Resumen de la Ponencia:
O âmbito digital, pulsante e dinâmico, adquire importância e funcionalidade na contemporaneidade, principalmente com a pandemia da Covid-19, sendo utilizado para a interação, divulgação e mobilização, como é identificado na análise da Comunidade do Timbó. Uma comunidade periférica localizada na zona sul da cidade de João Pessoa – Paraíba – Brasil, situada em uma área de potencial valorização imobiliária que fomenta reconfigurações urbanas e morais-emotivas nos modos dos moradores experienciarem o local comum de vivência, que se configura como lugar de pertencimento. Este trabalho se debruça sobre o Timbó através das interconexões entre práticas, narrativas, códigos morais e vivências emotivas no âmbito presencial e digital, com o objetivo de compreender como a comunidade é produzida enquanto lugar, um mundo comum de compartilhamento a partir de onde o morador reconhece a si e ao outro e experiencia a cidade. A reflexão é desenvolvida com base no mapeamento dos perfis nas redes sociais, o Instagram, vinculadas ao universo de pesquisa, analisando a forma como a Comunidade do Timbó é construída e apreendida pela e na cidade.
Introducción:
A reflexão proposta baseia-se nos resultados preliminares do projeto de pesquisa Lugares no Lugar: Pertença, códigos de moralidade e disputas na Comunidade do Timbó, em desenvolvimento no curso de Doutorado do Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal da Paraíba. A proposta é trabalhar a Comunidade do Timbó, universo de pesquisa, a partir dos diversos e polivalentes lugares que a constituem, que às vezes se aproximam enquanto comuns ou se distanciam e disputam territórios, sendo configurados pela pertença, por fronteiras e por projetos individuais e coletivos. É uma discussão teórico-metodológica apoiada na Antropologia das Emoções, com o objetivo de compreender, durante o contexto de pandemia (2020-2022), a relação entre o digital, a cidade e as construções morais-emotivas.
O diálogo entre as emoções, o urbano e o digital fomenta a reflexão, partindo da compreensão de um espaço urbano, a Comunidade do Timbó, e sua fabricação enquanto lugar através do digital. Este, por sua vez, é abordado como um âmbito contínuo das trocas intersubjetivas no presencial, sendo uma instância que possibilita imersões emotivas e mores, podendo ser tanto campo de mediação quanto de criação de vínculos e relações. É a partir do digital, com recorte aqui para a rede social Instagram, que se propõe discutir o Timbó, uma comunidade periférica localizada no bairro dos Bancários, zona sul da cidade de João Pessoa-PB-BR.
É proposta, assim, uma forma de pensar uma comunidade em relação com a cidade que integra e a partir de onde a vivencia sem deter-se ao trabalho de campo presencial, baseado em relações face a face. A investigação se debruça em incursões no digital para pensar o espaço urbano construído e experienciado pelos atores que criam e compartilham sentidos não somente presencialmente, visto a inserção e a importância cada vez maior do digital no cotidiano das pessoas, promovendo diversos modos de elaborar e se relacionar na e com a cidade. A continuidade e interconexão entre o presencial e o digital é uma das nuances que perpassam a contemporaneidade, em que o uso da tecnologia possibilita novas oportunidades para entender as formas de urbanidade, a cidade, os atores urbanos e as suas imersões emotivas no mundo.
A reflexão da Comunidade do Timbó, deste modo, está relacionada ao contexto urbano no qual se insere, de modo que trabalhá-la a partir da noção de lugar (Koury, 2003; Tamaso, 2012; Tuan, 1983), de sua construção por meio da relação entre agentes sociais com o local, reque atentar às temporalidades que configuram o universo de pesquisa, uma vez que se apoia na lógica da construção processual do lugar - empenhado por moradores, frequentadores, prefeitura municipal e mídia local. Este trabalho se restringe a pensar a comunidade durante o período de pandemia, principalmente de junho de 2020 a setembro de 2022, acompanhando jovens moradores que agenciam no Instagram para produzir e divulgar práticas e narrativas próprias, de sujeitos de dentro (Magnani, 2002), que pertencem ao Timbó.
