Resumen de la Ponencia:
O presente trabalho analisa os resultados da expansão do ensino superior (ES) público e privado no Brasil entre os anos de 2003 a 2016 e a influências das políticas públicas implementadas nesse período. Para compreender essa pesquisa, utiliza-se a análise de políticas públicas (policy analysis) elaboradas para o ES e os resultados qualitativos e quantitativos desta ampliação. As políticas educacionais passaram a ser um instrumento de competição internacional, exigindo melhorias nos índices de alfabetização, da taxa de conclusão do ensino médio e aumento do ingresso e conclusão no ES. Os atores (sociedade civil – Estado - mercado) passaram a reivindicar por instituições mais democráticas, por meio das comunidades de políticas, exigindo a formulação de políticas públicas pelo governo federal, conforme este texto apresentara. No que se refere te às universidades públicas, cita-se duas política públicas: 1)Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) de 2007: elaborado para ampliar o acesso e a permanência dos alunos, sendo o maior plano de investimentos na universidade pública. Visou também a expansão geográfica (interiorização das instituições) e a integração regional (desenvolvimento local) de caráter multicultural e identitária aos grupos sub-representados demandantes de direitos por reconhecimento; 2)Lei de Cotas (2012): determinou a reserva de 50% das vagas em instituições federais para egressos do ensino médio público, levando à ampliação do acesso de alunos de baixa renda, negros, pardos e índios.A hierarquia do ensino privado ocorre devido à disparidade entre a oferta do sistema público e as demandas da sociedade que excediam a capacidade de financiamento e gestão do setor público, abrindo espaço às empresas voltadas ao oferecimento de ES. No tocante ao ensino privado, elenca-se: 1)Financiamento estudantil (FIES) de 1999: subsidia o curso com parcelas e juros pequenos, com início do pagamento após o término do curso; e 2)Programa de Universidade para Todos (ProUni) de 2005: concede bolsas de estudo integrais e parciais de 50% a candidatos que cursaram o ensino médio público ou bolsistas integrais e com boas notas no ENEM. O ProUni conta com de reservas de vagas para diversidade cultural, inclusão social dos portadores de deficiência e qualificação dos professores da rede pública. As políticas públicas descritas, contribuíram para ampliar o ES no Brasil, nota-se que em 1990, registrou-se 578.625 matrículas e 2.080.146 em 2018 inseridos no ensino público. Contudo, esse crescimento não foi suficiente para ultrapassar a rede privada, que deteve 75,8% das matrículas. Esse cenário indica que houve a diversificação do perfil do estudante devido às diferentes políticas, o que representou para muitas famílias humildes a possiblidade de entrar na universidade. A diversificação do perfil cultural e econômico do estudante demonstra o desenho institucional dos princípios democráticos e da igualdade de oportunidades nas sociedades contemporânea.
Introducción:
Descrição da Expansão do Ensino superior Brasileiro
Na década de 1960 foi desenvolvido mecanismos que impulsionaram o desenvolvimento contemporâneo da ES no Brasil. Para atender às demandas de acesso a esse nível de ensino criou-se um modelo pautado na dependência estrutural do setor privado por algumas razões. A primeira delas é que a necessidade de aumentar o acesso ao ES para atender aos concluintes do ensino secundário que havia expandido desde a década de 1950. Consequentemente, muitos jovens não conseguiram acesso ao ES devido ao número limitado de vagas abertas por essas universidades. Essa situação deu origem a um movimento social - o “movimento dos excedentes” - que foi então mobilizado pela agenda política oposicionista de resistência ao governo militar, que iniciou em 1964, substituindo o regime democrático. (Balbachevsky; Sampaio; Andrade, 2019).
