Resumen de la Ponencia:
O presente trabalho objetiva abordar o processo de implementação da Nova Base Nacional Comum Curricular no Estado do Ceará com foco na disciplina de Sociologia à luz da teoria crítica do currículo (APPLE, 2006). Considerando os pressupostos epistemológicos do trabalho, a pesquisa que será empreendida é de tipo qualitativa, pois a própria condição do objeto requer uma análise que esteja mais centrada nos aspectos constitutivos dos interesses, objetivos, atores envolvidos e, principalmente, as relações de poder que estão inseridas para construção da nova BNCC e sua forma de efetivação em relação à Sociologia no Ceará. A investigação do objeto de estudo será efetuada por meio de revisão bibliográfica de artigos, livros e textos em geral que abordem a temática. Somado a isso será realizada pesquisa e análise documental dos documentos mais relevantes para compreensão do objeto de estudo, sendo os principais, a terceira versão Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e o Documento Referencial Curricular do Ceará (DCRC), principalmente no que concerne em fazer uma análise comparativa entre os dois documentos, objetivando entender de que maneira a BNCC está sendo implementada no estado, a partir do estudo da componente de Sociologia, ponderando principalmente o histórico recente da disciplina no currículo do Ensino Médio. De modo geral, a pesquisa está indica que não é possível reduzir o problema da implementação da BNCC a uma questão de imposição e de vontade unilateral de um grupo ou classe social, mas produto de intensas disputas que envolve agentes e agências em processos de contradições, concepções políticas, arranjos institucionais e disputas em torno da legitimação do que é abordado no próprio currículo. Além disso, no próprio DCRC é perceptível elementos de continuidades, mas também de contradição e resistência ao que está posto na BNCC e que apesar do processo de tentativa descaracterização e esvaziamento cientifico da disciplina a partir da efetivação do documento normativo, deve se empreender análises mais sistemáticas a partir não somente dos caracteres “oficiais”, mas dos elementos que giram em torno da construção e do currículo e, principalmente, de como os atores principais são afetados, recebem e mobilizam-se em torno da sua aplicação prática.
Introducción:
O presente projeto objetiva investigar o processo de implementação da Nova Base Nacional Comum Curricular no Estado do Ceará com foco na disciplina de Sociologia à luz da teoria crítica do currículo, entendendo este como “espaço” de disputa do poder na sociedade capitalista, a partir da teoria de Michael Apple. Um dos fundamentos centrais da abordagem centra-se no entendimento da educação e, consequentemente do currículo, como produto da dinâmica mais geral, assim como produtor (seja de desigualdades ou como objeto de disputa) das relações sociais na contemporaneidade (APPLE, 1995). O projeto parte do pressuposto de que o currículo não pode ser entendido a partir de uma perspectiva “fechada” e daquilo que é apresentado de forma mais expressa, mas apontando para necessidade de uma compreensão mais abrangente e, em se tratando da disciplina de Sociologia, analisando o lugar da disciplina diante da BNCC no Ceará não somente onde apresenta-se com sua nomenclatura e a possibilidades mediante o quadro apresentado. Dessa maneira, o texto, em linhas gerais, está dividido em duas partes: na primeira versa mais sobre a apresentação do objeto de pesquisa, o processo de construção do Documento Curricular Referencial do Ceará (DCRC )e como este deve ser entendido a partir de um exame que considere os processos de disputas e os atores envolvidos em sua construção, assim como um comparativo entre os elementos de continuidades e descontinuidades com a BNCC, principalmente no que cerne ao caso da Sociologia dentro dessas mudanças (LOPES e LIMA, 2021).
A segunda fração, aborda como à teoria crítica sobre o currículo, em especial às percepções formuladas pelo autor Michael Apple podem contribuir para uma análise mais ampla desses elementos. Do ponto de vista metodológico, a construção do trabalho e da pesquisa se dará à luz da teoria crítica sobre o currículo, entendendo este como produto/processo de relações de poder e, portanto, de disputas, assim como produtor e “reprodutor” das relações sociais, dentro de um quadro mais geral. O ponto de partida é o materialismo histórico-dialético, onde entende-se que a construção e constituição da realidade social é condicionada (e não determinada) pelas relações de produção (MARX e ENGELS, 2007).