Desarrollo:
Situando o universo de pesquisa
Trabalhar com a Comunidade do Timbó a partir da noção de lugar, de sua construção através da relação entre agentes sociais com o local, requer atentar às temporalidades que configuram o universo de pesquisa. Esta atenção possibilita compreender o Timbó, histórico e socialmente, na paisagem urbana da cidade, debruçando-se sobre as suas singularidades. Bem como ponderar a expansão e urbanização da capital paraibana sob a ótica da comunidade, que teve sua constituição e desenvolvimento ligada ao período de intenso crescimento da cidade.
A ocupação do Vale do Rio Timbó, que posteriormente se constituirá na Comunidade do Timbó, remota ao final dos anos de 1970, década em que a cidade passa por uma expansão do núcleo urbano, planejada em dois eixos: o leste e o sul, sendo a zona sul onde situa-se o Timbó. É uma zona criada através do planejamento urbano, com o objetivo de contemplar a população mais pobre na demanda por habitação (Lavieri & Lavieri, 1992), que se tornava cada vez mais presente com a chegada de levas de migrantes (Koury, 2018). A expansão do desenho urbano foi impulsionada por um ideal de modernização que se desenvolveu no âmbito local e nacional, realizado mediante a construção de conjuntos habitacionais que integrou a política de habitação e ordenamento da estrutura da cidade.
A consolidação dos conjuntos na zona sul configura um novo tipo de ocupação, é uma área projetada como periférica por está geograficamente longe do centro, resultando em grandes deslocamentos. Os espaços ermos, neste contexto, a margem do planejamento urbano são apreendidos pela pobreza sem casa, fomentando o surgimento dos aglomerados subnormais como alternativa para se estabelecer na cidade e/ou conseguir uma casa própria. O surgimento da ocupação do Vale do Rio Timbó ocorre nessas circunstâncias, assentando em um espaço vazio, deixado de lado pelo planejamento urbano da cidade. Espaço ermo que possuiu um papel importante para a construção dos conjuntos habitacionais da zona sul, servindo como local para a retirada de matéria prima na construção civil, como o saibro. A ocupação, no entanto, logrou de diferentes encargos e compreensões da função do espaço do Vale do Rio Timbó, sendo primeiro visto pela administração pública da cidade como ocupação irregular e somente no início da década de 1980 se consolidando como comunidade, o que promoveu tensões, conflitos e estratégias de permanência em torno do local.
A produção da Comunidade do Timbó se dá a partir da luta pela moradia e permanência no lugar, onde as estratégias de resistência se baseiam em ações comunitárias que fortaleceram a luta e colaboraram para a constituição da comunidade que, em seu primeiro momento de implantação, se estabeleceu como um lugar precário e de risco ambiental. Durante seu desenvolvimento passa por diversas transformações urbanas até chegar a sua configuração atual, se constituindo em uma área que a princípio foi planejada como parte da periferização da cidade, ao apreender a população pobre e menos abastada, mas que passa por um processo de valorização imobiliária que se inicia no final dos anos de 1990 e se intensifica durante as duas primeiras décadas dos anos 2000 (Pontes, 2020).
Um elemento importante a ser pontuado no processo de consolidação e desenvolvimento da comunidade são as relações de solidariedade, baseadas em vínculos afetivos estreitos, significativo na forma da sociabilidade produzida e exercida. A Comunidade do Timbó se constitui enquanto lugar de moradia e de pertencimento (KOURY, 2017), onde residem pessoas de origem interiorana que chegaram ao local por meio de redes homofílicas (Marques & Bichir, 2011), e com uma bagagem de experiências afetivas baseadas em vínculos relacionais estreitos, de forte solidariedade e conflito. A pessoalidade emerge como um elemento fundamental para a configuração da sociabilidade produzida e praticada no Timbó, sendo identificada a partir de suas instâncias: o sistema de nominação, a circulação de crianças, a fofoca e o fiado.
