaempreendimentos nas narrativas das mulheres apresentam uma especificidade ao tratar das contradições vivenciadas nas cidades e comunidades com a instalação desses projetos. São questões que envolvem a produção local nas suas formas organizativas que exigem também consumo responsável. Todas essas reflexões implicam ações que estão diretamente ligadas à conquista da qualidade de vida das mulheres, enquanto agentes sociais dessas lutas por garantia de direitos na erradicação da pobreza.
A “região ecológica do babaçu”, aqui denominada, segue a nova cartografia social realizada em 2015, que identificou uma área de ocorrência da palmeira do babaçu correspondente a 26 milhões de hectares[4], abrangendo partes dos estados do Maranhão, Pará, Piauí e Tocantins, onde centenas de famílias têm garantido a existência, por meio de uma economia específica, baseada nas múltiplas formas de uso da palmeira, associada a outras práticas agroextrativistas e a tipos de comércio que envolvem acesso a programas governamentais, políticas públicas e redes de comercialização locais, nacionais e internacionais.
Há mais de 20 anos, estudos acadêmicos têm apontado para o acelerado processo de devastação, que afeta essa região disputada por grandes empreendimentos atraídos pelo Programa Grande Carajás, iniciado em 1986, com incentivos fiscais e creditícios para projetos agrícolas, agroindustriais e implantação de infraestrutura (transporte e energia), para o processamento de minérios, agropecuária, exploração madeireira. Atualmente, acrescentam-se a esses os investimentos no agronegócio, com as monoculturas de eucalipto para a produção de celulose e de cana-de-açúcar para a produção combustível e açúcar.
O processo predatório, assim caracterizado por Almeida (2005, p. 27), implica relações sociais de conflitos, que resultam da devastação ambiental de grandes áreas, derrubada de babaçuais, desmatamentos das florestas ombrófilas e a contaminação das bacias dos principais rios do Estado, com o uso de agrotóxicos (pesticidas e inseticidas) e de adubos químicos e a consequente desertificação dos solos. Em suas narrativas, as mulheres frequentemente detalham os efeitos desses processos de devastação e do envenenamento praticado nas monoculturas (soja, eucalipto, arroz, milho e cana de açúcar).
O pensamento “desenvolvimentista” oficial que se alimenta de um imaginário que positiva a devastação provocada por megaempreendimentos, a ponto de associar o agronegócio à vida vem sendo confrontado com as narrativas de mulheres que têm ocupado o papel de lideranças de movimentos sociais em suas lutas em defesa da vida.
Charles Taylor (2010, p.11) no seu questionamento sobre a possibilidade de falar-se em “múltiplas modernidades”, considerando que “outras culturas não ocidentais foram modernizadas à sua maneira”, sendo inadequado o seu entendimento se tentarmos apreendê-las dentro de uma teoria geral que tenha o Ocidente como referência. Para este autor, hoje existem múltiplas modernidades que “hão-de-entender-se sob o ponto de vista dos divergentes imaginários sociais implicados”. No centro da modernidade ocidental, uma nova concepção de ordem moral da sociedade começou apenas como uma ideia nas mentes de alguns pensadores influentes, se configurando, posteriormente o imaginário social de amplos estratos e, depois, de sociedades inteiras.
Avaliamos que na região ecológica dos babaçuais, a criação de elementos simbólicos ligados aos seus projetos institucionais faz parte das estratégias de grandes empreendimentos. Tais estratégias resultam na construção de um imaginário que poderíamos classificar como organizado e estratégico, incluindo um conjunto de elementos, linguagens e símbolos voltados para determinados grupos, embora sem o seu conhecimento, na tentativa de aproximar os povos e grupos locais dos interesses industriais.
