Resumen de la Ponencia:
A proposta deste trabalho consiste em analisar a participação feminina na política, sua representação na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) e os impactos na elaboração/aprovação de projetos de leis direcionados à defesa e à promoção dos direitos das mulheres. O estudo buscará compreender a baixa inserção política das mulheres que, mesmo correspondendo a 51,8% da população brasileira (IBGE), possui apenas 15% das vagas na Câmara dos Deputados, 13% no Senado e somente 11,38% na Assembleia Legislativa de Minas Gerais, de acordo com a composição indicada nos sites oficiais de cada casa legislativa.As mulheres estiveram, historicamente, relacionadas ao ambiente privado e doméstico, e seus direitos civis e políticos por muito tempo foram desconsiderados, dificultando a ocupação dos espaços públicos. A falta de representação na política institucional evidencia as particularidades de uma sociedade que se configura a partir da misoginia e do sexismo. Por outro lado, a crescente organização das mulheres em coletivos, ONGS, associações de bairro, sindicatos as têm qualificado de forma a alterar a norma que celebra a política institucional como lugar do homem. Apesar da significativa ampliação do protagonismo feminino na sociedade, a discriminação ainda se perpetua, principalmente no que se refere aos espaços públicos de poder. Portanto, as decisões políticas tais como leis, programas, projetos, políticas sociais, decisões macroeconômicas, dentre outras, que deveriam portar a equidade nas relações de gênero, são marcadas por um pensamento patriarcal que deixa pouco ou nenhum espaço para debates importantes em relação à qualidade de vida das mulheres.Compreende-se que o acesso das mulheres à política institucional responde à necessidade genuína de formulação de políticas públicas inclusivas, pela quebra do monopólio político decisório, que não alcança os descendentes mais diretos de um sistema patriarcal colonizador e reprodutor de desigualdades. A ampliação do processo democrático da sociedade brasileira passa, sob esse prisma, necessariamente pelo aumento da representação feminina, que lhe garanta espaços na esfera de poder.Desta forma, o objetivo principal é analisar a participação feminina na política, sua representação na Assembleia Legislativa de Minas Gerais e seu impacto na construção de políticas públicas voltadas para as mulheres. Para tanto, pretende-se compreender se há uma relação entre a composição feminina do legislativo e projetos de leis, emendas que defendam e promovam os direitos das mulheres.Resumen de la Ponencia:
No cenário brasileiro o avanço do neoliberalismo – advindo da crise de produção e reprodução social, iniciada em 2008 - promove profundos impactos a grupos já subalternizados, no caso, mulheres jovens universitárias e periféricas. Esta pesquisa buscou compreender como as mulheres jovens universitárias moradoras de periferia da cidade de São Carlos dos bairros Santa Felícia; CDHU/Vila Faria e Cidade Aracy experienciam e significam a desigualdade de gênero frente a este contexto, de que modo as experiências vividas transformam e/ou reproduzem percepções sobre a desigualdade de gênero. Ampara o objetivo geral a hipótese de que há uma contradição instaurada e alargada pela crise: por um lado o reforço do papel tradicional da mulher e consequentemente dos estereótipos gentrificados, por outro, as fissuras na ordem social provocado pelo avanço da luta feminista. Nossos objetivos específicos destinaram-se a i) estudar os efeitos do neoliberalismo nas relações de gênero; ii) compreender as experiências de mulheres periféricas em relação ao gênero a partir de suas histórias de vida; iii) compreender como significam suas experiências e quais episódios marcantes para as sujeitas; iv) compreender o diálogo existente entre percepção de gênero e contexto político nacional, analisando a pandemia de SARS-COV-2. Optamos pela abordagem qualitativa utilizando a história de vida como técnica de coleta de dados, devido a capacidade desta de captar percepções e significações em profundidade. Devido a pandemia de SARS-COV-2 o campo foi obstruído e as sessões de entrevista ocorreram virtualmente, sendo organizadas por eixos temáticos (trajetória e experiência de vida; trabalho, estudo e vida profissional; percepções sobre política e gênero; percepção sobre as especifidades do bairro no qual mora; relação com a pandemia). Dentro os resultados obtidos destacamos: i) a intensa precarização dos serviços essenciais à vida que ocorre no cenário de crise econômica e avanço neoliberal e da pandemia da Covid-19, assim como a pressão financeira para se auto-sustentar e/ou sustentar a família ocasionou um intenso adoecimento mental; ii) a experiência das mulheres jovens universitárias moradoras de periferia encontra-se tensionada entre o acesso aos debates feministas e por vezes a organização política e a ausência, neste momento, de organizações de mulheres no tocante aos bairros periféricos da cidade; iii) ocorrem conflitos geracionais entre mulheres jovens e mais velhas no interior das famílias sobre como se apreende a desigualdade de gênero, seja no âmbito privado ou no social; iv) a lógica do “empresário de si” se apresenta imersa na experiência destas mulheres, no sentido de uma lógica de sobrevivência frente à crise econômica e avanço neoliberal.
Introducción:
As últimas duas décadas representam um avanço do neoliberalismo, uma vez que a crise de produção de 2008 e consequentemente de reprodução social se intensificam, as contradições sociais e as precarizações em grupos já subalternizados se alargam. Esta pesquisa foi executada no ano de 2021 e buscou compreender como as mulheres jovens universitárias moradoras de periferia da cidade de São Carlos dos bairros Santa Felícia; CDHU/Vila Faria e Cidade Aracy experienciam e significam a desigualdade de gênero frente a este contexto, de que modo as experiências vividas transformam e/ou reproduzem percepções sobre a desigualdade de gênero. Esta pesquisa deu-se inicialmente como iniciação científica financiada pelo CNPQ e posteriormente como monografia.
