Resumen de la Ponencia:
O presente trabalho provém das investigações realizadas no Grupo de Pesquisa Ecofenomenologia, Ciência da Sustentabilidade e Direito, cadastrado no diretório de pesquisa do CPPQ/Brasil e, em particular das linhas de pesquisa: a) Educação Ambiental Crítica e Direitos da Natureza e b) Ecopolítica, Direitos emergentes e transições ecológicas justas. Trata das correlações entre ecofeminismo, direitos da natureza e justiça climática. Caracteriza-se como um ensaio teórico hipotético-dedutivo com revisão bibliográfica e mapeamento preliminar de litígios climáticos em nível internacional, tendo como base teórica-conceitual a contribuição do ecofeminismo e dos direitos da natureza para a realização da justiça climática. O trabalho aponta correlações entre crise ecológica e desigualdade de gênero através das diversas dimensões do ecofeminismo: distributiva, de representação, de reconhecimento, de capacidades e de participação. As injustiças e relações de poder e de dominação patriarcal que afetam as mulheres dialogam com os processos que afetam os entes não humanos que compõem ecossistemas e biomas. O predomínio da mentalidade androcêntrica contribui para o sistema global de injustiça climática revelada pelas inúmeras desigualdades geopolíticas. As conexões entre gênero e mudanças climáticas podem demonstrar vários aspectos, dentre os quais, a invisibilidade, a vulnerabilidade e o sagrado. Não ser considerada na construção de políticas públicas; na participação da tomada de decisões que afetem, direta ou indiretamente, sua saúde, seu trabalho e sua alimentação e outros direitos sociais e da natureza; bem como não ter as suas especificidades como mulher contemplada no âmbito democrático e de cidadania atinge a concretização da igualdade de gênero. As mudanças e emergências ecológicas e climáticas acentuam vulnerabilidades históricas relacionadas com gênero, raça e classe social. Desta forma, o aporte da interseccionalidade sobre as diversas realidades locais indica impactos sobre as mulheres nos processos históricos do colonialismo, do imperialismo e dos seus modelos de desenvolvimento. O modo de perceber a casa planetária sob o viés do cuidado e da atenção, geralmente, atribuído ao feminino também é um sentir pensar sobre as relações. Os fluxos de restauração da natureza passam pelo saber e pelas práticas do feminino. Portanto, tais aspectos se manifestam nas reivindicações por justiça climática em diversas partes do planeta através de ativismos, como protestos e litigância.
Introducción:
O trabalho aponta correlações entre crise ecológica e desigualdade de gênero através das diversas dimensões do ecofeminismo: distributiva, de representação, de reconhecimento, de capacidades e de participação. Caracteriza-se como um ensaio teórico hipotético-dedutivo com revisão bibliográfica, tendo como base teórica-conceitual a contribuição do ecofeminismo e dos direitos da natureza para a realização da justiça climática.
O ecofeminismo é uma perspectiva espiritual, sociocultural e política para entender as consequências do sistema patriarcal e econômico que opera no mundo. Emergiu em um momento no qual os estudos teóricos, movimentos e práticas políticas sobre ecologia e feminismo se uniram, especialmente a partir da década de 1960. Mulheres em muitas partes têm defendido seus territórios contra poluição, desmatamento, perda de biodiversidade, energia nuclear, mudanças climáticas etc.
As mulheres apresentam questões específicas por causa das mudanças climáticas e desastres ambientais que afetam profundamente sua saúde física e mental, incluindo a maternidade. No entanto, essa desigualdade não é algo inato, é causada pela posição de gênero e pelo patriarcado. Existem diferenças entre as mulheres do norte e do sul do globo. No norte, a maioria dos debates gira em torno do produtivismo e do consumo excessivo. O modo de vida e o bem-estar determinam a retirada de recursos, terras e direitos de outros para viabilizar esse processo. No sul, os direitos humanos básicos, como segurança alimentar, terras agrícolas produtivas, água potável, saneamento, meios de subsistência, estruturas urbanas e rurais são uma prioridade. A mudança climática aprofunda a discriminação e a pobreza, pressionando aqueles que são historicamente marginalizados.
Desarrollo:
Então, o que é um lugar feminista em um contexto social e ecológico? Há muitas histórias de problemas ambientais que afetam direta ou indiretamente as mulheres e suas comunidades. “Quando as mulheres e aqueles com quem se importam são desproporcionalmente afetados, ou são a maioria dos afetados - seja por câncer de mama, exposições tóxicas durante a gravidez e lactação, locais de trabalho tóxicos e de gênero ou a localização de indústrias poluentes - esses assuntos tornam-se questões feministas” (Gaard, 2017).