Percebemos que há uma pretensão dessas estratégias empresariais, de resolver alguns dos conflitos através de símbolos. Utilizam o mais fundamental dentre eles, que é a linguagem que podemos compartilhar com os outros, ou seja, uma resolução de problemas que se dá não por meio de relações de forças, mas a partir do reconhecimento de uma lei comum que respeita o outro, que reconhece em cada um a sua existência e as suas possibilidades ou, ainda, que a lei comum reconhece cada um como parte de um todo. As abordagens imaginárias, culturais e simbólicas dos megaprojetos são pensadas estrategicamente sempre seguidas de um discurso, na medida em que reconhecem a importância do papel dos valores, da linguagem, princípios, dos desejos e projetos a realizar naquilo que as pessoas creem mutuamente. A fala da liderança das quebradeiras de coco da região sul do Maranhão-Brasil, sobre a atuação da empresa de produção de celulose Suzano S.A., durante a pandemia da Covid 19, expressa aspectos das agroestratégias adotadas na região:
(...) eles se tornaram quase um papai noel, todos os grupos que estavam o prefeito, o vereador, até o próprio governador. Eles se tornaram, assim um acode, “acode aqui, lá tem que colaborar com isso aqui, têm que ajudar nisso daqui, vamo ajudar nos hospitais da campanha aqui” e a empresa se tornou um papai noel. Pra mim isso foi um desastre. O quanto a gente combate, o quando a gente acha que foi um grupo que veio para detonar com a qualidade de vida do nosso povo, de repente eles se acharam um grupo que tava colaborando com a qualidade de vida do nosso povo...isso pra mim foi uma facada muito feia? e nós não tivemos, até agora, como fazer muita coisa para tirar essa imagem que as empresas estavam se tornando os “papai noel” da vida. (...) E pelo outro lado dos impactos, pra mim isso aí foi um impacto muito sério, né? e como os outros impactos que impactaram e impactam a vida das pessoas, eles continuam muito arrogantes. Os caminhões foram uma das coisas que a epidemia não mexeu, foi com a carregada de madeira, uma das coisas que a epidemia não se abalou (Maria Querobina da Silva Neta, liderança das quebradeiras de coco babaçu do município de Imperatriz, sul do Maranhão-Brasil, 2018).
Estratégias de marketing social, associadas às estratégias de propaganda nos meios de comunicação comerciais vinculando a imagem do agronegócio à ideia de progresso, de qualidade de vida – “Agro é vida” - desafiam os movimentos sociais na construção de um contradiscurso capaz de revelar ao mundo os efeitos socioambientais, políticos e culturais do predominantes na região ecológica dos babaçuais.
Palmeira é vida. Deixa em pé, deixa viver. O agronegócio vai tirar o sustento das pessoas. O que eles estão plantando não vai chegar para nós, vai para os Estados Unidos, vai para caixa prego. E não somos nós que vamos trabalhar naquelas terras. Esse agronegócio é a peste que vem arrasar com tudo. (Chica Lera, 2019, p. 83).
Como ressalta a liderança das quebradeiras de coco do estado do Piauí-Ma, Chica Lera, o investimento das empresas na construção de determinados símbolos, porém não impediu a intensificação do debate em torno de modelos econômicos hegemônicos, baseados na imposição de padrões de consumo, inclusive alimentar e, sobretudo, sobre o uso de agrotóxicos e o envenenamento de plantios, rios, animais e as pessoas, durante o período de pandemia.
Ainda persistindo na questão de Escobar, indagou-se como esses grupos e comunidades afetados pelos megaempreendimentos na região ecológica dos babaçuais se organizam na defesa da vida, considerando as tragédias enunciadas em suas narrativas, resultado do comprometimento da qualidade de vida, em função dos processos de devastação impostos à região (Almeida et al, 2005, p. 27), agravadas com a pandemia.
Buscamos compreender a complexidade das tragédias modernas (Williams, 2002) e, ao mesmo tempo, aprender mais sobre as emoções positivas, como as esperanças, enunciadas nas narrativas dessas mulheres nos diferentes espaços de comunicação, que possam estar na base da construção de um contrapoder (Castels, 2013, p. 18), e que orientam a atuação em defesa da vida.