As universidades brasileiras, até 1968, consistiam em uma simples agregação de faculdades profissionais, entre as quais uma faculdade de filosofia, ciências e letras formavam os professores e, em alguns casos, pesquisa. As principais universidades públicas eram estruturadas por cátedras vitalícias, e a obtenção dos raros títulos de pós-graduação de doutorado e livre-docência era feita pela defesa formal de tese, na tradição europeia, com o objetivo de promoção na carreira docente. Outro resultado produzido foi a formalização dos cursos regulares de pós-graduação de mestrados e doutorados, no modelo norte-americano. (Schwartzman, 2008; Sampaio, 1991; Durham; Sampaio, 2000; Balbachevsky; Sampaio; Andrade, 2019). Entende-se que Reforma de 1968 produziu efeitos paradoxais, como demonstra a passagem abaixo:
Por um lado, modernizou uma parte significativa das universidades federais e determinadas instituições estaduais e confessionais, que incorporaram gradualmente as modificações acadêmicas propostas pela Reforma. Criaram-se condições propícias para que determinadas instituições passassem a articular as atividades de ensino e de pesquisa (...) (Martins, 2000, p.16).
(...)(de outro) abriu condições para o surgimento de um ensino privado (...) organizadas a partir de estabelecimentos isolados, voltados para a mera transmissão de conhecimentos de cunho marcadamente profissionalizante e distanciados da atividade de pesquisa, que pouco contribuem com a formação de um horizonte intelectual crítico (...). (Martins, 2000, p.17).
As transformações apresentadas por Martins (2000) demonstram que os resultados da Reforma universitária de 1968 permitiu organizar uma universidade próxima aos ideais dos movimentos estudantis e docentes a partir de sua implantação, em 1969. Por outro lado, na prática, havia algumas incompatibilidades, sendo o principal motivo do país viver um regime político autoritário que exercia rigorosa vigilância nas instituições de ensino superior. Contudo, esse processo de reformas mostrou que ainda havia um desnível entre os ideais de democratização e participação estudantil das universidades e o modelo de universidade de elite que foi instituído para todo o país por meio de um ato legal.
Após a década de 1960, o Brasil também começou a desenvolver um sistema de pesquisa e ensino de pós-graduação adaptado ao modelo dos Estados Unidos, com cursos regulares e departamentos acadêmicos que não se equivaliam a nenhum outro país. O objetivo dessas mudanças era manter o sistema público muito restrito, e incapaz de absorver a crescente demanda por ensino superior no país, principalmente de alunos que não conseguiram passar nos exames de seleção cada vez mais competitivos. Esse contexto abriu espaço para um enorme crescimento do setor privado, que nos anos 2000 passou a absorver cerca de 75% das matrículas. (Schwartzman, 2020).
A conjuntura econômica e política do Brasil nos anos de 1990 constituiu-se como um processo de transição, o qual foi denominado pelo ex-presidente Fernando Collor de Mello como a “inserção do Brasil na modernidade”, objetivando a entrada do Brasil na nova ordem mundial. Trata-se da produção de um novo projeto político para o país alinhado às orientações voltadas ao sistema capitalista. O processo expansionista desse setor gerou algumas consequências, tanto na universidade pública como na privada.
O processo de modernização do país nos anos de 1990 fundamentou-se no esforço oficial de reforma do aparelho do Estado, principalmente na parte administrativa com a criação do Ministério da Administração Federal e da Reforma do Estado (MARE) em 1995.[1]O desenho da reforma administrativa tinha como questão central a ideia de reconstruir e redefinir o Estado em um mundo globalizado (Bresser Pereira, 1998). A partir desse conjunto de reformas foi possível, sob muitos aspectos, situar a estratégia e as ações oficiais de realizar mudanças na educação superior no país, conforme demonstraremos ao longo desta seção.
