Resumen de la Ponencia:
A pesquisa teve como principal problematização analisar se a cultura e arte se constituem em instrumentos emancipatórios para as juventudes. Para tanto, norteou-se através do objetivo geral de refletir sobre a dimensão das iniciativas promovidas pela Fundação Municipal de Cultura (FMC) do município brasileiro de Ponta Grossa/PR junto ao público juvenil. Buscou também: sistematizar fundamentos teóricos sobre as categorias que cercam a pesquisa; mapear os programas culturais e artísticos ofertados pela FMC; identificar elementos que caracterizem um perfil dos programas e projetos ofertados pela instituição; identificar junto aos profissionais da Fundação as suas perspectivas sobre juventudes, arte e cultura; e analisar os principais desafios enfrentados pela equipe de profissionais na execução dos programas e projetos. Tratou-se de uma pesquisa qualitativa, de natureza exploratória e descritiva e com uso de metodologia bibliográfica e documental; e para a aproximação do campo de pesquisa, realizaram-se entrevistas semiestruturadas aos profissionais responsáveis pela coordenação dos setores/departamentos da FMC que possuem ações culturais voltadas para a comunidade, as quais foram analisadas por meio de análise de conteúdo. Enquanto principais resultados, viu-se que a arte e a cultura podem ser bandeiras de luta e símbolos de resistência, indissociáveis do cenário em que estamos inseridos, carregando consigo a possibilidade de abrir o caminho para o pensamento crítico e em alinhamento aos processos de mudança social. Elas trazem poder de voz, expressão e protagonismo, além de promoverem a convivência e o vínculo entre os indivíduos. Também, as ações promovidas pela FMC podem ser consideradas importantes instrumentos para a interpretação da realidade e para o impulsionamento à sua mudança, partindo do entendimento de que essas ações têm como fundamentos a democratização e ressignificação da arte e da cultura e a transformação do cenário social através delas. Constatou-se ainda a magnitude de se reconhecer as inúmeras potencialidades que as juventudes carregam (e podem carregar), enquanto principais agentes propulsores de movimentos sociais e resistência - considerados atores centrais nas mais diversas ondas de mobilização, não somente no Brasil mas também no mundo. Tão logo, amarramos a dimensão da cultura e arte como processos pedagógicos emancipatórios na vida dos jovens, segmento este que carrega a sede por mudança e rico em manifestações de sociabilidade. Por fim, o estudo evidenciou as iniciativas elaboradas pela instituição analisada que visam o incentivo e estímulo à participação dos jovens em suas ações, buscando, principalmente, desconstruir o entendimento elitizado de arte e cultura para as juventudes de periferia, assim como frisou a importância da formulação de políticas culturais para os jovens no Brasil e em Ponta Grossa, tendo em mente que o município é um reflexo das políticas federais.
Introducción:
Este trabalho reflete sobre a dimensão da arte e da cultura enquanto instrumento emancipatório junto aos programas/projetos/ações, em especial ao público juvenil, na Fundação Municipal de Cultura (FMC) do município de Ponta Grossa/Brasil.
A Fundação Municipal de Cultura foi escolhida como campo de pesquisa por se tratar do órgão responsável em planejar, promover, coordenar, executar e acompanhar as ações culturais do Poder Público Municipal no âmbito das manifestações artístico-culturais dos mais diversos segmentos presentes na sociedade, competindo-lhe, desta forma, a formulação da política cultural do município (PONTA GROSSA, 2013).
A partir dessas considerações, assinala-se, portanto, que o campo de pesquisa é a Fundação Municipal de Cultura de Ponta Grossa e, como sujeitos participantes, se delimitou a partir de critérios os cinco responsáveis pela coordenação dos setores que compõem a FMC, os quais são considerados como sujeitos significativos para responder às questões através de entrevista semi-estruturada que moveram esta pesquisa. Pontua-se também que o estudo se trata de uma pesquisa qualitativa, de natureza exploratória e descritiva.