A partir da experiência vivenciada pelos grupos de mulheres organizadas em associações, cooperativas e redes de comercialização, a exemplo da Cooperativa Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu e da Rede de Cerrados, percebemos a heterogeneidade das estratégias de resistência dos movimentos sociais face às tragédias enunciadas. Esses movimentos propõem um tipo específico de economia que lida com a sustentabilidade do sistema. Por meio do aproveitamento integral do babaçu, essas mulheres garantem suas moradias e obtêm renda com produtos de artesanato, produtos alimentícios, ração para animais, produtos cosméticos, tipos sustentáveis de combustível.
(...) tem gente que não entende a história do negro, primeirariqueza do mundo é a terra, porque se nós não tiver demarcação,titulação das terras, não tem nada… tem agricultor, pescadoratingido por esse linhão. Hoje, o que acontece? O que vairesultar? nada. Então, o projeto do Movimento negro é isso aqui: éa terra para eles. Na empresa, não é considerada a terra. E ondefoi feito o linhão, ninguém passa lá… não teve um debate com omovimento negro, foi uma coisa individual (...) Em 2002, essacomunidade tinha 70 famílias e, hoje, tem 560, porque ondeforam despejados… não é à toa que estamos brigando por umareserva, por um assentamento. A pior coisa é não ter onde morar.(Aires, 2016, p. 34
Outro aspecto ressaltado pela liderança quebradeira de coco Nice Aires, do município de Penalva-Maranhão, é a vinculação entre essas lutas que se apresentam no plano da economia com as lutas por território, o que demonstra o caráter multidimensional das lutas dessas mulheres. Ao propor Outra economia, elas estão construindo outros laços de solidariedade que conjuga preocupações ambientais, econômicas, de gênero, interesses das gerações mais novas, formas de produzir e de consumir, exigindo, portanto, um repensar constante sobre a ideia de desenvolvimento em disputa.
[1] Uso o termo numa aproximação com o que Wright (2019, p.106) classifica como “economia popular”, “economia solidária”, ou economias não capitalistas, e é possível que a economia do babaçu se enquadre nessas experiências.
[2] Silva Junior, Celso HL; Celentano, Danielle; Rousseau, Guillaume X, Moura, Emanoel Gomes de, Varga, István van Deursen; Martinez Carlos; Martins, Marlúcia B. Floresta Amazônica à beira do colapso no estado do Maranhão, Brasil. In: Política de Uso da Terra. Volume 97, setembro de 2020. https://www.sciencedirect.com/science/article/abs/pii/S0264837720301071?via%3Dihub. Consulta em 18/01/2023.
[3]Spadotto, Claudio Aparecido; Gomes, Marco Antonio Ferreira. Agrotóxicos no Brasil. In: https://www.embrapa.br/agencia-de-informacao-tecnologica/tematicas/agricultura-e-meio-ambiente/qualidade/dinamica/agrotoxicos-no-brasil#:~:text=Anualmente%20s%C3%A3o%20usados%20no%20mundo,mil%20toneladas%20de%20produtos%20comerciais. Consulta: 18/12/22
[4]MAPA BABAÇU ATUALIZADO (2).pdf
Conclusiones:
3. Conclusões: resistência pelos saberes
As lutas sociais na região ecológica do babaçu perpassam as disputas por imaginários sociais de modos de vida. Assim como na Colombia e em outras partes do planeta essas mulheres defendem suas vidas, territórios e culturas com projetos econômicos que não se separam da arte, criatividade, emoção e imaginação, de suas lutas sociais, identitárias que alimentam redes de solidariedade capazes de enfrentar epidemias. Suas vivências nos ajudam a problematizar concepções de “desenvolvimento” que respaldam a instalação de megaempreendimentos e suas agroestratégias em regiões, com as especificidades da região ecológica do babaçu. Tais concepções confrontam-se com as percepções de mulheres militantes que enfrentam, cotidianamente, os efeitos desses investimentos em suas vidas.
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MAPAS:
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Palabras clave:
imaginário social; desenvolvimento; mulheres; megaempreendimentos.