Escolhemos o município de São Carlos por ser a cidade de residência da pesquisadora; além da cidade configura-se territorialmente de modos distintos em relação a periferias de cidades metropolitanas. Também histórico escravocrata do município e passado/presente de intensas lutas sociais.. Por fim, a inserção da própria pesquisadora em coletivos sociais contribuiu para formulação do problema de pesquisa, pois como coloca Mills (2009) vida e obra na prática artesanal sociológica mesclam-se Esta pesquisa inseriu-se no campo de debates atuais sobre crise neoliberal, nova direita, periferias e os debates de sexo/gênero.
O plano de pesquisa inicial consistia em contatar interlocutoras através da participação no Grupo de Mulheres do CREAS (Centro de Referência e Atenção Psicossocial), importante serviço público que atende mulheres da cidade de São Carlos, entre elas, moradoras de bairros e regiões periféricas da cidade. Como alternativa ao primeiro percurso de alcance das interlocutoras, realizamos contato - em abril de 2021 - com o Banco Comunitário Nascente, cooperativa de economia solidária gestionada por mulheres do município de São Carlos situado no Jardim Gonzaga, bairro periférico da cidade. Porém a dinâmica pandêmica se acirrou profundamente, e ambos os caminhos foram impossibilitados, desta forma, reconfiguramos o desenho de pesquisa
Optamos por entrevistar mulheres jovens universitárias moradoras de periferia, o que nos implicou novos desdobramentos e reflexões (as quais, algumas permanecem em aberto), sobretudo acerca da juventude periférica e sua relação com a universidade. Diante disso, nosso objetivo central consistiu em compreender os impactos da crise nas mulheres periféricas jovens no município de São Carlos e suas experiências e percepções acerca da desigualdade de gênero, fenômeno social fortemente intensificado no atual contexto socioeconômico. A partir das redes nas quais a pesquisadora em questão estava inserida, a técnica de bola de neve foi empregada para alcançar novas interlocutores. Essa reconfiguração embora tenha surgido de impedimentos metodológicos nos possibilitou novos olhares à pesquisa, adequando um novo recorte de tempo e de perfil.
A presente pesquisa inscreve-se nos debates sobre crise neoliberal, desigualdades de gênero, mudanças nos territórios periféricos, bem como debates acerca da perpceção advinda de determinado sexo/gênero. Estruturamos nosso debate em alguns pontos: i) o debate da crise multifacetada focalizando impactos nas diferentes mulheres; ii) o debate acerca da percepção da experiência dada a partir de sujeitos específicos, tratando da técnica de história oral e debates concernentes a esta na América Latina; iii) a constituição dos sujeitos sociais através do olhar da interseccionalidade e consubstancialidade e por fim iv) o debate acerca das linhas interna do feminismo marxista utilizando comparativamente Cecília Toledo e Heleith Saffioti
Nosso roteiro se estruturou nos seguintes eixos: trajetória e experiência de vida; educação; religião e religiosidade; trabalho estudo e vida profissional; território; política e percepção de gênero; principais impactos da pandemia e por fim uma pergunta aberta à interlocutora, na qual esta poderia fazer considerações, vetar alguma fala, explanar dúvidas ou retomar questões levantadas nos eixos. Buscamos justamente utilizar a história oral como forma de fazer a escuta sensível (PORTELLI, 2016), das nossas interlocutoras.
Elencamos quatro objetivos específicos: i) estudar os efeitos do neoliberalismo nas relações de gênero; ii) compreender as experiências de mulheres periféricas em relação ao gênero a partir de suas histórias de vida; iii) compreender de que modo significam suas experiências de vida e quais episódios de vida são marcantes para estas mulheres e, por fim, iv) compreender como estes episódios dialogam com a questão da percepção da desigualdade de gênero e com o contexto político nacional, analisando também o contexto da pandemia do novo SARS-COV-2.
Desarrollo:
Enfoque teórico metodológico
A história oral tem se destacado nos últimos anos no campo das ciências humanas. Thomsom (2000) retoma o surgimento da história oral jogando à luz a tradição registrada pela North American Oral History Association que indica que tal metodologia começou a ser praticada nas primeiras décadas do século XX. O historiador Allan Nevis utilizava a história de vida para gravar narrativas de figuras públicas da sociedade americana nesse marco temporal. Nota-se o caráter fortemente arquivístico e elitizado de surgimento desta técnica bem como o enfoque na experiência e percepção dos sujeitos sociais acerca da realidade social à época.
Amplamente descredibilizada no contexto social em questão - dado o forte apelo positivista da época - a história oral torna-se alvo de diversas polêmicas sobre sua validação científica que entre muitas questões suscitou a necessidade de ”regras mais rígidas” para sua execução. Os historiadores orais deste período, discordaram de tais apontamentos dada a própria natureza da metodologia: o enquadramento de pressupostos positivistas não condizia a ambição teórico metodológico do instrumento, contudo, criou-se alguns conjuntos de aconselhamentos afim de profissionalizar e garantir mais credibilidade a esta (THOMSOM; 2000).
Próximo aos anos 70, as diversas críticas – foram incorporadas como acréscimos teóricos/metodológicos: no lugar de compreender as distorções da memória como limites e falseamento do real, ou seu caráter ‘’pouco rígido’’ como impreciso cientificamente, historiadoras e historiadores orais optaram por compreender ‘’as peculiaridades da história oral’’ como ponto forte, isto é, através de uma apreensão da memória, da narrativa de si; da interlocução de diferentes elementos que atravessam o sujeito, apostar na história oral de modo a potencializar sua profundidade analítica; enfatizando o destaque a experiência particular e as possibilidades de horizontalidade na relação interlocutora/pesquisadora.