O processo de análise dos resultados deste estudo se deu por análise de conteúdo. Segundo Câmara (2013), a análise de conteúdo tem o objetivo de compreender características, estruturas ou modelos através dos fragmentos das mensagens coletadas, onde o esforço do pesquisador se divide em duas partes: entender o sentido daquilo que foi comunicado e, principalmente, fazer o desvio do olhar em busca de outras formas de significação. Portanto, a análise de conteúdo segue três passos: a pré-análise, a exploração do material e o tratamento dos resultados. Deste processo de análise dos dados resultaram as seguintes categorias analíticas: ações promovidas pela Fundação Municipal de Cultura; concepções da relação: arte, cultura e juventudes; desafios do trabalho com arte e cultura; ampliação das perspectivas de trabalho da Fundação Municipal de Cultura; e a articulação junto às juventudes.
Desarrollo:
As primeiras categorias que nortearam a pesquisa foram cultura e arte, o que se tornou um desafio buscar definir seus conceitos a partir da literatura. Existe uma gama de resultados e possibilidades a partir desses dois conceitos e, disto, nota-se que sua definição concreta é um ponto que ainda se encontra em discussão, especialmente na área das ciências humanas e ciências sociais aplicadas.
Com a obra de Santos (1987), observamos que o termo na contemporaneidade se associa ao estudo, ao saber, às manifestações artísticas, aos meios de comunicação de massa, festas e cerimônias ligadas à tradição, lendas, crenças, entre demais outras formas de expressões culturais.
O autor trabalha duas concepções de cultura: a primeira abrange todos os aspectos de determinado cenário, onde a própria existência social de uma nação caracteriza-se por esse termo. Aqui, o direcionamento é dado à totalidade de características de um povo, nação ou de grupos no interior de uma sociedade, analisando as maneiras como estes concebem e organizam a vida social e/ou seus aspectos materiais.
Já a segunda concepção diz respeito, mais especificamente, aos conhecimentos, ideias e crenças de um povo. Neste contexto, o autor cita o exemplo da cultura francesa, onde ela pode abranger a língua francesa, literatura francesa, sua filosofia, expressões artísticas… ou até mesmo a cultura alternativa, que engloba os modos de se pensar, ver e de viver a vida. Um ponto destaque feito por Santos (1987, p. 39) é a indispensabilidade de pensarmos a cultura em sua forma dinâmica, e não como algo fixo, imóvel; assim, “nada do que é cultural pode ser estanque, porque a cultura faz parte de uma realidade onde a mudança é um aspecto fundamental.”
À vista disso, o autor em questão percebe a cultura como um aspecto constituinte do cenário social, de dimensão não-material, onde a sociedade encontra um espaço de expressão sobre o conhecimento que possui de si mesma, sobre outras, sobre a própria existência – incluindo, também, o modo como se é expresso, seja através da arte, da religião, da ciência, da tecnologia, da política.
E ao analisar a produção de Coli (2006), compreendemos a pontuação do autor que, mesmo existindo uma certa dificuldade na definição do termo arte, é possível abordá-lo diante da ideia de admiração; ou seja, é provável que, se perguntarmos a um indivíduo o que ele considera como arte, a resposta será algo em torno do que ele mesmo admira, o que é visto como belo ou até mesmo espantoso – algo que envolve o sentir do sujeito.
Conforme o supracitado autor, a mentalidade sobre a arte passa a se expandir a partir do século XIX, quando o olhar da antropologia e sociologia se direciona não apenas para as expressões da Renascença, mas também para a arte oriental, egípcia, popular, moderna e inclusive a pré-histórica. À vista disso, vemos aqui a ruptura com a perspectiva etnocêntrica europeia da concepção do que é arte para além da cultura. Ademais, enfatiza-se a arte em sua função de conhecimento e aprendizagem. Isto é, o domínio da arte diz respeito ao não-racional, ao indizível, resultando na transformação dos indivíduos através do contato com ela.
Para Serafini e Deitos (2008), a arte abrange a dimensão de ser discutida a partir da perspectiva do materialismo histórico dialético, afirmando que a realidade possui um tempo histórico e que o modo de produção do homem é determinado pela junção da vida social e política daquele momento. Nesse sentido, a arte é compreendida através do reflexo da ação do homem sobre a natureza, onde a habilidade artística vem a partir de um aprendizado, de uma mediação e humanização dos sentidos.