Além do mais, o objeto de estudo “O processo de implementação da BNCC no estado do Ceará” tem seu arcabouço metodológico de investigação determinado pela própria relação que estabelece com os componentes sociais que o cercam, portanto, o arcabouço metodológico, inclusive os instrumentos de pesquisa, surge da própria dinâmica do objeto e dos seus fatores endógenos e exógenos, considerando suas múltiplas determinações. Os principais instrumentos de pesquisa utilizados serão a análise de revisão bibliográfica e documental, tanto primária quanto secundária.
Desarrollo:
2.1 UMA ANÁLISE PELOS PRECEITOS GERAIS DA BASE NACIONAL COMUM CURRICULAR
A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) possui três versões, sendo de interesse deste trabalho a análise da sua terceira e última versão, que versa sobre a "Introdução", "Estrutura" e sua proposta para o Ensino Médio (BRASIL, 2017). O documento legitima-se juridicamente, em particular, a partir de quatro importantes marcos legais, são eles: Constituição Federal de 1988, Leis de Diretrizes Básicas (LDB), Plano Nacional de Educação (PNE) e o Conselho Nacional de Educação (CNE). Além do mais, apesar de pautar-se em um discurso de flexibilização e autonomia curricular, com a implementação da nova base comum haverá um desprezo aos projetos educacionais pautados em uma lógica contextualizada às localidades e às soberanias dos Projetos Políticos Pedagógicos das redes de ensino. Somado a essa questão, a nova Base Nacional Comum Curricular está associada a um projeto de educação que objetiva um processo de enxugamento dos currículos da educação básica, amparada numa concepção neoliberal, desprivilegiando elementos importantes da área das Ciências Humanas (DANTAS, 2018).
A nova Base Comum Curricular indica elementos e conceitos que vistos de maneira descontextualizada, podem acarretar numa análise desconexa dos reais efeitos da sua aplicação. Isso porque, do ponto de vista discursivo, a nova BNCC mescla concepções que são tidas como concepções “progressistas” com percepções que remetem às novas formas do neoliberalismo de apreender o âmbito educacional. Como descrito no projeto, a BNCC é um documento normativo que define o conjunto orgânico e progressivo de “aprendizagens essenciais” que todos os alunos devem desenvolver na Educação Básica”. (BRASIL, 2017, p. 2017). O documento aponta dez "competências gerais” que serão norteadoras para o desenvolvimento da aprendizagem da Educação Básica, em seus três níveis: Ensino Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio. Entende-se que essas competências devem estar interrelacionadas durantes as três etapas da Educação Básica, de forma que, partindo da Educação Infantil até o Ensino Médio, a mobilização das habilidades dessas competências ganhe “complexidade” à medida que as aprendizagens essenciais são adquiridas nesse percurso formativo. (BRASIL, 2017) Entretanto, é necessário problematizar essas concepções advindas da “pedagogia das competências e das habilidades”, considerando sua relação simbiótica com premissas empresariais transpostas e aclimatadas para esfera educacional. Essa anuência com as concepções advindas da “pedagogia das competências e das habilidades”, que serão abordadas de forma mais detida ulteriormente, tem relação muito intensa com as novas formas de acumulação do sistema capitalista, que corrobora com uma formação de um “novo trabalhador”, adequada às formas atuais de relação de trabalho, pautadas no modelo toyotista (NOMERIANO, 2005). As principais questões abordadas dentro desses marcos, dizem respeito ao regime de colaboração entre os entes federativos e o problema da BNCC enquanto documento norteador da formulação dos currículos para Educação Básica. Tendo isso alicerçado a partir das competências gerais e das aprendizagens essenciais estipuladas no documento (BRASIL, 2017).