O crescimento do setor universitário dos países latinos, em especial do Brasil, produziu resultados diferentes em cada nação referentes às finalidades da educação pública e privada e o perfil de cada um desses dois segmentos. Isso significa que:
Enquanto na maioria dos países latino-americanos, o setor privado manteve-se pequeno e elitista, no Brasil tornou-se massificado e especializado na provisão de cursos noturnos em profissões sociais (negócios, direito e outros), cobrando pouco e exigindo pouco dos alunos, e desenvolvendo quase nenhuma pesquisa ou após as atividades de pós-graduação. Ao mesmo tempo, cresceu a pressão sobre as universidades públicas para admitir mais alunos, criando cursos noturnos e abrindo admissões através de uma cota sistema baseado em critérios sociais e raciais. (Schwartzman, 2020, p.9, tradução nossa).
As transformações inseridas dos sistemas de ensino superior no que se refere ao aumento na escala de atendimento e de maior heterogeneidade das instituições respondem a questionamentos que, desde meados do século XIX, sobretudo nos países desenvolvidos, vinham sendo feitos em relação ao relativo isolamento que as universidades mantinham frente às demandas das sociedades. A questão central é que distintos atores sociais, burocracias públicas e privadas, movimentos sociais, entre outros, passaram a reivindicar uma universidade mais dinâmica e próxima da sociedade. (Neves; Samapio; Heringer, 2018).
As reivindicações de diversos atores da sociedade civil por instituições de ensino superior mais democráticas e que atendessem às demandas sociais por ampliação do acesso resultaram no aumento do número de IES e, consequentemente, no aumento de vagas e diversificação de cursos. Dentro do processo expansionista, essas medidas produziram uma proliferação de diferentes estabelecimentos de ensino superior projetados para públicos específicos. Observa-se, no gráfico a seguir, que na evolução da quantidade de IES públicas e privadas há um predomínio do setor privado. O gráfico inicia essa comparação a partir dos anos de 1980, em que o domínio das IES particulares já é de 77% do mercado, chegando a 2019 com a posse de 90,9% dos estabelecimentos deste nível de ensino.
O cenário da expansão do ES nos anos 2000 contou com reivindicações por uma universidade mais democrática que atendesse às diferentes classes sociais. Assim, mesmo com o aumento da quantidade de estudantes e diversificação do perfil dos ingressantes, por meio de diversas políticas públicas de acesso, ainda é notável as diferenças sociais, de raça, cor, idade, entre outros.
Desse modo, as desigualdades no acesso ao ensino superior continuaram significativas, mas se observou uma tendência de democratização do perfil de renda dos estudantes inseridos tanto na rede pública como na privada entre os anos de 2005 e 2015, conforme demonstra os relatórios do censo do IBGE - Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) -, fazendo com que os estudantes provenientes dos estratos de renda mais baixos se tornassem estudantes desse nível de ensino.
De modo geral, os indicadores sociais lançados pelo IBGE (2016) apontam um atraso escolar na educação básica, o qual influencia diretamente na taxa de frequência líquida no ensino superior de pessoas entre 18 e 24 anos que frequentam o ensino superior. Essa desigualdade é mais acentuada ao considerar os aspectos de cor ou raça, afetando menos os estudantes brancos. A quantidade de estudantes pretos ou pardos inseridos no ES, em 2015, foi de 12,8%, apresentando um crescimento de 7,3%, em relação ao ano de 2005. Observa-se que a população branca, no mesmo período, aumentou de 17,8% para 26,5%, sendo mais que o dobro de pessoas inseridas nesse nível de ensino.
O Plano Nacional de Educação (PNE)[2], em sua meta 12, tem como objetivo aumentar a taxa líquida da população entre 18 e 24 anos no ensino superior para 33%. Essa meta é alta, partindo do pressuposto de que em 2015 esse índice atingiu 18,4%, o que significa um crescimento de aproximadamente 83% até o ano de 2024, conforme consta no PNE (2014-2024). O documento determina também a elevação da taxa bruta de matrículas na educação superior para 50%, assegurando a qualidade da oferta e expansão de pelo menos 40% das novas matrículas sejam no segmento público. Destaca-se a expansão e interiorização da rede federal de educação superior, por meio da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e do sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB). (BRASIL, 2014).