Neste lugar de moradia e vivência são desenvolvidas formas de sociabilidade, uma cultura emotiva (Koury, 2018) e códigos morais, nos quais os moradores pensam a si mesmos como seres relacionais e buscam adentrar na cidade (Pontes, 2021). Do e no Timbó produzem modos de viver a capital paraibana, tecidos a partir das margens, da luta pela permanência e consolidação da comunidade e sua integração à cidade oficial, planejada. É devido ao agenciamento dos moradores em torno da reivindicação pela urbanização da comunidade e resolução dos problemas sanitários e ambientais que a comunidade alcança a configuração urbana que possui atualmente. Os moradores se organizam para a melhoria do lugar de pertencimento, buscando o direito de moradia digna e acesso a serviços urbanos através da participação nos Orçamentos Participativos do Município para pressionar o setor público.
A organização e reivindicação dos moradores contribui para compreender a construção do Timbó enquanto lugar de moradia e pertencimento, com a resistência para permanecer e o agenciamento para urbanizar. Esse processo se desenvolve no contexto de crescente valorização imobiliária da zona sul, com ênfase para o bairro dos Bancários e os espaços circunvizinhos, nas primeiras décadas deste século. O que torna possível pressupor que a urbanização integra os interesses do planejamento da cidade, contribuindo para a valorização do conjunto de bairros próximo. Mas o cenário de precariedade na comunidade, anterior às obras de urbanização, propiciou a criação de um imaginário negativo sobre o local, comumente apontado como sujo, vulnerável e potencialmente violento (Soares, 2009; Pita, 2012), com a associação entre pobreza e perigoso.
A segregação espacial e socioeconômica da Comunidade do Timbó, conformada no bairro dos Bancários (Soares, 2009), com a fabricação de estigmas sobre o local e os moradores, não desaparece ou enfraquece com a integração da comunidade ao planejamento urbano de uma cidade ordenada. Mas essa nova configuração fomenta a produção de estratégias corriqueiras dos moradores para a preservação da face (Goffman, 2012), apreendendo o Timbó como um lugar tranquilo, de vínculos estreitos e duradouros, de pessoas de bem e trabalhadoras. A diferenciação entre o passado e o presente emerge como um elemento significativo na narrativa dos moradores nas elaborações de si, do outro e do lugar.
Lugar que é produzido na dimensão relacional, nas trocas intersubjetivas no e com o local, neste caso situado geograficamente a partir de onde os sujeitos constroem relações de reciprocidade na luta pela permanência, de amizade e constituição da vizinhança, de pertencimento através do qual afeiçoa modos de ser e estar no mundo. É na formação de um sentimento de pertença que o lugar é constituído, pois é mediante o pertencimento que são concebidas formas de enraizamento, de fazer parte e, consequentemente, de composição de fronteiras simbólicas, da tensão que envolve a ambivalência do gostar e desgostar do grupo e do lugar que integra, exercita e fabrica cotidianamente.
O sentimento de pertencimento é basilar para a construção e o entendimento do Timbó como lugar, é fomentado pelos moradores na transformação do espaço em um ambiente inteiramente familiar, onde experiencia um tipo de envolvimento que serve como uma dimensão para o sujeito apreender a si e ao outro. Assim, a Comunidade do Timbó enquanto lugar possui um significado individual e coletivo que configura o viver cotidiano, expressando os conflitos, as solidariedades e as tensões presentes no viver e na criação da identidade. A pertença contribui para a composição de uma cultura emotiva que caracteriza o lugar, pois refere-se às formas de continuidade, a criação de práticas comuns e ao exercício de trocas emocionais. A cultura emotiva permite que indivíduos vivenciem e partilhem um lugar comum, se apresenta como recheada de elementos de predisposição ao outro relacional e seu conteúdo possui sentidos morais que são experienciados pelos sujeitos como especificidade do pertencer (Koury, 2017, p. 11).