Decorrente da atuação de vários movimentos sociais, o termo ecofeminismo foi traçado em 1974 pela feminista francesa Françoise d´Eaubonne, conectando o feminismo ao amplo espectro das relações com a ecologia (SHIVA, MIES,1993, p. 24). Neste contexto, o ecofeminismo aponta interligações entre a dominação e a exploração da natureza com a questão de gênero. Em diversas partes do mundo, no pós-segunda guerra mundial, os efeitos do modelo econômico baseado no extrativismo desenfreado, no uso de agroquímicos, na destruição de florestas e no uso de combustíveis fósseis já revelava sinais de crise.
Os desastres ambientais e climáticos têm revelado uma face das desigualdades e injustiças que atingem mais desproporcionalmente as mulheres, as crianças e as comunidades pobres. As decisões políticas sobre o rumo de desenvolvimento dos países têm sido tomadas, historicamente, por homens, atuando em um sistema patriarcal, neocolonialista e capitalista, cujas consequências são sentidas, de modo desigual, na saúde e na vida de mulheres e jovens.
Quanto a saúde, o recente relatório Lancet Countdown on Health and Climate Change (2019) avaliou 41 indicadores-chave sobre o impacto das mudanças climáticas na saúde pública e aponta as consequências em curso sobre a saúde de crianças. O relatório trata de quatro áreas: vulnerabilidade a doenças transmitidas por mosquitos, carvão, poluição do ar e emissões dos setores da saúde (CRUZ, 2019).
As mulheres têm um papel político a desempenhar em defesa das suas especificidades e do cuidado com o planeta. Uma perspectiva ecofeminista, conforme destacam Shiva e Mies (1993, p. 15), necessita uma nova cosmologia reconhecendo que:
a vida na natureza (incluindo todos os seres humanos) mantém-se por meio da cooperação, cuidado e amor mútuos. Somente deste modo estaremos habilitados a respeitar e a preservar a diversidade de todas as formas de vida, bem como das suas expressões culturais, como fontes verdadeiras do nosso bem-estar e felicidade. Para alcançar este fim, as ecofeministas utilizam metáforas como “re-tecer” o mundo”, “curar as feridas”, re-ligar e interligar a “teia”.
Existem várias abordagens desenvolvidas a partir do ecofeminismo, dentre elas, destaca-se a espiritual e a político-cultural. Embora o termo espiritual possua diferentes significados, salienta-se a importância desta dimensão em contraposição ao materialismo histórico, ressaltando-o como um princípio de ligação com todas as coisas e seres. Está atrelado a percepções que vão além do meramente racional, evidenciando-se o aspecto sagrado da vida, numa visão holística das dimensões que compõem a existência. Está correlacionada com a cosmovisão da Terra como mãe; ou na visão andina, a Pachamama; e, na cosmologia rural indiana, a Prakriti, como o princípio feminino de tudo que se manifesta através da criatividade, da ação, da produtividade, da diversidade, da conectividade, da interrelação com todos os seres, da continuidade entre humanos e não humanos e do sagrado da vida na natureza (SHIVA, 1989, p. 40).
A abordagem político-cultural envolve vários processos de luta, reconhecimento, representação e participação em contextos diversos a partir do local onde os efeitos de destruição da natureza ocorrem. Aqui, encontram-se as discussões sobre as consequências do desenvolvimento imprimido pelas economias industrializadas do ocidente, cuja métrica é pautada por indicadores econômicos insuficientes para demonstrar a perda de natureza e o aumento da pobreza e das consequências decorrentes do colonialismo e neocolonialismo para a natureza e as mulheres dos países menos desenvolvidos. Conforme a argumentação de Federici:
a tentativa neoliberal de subordinar todas e cada uma das formas de vida e de conhecimento à lógica do mercado incrementou nossa consciência do perigo que é viver em um mundo no qual já não temos acesso aos mares, às árvores, aos animais e nem aos nossos semelhantes a não ser por meio do nexo econômico (FEDERICI, 2014, p. 146).
Evidenciam-se, pioneiramente, o pensamento e a ação ecofeminista de três mulheres que influenciaram gerações nos seus processos ecoativistas: Rachel Carson que alertou sobre os efeitos do uso de agrotóxicos sobre a saúde humana e a conservação das espécies, da água e da terra, dos sistemas que mantém e sustentam a vida nos Estados Unidos, através da pesquisa que resultou no livro Primavera Silenciosa, de 1962; Wangari Maathai, prêmio Nobel da paz, cuja atuação resultou em um amplo movimento de reflorestamento na África, chamado “The green belt movement” e Vandana Shiva, física e filósofa indiana, cujas pesquisa resultaram em obras fundamentais como “Staying Alive: women, ecology and development” e com Maria Mies, o livro “Ecofeminismo”, além de uma ampla atuação socio-ecoativista, como o Movimento Chipko na Índia, em 1973, em favor de mulheres camponesas.