[1]O Conselho de Reforma do Estado CRE foi instituído por meio do Decreto nº 1.738 de 8 de dezembro de 1995, no âmbito do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado, com a finalidade de proceder a debates e oferecer sugestões à Câmara da Reforma do Estado nos assuntos relativos à reforma do aparelho do Estado.
[2] Lei nº 13.005/ 2014 - Aprova o Plano Nacional de Educação - PNE e dá outras providências.
Desarrollo:
Políticas públicas e expansão do ensino superior no Brasil
Na primeira década dos anos 2000, foram desenvolvidas diversas políticas públicas que permitiram a evolução na taxas de matrículas no setor público e privado. A formulação dessas políticas ocorreu em um cenário marcado pela obrigatoriedade da União em elaborar o PNE, conforme descrito na LDB/1996. O Poder Executivo federal iniciou em 1998 diversas tentativas de aprovar o PNE, que só foi efetivado pela Lei nº 10.172/2001. A aprovação do PNE também dará origem ao Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais (REUNI) que foi instituído por um Decreto Presidencial, nº 6.096/2007[1].
O decreto que instituiu o Reuni, em seu Artigo 1, afirma que possui: “(...) o objetivo de criar condições para a ampliação do acesso e permanência na educação superior, no nível de graduação, pelo melhor aproveitamento da estrutura física e de recursos humanos existentes nas universidades federais”. (Brasil, 2007). Dessa forma, as universidades federais possuem um importante protagonismo para impulsionar o desenvolvimento econômico e social do país, visando reduzir as desigualdades sociais com relação ao acesso e à permanência no ensino superior.
Em um plano audacioso, o Governo Federal se apoiou também no REUNI para alcançar, até 2012, a meta de 30% de jovens entre 18 e 24 anos matriculados no ensino superior. Em 2007, esse percentual se encontrava na casa dos 13,1%, ou seja, 86,9% dos brasileiros entre 18 e 24 anos estavam fora do ES. Outra meta estabelecida foi a elevação da taxa de conclusão média em cursos de graduação para 90% e a relação de um professor para dezoito alunos de graduação em cursos presenciais. Destaca-se que esse programa de restruturação e expansão das universidades federais integra-se ao plano de aceleração da educação que representou o maior plano de investimentos na universidade pública brasileira, a qual ficou por mais de dez anos sem um plano de apoio financeiro em um cenário que as IES privadas tiveram mais incentivos.
Além dos pressupostos básicos do projeto expansionista como o aumento de instituições e vagas em universidades federais por meio do REUNI, tinha também como finalidade a expansão geográfica a partir da interiorização das instituições e a integração regional. Visava também o desenvolvimento local sustentável de caráter multicultural, geração de autonomia e consciência identitária aos grupos sub-representados demandantes de direitos por reconhecimento. (Marques; Cepêda, 2012; Lima; Machado, 2016).
O programa se fundamentou em diferentes mecanismos de acesso ao ES como a utilização do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) e do Sistema de Seleção Unificada (SISU) e lei de Ações Afirmativas. Para conter a evasão, foram desenvolvidas medidas de permanência de estudantes em situação de vulnerabilidade social. Entre os anos de 1995 a 2010, verificou-se o mais significativo crescimento do ensino superior público federal - a oferta foi de 81.548 para 218.152 vagas. Isto significa que triplicou a oferta e o acesso da população a este tipo de educação. (Marques; Cepêda, 2012; Lima; Machado, 2016).
Ao estudar os resultados do REUNI, nota-se que essas políticas públicas produziram diferentes resultados econômicos e sociais nas regiões em que foram instaladas. Além de levar o ES para diversas regiões do interior do país, que estavam até então isoladas pela distância das cidades mais desenvolvidas, produziu também impactos positivo no desenvolvimento econômico local. Ou seja, para a instalação das novas universidades e institutos federias foi necessária a abertura de licitações para construções dos prédios, compra de equipamentos, concursos públicos para servidores técnicos administrativos e professores, produzindo resultados positivos para essas regiões.