A partir dessa humanização dos sentidos, a arte se apresenta então “[...] como um elemento que tem a capacidade de incidir contra os processos de alienação porque faz com que o indivíduo se perceba em sua totalidade” e também “[...] faz os homens enxergarem uns aos outros.” (SCHERER, 2013, p. 75, 74).
O terceiro elemento que norteou a pesquisa e que buscou-se sua definição através da literatura foi emancipação. E para entender sobre, recorreu-se à obra de Montaño e Duriguetto (2010), onde os autores ancoram-se em Marx na apresentação da distinção entre emancipação política e emancipação humana.
A emancipação política diz respeito à conquista de direitos civis, políticos, trabalhistas e sociais – em outros termos, é responsável pela garantia da liberdade e igualdade perante a lei. Os autores em referência reconhecem a dimensão de tais conquistas no progresso da sociedade, e não obstante, chamam a atenção no sentido da emancipação política realizar-se no interior da ordem do capital. Isto é, realizam-se na manutenção de um sistema desigual (MONTAÑO, DURIGUETTO, 2010).
Para Marx (s.d. p. 29), com a emancipação política o homem não se libertou da religião mas recebeu a liberdade religiosa, assim como também não se libertou da da propriedade mas recebeu a liberdade da propriedade. Ou seja, em uma sociedade onde as desigualdades são tão gritantes como a nossa, a emancipação política permite o “equilíbrio” entre as esferas presentes no corpo social. Declara o direito de ir e vir, o direito ao voto, direito da organização, direito à moradia, educação, saúde etc. Contudo, na visão de Marx, a emancipação política limita-se na medida em que ela não alcança a emancipação do homem em sua totalidade, assim dizendo “O Estado pode ter-se emancipado da religião, embora a imensa maioria continue a ser religiosa.” (MARX, s.d., p. 11).
A emancipação humana, por outro lado, equivale à eliminação de toda forma de desigualdade e exploração entre os homens. Ou seja, ela ocorre na superação da ordem do capital, tendo como horizonte o comunismo (MONTAÑO, DURIGUETTO, 2010). Em suma: para Marx, a emancipação política não deve ser vista como um fim, mas como um meio para atingir a emancipação humana. Tão logo, segundo pontuam os autores, não há emancipação humana sem emancipação política, assim como emancipação política não pressupõe a emancipação humana.
E por fim, a última categoria da qual se analisou sua concepção no presente estudo foi juventudes, na qual a sua definição mais simples pode ser encontrada na leitura da Lei brasileira nº 12.852 de 2013, que designa enquanto jovem aquele que possui entre 15 a 29 anos de idade. Elucidando em dados quantitativos, aproximadamente 26% da população latino-americana e 27% da população brasileira, segundo o IBGE de 2013, se encontram nesta faixa etária, conforme vemos em Barreiro (2017). Entretanto, a preocupação com a inserção da juventude na agenda pública só passou a intensificar-se nos últimos anos, trazendo, como principal marco, o Estatuto da Juventude.
O Estatuto (instituído pela Lei nº 12.852 de 2013) dispõe sobre os direitos dos jovens, que segue os princípios de: promoção da autonomia e emancipação deste segmento; de valorização de sua participação social e política; de promoção da criatividade e da participação no desenvolvimento do Brasil; de reconhecimento dos jovens enquanto sujeitos de direitos universais, geracionais e singulares; de promoção de seu bem-estar; de respeito à sua identidade e diversidade individual e coletiva da juventude; de promoção da vida segura, cultura da paz e da não discriminação; e também de valorização do diálogo e convívio do jovem entre as gerações (BRASIL, 2013).
Na busca de definição para o termo juventude, Esteves e Abramovay (2009) apud Scherer (2013) apontam a juventude enquanto construção social. Isto significa que a juventude se configura enquanto produção do imaginário social a partir da forma como os jovens são vistos pelos demais. Abrange-se nisso momentos históricos e as mais diversas situações de classe, gênero, etnia e outros (ESTEVES E ABRAMOVAY, 2009 apud SCHERER, 2013).
