Resumen de la Ponencia:
A partir da crítica pós-colonial, ganharam espaço as etnografias enfocando outras vozes, subjetividades e perspectivas apoiadas principalmente em propostas teóricas geopoliticamente situadas no sul global. Estas epistemologias têm em comum partirem do testemunho e da experiência de marginalidade, subalternidade e subjugação, de onde emergem novos sujeitos políticos, nova autoridade discursiva e representação cultural. Como perspectiva, elas desafiam as narrativas hegemônicas e ampliam o interesse no uso da memória e história oral como metodologia de pesquisa, estabelecendo relações entre história, memória, saber e poder. Sendo parte dessa crítica radical, o pensamento decolonial convoca a compreensão de que as ações emancipatórias são resultantes de processos pelo meio dos quais re-conhecemos outras histórias, trajetórias e formas de ser e estar no mundo, distintas da lógica racional do capitalismo contemporâneo como expressão cultural. Esse caminho teórico segue humanizando a existência no sentido de reconhecer a dignidade de pessoas que, por força do projeto hegemônico moderno/colonial sofreram processos de desumanização. Dar visibilidade a diversidade das lutas contra a colonialidade travadas no cotidiano significa reparar desigualdades históricas, inauguradas pela modernidade eurocentrada. O desafio decolonial que se impõe a pesquisa etnográfica é o de superar o extrativismo. Uma característica das sociedades formadas na lógica do imperialismo, capitalismo, colonialismo e patriarcado que subjugou povos como recursos a serem explorados, e que se estende ao saber e a ciência moderna sob a face de extrativismo epistêmico. Esta perspectiva teórica embasou a investigação pós doutoral em Mudanças Societais – CIDEHUS – Universidade de Évora (2019-2022) intitulada “As mulheres de Minas Gerais, do Minho e do Alentejo: subalternidades e reexistências que atravessam oceanos e gerações”. A pesquisa etnográfica realizada no Brasil e em Portugal atravessou o período pandêmico se apropriando de estratégias e táticas críticas e criativas para investigar, a partir da narrativa de três mulheres, as dimensões e os impactos dos processos migratórios protagonizados por homens ao longo do século XX sobre as construções de novas reconfigurações sociais e familiares. Buscou compreender como as mulheres vivenciaram as migrações e com que intensidade reproduziram, adaptaram e/ou subverteram os valores patriarcais na ausência dos homens.
Introducción:
Meu objetivo é tocar em pontos que desafiam a realização da investigação científica crítica e a produção de conhecimento, tendo a etnografia como ferramenta estratégica.
Gosto muito de Paulo Freire, em especial dessa frase onde ele afirma que: “O que não é possível é simplesmente fazer um discurso democrático, anti discriminatório e ter uma prática colonial”(Freire, 2008, p. 68).
Nessa frase, ele chama a atenção para temáticas fundamentais que atravessam a investigação crítica: a responsabilidade ética e a coerência política. Ambas fazem parte dos debates em torno do extrativismo epistêmico numa perspectiva pós colonial e decolonial, temas da minha comunicação.
Nesse contexto, é possível afirmar que o ponto central que está por trás do olhar pós-colonial é a luta por um deslocamento do locus de enunciação, do “primeiro” para o “terceiro” Mundo (Mignolo 2003).
Desarrollo:
Nas últimas três décadas, partir da crítica pós-colonial e decolonial, ganharam espaço as etnografias enfocando outras vozes, subjetividades e perspectivas apoiadas principalmente em propostas teóricas geopoliticamente situadas no sul global. Estas epistemologias têm em comum partirem do testemunho e da experiência de marginalidade, subalternidade e subjugação, de onde emergem novos sujeitos políticos, nova autoridade discursiva e representação cultural. Elas desafiam as narrativas hegemônicas e ampliam o interesse no uso da memória e história oral como metodologias de pesquisa, estabelecendo relações entre história, memória, saber e poder.
O pensamento decolonial convoca a compreensão de que as ações emancipatórias são resultantes de processos pelo meio dos quais re-conhecemos outras histórias, trajetórias e formas de ser e estar no mundo, distintas da lógica racional do capitalismo contemporâneo como expressão cultural. Esse caminho teórico segue humanizando a existência no sentido de reconhecer a dignidade de pessoas que, por força do projeto hegemônico moderno/colonial sofreram processos de desumanização. Dar visibilidade a diversidade das lutas contra a colonialidade travadas no cotidiano significa reparar desigualdades históricas, inauguradas pela modernidade eurocentrada. O desafio decolonial que se impõe a pesquisa etnográfica é o de superar o extrativismo.
Mas, a que me refiro quando utilizo o conceito extrativismo epistêmico?
Para compreender o conceito de extrativismo epistêmico é preciso considerar que o extrativismo é uma característica das sociedades formadas na lógica do imperialismo, capitalismo, colonialismo e cisheteropatriarcado.