No que se refere ao ensino superior público, a última política pública descrita nesse tópico, é a Lei de Cotas, Lei nº 12.711/2012[2]. Essa lei iniciou as discussões ainda no governo Fernando Henrique Cardoso, por meio do Projeto de Lei nº 73/1999, de autoria da ex-deputada Nice Lobão (PFL/MA)[3], e foi sancionada no primeiro mandato da ex-presidente Dilma Rousseff. Dessa forma, ficou determinado a reserva de 50% das vagas para alunos que cursaram o ensino fundamental (para o acesso às instituições federais de ensino técnico de nível médio) ou o ensino médio (para o acesso às instituições federais de ensino superior) integralmente em escolas públicas (Godoi; Santos, 2021).
Além do pressuposto básico da reserva de vagas para alunos oriundos da educação básica pública, a lei de cotas apoiava-se também no fator sócio econômico que incluía também estudantes com renda familiar igual ou inferior a 1,5 salários-mínimos per capita. Destaca-se que o artigo 3º determina as regras para o cumprimento das cotas para autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência:
Art. 3º Em cada instituição federal de ensino superior, as vagas de que trata o art. 1º desta Lei serão preenchidas, por curso e turno, por autodeclarados pretos, pardos e indígenas e por pessoas com deficiência, nos termos da legislação, em proporção ao total de vagas no mínimo igual à proporção respectiva de pretos, pardos, indígenas e pessoas com deficiência na população da unidade da Federação onde está instalada a instituição, segundo o último censo (...) IBGE. (Brasil, 2012).
A evolução das instituições públicas de ensino superior no Brasil resgata, ao mesmo tempo, a recente história da universidade brasileira que se desenvolveu a partir da década de 1930, sendo hegemônico no campo educacional até os anos de 1950. Após esse período, inicia-se o surgimento, de um modo tímido, das primeiras faculdades privadas, tornando-se dominante, a partir do final da década de 1960, a oferta de educação superior, conforme a próxima subseção desse texto demonstrará.
O ensino superior privado na América Latina possui três movimentos diferentes que explicam o movimento expansionista do setor. O primeiro é marcado pelo surgimento e, em alguns casos, a consolidação das universidades católicas, e o segundo refere-se às instituições privadas de elite que possuíam altas taxas de mensalidades. Por último, as instituições privadas absorveram a demanda de estudantes em grande escala, intensificando sua atividade depois da segunda metade do século XX. (LEVY, 1986).
A hierarquia do ensino superior privado é sustentada por alguns pressupostos analíticos como a disparidade entre a oferta do sistema público, a demanda e as dificuldades dessas instituições responderem às transformações do mercado com oferta de profissionais qualificados. Esses fatores excedem a capacidade de financiamento e gestão do setor público. Assim, essa inflexibilidade abriu espaço para o mercado organizar-se para atender essas exigências das sociedades contemporâneas a partir da “Indústria do conhecimento”, que significa um setor de negócios voltado para o fornecimento de educação. (Sampaio, 2000).
As instituições particulares que tiveram o acesso massivo são caracterizadas como instituições de cunho empresarial, oferecendo um serviço atrelado e controlado pelo mercado com finalidades lucrativas a partir de garantias pelo seu estatuto jurídico. Ou seja, são empresas que têm como objetivo captar estudantes que não ingressaram nas universidades públicas ou instituições privadas mais seletivas tanto no ingresso como nos custos de mensalidades. Esse cenário foi marcado pelo aumento no número de estabelecimentos desse tipo, sobretudo, após as décadas de 1960, que raramente se constituíam como universidades, concentraram sua oferta de serviços docentes em carreiras de alta demanda e baixo custo de produção. Em alguns casos específicos, essas organizações funcionam como uma verdadeira fábrica de títulos. (Levy, 1986).