A partir do enxugamento curricular e da definição do que é essencial na aprendizagem, somente as disciplinas de Português e Matemática continuarão sendo obrigatórias no Ensino Médio, observa-se uma focalização no “letramento” e nas ciências exatas, que são as áreas do conhecimento mais cobradas nos exames de larga escala e também indispensáveis para atividades básicas laborativas (FREITAS, 2013). Nessa etapa do Ensino Médio, o documento diz que a BNCC não determina o currículo, mas reorienta as propostas pedagógicas baseados nas “aprendizagens essenciais” para proposição curricular no interior dos itinerários formativos. Desse modo, os itinerários formativos seriam estratégias para “flexibilização curricular”, mediante as competências específicas da área numa carga horária de 1.800 horas.
2.2 A “PEDAGOGIA DAS COMPETÊNCIAS” E O “NOVO TRABALHADOR" DO MUNDO TOYOTISTA
Desde os princípios da legitimação do capitalismo, a educação e o mundo do trabalho sempre tiveram uma relação muito próxima, já que o próprio processo de centralização educacional insere no contexto da formação dos Estados-Nacionais, como método de formação de mão-de-obra e disciplinamento dos trabalhadores. Qualquer mudança significativa que se dê na base do sistema produtivo, requer uma transformação (não necessariamente funcional) no âmbito da educação. De acordo com Mészáros (1995) a partir da década de 1970 deu-se início a maior crise estrutural do sistema capitalista. Como descreve o autor, o modo de produção capitalista constitui-se através de crises, devido ao caráter incontrolável do sociometabolismo de sujeição do “valor de uso” ao “valor de troca”. Mészáros, com objetivos didáticos, indica a existência de funções de primeira e segunda ordem. As primeiras dizem respeito às atividades essenciais dos indivíduos para manutenção da vida, tais como a regulação da atividade biológica reprodutiva; as relações de intercâmbio com a natureza; e a organização e coordenação de atividades produtivas e culturais (MÈSZÀROS, 1995). Esses elementos são engendrados a partir do apartamento entre aqueles que efetivamente produzem e aqueles que controlam a produção. Evidente que esse processo dá-se em primeira instância no âmbito da produção material, mas alarga-se aos demais círculos da sociabilidade, inclusive na esfera educacional. De fato, o processo acelerado de privatização da educação, tratada cada vez mais como “bem de consumo”, assim como a penetração de concepções empresariais nessa esfera são, sem dúvida, exemplos expressos dessa sujeição das funções de primeira ordem, ou seja, da educação como bem essencial, pelas funções de segunda ordem, no caso, a educação como mercadoria. (MÈSZÀROS, 1995).
Segundo Antunes (1999), alguns elementos são fundamentais para entender a emergência da nova configuração produtiva do modo de produção capitalista sendo as principais: a queda nas taxas de lucro; o esgotamento do binômio taylorismo/fordismo; a crise do compromisso do wefare state; e a hipertrofia do capital financeiro. Enquanto nos modelos taylorista/fordista de organização das relações de trabalho existia a predominância do trabalho semiqualificado, com uma produção verticalizada e fragmentada, combinando a otimização do tempo (fordista) com o aumento da intensidade (taylorista). A partir dos anos 1970 com o modelo toyotista, haverá uma importante mudança nesse padrão como resposta à crise estrutural do capital (ANTUNES, 1995). Mediante essa nova modificação da relação capital/trabalho, exige-se a formação de um trabalhador de “novo tipo”, que seja compatível com a ascensão das novas formas de gerenciamento do processo produtivo. Sendo necessária transfigurações não só na forma como esse “novo trabalhador” se desvela na manufaturação, mas também numa subjetividade que seja conciliável com essas novas conformações. Em vista disso, o trabalhador fragmentado, parcelado e de estrutura vertical, dá lugar ao aparecimento do trabalhador participativo, multifuncional e polivalente. Essa reorganização do trabalhador que, segundo os defensores do toyotismo seria mais realizadora para o trabalhador tem se mostrado mais uma forma de intensificação da exploração da força de trabalho (ANTUNES, 1999). É a partir da constituição desse cenário que se pode compreender as mudanças e as novas políticas que se dão na esfera da educação. Além disso, na visão dos setores empresariais, "a educação seria, então, um setor estratégico muito importante para ficar só nas mãos dos educadores” (DANTAS, 2018, p.106). Nesse contexto surge a “pedagogia das competências e das habilidades”. Assim como a concepção de uma maior participação no processo produtivo por parte dos trabalhadores, a “pedagogia das competências e habilidades” ostenta a ideia de uma transgressão do modelo educacional antigo onde predomina a “transferência do conhecimento”. O principal ideólogo da “pedagogia das competências”, Philippe Perrenoud, chama atenção para a construção de mecanismo de ensino que estejam mais voltados à formação dos estudantes para saberes práticos da vida cotidiana (HOLANDA, FRERES e GONÇALVES, 2009).