Compreendendo que momentos históricos, situações de classe, gênero, etnia etc. determinam o entendimento por juventude, Dayrell e Carrano (2003) enfatizam a noção de juventudes no plural, na defesa de que não existe somente um único modo de ser jovem nas esferas sociais. Nas palavras dos autores, “[...] as juventudes não são apenas muitas, mas são, fundamentalmente, constituídas por múltiplas dimensões existenciais que condicionam o leque de oportunidades da vivência da condição juvenil.” (DAYRELL, CARRANO, 2003, p. 9).
Neste trabalho utilizamos da aproximação feita por Borgo (2014) com fundamento em Dayrell, considerando “[...] a juventude enquanto condição social, ao mesmo tempo em que é representação.” (p. 28). Suas mudanças físicas, psicológicas, corporais, afetivas e relacionais são condicionadas e representadas de acordo com a determinada sociedade em que se encontram, com um tempo histórico e em conformidade com os grupos presentes no interior dessa sociedade.
Souza (2004) discute os desafios enfrentados pelas juventudes na construção de suas identidades em tempos tão contraditórios, onde as incertezas próprias dessa idade acumulam-se às incertezas da vida contemporânea. São tempos marcados pelo subjetivo, pela fragmentação e pelos ritmos diferenciados. Intensifica-se, portanto, no período da juventude (mas não somente), uma busca constante por respostas de perguntas como quem sou, como me aproximo e como me diferencio do outro (SOUZA, 2004). Todavia, há de se reconhecer que: se é um tempo de tantas incertezas, é, também, um tempo de fartas possibilidades.
A autora considera a juventude como um momento rico nas manifestações de sociabilidade, enfatizando a importância de percebermos a forma como o segmento juvenil ocupa os espaços sociais e como redefinem de forma constante a sua identidade. Logo, elementos como a dança, o teatro, poesia, música etc. são vistos como uma circunstância capaz de trazer o reconhecimento do sentido daquilo que fazem. Com a formação de grupos culturais, a juventude afirma o que é a partir do reconhecimento um do outro.
Dado os conflitos sociais contemporâneos, Dayrell e Carrano (2003) desconstroem em sua pesquisa a mentalidade das juventudes como distante e pouco participativa politicamente. As décadas de 80 e 90 no Brasil são a própria prova: as ruas foram tomadas pelos jovens nas campanhas Diretas Já e no impeachment de Fernando Collor de Mello. Para além disso, as Jornadas de Junho de 2013 foram compostas, em sua grande maioria, por jovens brasileiros em sua luta coletiva pela tarifa zero, fim da violência policial, sistemas de transporte público de boa qualidade e demais demandas da classe trabalhadora (GOMES, 2014).
Em Melucci (1996) vemos a discussão sobre as juventudes como um dos atores centrais nas mais diversas ondas de mobilização, não somente no Brasil mas também no mundo. Observa-se disso a sede por mudança que constitui as vidas das juventudes – onde, ao mesmo tempo em que se encontram em meio a tantas incertezas, inseguranças (pessoais e coletivas), também compõem majoritariamente as linhas de frente em lutas sociais e políticas.
Não se pode deixar de ressaltar, portanto, o potencial das juventudes na construção de um mundo melhor, sendo estes, em grande maioria, os principais responsáveis pela liderança dos movimentos sociais. Com seu horizonte amplo de oportunidades, a juventude é o momento em que se iniciam seus projetos de vida, com seus gostos, vocações e, também, com e sobre o mundo em que vivem (SOARES, 2012).
A capacidade do público jovem em promover mudanças, reflexo do “inconformismo juvenil” citado por Ianni (1968) – se canalizada pelo Poder Público e pela sociedade –, pode promover positivos impactos no mundo em que vivemos. Visando essa potencialidade, tendo em mente ainda que “[...] é na juventude que se produz o conhecimento do mundo. É a primeira vez que o jovem se dá conta de que está numa certa época histórica, em certo momento histórico” (SOARES, 2012, p. 24), amarra-se aqui a dimensão da cultura e arte enquanto processos pedagógicos emancipatórios na vida das juventudes.