As universidades particulares possuíam fins lucrativos, apresentando a compreensão desses locais como “empresas educacionais”, oferecendo produtos e serviços de acordo com a demanda do mercado. Isto enfatiza que o seu funcionamento é similar ao de qualquer outra empresa, vender um produto, possuir competição no mercado e, como propósito final, obter lucro.
Desse modo, outros fatores que contribuíram para o desenvolvimento do setor privado de ensino superior foram os baixos investimentos realizados pela União na área da educação superior, em grande medida ditados pelo processo de ajuste fiscal dos anos 1990. Eram referendados pelas orientações emanadas dos organismos financeiros internacionais, tais como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial, pelos quais os gastos em educação nos países em desenvolvimento deveriam limitar-se ao ensino básico. Com isso, aprofundou-se o fosso existente entre a crescente demanda por educação superior e a oferta de vagas pelas IES públicas, abrindo-se, assim, espaço para a expansão do setor privado que tinha como premissas no seu funcionamento:
(...) um ‘novo ensino privado’, de perfil laico, que se constitui a partir do final dos anos 60, comandado por uma lógica de mercado e um acentuado ethos empresarial. Como já foi assinalado, a partir do final dos anos 80 ocorreu um movimento para transformação de escolas isoladas e/ou federações de escolas em universidades particulares, em grande parte guiado por esse ‘novo ensino privado’. (Martins, 2000, p.46).
Após a primeira década dos anos 2000, ficou evidente as pretensões das faculdades particulares em relação ao campo financeiro. Dessa forma, no período citado, verifica-se a formação de oligopólios por meio da criação de redes de empresas por meio da “(...) compra e (ou) fusão de IES privadas do país, por empresas nacionais e internacionais de ensino superior e pela abertura de capitais destas nas bolsas de valores” (Chaves, 2010, p.483). A migração de grupos/investidores de outros setores do mercado financeiro para o setor educacional se justifica pelo crescimento do setor e favorável à rentabilidade que se apresentou nas últimas décadas, passando a ser um setor de investimentos mais “seguros”.
Entendemos que antes de se questionar a constitucionalidade do oferecimento da educação superior como serviço comercial por empresas de capital aberto e ações na Bolsa de Valores, é necessário saber que a existência de instituições de educação com fins de lucro tem respaldo na CF/1988 e na LDB/1996, principalmente nos Decretos nº 2.207 e nº 2.360, ambos de 1997. Completa-se a essa discussão que neste mesmo ano ocorreu a abertura de capital e Initial Public Offering (IPO) – que significa a venda de ações para o público pela primeira vez - na Bolsa de Valores Paulista das primeiras companhias do campo educacional. Silva Jr & (Sguissardi, 2001).
O aumento da quantidade de alunos inseridos no ensino superior nos anos 2000 fortaleceu a participação dos grupos educacionais no mercado financeiro e expandiu o processo de compra de instituições menores que perderam espaço no mercado educacional regional. A expansão do setor deve-se também às políticas públicas que o estado brasileiro instituiu para garantir a entrada dos estudantes no ES e permanência estudantil através de diferentes incentivos, financiamentos e programas de estudos.
Em relação às principais políticas públicas desenvolvidas pelo governo federal que contribuíram para a expansão do ensino superior, cita-se o ProUni, que foi instituído pela Lei nº 11.096/2005. O programa prioriza a diversidade cultural e social e concede bolsas de estudo integrais e parciais de 50%, oferecendo mais oportunidades às pessoas de baixa renda que cursaram o ensino médio público ou privado com bolsa integral e com boas notas no ENEM para ingressarem em instituições privadas de ES que possuem uma avaliação positiva no Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior. (SINAES)[4].
O ProUni contava com um sistema de reservas de vagas no processo seletivo para acesso ao ensino superior para atender aos requisitos de diversidade cultural com os pretos, pardos e indígenas, inclusão social dos portadores de deficiência e melhoria na qualificação dos professores da rede pública que poderiam cursar licenciatura.