2.3 A RELAÇÃO ENTRE A BNCC E OS EXAMES INTERNACIONAIS E NACIONAIS DE LARGA ESCALA
Um dos principais aspectos implicados na constituição da BNCC diz respeito à discussão sobre a contextualização da relação “ensino-aprendizagem” às regionalidades nas quais estão inseridos os sujeitos envolvidos nesse processo. Deste modo, existiu um esforço por parte do Ministério da Educação em mostrar que “as competências e diretrizes são comuns, os currículos são diversos” e que a BNCC ampara-se dentro dos marcos legais supracitados (BRASIL, 2017, p. 11). O documento é concludente em destacar que a categorização em “competências gerais”, substituindo o conceito de disciplinas, tem relação com os mecanismos de avaliações de órgãos internacionais como a Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que coordena o Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa, na sigla em inglês), e da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco, na sigla em inglês) (BRASIL, 2017, p. 13). No que concerne a esse problema Dantas (2018) assinala que essa relação entre o estabelecimento da BNCC e sua conexão com os programas de avaliação em larga escala, acaba por reforçar “processos de desprofissionalização, desqualificação e desintelectualização dos professores da educação básica” (DANTAS, 2016). Destarte, Dantas (2018) também assinala que a BNCC aprofunda a lógica de esvaziamento do conteúdo crítico e analítico, especialmente da área das Ciências Humanas, haja visto o caráter centralizador e tecnicista dos métodos das avaliações em larga escala dos órgãos internacionais citados anteriormente. Nesse caso em específico, conforme mostra Torres (2003), existe um expresso processo de centralização curricular por meio de avaliações que exigem saberes neutros em meio a universos de subjetividades. Desse modo apresenta-se também a incongruência do discurso neoliberal “em favor das liberdades individuais” e da flexibilização e autonomia curricular.
No Brasil, as principais expressões desses mecanismos de avaliação estão no Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), na Prova Brasil, ambos fazem parte do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (IDEB) e também do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM). Ambos os exames, SAEB e Prova Brasil, privilegiam os aspectos mais “objetivos” da educação. No caso, avaliações acerca da leitura e interpretação textual, assim como as habilidades para resolução de problemas matemáticos. Ou seja, os aspectos críticos e reflexivos dos processos educativos, contidos especialmente em áreas como Sociologia e Filosofia, são relegados, não sendo base para orientação da política educacional.
Com a Base Nacional Comum Curricular existe um aprofundamento dessa lógica de subordinação a processos de avaliação que negam o desenvolvimento de subjetividades dos estudantes. Na outra ponta do problema encontra-se a questão da formação docente. Evidente que com essas transformações curriculares para atender às demandas dos exames de avaliação em larga escala, e com o aprofundamento dessa lógica a partir da BNCC, exige-se também uma mudança na formação docente, de forma que também obedeça às necessidades desse modelo de educação. Em correspondência com esse ponto, o programa Residência Pedagógica também tem a função de contribuir para reformulação dos currículos dos cursos de formação inicial de professores da educação básica. Isto é, essa imaginada integração entre IES e unidades de ensino prevista no programa tem como função a reorganização dos currículos tanto da educação superior quanto da educação básica, o que pode afetar a autonomia dos Projetos Políticos Pedagógicos de ambas as esferas.