No universo pesquisado, a primeira categoria buscou traçar uma análise de como as ações promovidas pela Fundação Municipal de Cultura do município de Ponta Grossa/Brasil se caracterizam de modo geral sob o ponto de vista dos entrevistados. Um elemento inicial identificado foi a democratização da cultura que, segundo Ander-Egg (1987) apud Souza (2018), este processo significa ampliar o acesso do grande público aos projetos de cultura e à vida artística, consistindo em proporcionar conhecimentos e serviços para diminuir a desigualdade do acesso aos bens culturais. Além disso, foram citadas questões como descentralização da arte, a promoção da convivência e socialização entre os sujeitos através de projetos artísticos e culturais assim como o seu fomento (que diz respeito à promoção do Estado de determinadas atividades que resultem em um benefício à comunidade) e o incentivo à população de jovens artistas da cidade, reconhecendo-os e valorizando-os. As palavras que mais se sobressaíram durante suas falas foram: convivência; fomento; ressignificar; humanização; democratização; descentralização; valorizar; vínculos; transformação; e pedagógico.
Além de buscar identificar a caracterização dos projetos da Fundação Municipal de Cultura por meio da visão dos profissionais responsáveis pela coordenação dos setores/departamentos que possuem ações culturais voltadas para a comunidade, objetivou-se também conhecer e refletir sobre as suas narrativas da concepção e relação de arte, cultura e juventudes, categorias norteadoras deste trabalho. Viu-se o entendimento da cultura e arte como um instrumento de transformação social, fazendo parte da psique humana e que se apresenta como expressão do ser humano. Já sobre a relação destes elementos com as juventudes, suas falas trouxeram a arte e a cultura como instrumentos de acolhimento, transformação, identidade e com a potencialidade de fazer com que os jovens se tornem seres mais saudáveis e participantes de uma sociedade.
Os entrevistados também trouxeram a discussão sobre os impactos da globalização e do advento da internet que, de certa forma, podem ter afastado o público juvenil das práticas culturais e artísticas, o que levou à interpretação de que o mundo globalizado é um impeditivo para que as juventudes se aproximem da arte e da cultura, mas essas últimas são ferramentas fundamentais na vida do segmento discutido, excelentes canais de transformação, acolhimento e de participação.
Em relação aos desafios no trabalho com cultura e arte, o elemento que mais se destacou durante a fala dos participantes da pesquisa foi a escassa valorização da área e também o baixo orçamento destinado para programas e projetos culturais no Brasil. O país carrega um longo histórico de desconsideração com o setor cultural, o que justifica grande parte do cenário vivenciado em relação a esta área nos dias atuais: em que pese a questão da verba, segundo Moura (2021), a cultura perdeu metade de seu orçamento federal nos últimos 10 anos e segue em queda. Em 2011, o setor recebeu o valor de R$3,34 bilhões; já em 2021, a cultura teve o valor previsto de R$1,77 bilhões. Para Célio Turino, ex-secretário da Cidadania Cultural do Ministério da Cultura (entre 2004 a 2010), durante o governo Dilma a cultura perdeu seu valor estratégico que continha durante o governo Lula, o que se intensificou ainda mais durante a governança de Temer, considerando as políticas de austeridade e de teto de gastos. O ex-secretário também pontuou a guerra cultural vivenciada no governo de Jair Bolsonaro, do qual muito se fez através do Poder Público de ataques às artes e à cultura, visando sua destruição (MOURA, 2021).
O descaso com esse setor trata-se de um fenômeno histórico no país e que, conforme alguns governos, se acentua ou apenas se estabiliza. É visível o lugar que a cultura ocupa na agenda política e, entendendo o seu potencial de transformar realidades e fazer com que os homens se aproximem, se expressem, entendam o mundo que os rodeia e se entendam também, é muito cômodo que a cultura e a arte sejam desvalorizadas se vivemos em um sistema regido cegamente pela obtenção de lucro, através da exploração e dominação dos sujeitos sem que estes se entendam como cidadãos.
No que tange à ampliação das perspectivas de trabalho da Fundação Municipal de Cultura a partir da fala dos entrevistados, o que mais se salientou foi o ampliar ainda mais a democratização e descentralização da cultura, produzindo-a nos bairros; o restauro de obras do setor de Artes Visuais; abrir espaço para expor produções de artistas iniciantes; a compra de novos instrumentos musicais; o reconhecimento de seu setor como um espaço de transformação social; disponibilizar mais oportunidades para novos integrantes da banda do setor musical e, por último e não menos importante, a questão da verba, bem como atrair mais pessoas para que se tornem consumidores de cultura e arte local.