O lugar é produzido pelos atores sociais, não somente aqueles que são moradores, como também por frequentadores, pelos de fora - não pertencentes -, pela mídia local e pela administração pública da cidade, por exemplo. Visões de mundo, ideologias (BOUDON, 1989) e projetos (VELHO, 2003) estão em negociação e disputa na construção de lugares, o que pode apontar para diversas formas de produção mergulhadas em moralidades específicas. A reflexão é tecida na relação dos lugares criados por cada grupo, que por vezes se aproximam ou distanciam em formas de acordos ou disputas quanto à composição de um lugar Timbó, que é resultado desses diversos projetos de lugares em relação.
Lugares que são inicialmente identificados e acompanhados pelas plataformas digitais, apontam para o agenciamento de atores e coletividades contextualizadas que configuram maneiras de apreender e elaborar um mundo de conhecimento comum, acessando múltiplos sentidos sobre a realidade e o viver no Timbó. Estamos refletindo sobre um lugar que é construído processualmente, na relação entre diversos grupos, situado social, histórica e geograficamente.
O lugar Timbó a partir do digital
Na contemporaneidade, em que estamos cada vez mais interconectados, novas formas de experienciar são construídas a partir do uso das redes sociais para criar ou desenvolver relações e vinculações com indivíduos, grupos e lugares. As novas tecnologias comunicacionais em rede estão presentes nos vários âmbitos das relações sociais e sites, potencializando novas experiências, mentalidades e práticas (SANTOS, 2018). O digital, assim, é pensado como uma dimensão onde a ação se processa, não como mero cenário, mas como parte constitutiva do recorte analítico, sendo através dele que se debruçar a busca por compreender como a Comunidade do Timbó é construída como lugar a partir de diversos grupos que usam as redes sociais e os sites para fabricar uma representação sobre o Timbó.
O lugar Timbó apreende lugares diversos que são representados, praticados e divulgados no âmbito digital, sendo lugares de ação, de encontros, de afinidades e de projetos, aceitos ou não pelo conjunto de moradores da comunidade, que disputam a produção de um lugar comum, um Timbó baseado em uma dimensão moral-emotiva própria de cada grupo que negocia e disputa em torno da representação de um lugar Timbó. A noção de lugar Timbó vem sendo trabalhada enquanto uma identificação ampla dos grupos em relação ao mundo comum configurado por uma dada cultura emotiva que caracteriza as relações na e da Comunidade do Timbó, de modo que esta noção indica os modos como a comunidade é construída e representada por moradores e não moradores nas redes sociais, com ênfase aqui para o Instagram.
Os perfis no Instagram, utilizadas pelos grupos em acompanhamento, expressam os lugares produzidos e em manutenção, informam gramáticas e códigos morais-emotivos em relação na conformação de um nós comunitário, um lugar. O conjunto de publicações online apresentam ajustamento de lugares, isto é, de práticas, narrativas e projetos permeados por moralidades específicas nas expressões de um lugar Timbó, que é trabalhado a partir do digital enquanto uma continuidade do presencial, com os dois âmbitos sendo compreendidos como constituidores das vivências contemporâneas. A consideração da interconexão entre o digital e o presencial é imprescindível na compreensão do lugar Timbó como um mundo comum de compartilhamento que elucida modos de viver.
O Instagram é apreendido como ferramenta analítica por permitir o acompanhamento de ações e discursos no Timbó, produzido pelos sujeitos, moradores ou não. São produções corriqueiras que apresentam formas de viver a/na comunidade, com uma produção que é processual ao indicar o elemento temporal das postagens e interações neste campo fluido. O material é produzido pelos administradores, o que atenta para um procedimento de escolha das imagens, elaboração textual e definição de hashtags e marcações que são disponibilizadas ao público através do perfil, que conta com a interação via comentários nestas postagens. São fabricações próprias dos grupos envolvidos com a administração dos perfis, divulgando um material vinculado à Comunidade do Timbó que contribui para formar imaginários específicos da comunidade mediante os modos de representá-la.