O ecofeminismo se relaciona com a política da diferença e, transversalmente, com todas as chamadas ondas do feminismo, mas para o presente trabalho, o foco concentra-se na quarta onda. Em linhas gerais, a primeira onda (1848-1920) está associada a busca pela igualdade de gênero: direito ao voto, a educação, ao trabalho e dentro do casamento; a segunda (1960-80), ao aprofundamento das raízes da opressão: nas relações sexuais, na família e no trabalho; a terceira (1990-2012), desafia o racismo, sexismo e preconceito de classe, com foco no empoderamento das mulheres como indivíduos.
A interseccionalidade aponta como a interconexão de vários sistemas de opressão é importante para uma visão mais integral da realidade. Nesta leitura, ocorre o cruzamento de múltiplas opressões, entre as quais, gênero, raça e classe social. O termo interseccionalidade foi trazido pela professora norte-americana de Direito, Kimberlé Crenshaw, em 1989, em um ensaio chamado “Desmarginalizando a intersecção entre raça e sexo” e, posteriormente, em “Mapeando as margens” (1991) ela nos traz a perspectiva da interseccionalidade em três tipos: estrutural, política e representativa. Outras escritoras e ativistas feministas negras norte-americanas também desenvolveram este conceito em suas obras, como Angela Davis, Bell Hooks e Audre Lorde.
A interseccionalidade aponta como a interligação de vários sistemas de opressão são importantes para uma visão mais integral da realidade. Gaard (2017) reconhece as interseccionalidades da justiça climática e do ecofeminismo nomeando-as e identificando-as no campo de gênero, raça, classe, sexualidade, idade, habilidade, espécie e meio ambiente. Recentes abordagens sobre justiça ambiental e climática também apontam convergências e simultaneidades entre ecologia e feminismo.
Após 2012, o uso de tecnologias e mídias sociais como instrumento de informação, de mobilização e de lutas tem emergido como o que pode ser considerado uma nova quarta onda do feminismo. O feminismo digital tem facilitado a comunicação de diversos movimentos, no qual um dos meios de propagação nas redes sociais tem sido o chamado “ativismo hashtag” através do uso de palavras e frases de impacto que rapidamente se espalham e se agregam em torno das mesmas. Assim, informações, protestos, denuncias, campanhas, injustiças, violências etc. são compartilhadas em tempo real.
Mary Robinson (2021) em recente edição brasileira do seu livro “Justiça climática: esperança, resiliência e a luta por um futuro sustentável”, apresenta onze histórias em diversas partes do planeta sobre o enfrentamento da crise climática. Muitas destas narrativas são de jovens e mulheres que através das mudanças nos seus lugares de origem e moradia estão vivenciando situações de injustiça climática, atreladas aos processos históricos de pobreza, exclusão e desigualdades.
A superação do que Robinson (2021, p. 21-5) chama de “injustiça intergeracional da mudança climática” passa, necessariamente, pelo comportamento coletivo; pela governança, pela ciência e pela compaixão. E, neste processo, a militância das novas gerações é imprescindível: “os jovens estão tomando a frente, exigindo que medidas sejam colocadas em prática e envergonhando aqueles que têm idade para influenciar e promover mudanças nas políticas públicas (ROBINSON, 2021, p. 24).
As injustiças climáticas são reveladas pelas inúmeras desigualdades geopolíticas, dentre os quais:
* não ser considerada na construção de políticas públicas;
* na participação da tomada de decisões que afetem, direta ou indiretamente, sua saúde, seu trabalho e sua alimentação e outros direitos sociais e da natureza;
* não ter as suas especificidades como mulher contemplada no âmbito democrático e de cidadania.
A justiça ambiental e climática está relacionada a uma distribuição intra e intergeracional do acesso ambiental justo. As exclusões aprofundam a exposição a riscos ambientais e de saúde, poluição e presença industrial em comunidades carentes, quebra de infraestrutura, desinvestimento econômico público, subsistência vulnerável, baixo nível de qualidade escolar, desemprego constante e outras ausências e/ou baixa qualidade de serviços municipais como esgoto, coleta e destinação de lixo. A presença de um movimento global de justiça ambiental e ecofeminista em localidades rurais e urbanas pode ser encontrada em muitos países.