Sobre o espaço de trabalho da Fundação e a articulação com as juventudes, viu-se que no momento da pesquisa ainda não havia nenhum programa ou projeto voltado unicamente para o segmento juvenil através da FMC, mas que, apesar disso, ações vêm sendo planejadas pela instituição para que chamem a atenção do público jovem, incentivando sua participação. As juventudes representam muitos potenciais, ao contrário do que é pensado pelo imaginário social carregado de estigmas e preconceitos. Elas carregam consigo um momento rico de sociabilidades, com sede de mudanças e, em grande parte das vezes, são protagonistas dos movimentos sociais. Desta forma, há uma grande dimensão no incentivo à sua participação em todos os setores da sociedade. Isto é: o quanto as juventudes ainda podem florescer mais quando são motivadas. É a partir disso que se demonstra a importância e o compromisso que o Poder Público carrega na formulação de políticas públicas para esse segmento.
Através de igrejas também é possível identificar o desenvolvimento de estratégias para atrair e manter os jovens em suas práticas, na qual grande parte destas e de movimentos religiosos se comprometem em estimular atividades neste sentido e criam grupos específicos de jovens em suas entidades. Um exemplo disso é a Jornada Mundial da Juventude (JMJ), organizada pela Igreja Católica, que se trata de um evento internacional que ocorre regularmente nas dioceses católicas desde a década de 80, instituída pelo Papa João Paulo II (MARIZ, MESQUITA & ARAÚJO, 2018).
No ano de 2013 a JMJ foi sediada pelo Rio de Janeiro, e o evento englobou também diversas atividades de cunho artístico, cultural e turístico, segundo Gonzales e Mariz (2017). As autoras pontuaram ainda que ao fim da Jornada foram gerados aproximadamente 1,8 bilhão de reais na economia do município, além de bater o recorde na missa final com 3,7 milhões de pessoas espectadoras na praia de Copacabana e o registro de peregrinos de mais de 175 países. Desta forma, observamos que o incentivo e reconhecimento da beleza e potencialidade dos jovens provém (e deve prover) das mais variadas esferas, até mesmo considerando o vasto leque de discursos provindos de papas fazendo um apelo para responsabilidade das juventudes com o futuro das nações, assim como para o cultivo da cultura de paz (FERNANDES, 2017).
Deste modo, o Estado não pode se isentar das iniciativas na formulação de políticas públicas para o segmento e nem deixar somente à cargo de outras organizações, dado que essa é uma responsabilidade do Poder Público assegurada pelo Estatuto da Juventude e demais documentos legais. Além disso, um outro ponto indispensável neste momento é dar o devido destaque à importância que carregam as Conferências Municipais de Cultura junto ao Conselho Municipal de Política Cultural (CMPC) nesta articulação.
Para tanto, o estímulo à participação dos jovens nas ações culturais deve estar alinhado ao estímulo à participação desses nas Conferências e no CMPC, pois são instâncias representativas e de natureza democrática – ou seja, são espaços verdadeiramente abertos à discussão e fomento para a formulação de políticas públicas eficazes, eficientes e efetivas no setor cultural e que podem despertar a consciência da sociedade (e do Poder Público) para a criação de atividades específicas dos interesses das juventudes.
A oportunização de espaços para que as juventudes ocupem esses meios e se expressem enquanto sujeitos através da arte e da cultura é muito importante levando em consideração as potencialidades que essas três categorias representam: a dimensão artístico-cultural para o pensamento crítico e de poder de expressão; e a dimensão de potencial transformador da realidade que as juventudes e movimentos juvenis englobam. Além disso, se faz necessário estarmos atentos às manifestações juvenis que, conforme apontam autores como Mannheim ou Melucci apud Dayrell (2002), são consideradas como “a ponta de um iceberg” que visibilizam todas as contradições e tensões vivenciadas por esse segmento.