As instituições, ao aderirem ao ProUni, ficam isentas de alguns impostos e contribuições no período de vigência do contrato. O programa não se configura como uma ação orçamentária, isto é, não tem impacto sobre o orçamento consignado anualmente para o MEC. Nota-se também que entre os alunos que possuem financiamentos não reembolsáveis, há um predomínio de financiamentos da própria IES com 68,5%, seguidos pelo ProUni, a partir da concessão de bolsas integrais para 18,2% e parciais de 6,2%. (Brasil, 2019).
Outra política pública de acesso ao ensino superior em IES privadas é o financiamento estudantil (FIES), o qual possui enorme relevância acadêmica. O programa consiste em um apoio financeiro que subsidia as mensalidades de estudantes matriculados em IES privadas com conceitos positivos no SINAES. Trata-se de um financiamento do curso com parcelas e juros menores comparados aos outros financiamentos, com início do pagamento após o término do curso. A manutenção do Fies tem impacto considerável sobre o orçamento da União. O programa possuía 79,2% do total de 1.024.418 matrículas dos financiamentos reembolsável – o aluno paga pelo investimento. (Brasil, 2019).
Em relação ao desenvolvimento de um sistema de subsídios públicos para o ensino superior privado, na forma de isenção de impostos em troca de acesso gratuito subsidiado para alunos de baixa renda por meio do ProUni e um amplo sistema de crédito educacional subsidiado pelo governo. A partir do processo de recessão econômica de 2014, no Brasil, o crédito educacional para o setor privado foi reduzido, levando o mesmo a impulsionar o desenvolvimento do setor de educação a distância, com intuito de manter altas taxas de matrículas e reduzir os custos. (Schwartzman, 2020).
[1] DECRETO Nº 6.096, de 24 de abril de 2007 - Institui o Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais - REUNI.
[2] Lei nº 12.711/2012. Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e nas instituições federais de ensino técnico de nível médio e dá outras providências. Os artigos 3º, 5º e 7º dessa legislação foi reformulada pela Lei nº 13.409/2016.
[3] Dispõe sobre o ingresso nas universidades federais e estaduais e dá outras providências. (As comissões de educação, cultura e desporto; e de constituía e justiça e redação (ART. 54) - ART. 24, II).
[4] Instituído pela Lei 10.861/2004 com o objetivo de assegurar o processo nacional de avaliação das instituições de educação superior, dos cursos de graduação e do desempenho acadêmico dos seus estudantes.
Conclusiones:
Considerações finais
O cenário de expansão do ensino superior, conforme apresentado no Gráfico acima, indica que houve uma diversificação do público do ensino superior por meio de diferentes políticas públicas como o Prouni e Fies. Contudo, essa expansão representou para muitas famílias humildes a possiblidade da entrada de seus filhos na universidade. O aumento da população inserida nas IES bem como a diversificação do perfil de estudantes tanto na renda como cultural por meio da inclusão de pessoas de baixa renda, negros e indígenas demonstrou que o funcionamento adequado das IES se tornou um importante pressuposto para o desenho institucional dos princípios democráticos e da igualdade de oportunidades nas sociedades modernas. (Barbosa, 2015,
O incremento do número das matrículas no ES ocorreu após os governos investirem em políticas públicas para promover a expansão da oferta e a inclusão de grupos sociais que estavam impossibilitados de cursar esse nível de ensino. As principais ações se materializaram por meio da implementação de políticas como o FIES, Prouni e a Lei de Cotas e o Reuni que expandiu a rede de instituições públicas federais e faculdades tecnológicas pelo país levando conhecimento e desenvolvimento local a diferentes regiões do país. A próxima seção desse trabalho apresenta um conjunto de textos e, principalmente os relatórios da Comissão de Educação e cultura da Câmara do Deputados que serão analisados para compreender o processo de formulação de política públicas para o ensino superior e a compreensão e mapeamento das principais comunidades de políticas e atores que participaram do processo expansionista do setor.
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Palabras clave:
Democratização de acesso; Educação Superior; Expansão do Ensino; Políticas Públicas.