2.4 A DESQUALIFICAÇÃO DO MODELO DISCIPLINAR E SUAS IMPLICAÇÕES NA CONSTRUÇÃO CURRICULAR
Sem dúvida, um dos pontos centrais da análise centra-se na necessidade de compreender de que forma se efetiva o processo de “reorganização dos saberes” a partir da nova base e dos documentos normativos aprovados pelos órgãos de educação do estado (LOPES e LIMA, 2021). É fato que existe um processo de “desqualificação do formato disciplinar” a partir da base comum, mas é perceptível o movimento, pelo menos no Ceará, no sentido de resguardar o quanto possível o modelo de disciplinas, os motivos dessa direção em certa resistência ao conhecimento em competências e à divisão em temas deve ser estudada de forma aguçada e pode revelar diversos fatores. Lopes e Lima (2021) chamam atenção para este fato, ao passo que demonstram a partir do método de classificação proposto por Bernstein como houve uma alteração substancial na organização do saber escolar, com uma alta quantidade de temas e proporção parecida, uma diminuição de conceitos. Na prática, “enfraquecimento do discurso sociológico”. Especialmente ao interpretarmos a alta quantidade dos temas, e a baixa de conceitos e teorias nos textos curriculares, a análise indicia, nos dois casos, um enfraquecimento da classificação do texto curricular relativo ao discurso pedagógico sociológico. Isso nos leva a tecer algumas inferências sobre os rumos curriculares que se apresentam no horizonte contemporâneo para o ensino de Sociologia. (LOPES E LIMA, 2022, p.06) Um dos aspectos que devem ser levados em consideração para se entender melhor como a Sociologia pode ser afetada pela implementação da BNCC é compreender o lugar atribuído à disciplina historicamente em cada estado.
Outro elemento, segundo Lopes e Lima (2021) importante - que também é reivindicado no próprio documento - que deve ser levado em consideração quando se trata da implementação da Nova Base no estado diz respeito aos atores envolvidos na elaboração dos documentos normativos que orientam sua efetivação, tendo no caso específico do estado a predominância de profissionais do “chão da escola”, ou seja, docentes da rede de ensino estadual. O principal documento normativo é o Documento Curricular Referencial do Ceará (DCRC) que tem uma das suas principais características a não supressão das disciplinas, apesar da organização em áreas do conhecimento. Alguns elementos podem ser citados como proeminentes para que essa estrutura fosse resguardada, alguns deles burocráticos/institucionais, como é o caso da mudança de lotação/carga horária/carreira dos docentes, os outros diz respeitos aos aspectos políticos e pedagógicos, como é o caso da organização dos docentes, seja no plano macro através das Coordenadorias de Desenvolvimento Regionais de Educação (CREDE’s) ou no plano micro, na própria dinâmica das escolas. Lopes e Lima (2021) chamam atenção para um aspecto importante que é uma “postura de resistência” por parte dos redatores do DCRC, com uma expressa orientação para perspectiva pedagógica das duas versões anteriores da Nova Base, rumando para noção de direitos de aprendizagem quando possível, em vez da noção de competências e habilidades.