Conclusiones:
Entender os desafios do trabalho com a cultura a partir das entrevistas trouxe a reflexão sobre o completo descaso por parte do Poder Público com o setor cultural brasileiro. A baixa valorização, baixos orçamentos e os cortes de verba foram os elementos que se sobreluzeram nos depoimentos colhidos e, com a realização da linha do tempo da área das políticas de cultura no país, observamos de maneira concreta que isso se trata de um fenômeno histórico e estrutural. O artístico-cultural no Brasil sempre foi deixado em segundo (ou quem sabe último) plano.
Um outro elemento que respondeu às nossas indagações iniciais foi constatar que não havia nenhuma ação voltada especificamente para o público jovem na Fundação. Em contrapartida, observa-se que ações têm sido feitas e planejadas para o incentivo e motivação da participação destes, o que se mostrou de forma significativa. Conforme pontuado anteriormente, tais estratégias de estímulo às juventudes possuem dimensão considerando o quanto esses indivíduos ainda podem prosperar quando são motivados.
Essa categoria analítica reforçou a importância e dever do Estado na formulação de políticas públicas culturais para as juventudes. É uma responsabilidade da qual o Poder Público não pode se isentar, assim como um direito assegurado pelo Estatuto da Juventude e que se efetiva através da articulação das Conferências Municipais de Cultura, dos Conselhos e também da presença das juventudes nesses espaços, fortalecendo a democratização do setor cultural, assim como zelando e reconhecendo a realidade, necessidades e potencialidades dos jovens.
Através das entrevistas também se pôde refletir sobre a ampliação das perspectivas de trabalho da FMC, que reforçaram a característica progressista da instituição. As falas revelaram riqueza nas expectativas dos entrevistados, que se sintonizam com os pressupostos aqui pontuados em relação ao caráter transformador que ações, programas ou projetos artístico-culturais podem carregar. Certamente, são elementos que se aproximam do aspecto da emancipação.
Todos esses pontos trouxeram ao remate do presente trabalho de que a arte e a cultura são indissociáveis do cenário em que estamos inseridos, carregando consigo a possibilidade de abrir o caminho para o pensamento crítico e em alinhamento aos processos de mudança social. Elas trazem poder de voz, expressão e protagonismo, além de promoverem a convivência e o vínculo entre os indivíduos.
Assim como destacou o filósofo marxista Gramsci apud Monasta (2010), com a cultura compreendemos nosso valor histórico, nossa função, nossos direitos e nossos deveres. Logo, as ações promovidas pela Fundação Municipal de Cultura em Ponta Grossa/PR podem ser consideradas enquanto instrumentos valiosos para a interpretação da realidade e para o impulsionamento à sua mudança, partindo do entendimento de que essas ações têm como fundamentos a democratização, ressignificação e a transformação.
Em vista disso, as juventudes – enquanto potenciais agentes propulsores de movimentos sociais, de luta e resistência – articuladas à cultura e à arte em uma perspectiva crítica, caracterizam a revolução processual que engloba o transcurso da ruptura molecular aqui discutida, visto como uma fase de intermédio que visa chegar ao objetivo maior: a emancipação política.
Frisa-se, portanto, a magnitude de se reconhecer as inúmeras potencialidades que as juventudes carregam e podem carregar, mesmo com elas inseridas em um cenário em que são desvalorizadas, marginalizadas e estigmatizadas. A formulação de políticas públicas culturais para os jovens é de suma importância, assim como valorizar as expressões juvenis que provêm através da arte e da cultura. E mais do que isso, é imprescindível que se desconstrua a imagem de que aquilo que é cultural não possui relevância. É necessário agir com vistas a romper o ciclo que se perpetua há décadas na sociedade brasileira de desvalorização da arte e da cultura.
A mudança social não acontece do dia para a noite. Ela ocorre através de pequenos passos, que em um movimento de totalidade resultam na ruptura molecular (GRAMSCI, 1989 apud LUIZ, 2011). Com isso mente, subscrevemos neste estudo de que arte e cultura podem ser libertadoras, símbolos de resistência e de bandeiras de luta, e que são capazes de instruir criticamente as juventudes enquanto instrumentos emancipatórios.
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Palabras clave:
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