Os grupos que compõem este estudo são de moradores, atores específicos que, em sua maioria, são jovens que ocupam as redes sociais acompanhadas, principalmente em relação ao Instagram. São juventudes (Pais, 2003) que agenciam a frente dos perfis, como administradores, logo, como os atores que planejam, criam e publicam as postagens que servem de apoio à nossa análise. Fornecem uma maneira de construir o lugar com base em moralidades próprias das visões de mundo, de modos de viver e sentir a comunidade e a cidade. Esta verificação não exclui a agência de outras experiências além das juvenis, com presença entre os seguidores, interagindo nas publicações seja para parabenizar ou se queixar das práticas e discursos.
As juventudes como mais atuantes no digital, até o momento da análise, podem está ligado à questão do acesso aos aparelhos tecnológicos, ao conhecimento naturalizado sobre o uso de smartphones, computadores ou tablet pelo crescimento acompanhado das inovações tecnológicas, mesmo sem necessariamente uma aproximação imediata a esses instrumentos. O que pode ser intuído é o elemento do acesso aos aparelhos tecnológicos e a internet como condições para ingressar nas plataformas digitais, de modo que os atores presentes nesse âmbito possuem os meios materiais e o maior ou menor uso pode relacionar-se ao tempo disposto no dia para estar interagindo no digital. Aqueles que não detém recursos materiais estão fora desse âmbito, o que aponta para uma instância potencialmente exclusiva que apesar de disponibilizar plataformas e aplicativos gratuitos, o uso está condicionado a determinados bens. Com essa perspectiva em consideração, tem-se ciência que os grupos aqui acompanhados lançam mão dos elementos requeridos para ingressar e estar no digital.
Os perfis no Instagram mapeados e acompanhados são administrados por jovens moradores e possuem acesso público ao conteúdo produzido. São perfis classificados como contas públicas, em que qualquer usuário pode visualizar as postagens mesmo sem seguir o perfil. As contas acompanhadas para o desenvolvimento desta reflexão são classificadas como principais por produzir e divulgar conteúdo que se debruça exclusivamente sobre ações, situações e narrativas em torno da comunidade, o que possibilita o acompanhamento das práticas corriqueiras e a identificação das gramáticas morais e emotivas. São elas: o Meu Timbó, que busca representar o Timbó de maneira geral, o AJA Comunidade, que retrata os membros da Associação Juventude em Ação, o Jovens Solidários, que apreende um grupo de jovens que realizam iniciativas solidárias, o Batalha do Timbó, que aborda um evento de Hip Hop com artistas locais e da cena, o Futebol Amador do Timbó, que apresenta os jogos e campeonatos da comunidade, e o Passinho do Timbó, que divulga o evento de dança.
São perfis que produzem e divulgam eventos, ações e situações na comunidade, indicando o agenciamento dos grupos em torno de parcerias ou de distanciamentos na fabricação do lugar Timbó a partir dos projetos de cada grupo. Os perfis, deste modo, apresentam lugares em expressão, onde acontecimentos na comunidade ganham destaque para além dela. É o que podemos considerar como construção de dentro, desempenhada por grupos que possuem um vínculo afetivo com o Timbó e buscam (re)produzir o lugar com base nos projetos e códigos morais emotivos do seu grupo. Realizando um balanço de como a comunidade vem sendo representada por esses grupos no conjunto de perfis é possível identificar quatro categorias que sistematizam as práticas e as narrativas: a solidariedade, o lazer, a arte e a cidadania.
A solidariedade é discernida nas ações de distribuição de cestas básicas e kits de proteção conta a Covid-19 (Jovens Solidários, Meu Timbó e AJA Comunidade), na partilha de alimentos da agricultura familiar (apoio da AJA Comunidade), na ação de doação de cestas básicas por sujeitos de fora que vão ao Timbó realizar a ação (divulgado pelo Meu Timbó), na campanha de ajuda aos moradores em situação de crise de saúde ou econômica (Meu Timbó), e na ação de corte de cabelo gratuito (Batalha do Timbó). São práticas que se pautam em iniciativas solidárias dos jovens moradores, que se organizam e divulgam as campanhas e os pedidos nos perfis ou apoiam a ações de outros.