2.5 A TEORIA CRITICA DO CURRICULO E UMA ANÁLISE “NÃO-MONOLÍTICA” DA IMPLEMENTAÇÃO NOVA BASE COMUM CURRICULAR NO CEARÁ
Michael Apple deu relevantes contribuições para a compreensão da educação na sociedade capitalista contemporânea. Do ponto de vista epistemológico, estabeleceu uma relação muito próxima ao marxismo, ao passo que renovou e incrementou novos elementos a esta concepção de mundo, por isso considerado um neomarxista. Além disso, o autor indicou limites e lacunas às teorias curriculares hegemônicas e tradicionais, que pretendiam o entendimento do currículo apartado dos processos políticos, culturais e econômicos, como se este fosse dotado de uma neutralidade e tendo sua função voltada para uma tecnicização do ensino (APPLE, 1995). Não precisamos de participar na análise do papel da escola na reprodução econômica e cultural das estruturas de classe, género e raça em que se encontram os rapazes, meninos e meninas para compreender que existe actualmente uns intensos conflitos entre outros grupos em torno da escola. Industriais e burocratas do Estado pretendem tornar as escolas mais eficientes de forma a satisfazerem as exigências ideológicas e de "mão-de-obra" da economia. (APPLE, 1995, p.188) Todavia, Apple distancia-se das concepções reprodutivistas e funcionalistas da educação e do currículo, entendendo que, apesar de interligada às estruturas superiores, não existe uma relação funcional e mecânica, onde a educação reproduziria as lógicas desses ordenamentos.
Para o pensador, na verdade, a construção do currículo é transpassada por relações complexas que implicam um retorno ao paradoxo clássico das ciências sociais entre “agência e estrutura”. Sendo assim, existe, claro, uma tentativa de imposição dos interesses e valores da classe dominante, mas também resistências e conflitos por parte dos grupos sociais que têm historicamente seus conhecimentos deslegitimados nos currículos formais da educação (APPLE, 1995). Esse trecho expressa bem o que foi mencionado; Convém recordar que, como um aspecto do Estado, as escolas parecem estar envolvidas em duas atividades preponderantes, entre outras. Contribuem tanto para o processo de legitimação como para o estabelecimento de algumas das condições prévias necessárias à acumulação de capital. Muito embora a escola "produza" estes resultados de formas contraditórias, não intencionais, e contestadas, é fundamental focalizarmo-nos mais diretamente na relação que os referidos elementos estabelecem com o Estado, sobretudo porque as reformas que se discutem são geradas a partir do seu interior. (APPLE, 1995, p.188)
Menos que percepções fundadas aprioristicamente, Apple está preocupado na forma como as relações de poder se dão em torno do currículo, considerando os aspectos do cotidiano da educação escolar. É nesse âmbito que se desenvolvem os processos de disputa (e não somente de dominação) entre os grupos sociais envolvidos (APPLE, 1995). Esse intento contribui para a captação de uma maneira mais circunscrita na forma como a BNCC está sendo implementada no estado do Ceará e qual o lugar que a Sociologia ocupa/ocupará neste contexto. Tendo isso em vista, faz-se necessário considerar que apesar da Nova Base apresentar o quadro de pulverização dos conhecimentos disciplinares e de alguma e ter como objetivo a formação de subjetividades afeitas às noções individualistas associadas às ideias do empreendedorismo, isso não se dá sem um amplo e complexo processo de disputa que se desenvolve em diversas esferas das mais variadas formas, tendo uma série de atores e grupos sociais resistindo ou agindo no sentido de recusar ou utilizar das próprias estruturas internas da Nova Base e do Novo Ensino Médio. (LOPES e LIMA, 2021) O próprio DCRC é uma prova plena dessa questão, já que, apesar de estar inserido nas normativas da BNCC, o documento resguarda elementos de resistência a unidades centrais da Nova Base, como é o caso da conservação das disciplinas, mesmo considerando as perdas do ponto de vista conceitual (DCRC, 2022).