Segundo Schawezstein (2000), dada a relação próxima acadêmica e militância a história oral na América Latina é especialmente dificultosa, somado a isso as especificidades dos territórios dificultariam mais o cenário. Encaramos estes elementos como desafios, não como, necessariamente, empecilhos. Em território brasileiro Meihi (2000) elenca os principais entraves para se tratar da metodologia: i) de um lado, a autonomia e necessidade de formulações específicas, ii) de outro a prática de importação de métodos europeus para entender nossa realidade. Na outra ponta do debate, levanta potencialidades: i) a função social desta técnica no Brasil dado a importância da tradição oral, sobretudo quando retomamos o histórico escravocrata e os altos indíceis de analfatabetismo; ii) a possibilidade de verbalizar e ecoar a vozes de sujeitas e sujeitos subalternizados.
Para Joutard (2000) as limitações da história oral (sua imersão na memória; a tendência ao mito e a deformação assim como o silêncio e o esquecimento) são seus pontos fortes, pois ’’ elas nos introduzem no cerne das representações da realidade que cada um de nós se faz […] p.34). Piscitelli (2005) analisa a história de vida como ‘’nó’’ do macro e microssocial, uma vez que possibilita ‘’lugar de destaque à experiência vivida, em sentido longitudinal, e em possibilitar a integração de percepções individuais e pautas universais de relações humanas, através de articulações temporais.”. Na trilha de Portelli (1996), as fontes orais ofertam caminhos novos para a interpretação da realidade, nesse sentido, ‘’[…] a palavra chave aqui é possibilidade. No plano textual, a representatividade das fontes orais e das memórias se mede pela capacidade de abrir e delinear o campo das possibilidades expressivas.’’ (p. 8). Ainda neste sentido, acerca da relação entre as representações sociais e a concretude da realidade, Portelli (1996) traz contribuições valiosas, para o autor a história oral se dá num ponto circunscrito entre os limites da representação oral como também a autoridade narrativa de quem fala. Nem por isso desatrela-se da concretude pois há elos entre a experiência, ‘‘coerência com a realidade objetiva dos fatos’’ (p. 9).
Thompson (1981) define experiência como: ‘’resposta mental e emocional seja de um indivíduo ou de um grupo social a muitos acontecimentos inter-relacionados ou a muitas repetições do mesmo tipo de acontecimento (p. 15) ’’ ela é “[...] a experiência é válida e efetiva, mas dentro de determinados limites (idem)“ e ‘’[…] surge espontaneamente no ser social, mas não surge sem pensamento.’’ (p. 13). A experiência desta maneira, possui um elemento de continuum e um elemento de inescapável, na medida em que atravessa o ser social no seu caráter existencial objetivo e subjetivamente. Scott (1998) corrobora essa perspectiva contudo, destaca a possibilidade de contestação da político, dado que ela é sempre política e as identidades forjam-se em contextos políticos.
Devido a nossos objetivos direcionaram-se para observar a relação sujeito/estrutura num determinado quadro social, bem como analisar as significações feito pelas sujeitas sociais da desigualdade de gênero e mais centralmente, suas experiências e percepções sobre esta, optamos pela história oral como técnica de coleta. É fato que surgem dificuldades no quesito de análise, dificultando por exemplo, categorizações, contudo, a relação com a memória, com a experiência no mundo e com as percepções derivadas disto, destas renomeações do vivido (FORMAGGIO, 2019), processo pelo qual as e os sujeitos sociais se (re)elaboram, se posicionam novamente frente ao mundo dado um novo conjunto de ferramentas de experimentações adquiridas, sobretudo em contextos de associação política e contato com debates políticos caros a essas esses sujeitos.
Ainda sobre a técnica, Saffioti (1985; 2013; 2015) observa a pertinência e naturalização da ideologia patriarcal no modo de produção capitalista-racista-patriacal, sendo esta naturalização fundamental a contínua reprodução de tais opressões, deste modo, fazendo parte do senso comum (GRAMSCI; 1999) e da experiência cotidiana (THOMPSON 1981; SCOTT; 1988). Para tratar de tal naturalização, acreditamos na pertinência de uma técnica que seja justamente um “nó” entre macro e microssocial (PISCITELLI, 2005)
Eixos de debate e análise das informações
As entrevistas compostas por mais de uma hora tratam-se da experiências dessas mulheres enquanto mulheres jovens universitárias moradoras de periferia; impactadas pelas dinâmicas de opressão racistas; patriarcais; e LGBTfóbicas posicionadas na estrutura social desta maneira inscritas também enquanto jovens trabalhadoras. Optamos por analisar as entrevistas a modo como Ecléa Bosi o fez em Memória e Sociedade: Lembranças de Velho (1994); no qual a autora busca escutar as entrevistas – e escutar refere-se aqui ao sentido psicanalítico de observação cuidado do sujeito -, realizar uma escuta interpretativa do que é dito e do que é silenciado, priorizando a voz das interlocutoras, mas nem por isso ausentando-se da discussão teórica; elaboração e reflexão.
Entrevistamos utilizando a técnica de história oral, três mulheres jovens da cidade de São Carlos. O perfil de nossas interlocutoras é um perfil jovem universitário, sendo seus respectivos cursos: biblioteconomia e processos gerenciais na Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) e Instituto Federal do Estado de São Paulo (IFSP) . Moradoras de periferias da cidade de São Carlos, residem no Santa Fé (Santa Felícia) Aracy (Cidade Aracy) e Vila Faria. Todas essas interlocutoras ainda moram em periferias ou mudaram-se muito recentemente, como foi o caso de G que até os 16 anos morava com a família nas habitações do Minha Casa Minha Vida, CDHU. G e A são integrantes de organizações políticas, P não, porém participa do Centro Acadêmico (CA) de seu curso.