Desempenhadas de modo individual ou coletivo, com parceria entre os grupos que administram os perfis acompanhados, as iniciativas solidárias despontam como elemento principal de divulgação, sendo significativo como forma de representar as práticas em torno do Timbó. As negociações em busca de parcerias, comum de ser identificado nos perfis analisados, contribui para a produção de uma representação homogênea, uma vez que apresenta os assentamentos em torno do lugar. A proximidade e parceria entre os grupos de jovens moradores para o planejamento e a realização de práticas solidárias acaba concebendo um conjunto de publicações semelhantes, assentadas em projetos comuns para o Timbó.
O lazer é reconhecido na promoção de gincanas (AJA Comunidade), a organização de festas (Meu Timbó), os jogos de futebol (Futebol Amados do Timbó) e os encontros para prática de dança (Passinho do Timbó). A organização e realização desses eventos são divulgados nos perfis para convidar principalmente os moradores, mas também não moradores, a participarem e, assim, apoiar e fomentar as ações desses grupos em busca de modos de entretenimento na e para a comunidade. São eventos que comumente ocorrem na quadra esportiva, o espaço aberto utilizado pela população para ocasiões em que muitas pessoas podem se reunir, exceto no caso dos jogos de futebol, que ocorrem no campo situado nas redondezas do Timbó.
A quadra, por sinal, é o maior espaço aberto com teto para proteger de raios solares ou da chuva, podendo ser utilizado em qualquer horário e por isso é amplamente procurado, sendo necessário marcar horário com antecedência junta à Associação Comunitária dos Moradores do Vale do Timbó. A busca pela quadra é um elemento a parte que configura tensões relacionais e, por vezes, desentendimentos entre os grupos quanto a horários e usos do local. Cabe indicar aqui o seu amplo uso entre diversos grupos da comunidade, comportando o exercício de uma polivalência de lugares na quadra.
Ações sistematizadas como lazer podem também se enquadrar como artísticas, integrando a categoria arte, como os eventos de dança do passinho brega funk, de modo que certas práticas não se apresentam como fixas em uma categoria sistemática, mas como mais próxima de uma classificação. A arte, por exemplo, enquadra as oficinas de grafite (AJA Comunidade e Meu Timbó), o quadro talentos do Timbó (Meu Timbó), o jornalzinho do Timbó (Meu Timbó), a batalha de rap (Batalha do Timbó) e as gravações de videoclipes na comunidade. São ações e eventos que buscam trabalhar as potencialidades artísticas dos moradores, construída como um agenciamento político dos grupos de jovens na produção de um lugar Timbó.
A arte é apreendida como fomentador da transformação social, como instrumento para mobilização e lazer no cotidiano. As qualidades artísticas evidenciadas e divulgadas nos perfis fortalecem uma imagem do lugar Timbó em negociação, onde a arte é apreendida como um elemento que se faz presente no cotidiano dos moradores, contrastando com um imaginário de que comunidades são locais de perigo, de violência, de pobreza, entre outros estereótipos que perpassam as populações historicamente em condição de desigualdade (Naiff & Naiff, 2005). Busca-se difundir os artísticas locais, que dança, rimam, escrevem poema ou poesia, fotografam e desenham, bem como enquadrar as ruas e espaços da comunidade nas produções audiovisuais dos grupos de Rap do Timbó e da cidade.