Do ponto de vista epistemológico, Apple aponta para a importância do exame acerca da realidade escolar estar sempre associada aos elementos práticos (sem cair num pragmatismo e empirismo) do cotidiano escolar. Sendo assim, é tão importante entender o que não está explícito no currículo formal quanto aquilo que é expresso no mesmo. Por isso, o autor sugere a etnografia como método de compreensão desses elementos, estando, claro, associada aos conceitos mais gerais das teorias sociais. (APPLE, 1995) Seguindo este itinerário pode-se inferir que existem processos de disputas amplos na conformação da Nova Base Comum que se dão nas mais variadas esferas, seja no âmbito institucional, como foi o exemplo da construção das DCRC, que de alguma forma apresenta alguns elementos de rupturas em relação à Nova Base, seja nos espaços do cotidiano da realidade escolar, através da articulação dos docentes para uso (ou não uso) dos materiais didáticos que são oferecidos; na assimilação das próprias orientações normativas; nos descensos em relação a essas normativas e orientações; na diversidade com que cada estado, Coordenadorias Regionais de Ensino (CREDE’s) e escola assimilam esses documentos e orientações. (APPLE, 1995)
2.6 O LUGAR DA SOCIOLOGIA NO DOCUMENTO CURRICULAR REFERENCIAL DO CEARÁ DCRC
Do ponto de vista analítico e metodológico, Lopes e Silva (2021) apontam que para entender o posicionamento da Sociologia nas Diretrizes curriculares, deve-se examinar as “fronteiras” da disciplina em relação às outras e “o modo como são apresentados seus conteúdos curriculares”. Ancorados na noção de classificação de Bernstein, as autoras apontam para a ideia de categorizar os conteúdos da disciplina como “fraco” ou “forte”, sendo a primeira categoria como representação de noções mais genéricas ou ligadas à outras áreas e a segunda como ilustração de conceitos que tenham uma relação mais expressa com a Sociologia (LOPES e LIMA, 2021)
A partir disso é possível inferir algumas conclusões, entre as quais a perda do “protagonismo sociológico”, um processo de “desdisciplinarização” e “pulverização das fronteiras disciplinares”, o que gera impactos em todas as esferas do processo de ensinoa/prendizagem, desde à produção de material didático, a preparação e formação dos docentes, assim como a forma como esses conceitos/conteúdos são recontextualizados para sala de aula (LOPES e LIMA, 2021) O processo de pulverização das fronteiras disciplinares e desdisciplinarização tem ligação íntima com a noção de construção de aprendizagens ditas como “essenciais”, secundarizando uma formação científica em detrimento de uma concepção generalista da educação, voltada para formação de subjetividades afeitas ao ordenamento neoliberal (DANTAS, 2018)
Esse ponto choca-se com um dos elementos basilares da Sociologia que é a construção de análises da realidade a partir de pressupostos científicos, assim como vai de encontro aos seus objetivos didáticos pedagógicos de “desnaturalização”, “estranhamento”, “criticidade” e formação cidadã. Dessa maneira, faz-se importante averiguar de que formas os saberes científicos e o próprio processo de contextualização-recontextualização da Sociologia enquanto disciplina são afetados pela implementação da Nova Base (BODART, 2020)
A abordagem do trabalho busca afastar-se de percepções que dissociam a metodologia do que realmente fundamenta o próprio objeto e cria uma alienação entre a metodologia e o objeto, portanto, para construção deste projeto, o objeto foi o elemento que fundamenta a metodologia, e não contrário (NETTO, 2011). Na concepção materialista histórico-dialética não se deve partir de “fundamentos” ou uma “lógica” concebida a priori, ou seja, que se aplica à natureza do objeto de estudo, mas, ao contrário, é a natureza do próprio objeto que determina o método a ser empreendido, assim como seus instrumentos de pesquisa. Segundo Netto (2011), o objetivo primeiro da metodologia é possibilitar a compreensão da essência (ou seja, sua estrutura e dinâmica) do objeto estudado. Esses apontamentos preliminares fazem-se importantes, pois caso não se procedesse dessa maneira, o próprio princípio do estudo do currículo como produto (e re/produtor) de relações de poder, estaria em contradição, pois este também é produto de relações sociais concretas e não como um elemento neutro ou que tem sua existência definida de forma apartada dos contextos sociais (FLICK, 2006). Considerando os pressupostos epistemológicos do trabalho, a pesquisa que será empreendida é de tipo qualitativa, pois a própria condição do objeto requer uma análise que esteja mais centrada nos aspectos constitutivos dos interesses, objetivos, atores envolvidos e, principalmente, as relações de poder que estão inseridas para construção da nova BNCC e sua forma de efetivação em relação à Sociologia no Ceará (SÁ-SILVA, J. R.; ALMEIDA, C. D.; GUINDANI, J. F., 2009).