Elaboramos nossos pressupostos apostando que há uma contradição instaurada e alargada pela crise de produção e reprodução social e esta desdobra-se sob duas faces de uma mesma moeda: i) por um lado o reforço do papel tradicional da mulher e consequentemente estereótipos gentrificados; ii) e por outro as fissuras na ordem social provocado pelo avanço da luta das mulheres e da luta feminista. Outras duas hipóteses secundárias também foram levantadas no decorrer da pesquisa: i) há pelo menos duas interpretações antagônicas dentro das abordagens do feminismo marxista; a primeira ligada a intelectuais que fortalecem e defendem a necessidade de um feminismo referenciado ao marxismo (e o marxismo referenciado no feminismo) e a segunda que os interpreta como irreconciliáveis e por vezes opostos; ii) a racionalidade neoliberal (DARDOT & LAVAL, 2016) é um elemento central da percepção da desigualdade de gênero, em virtude de que operando na métrica do individualismo ofusca elementos estruturais do sistema patriarcal. Encaramos as hipóteses antes como bússolas teórico-metodológicas do que como descartes ou afirmações.
O debate em torno do feminismo marxista
O feminismo marxista não é uma teoria homogênea, nem acabada em suas elaborações. Embora importantes elaborações estejam presente em Origem da Família, da Propriedade Privada e do Estado (1884), como também A Ideologia Alemã (1846), e O Manifesto Comunista (1848), Moraes (2000) assinala que o marxismo clássico não oferece todo o arcabouço teórico organizativo necessário a luta das mulheres. MITCHELL (1966) assinala o economicismo e mecanicismo de Engels ao afirmar que a opressão das mulheres pode ser explicada apenas por uma derivação da propriedade privada, como contraponto afirma que a opressão das mulheres se dá por uma estrutura sui generis.
Considerando a luta sufragista na França do século XX como um marco fundamental para o que atualmente denominamos de “feminismo”, Bonnet (2020) salienta as diversas disputas em torno deste debate, destacamos alguns pontos: o movimento sufragista francês não representava completamente a luta das mulheres daquela época no sentido de haver, para além da identificação de gênero grupos que carregavam em si identificações de classe e eram profundamente interligados dado ao Partido Comunista Francês.
Dessa forma, a corrente da ‘’história das mulheres ‘’ que cumpriu papel fundamental em focalizar as mulheres como sujeitas históricas também é a mesma corrente que hegemonizou a percepção história da época, construindo a luta de classe e de gênero de modo irreconciliável, como destaca a autora. Sem pretensões de esgotar o debate, Bonnet (2020) contribui para demonstrar o quanto este campo historiográfico ainda carece de mais investigações e ressalta a “necessidade de prosseguir na reconstrução e na legitimação de uma narrativa da história do feminismo marxista à luz da crítica da “história das mulheres” (BONNET, 2020, p. 32)
Antes de se elaborar uma teoria que posteriormente seria denominada de feminismo, já havia luta e resistência das mulheres. Dizemos isso porque mesmo a nomenclatura ‘’feminismo’’ para nomear a luta das mulheres por vezes não é um consenso, para Zirbel (2007) o feminismo é mais que só teoria, mas também postura pessoal e movimento político-social. Os avanços da luta das mulheres e do feminismo anticapitalista problematizam e desvela as estruturas capitalistas-patriarcais-racistas não apenas no Brasil, mas em movimentações globais (ARRUZA; BATTACHARYA; FRASER, 2019). Construídas em cima de um forte senso comum (GRAMSCI, 1999) fruto da ideologia capitalista e elaboradas como biologicamente naturais a opressão-dominação dos homens pelas mulheres é questionada desde a existência do patriarcado, mesmo que não no capitalismo (SAFFIOTI, 2013).
Saffioti (2013) reconstituiu o debate sobre o feminismo marxista a luz de sua pesquisa sobre violência de gênero em São Paulo. Para a autora, gênero e patriarcado não são conceitos excludentes, contudo, analisa o quão danoso é o não uso do termo patriarcado para se referir a realidade social e as estruturas que compõe o capitalismo. O patriarcado desenvolve-se historicamente e apoia-se no poder e no não poder entre homens e mulheres desenvolvido historicamente e o reproduz como parte essencial do sistema, implementado lento e gradualmente produziu desequilíbrios nas hierarquias e estruturas de poder, garantindo a primazia masculina e o monopólio do poder dos homens ante as mulheres (SAFFIOTI, 2013, p.39 e 60).
Saffioti (1985; 2013; 2015) destaca as divergências com a categoria de gênero: trata-se de uma categoria ontológica; especialmente válida pela sua abrangência, contudo, imprecisa para tratar de estruturas e ineficaz para desvelar a exploração-dominação por não deixar claro a desigualdade entre homens e mulheres, já o patriarcado caracteriza-se por i) não se tratar de uma relação privada; mas civil; ii) dar direitos sexuais aos homens perante as mulheres, praticamente sem restrições; iii) configura-se como tipo hierárquico da relação que invade sem exceção, todos os espaços da sociedade; iv) possui base material; v) corporifica-se; vi) representa uma estrutura de poder baseado tanto na ideologia como na violência (SAFFIOTI, 2013. p.60). Cabe por fim salientar que a autora sinaliza a importância de usar de ambas as categorias como importantes ferramentas analíticas, contudo, guardam diferenças profundas e não se pode substituir uma pela a outra.
Cecília Toledo (2017), contemporânea de Saffioti também contribuiu ao debate do feminismo marxista. Porém, identificamos contradições centrais que direcionam as duas autoras para caminhos opostos apesar de ambas serem filiadas à tradição marxiana. Toledo (2017) analisa a estrutura do capitalismo tentando dialeticamente tratar da questão de gênero e de classe, discorrendo sobre a origem da opressão, a religião como ferramenta de opressão, a inserção da mulher no trabalho, o feminismo marxista em si e o papel da mulher na emancipação da classe trabalhadora elabora diversos aspectos da questão patriarcal ante o capitalismo. A autora, contudo, a nosso ver, deixa-se levar por uma ortodoxia e um marxismo mecânico, com pouca envergadura teórica e potencial explicativo.