Nas palavras de Ramón Grosfoguel (2016), o extrativismo, como forma de dominação, vem ocorrendo desde a época colonial até o neocolonialismo neoliberal de nossos dias. Se trata do saque, expropriação, roubo e apropriação de recursos do Sul global para o benefício das minorias demográficas do planeta consideradas racialmente superior que compõem o Norte global. O extrativismo, como uma forma de ser e de estar no mundo, exerce uma prática na qual se apropria de seres, conhecimentos, culturas e naturezas sem consentimento e sem considerar o impacto negativo que gera na vida desses outros seres (humanos e não humanos).
Grosfoguel constrói o conceito de extrativismo epistêmico a partir das reflexões de Lianne Simpson, intelectual indígena canadense que estendeu o conceito de extrativismo econômico às epistemologias para caracterizar a reprodução das práticas de dominação colonial no campo do conhecimento. O conceito expõe como a ciência moderna se apoia e reproduz uma mentalidade extrativista colonial a nível intelectual, cognitivo e epistêmico.
Essa constatação torna ainda maior o desafio de realizar investigação científica e produzir conhecimento crítico apoiado na convicção de que a alternativa ao extrativismo é a reciprocidade profunda, que implica um compromisso ético e político mediado pelo intercâmbio justo nas relações estabelecidas entre o/a pesquisador/a e os/as sujeitos/as. Tal compromisso coloca na pauta dos debates a urgência de uma descolonização epistêmica radical (Grosfoguel, 2016).
No campo da antropologia, a relação de poder presente na investigação de caráter etnográfico não é um tema recente. O drama de que a hierarquia é inerente a todas as epistemologias e metodologias é alvo de debates a algumas décadas. O trabalho de campo é marcado pela assimetria complexa das identidades dos interlocutores. Mas, como afirma Hastrup (1992), “o conhecimento antropológico é baseado na diferença empírica e na hierarquia discursiva. A violência simbólica é inevitável, mas escrever etnografia não é um ato de opressão. O texto etnográfico pode e deve desafiar a lógica do poder ocidental”.
O deslocamento epistêmico necessita fundamentar um diálogo crítico que articule as teorias e fundamente a prática etnográfica favorecendo a construção de conhecimentos que reflitam e reconheçam os diversos coautores.
Foi sobre esses referenciais, dentre outros, que construí minha pesquisa pós doutoral (CIDEHUS-Universidade de Évora, Portugal). O conceito de extrativismo epistêmico impôs desafios para desenvolver a pesquisa etnográfica sobre bases de reciprocidade, dando sequência a pesquisa de doutorado, realizada entre 2012 e 2017 em Minas Gerais no Brasil.
A investigação intitulada “As mulheres de Minas Gerais, do Minho e do Alentejo: subalternidades e reexistências que atravessam oceanos e gerações” foi realizada no Brasil e em Portugal entre 2019 e 2022. Atravessou o período pandêmico se apropriando de estratégias e táticas críticas e criativas. A partir da narrativa de três mulheres, investiguei as dimensões e os impactos dos processos migratórios protagonizados por homens ao longo do século XX sobre as construções de reconfigurações sociais e familiares. Busquei compreender como as mulheres vivenciaram as migrações e com que intensidade reproduziram, adaptaram e/ou subverteram os valores patriarcais na ausência dos homens.
As narrativas de dona Augusta, Elena e Emília se apoiaram no vínculo de respeito e confiança estabelecidos ao longo de anos. Através delas, foi possível concluir que nas regiões onde as migrações não foram regulares, a permanência dos homens prolongou de forma mais intensa as relações e práticas patriarcais. Tal característica reforçou os papéis sexuais de gênero tradicionais e impôs graus mais altos de subalternidade às mulheres.
O estudo evidenciou que a busca das mulheres por alternativas para escapar aos processos de subalternização patriarcal se dá de maneira silenciosa, constante e permanente no cotidiano. Ocorrendo de maneira aparentemente subjetiva, ela é uma luta potente e invisível travada possivelmente por todas as mulheres e que necessita ter visibilidade.
Os resultados vêm sendo compartilhados entre as sujeitas da pesquisa nos diversos espaços coletivos, acadêmicos, movimentos sociais. A devolução em forma de livro, artigos e reuniões comunitárias são estratégias para dar visibilidade as narrativas e superar o apagamento das vozes silenciadas de mulheres como dona Augusta, Elena e Emília tanto pela história quanto pela historiografia.
Conclusiones:
É possível construir caminhos que levem a relações entre os sujeitos e sujeitas presentes na investigação, nas quais as hierarquias, as assimetrias, os dramas e as violências, ainda que “necessariamente” presentes, sejam, também, e majoritariamente, capazes de transcender diferenças, de aceitar a multivocalidade e de acolher a heterogeneidade dos/as múltiplos/as autores/as. Relações em que floresçam produções resultantes da não opressão, do não “extrativismo” e do não colonialismo.
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Palabras clave:
Pensamento decolonial, extrativismo epistêmico, etnografia