A investigação do objeto de estudo no atendimento dos objetivos da pesquisa será efetuada por meio de dois instrumentos de pesquisa, a saber: a. revisão bibliográfica nas principais fontes científicas da área (Portal Periódicos Capes; Anais do Encontro Nacional de Ensino de Sociologia na Educação Básica – Eneseb, nos anais da SBS, assim como artigos de autores especialistas que abordam a temática do “currículo”, com foco especial para aqueles que tratam da implementação da BNCC, b. análise documental a partir dos registros oficiais produzidos sobre o currículo do estado do Ceará sobre o ensino de Sociologia; Tendo em vista a importância da análise documental como procedimento de investigação, faz-se necessário o aprofundamento na forma como tal procedimento deve ser empreendido para realização da pesquisa. Cellard (2008) indica o caráter "político" do documento, haja visto que este foi feito dentro de determinadas condições históricas e também, apesar de ser um objeto que não pode ser modificado pelo pesquisador, requer de uma relação de ação do pesquisador para que se possa explorar de uma melhor maneira o conteúdo do documento. .
Os principais documentos analisados serão a Nova Base Nacional Curricular e o Documento Referencial Curricular do Ceará, principalmente no que concerne em fazer uma análise comparativa entre os dois documentos, objetivando entender de que maneira a BNCC está sendo implementada no estado, a partir do estudo do componente curricular Sociologia.
Conclusiones:
De modo geral, a pesquisa está indica que não é possível reduzir o problema da implementação da BNCC a uma questão de imposição e de vontade unilateral de um grupo ou classe social, mas produto de intensas disputas que envolve agentes e agências em processos de contradições, concepções políticas, arranjos institucionais e disputas em torno da legitimação do que é abordado no próprio currículo. Além disso, no próprio DCRC é perceptível elementos de continuidades, mas também de contradição e resistência ao que está posto na BNCC e que apesar do processo de tentativa descaracterização e esvaziamento cientifico da disciplina a partir da efetivação do documento normativo, deve se empreender análises mais sistemáticas a partir não somente dos caracteres “oficiais”, mas dos elementos que giram em torno da construção e do currículo e, principalmente, de como os atores principais são afetados, recebem e mobilizam-se em torno da sua aplicação prática. Somado a isso, torna-se relevante não reduzir o problema da implementação da BNCC a uma questão de imposição e de vontade unilateral de um grupo ou classe social, mas produto de intensas disputas que envolve agentes e agências em processos de contradições, concepções políticas, arranjos institucionais e disputas em torno da legitimação do que é abordado no próprio currículo (APPLE, 1995)
Tendo isso em vista, como apontado por Lopes e Silva (2021) é revelado que a Sociologia irá passar por um processo de descaracterização dos seus fundamentos científicos e pedagógicos a partir da implementação da BNCC no estado do Ceará, porém, cabe uma análise sistemática criteriosa que siga no sentido de compreender o que está em disputa na efetivação do currículo no estado, a partir não somente dos caracteres “oficiais”, mas dos elementos que giram em torno da aplicação prática do currículo e, principalmente, de como os atores principais são afetados e se mobilizam para resistir esses processos. A partir do que foi elaborado, espera-se como resultados: suscitar o debate sobre os pontos de continuidades (convergências) e descontinuidades (divergências) entre BNCC e DCRC; Contribuir para as discussões acerca de como a BNCC pode redefinir os objetivos didáticos pedagógicos da Sociologia no Ensino Médio; e proporcionar uma ampliação das discussões em relação aos caminhos e possibilidades dos/das docentes de Sociologia mediante à BNCC
Bibliografía:
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Palabras clave:
BNCC, DCRC, Sociologia, Ceará