A relação entre arte e política surge como um modo de desnaturalizar maneiras de pensar o contexto em que os atores estão inseridos, fornecendo apoio e possibilidades, principalmente, aos jovens moradores, público alvo que se envolve com os eventos e as ações de fomento da arte no cotidiano. Nessa direção também se aproxima as ações de exercício da cidadania, que compõe a última categoria classificatória do balanço reflexivo do material publicado nos perfis acompanhados no Instagram. Entre elas estão a distribuição de kits escolares para as crianças e os adolescentes (AJA Comunidade), as denúncias pela falta de coleta de lixo (Meu Timbó), a busca por programas jornalísticos televisivos para melhorar a infraestrutura de locais da comunidade (Meu Timbó) e as reivindicações por melhorias na Unidade Básica de Saúde do Timbó II (Meu Timbó).
Os grupos se organizam em prol de melhorias e serviços urbanos básicos, que são escassos ou não chegam de maneira efetiva na comunidade, proporcionando aos moradores uma vivência às margens, tendo que agenciar corriqueiramente na luta por condições dignas de viver na cidade. Os perfis no Instagram proporcionam mais uma forma de pressionar as autoridades locais para a resolução dos problemas de equipamentos e serviços urbanos, marcando a conta da prefeitura municipal, dos programas jornalísticos, das emissoras de televisão e dos apresentadores de jornais mais conhecidos, conciliando as publicações de denúncia com a divulgação das ações nos arredores da comunidade, como o bloqueio de ruas e avenidas que conectam as zonas leste e sul via Timbó.
Os perfis, assim, surgem como um instrumento complementar utilizados pelos jovens para a construção de um lugar de pertencimento e de busca por melhorias, acionando elementos para representar o lugar de moradia, que configura modos de fazer, sentir e viver a e na Comunidade do Timbó. O material apresenta construções de dentro, isto é, daqueles que constituem a comunidade e se sente parte do lugar, agenciando para a produção de um Timbó próprio, embasado em códigos morais e emotivas dos quais compartilha. A construção de um lugar Timbó, ao que pode ser acompanhado, é elabora com negociações, mas também tensões, com os grupos de jovens moradores tecendo parcerias, mas também fabricações próprias na organização, divulgação e realização de ações e eventos na comunidade, criando um modo de representação que por vezes, na rede social, está apoiada em aspectos homogêneos por enfatizar os assentamentos em torno do lugar.
Conclusiones:
Com importância e funcionalidade cada vez maior na contemporaneidade, o digital é utilizado com diferentes e diversas intenções, seja para a interação, lazer, divulgação, mobilização e reivindicação, consumo, notícia falsas, propagação de discursos de ódio, difamações e outros, sendo um âmbito pulsante e contraditório. É uma instância de comunicação com o outro relacional, de trocas simbólicas e materiais, de alcance local, regional, nacional e internacional, mas que nos usos em relação a Comunidade do Timbó, parecem ter sentidos eminentemente locais, seja na configuração da forma de sociabilidade no e do lugar ou nos modos como a cidade apreende e expressa este lugar.
O conteúdo produzido pelos grupos que agenciam no jogo relacional de construção de um lugar Timbó e divulgado nas plataformas digitais em análise, apresentam códigos de moralidades que perpassam maneiras de fabricar e representar a comunidade. Além dos agentes que historicamente elaboram registros sobre as comunidades, como a mídia e a gestão municipal, e contribuem para imaginários sociais, muitas vezes negativos associados à pobreza, vulnerabilidade, criminalidade e violência, as narrativas e práticas autorais dos moradores ganham espaço no digital. As experiências de auto representação colaboram para complexificar os sentidos produzidos sobre o Timbó, fomentando negociações na relação entre os lugares polivalentes que buscam espaço na produção de um lugar Timbó.
O agenciamento dos jovens em torno dos perfis em análise, portanto, busca ressignificar o estigma socioespacial em que o lugar onde moram, concebido como perigoso, violento e sujo. Os jovens moradores se mobilizam na utilização e divulgação de códigos próprios, cotidianos, que são configurados pelos modos de viver na comunidade. Assim, o lugar Timbó é apreendido, construído e apresentado como um lugar de pertencimento, relacionado com práticas, entre outras, solidárias, lúdicas, artísticas e cidadãs.
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Palabras clave:
Lugar; Comunidade do Timbó; Digital