A experiência e a crise multifacetada
O ano de 2008 é um ano emblemático. Após a falência do Lemon Brothers, banco americano internacionalmente reconhecido, um processo de crise do capitalismo financeiro já em curso tornou-se mais nítido. Com o objetivo de retomar taxas de lucro e reestruturar o sistema de modo a acentuar a relação centro/periferia; a divisão internacional do trabalho se acirra, aprofundando as relações de dependência do capitalismo (OLIVEIRA 2003). Na medida em que os EUA passam a impor políticas de austeridade econômica há diversos países da América Latina, as condições para reprodução da vida social são tensionadas ao limite (ARRUZA; BATTACHARYA & FRASER, 2019; & FEDERICI, 2017 & FRASER; 2017; 2019; 2020). A Reforma Trabalhista (KREIN, 2018), e a Reforma da Previdência PEC 6/2019 (aprovada em 22 de Outubro de 2019), precarizam dois pilares centrais da juventude: a possibilidade de emprego digno e a possibilidade de aposentadoria, ainda mais severo quando notamos que 201 dispositivos da “CLT” foram alterados, sendo excluídos dispositivos de proteção a gestante e a maternidade.
Maricato (2013) analisa o cenário que se desdobra em 2013 no Brasil como profundamente ligado às próprias condições de vida, objetivas e subjetivas da cidade. Elaborando importantes críticas a políticas urbanas dos governos do Partido dos Trabalhadores PT (2002 - 2016) a autora retoma a crise de 2008, destacando a centralidade das cidades para compreensão da atual conjuntura, estas que compreendidas como mercadoria, são alvo da especulação imobiliária que atinge mais centralmente mulheres residentes de periferias. Tatatiga e Galvão (2019) mapeiam o intenso período de manifestações compreendidas entre 2011 a 2016. Segundo as autoras surgem novos atores no que tange a coletivos, tanto a esquerda como atores ligados à nova direita. A eclosão de protestos massivos feministas ou da luta das mulheres ocorreu nos anos de 2012 e 2013.
Hollanda (2018) em Explosão Feminista, lança luz sobre manifestações centrais das mulheres, como os atos nacionais pelo ‘’Fora Cunha de 2015’’; a Primeira Marcha das Mulheres Negras contou com 50 mil participantes; a quinta Marcha das Margaridas, reunindo 70 mil ativistas em agosto do mesmo ano na cidade de Brasília, cabe por fim, salientar as ocupações secundaristas, nomeadas pela autora de Primavera Feminista. Também os atos #EleNão marcam a organização das mulheres e a cisão de gênero nas eleições, elemento inédito da realidade brasileira. A crise multifacetada aprofundou-se com a pandemia de SARS-COV-2 - presente no Brasil desde Março de 2020 -, especialmente em grupos subalternizados. Emblematicamente a primeira vítima registrada do vírus no Brasil trata-se de uma mulher negra idosa, que trabalhava como empregada doméstica
Este contexto de precarização atravessou nossas interlocutoras, que após o início da pandemia, viram-se em intensa situação de intenso desamparo social e perda de fonte de renda, bem como demissões, o caso de P.
‘’P: minha família não tem como me bancar, minha mãe que estava segurando as pontas o ano inteiro. Eu comecei a pandemia com estágio, só que era na saúde, no administrativo. [Mas ai] caos, pandemia, cortaram o estágio por ser alto risco de contaminação, não tinha como trabalhar em casa, então eu acabei perdendo o meu estágio, eu fiquei desempregada minha mãe teve que me ajudar. Em casa somos eu minha mãe, meu padrasto, meu irmão, outro irmão, que agora também graças a Deus conseguiu emprego e já foi.. arrumou o cantinho dele. Não ter um emprego estava me dando crises de ansiedade. É complicado, sabe? Apertou as coisas aqui em casa, então... tinha meu carro pra pagar’’
Como coloca Maricato (2013), a cidade tornou-se uma importante fonte de mercadoria para o capitalismo financeiro. Nesta ótica, o transporte, a locomoção, o direito à cidade, tornam-se pautas políticas, e além de pautas, preocupações cotidianas, sobretudo as mulheres jovens
‘’A: Sobre morar longe do centro, que é a questão que você traz, essas questões de procurar trabalho, pra mim é só virtual, porque eu não tenho condição de sair da minha casa e ir no centro e ficar entregando currículo, andando de cima pra baixo. E perto da minha casa não tem, coisa de bairro mesmo. Ai isso dá uma dificultada. […] mas esse lugar que eu moro é bem bom [...] É um bairro bom, mas é bem perigoso.” A insegurança pública também direciona-se de modo mais exacerbado as mulheres residentes de periferia, A nos conta sobre a perseguição que sofreu andando na rua a noite, quando solicitada ajuda a policiais militares, foi questionado se sua integridade estava mesmo em risco.
“A: Ele estava me perseguindo, eu desviei totalmente do caminho da minha casa, teve uma hora que eu saí correndo. Passou uma viatura, e aí eu falei ‘’oh, moço’’, - eu estava há duas quadras da minha casa, - falei ‘’moço, eu acho que tem um homem me seguindo, você não pode descer comigo até a minha casa?’’ dai ele falou assim ‘’mas que homem que é esse?’’ [...]. A interlocutora conta que, por fim, buscou se refugiar com conhecidos do crime organizado, os quais a acolheram.