A partir dos diálogos entre movimentos ecossociais e acadêmicos, vários nomes surgiram para identificar a justiça ambiental, como: racismo ambiental, epidemiologia popular, ambientalismo dos pobres e indígenas, biopirataria, plantação de árvores não é floresta, dívida ecológica, justiça climática, soberania alimentar, grilagem de terras e justiça hídrica, entre outros. O Atlas de Justiça Ambiental (disponível em http://www.ejatlas.org) sistematiza vários movimentos (MARTINEZ-ALIER, 2016, p.3).
Os direitos da natureza em uma leitura ecofeminista caminha na direção da despatriarcalização, propondo mudanças feministas em direção ao cuidado e defesa da natureza e das comunidades, com base em valores interculturais de respeito, reciprocidade, convivência, complementaridade e outros modelos para promover uma transição justa. Neste sentido, enfrentar o patriarcado é essencial para refundar a política ecológica em todos os níveis da sociedade e da governança.
Conclusiones:
O clima é um tema que está na agenda política internacional desde os anos 70, conduzido pelas Nações Unidas, muitos acordos e Leis Climáticas foram construídos para regular a segurança climática no planeta. Este é um desafio transnacional porque tem implicações diretas no sistema econômico hegemônico.
Todas as ondas feministas e teorias, práticas e movimentos de justiça climática precisam trabalhar juntos para reforçar os caminhos transformadores para uma sociedade mais igualitária em nível planetário. Destacar que as mulheres são as mais afetadas pelas mudanças climáticas não é suficiente para avançar em uma direção não discriminatória. A complexidade das relações de poder aponta para uma profunda mudança na sociedade, incluindo a superação do trabalho de cuidar e do trabalho doméstico como atividades essencialmente femininas.
O sentir pensar sobre as relações e os fluxos de restauração da natureza passam pelo saber e pelas práticas do feminino. Tais aspectos se manifestam nas reivindicações por justiça climática em diversas partes do planeta através de ativismos, como protestos e litigância. As linhas de frente feministas da justiça climática e das soluções para as crises climáticas passam pela construção de sistemas em que as mulheres devem exercer protagonismos das teias relacionais da vida e da restauração planetária no caminho das transições criativas.
A construção de muitas visões de mundo ecofeministas baseadas na diversidade cultural e biológica de todas as formas de vida está em andamento. Os caminhos de um pluriverso se manifestaram nas economias solidárias, ecossistemas regenerativos, comunidades cooperativas, sistemas de partilha de bens e serviços, agricultura orgânica e sistemas agroflorestais, valorização dos espaços comuns entre outras transições criativas e corajosas que já estão acontecendo no norte e no sul.
As alternativas pós-desenvolvimento buscam igualdade e formas de vida sustentáveis. Nesse sentido, o reconhecimento dos direitos da natureza é fundamental para reorientar a economia extrativista de exportação e equilibrar as relações de poder entre o norte e o sul globais. Respeitar os direitos da natureza é respeitar os limites da Terra e os direitos de outras espécies, incluindo uma valorização integral da justiça e equidade socioecológica.
Bibliografía:
CRUZ, Matheus. Mudanças climáticas prejudicam saúde de crianças no mundo. Agência Fiocruz de Notícias, 18 nov. 2019. Disponível em: http://informe.ensp.fiocruz. br/noticias/47668. Acesso em: 23 jan. 2022.
FEDERICI, Silvia. O feminismo e as políticas do comum em uma era de acumulação primitiva. In: MORENO, Renata. (Org.). Feminismo, economia e política: debates para a construção da igualdade e autonomia das mulheres. São Paulo: SOF – Sempre viva organização feminista, 2014. Disponível em: https://www.sof.org.br/wp-content/uploads/2015/08/Economia-e-poli%cc%81tica-web.pdf. Acesso em: 13 mar. 2022.
GAARD, Greta. Feminism and Environmental Justice. In: HOLIFIELD, Ryan, CHAKRABORTY, Jay, WALKER, Gordon (eds). Handbook of Environmental Justice. London: Routledge, 2017.
MARTINEZ-ALIER, Joan et al. Is there a global environmental justice movement?. The Journal of Peasant Studies, v. 43, n. 3, p. 731-755, 2016.
ROBINSON, Mary. Justiça Climática: esperança, resiliência e a luta por um futuro sustentável. Rio de Janeiro: Civilização brasileira, 2021.
SHIVA, Vandana, MIES, Maria. Ecofeminismo. Lisboa: Instituto Piaget, 1993.
SHIVA, Vandana. Staying Alive: women, ecology and development. London: Zed Books, 1989.
Palabras clave:
Ecofeminismo, direitos da natureza e justiça climática.