Quando nossas interlocutoras foram questionadas sobre os desafios acerca da pandemia, a alteração na dinâmica doméstica e a saúde mental ganharam destaque. Além disso, outros elementos da desigualdade de gênero, provenientes da estrutura capitalista-patriarcal-racista (SAFFIOTI 1985, 2013, 2015) como a desigualdade salarial, o reconhecimento da competência profissional, e pressões por enquadramento em padrões estéticos específicos, tomam forma:
P:: ‘’é muita cobrança pra gente, tem que fazer as coisas em casa, tem que trabalhar, tem que estudar, tem que dar conta de ficar bonita também. Então assim, essa questão da beleza, nossa. Não era nem pra eu tá ligando pra minha aparência pra eu trabalhar no home office, mas eu ligo, quero tá bonita pra mim […] Nossa, e é muito louco, a gente reflete algumas situações a gente vê o quanto que a gente tem que ralar mais para conseguir se equiparar a um homem que não faz quase nada, só porque é um homem. [...] o quanto eles são mais protegido não só na sociedade, mas até no escopo familiar’’
Já G, focaliza a retirada de direitos sobre o trabalho:
‘’G: A pandemia começou com uma mulher negra e doméstica morrendo. Isso é muito substancial, né? Pra gente ver de forma geral que o povo negro ainda morre e mulheres negras estão nesse jogo. E são mulheres negras que têm filhos, mulheres negras que tem suas carreiras ou não, que estão desempregadas e que sofrem com as consequências da pandemia. E mulheres brancas trabalhadoras também. Acho que o peso mesmo de estar nesse momento é mais envolto nisso. Eu sofro também, né, porque eu me arrisco pra ir trabalhar; me arrisco pra ir no mercado; pegar um ônibus e algumas pessoas, mulheres também. Mulheres trans, que não podemos excluir nem desconsiderar elas. As (mulheres trans) que eu conheço tão dentro da prostituição nos momentos da pandemia, não são contratadas, nem chamadas pra entrevistas, não tem acesso a coisas que possibilitariam oportunidades, que possibilitariam que elas prestassem uma universidade.”
Conclusiones:
Hirata (2014) analisa que as e os sujeitos só podem ser compreendidos em dimensões mais complexas quando observados os atravessamentos que os constituem. A teoria da interseccionalidade, busca então, apreender e compreender - sem hierarquizar as opressões e as diferenças - as dinâmicas constituintes da subjetividade. Suas críticas mais assertivas tratam da necessidade de expansão do eixo de análise classe-gênero-raça para que não seja produzida uma “cartografia estática” das subjetividades (KERGOAT 2012). Observar através deste prima, nos permitiu investigar diferentes dinâmicas de opressão, como um “nó frouxo que se movimenta” (SAFFIOTI 1985, 2013, 2015) tais eixos operam contingenciamento nas experiências (THOMPSON 1981; SCOTT 1988), ora saltando a luz alguma categoria de diferença específica, ora outra, porém, jamais existindo autonomamente. Nos parece oportuna a sugestão teórico-metodológico de Brah (2006) que indica a possibilidade de compreender a relação entre sujeitas e sujeitos a partir da interseccionalidade buscando construir não hierarquias, mas pontos de convergências das experiências.
O feminismo marxista não é uma teoria homogênea, Cecília Toledo ([2017]) e Heleith Saffioti (1985, 2013, 2015) são bons exemplos desta afirmação. Para a primeira a categoria de gênero trata-se somente de uma esfera simbólica, ou seja, não há materialidade concreta nesta categoria, a opressão das mulheres deriva-se apenas e unicamente da opressão de classe, ou seja o gênero é absolutamente determinado pela classe ([TOLEDO, 2017)]. De postura equivocada e imprecisa uma vez que historicamente o processo de configuração do capitalismo não aparta-se de sujeitos específicos que são oprimidos. Tampouco o modo de produção capitalista encerra em si todas as opressões, dado que já existia patriarcado antes de existir capitalismo (SAFFIOTI, 1985; 2014; 2015 et all), portanto, a opressão pelo sexo não é novidade do modo de produção capitalista. Esta é apenas uma das divergências, há tantas outras, contudo, apostamos nessa teoria como ainda funcional, sobretudo as clivagens da teoria da reprodução social, BONNET (2020) ressalta a ‘’necessidade de prosseguir na reconstrução e na legitimação de uma narrativa da história do feminismo marxista à luz da crítica da “história das mulheres” (p. 32).
A crise econômica de 2008 tornou-se multifacetada; como comenta BOITO (2012) tal investida política restaura a direita neoliberal e os desdobramentos da crise aprofundam e intensificam problemas estruturais da realidade brasileira, bem como instagram uma crise da reprodução social, com a precarização essenciais a vida (ARRUZA, Cynthia; BHATHACHARYA, Tithi; FRASER, Nancy, 2019). As mulheres jovens residentes de periferia, em especial as mulheres negras lidam com pressões mais intensas relacionadas ao futuro e ao auto sustendo. Gemma; Lima e Bergstrom (2021) apontam não mais jornadas de trabalho as mulheres durante a pandemia, mas ‘’um fluxo contínuo de atividades que se sobrepõe e concorrem entre si, causando sofrimento psíquico e sobrecarga de trabalho […] (p. 10)
Sob o governo neofascista (BOITO, 2020) de Bolsonaro Mourão grupos já subalternizados foram alvo de violências, desamparos estatais e perca intensa da dignidade de vida. Nesse contexto, a lógica de sobrevivência acaba por tornar-se a do empreendedor de si mesmo (DARDOT; LAVAL, 2019), porém esta lógica encontra-se imersa nas experiências (THOMPSON, 1981, SCOTT 1988) e é intensamente tensionada por experiências e percepções mais coletivas, como é o caso de nossas interlocutoras ao ressaltarem a importância da organização política e mesmo de se informar diante de debates, ou até a reconfiguração e redivisão de trabalhos domésticos no auge da pandemia. Estes elementos ainda precisam ser melhor tratados por nós, constituindo um limite da presente pesquisa a compreensão das micro resistências.
Mostrou-se que não basta compreender as desigualdades de gênero, há que existir alternativa política presente no cotidiana destas sujeitas. Cabe destacar que nossas interlocutoras, sendo universitárias, tiveram maior acesso aos debates do feminismo, dessa forma, havendo maiores possibilidades de renomeação do vivido (FORMAGGIO 2019.) Porém, num cenário de severos agravamentos das condições das mulheres, a organização coletiva, embora seja uma saída amplamente construída, também torna-se mais difícil. As Interlocutoras destacaram a ausência de movimento de mulheres, e certo desalento em não encontrar canalização numa luta mais ampla e contínua.
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Palabras clave:
percepção; desigualdade de gênero; neoliberalismo
Resumen de la Ponencia:
La mujer afrocolombiana ha sufrido la violencia y la invisibilización desde múltiples aspectos, los cuales han limitado el avance de sus vidas en cuanto a lo social, cultural, político y económico. A pesar de vivir entre conflictos, las mujeres afrocolombianas del municipio de Tumaco (Colombia) han trabajado desde ámbito político para aportarle a la sociedad alternativas de solución ante las diferentes problemáticas. El presente trabajo investigativo tiene como objetivo principal dar a conocer las diferentes actividades que han desarrollado en pro de su comunidad y los resultados positivos que han generado cambios en el territorio en pro de la construcción de paz desde 2010 hasta la actualizad. Metodológicamente se opta por realizar la investigación desde un paradigma cualitativo, desde el enfoque “socio-crítico” junto con el método “Investigación-acción”. La presente investigación se llevará a cabo con la entrevista a mujeres líderes sociales y a quienes hacen parte de la Red de mujeres-Asociación de lideresas del pacifico Nariñense ( ASOLIPNAR). La cual se construyó en el municipio de Tumaco y que ha generado impacto en la construcción del Plan de Desarrollo del municipio, las elecciones políticas, las situaciones sobre género, derechos humanos y en actividades en pro de la equidad. Para concluir, es pertinente realizar esta investigación, ya que, actualmente las mujeres afrocolombianas están desarrollando grandes propuestas y alternativas para la construcción de paz, las cuales deberían ser visibilizadas y fomentadas. Además, las mujeres tumaqueñas que están aportando desde su propio territorio el cual ha sufrido la violencia, pobreza, desigualdad, narcotráfico, corrupción y muchos otros aspectos negativos, no tienen el apoyo ni la seguridad pertinente por parte del Estado, por ende muchas están arriesgando sus vidas por aportarle a la sociedad, a la construcción de paz y a las futuras generaciones. PALABRAS CLAVES: Participación política, representación política, mujer afrocolombiana, construcción de paz y transformación social.Resumen de la Ponencia:
El presupuesto público es el plan de ingresos y gastos públicos para un ejercicio económico determinado, por lo general de un año. Este documento público refleja, mejor que ningún otro, las prioridades de un gobierno. Para analizar o diseñar los presupuestos públicos se trabaja con el Proceso Presupuestal, que es el conjunto de decisiones que, a partir de leyes, normas, rutinas administrativas, prácticas y reglas no escritas, establecen y operan las políticas fiscales y de gasto, que involucran al Estado. Dicho Proceso se divide en etapas: a)planeación-programación-presupuestación; b)discusión y aprobación del gasto; c)ejecución del gasto y d)control-auditoría-evaluación.El análisis del Proceso Presupuestal permite avanzar en la transversalización de la perspectiva de género al permitirnos pensar cómo incluir dicha perspectiva en cada etapa antes mencionadas. Cuando tal cosa sucede estamos ante lo que llamamos Presupuestos Públicos con Enfoque de Género, PPEG.El debate en torno de los PPEG, no es nuevo en México, comienza a finales de los años noventa del siglo pasado. Hoy, pueden observarse avances en la materia; por ejemplo, el trabajo de sensibilización y capacitación de los Institutos de las Mujeres a nivel federal y estatal; la creación y trabajo realizado por las Comisiones de igualdad de género en el Congreso de la Unión y congresos estatales; la etiquetación del gasto para promover la igualdad entre mujeres y hombres y la modificación, para incluir la perspectiva de género, de algunas de las leyes que rigen el proceso presupuestal.La ponencia busca revisar los avances y retos que se plantean en la instrumentación de Presupuestos Públicos con Enfoque de Género en México. Para lo cual, es necesario revisar las importantes transformaciones del aparato administrativo público federal mexicano de los últimos cuatro lustros, que derivaron en lo que se llama: Gestión para Resultados y los Presupuestos Públicos Basados en Resultados, que son un enfoque integrado de planificación, seguimiento y evaluación de los programas presupuestarios para dar cuenta del impacto social de los mismos. Este el marco institucional presupuestal, actual del país. Recordemos que los PPEG son una herramienta analítica que permite revisar el gasto público y los ingresos gubernamentales dando cuenta de las consecuencias e impacto diferenciado que éstos tienen en la vida de hombres y mujeres; y una herramienta práctica que permite la incorporación dentro de los presupuestos públicos (y en las políticas y programas gubernamentales), de las necesidades, derechos, obligaciones e intereses distintos de hombres y mujeres; los cuales son resultado de las diferentes posiciones sociales, culturales, políticas y económicas de los géneros. El objetivo de la ponencia es: analizar los avances y retos en la instrumentación de Presupuestos Públicos con Enfoque de Género en México, en el marco del Presupuesto Basado en Resultados vigente en el país.Resumen de la Ponencia:
Partimos do pressuposto de que a universalização da política pública e desmercantilização das políticas sociais podem vir a ser um caminho para mitigar alguns aspectos da desigualdade de gênero, desta forma, o presente estudo tem como objetivo refletir sobre a instrumentalidade da desigualdade de gênero para o sistema capitalista de produção a partir da exploração das mulheres em suas diversas jornadas de trabalho como parte substancial da produção e reprodução do capital, tratando-se de condição essencial para a subsistência da classe trabalhadora. Trata-se de uma pesquisa de abordagem qualitativa realizada a partir de estudo bibliográfico tendo como aporte inicial de análise a Teoria da Reprodução Social. Pudemos compreender que a família sempre esteve diretamente responsabilizada pelo trabalho de reprodução social dos sujeitos e que a partir do contexto neoliberal e de contrarreformas trabalhistas e sociais, essa responsabilização foi reforçada frente a insuficiência de políticas públicas que as amparem. Assim, percebemos uma contradição fundamental entre política social ofertada pelo Estado, trabalho (no âmbito da produção e da reprodução) e família, determinando uma relação crítica de exploração do gênero feminino. Desta forma, ficou evidenciado que políticas públicas universais que possam atender às demandas de reprodução social dos sujeitos poderiam vir a suprir parte da problemática da desigual divisão do trabalho a partir do gênero.
Introducción:
Muito se tem discutido na atualidade sobre a desigualdade de gênero, principalmente nos campos de estudos feministas. Dentro do marxismo, o tema ainda encontra resistência. Frente o recrudescimento do neoliberalismo, o cenário de aumento da desigualdade e violência social sobre diversas camadas da sociedade e perdas de direitos sociais e trabalhistas, compreendemos enquanto urgente o aprofundamento da compreensão sobre a temática a partir das relações de exploração e opressão a partir de uma unidade dialética. Neste sentido, buscamos refletir sobre como a desigualdade de gênero é instrumental ao sistema capitalista, no que fomenta a subalternização das mulheres nas diversas jornadas de trabalho como parte substancial da produção e reprodução do capital, tratando-se de condição essencial para a subsistência da classe trabalhadora.
Como metodologia de pesquisa foi utilizada abordagem qualitativa através de análise bibliográfica, tendo como aporte inicial a análise da Teoria da Reprodução Social. No primeiro momento, foi realizado um breve resgate sobre as categorias marxianas consideradas imprescindíveis para o estudo da temática, sendo apresentada posteriormente uma visão geral do que compreendemos enquanto família, sua expressão nas relações sociais contemporâneas, perpassando as mudanças que ocorreram nas mesmas devido às transformações societárias e que acarretaram maior diversidade de composições e arranjos, bem como a funcionalidade do trabalho remunerado e não remunerado do gênero feminino para sua manutenção.
No segundo momento, a partir da compreensão de que o gênero feminino é engrenagem essencial do modo de produção capitalista através da produção e reprodução da família, fora do âmbito produtivo capitalista, lançamos mão da Teoria da Reprodução Social buscando desvelar a dinâmica de exploração que engendra a desigualdade de gênero para garantia da continuação da ordem capitalista. A família, neste sentido, é instrumentalizada para a reprodução da força de trabalho e constante acumulação de capital através da exploração do trabalho não remunerado de mulheres.
Desarrollo:
A CENTRALIDADE DA FAMÍLIA NA PRODUÇÃO/REPRODUÇÃO DO CAPITALISMO
Ao contextualizarmos a condição histórica de mudança da sociedade, compreendemos que a dissolução do feudalismo foi um dos pontos de partida que demonstra o avanço do sistema capitalista. O processo de produção é executado por um ser social, em uma totalidade de atividades exercidas por um corpo social. Neste processo, cabe demonstrar algumas etapas pelas quais é engendrada a forma social do consumo, tanto da matéria para a produção, quanto o consumo do valor de uso do indivíduo no processo de produção. As etapas são: a produção, que é a apropriação da natureza para criação de mercadorias que possui alguma necessidade para a sociedade; a distribuição, que vai determinar a inserção do indivíduo na produção; a troca, que é a objetivação do produto a partir da conversão de seu valor; por fim, o consumo, que é a utilização do produto como objeto pessoal e apropriação individual. Importante relacionar a produção ao consumo, pois são extremidades do processo de produção; ou melhor, a produção estabelece o consumo e o consumo faz movimentar a produção. (MARX, 2008).
A classe trabalhadora nasce desprovida de capital e, ao longo de sua vida, vê-se obrigada ao trabalho assalariado como forma de garantia de sua subsistência. Se antes o indivíduo garantia suas necessidades a partir da interação de seu trabalho com a natureza, nesta forma de sociedade a subsistência é garantida pelo consumo, pois para manutenção de sua força vital, o indivíduo utiliza seu salário (resultante do trabalho assalariado) para consumir produtos. Portanto, é possível observar que a produção não cria somente um objeto para o consumo, mas cria também a necessidade do indivíduo consumir o objeto. (MARX, 2008).
Ao considerar que o objetivo do capitalista é a valorização de seu capital investido inicialmente através da apropriação de mais-valia proveniente da exploração da força de trabalho, a suposta relação igualitária da troca de força de trabalho por salário obscurece a extração diária de trabalho excedente não pago, executado pelo trabalhador. Esta relação mistificada da forma salário encobre a maneira pela qual a jornada de trabalho é dividida em trabalho necessário e trabalho excedente (pago e não pago), fazendo parecer que toda a força de trabalho despendida pelo trabalhador foi paga. Esta relação só é possível a partir do encontro de dois indivíduos em relação de “igualdade” no mercado: o capitalista, possuidor de dinheiro disposto a comprar a mercadoria força de trabalho para sua produção; o trabalhador, que ao ser expropriado de seus meios de produção só restou a venda da sua própria força de trabalho em troca de dinheiro, sendo a expressão dos seus meios de subsistência. (IAMAMOTO, 2014).
Ainda segundo Iamamoto (2014), a partir do entendimento em Marx, o valor da força de trabalho é determinado pelo trabalho socialmente necessário para a sua produção e, tendo em vista que a força de trabalho não se separara do indivíduo, sua produção corresponde de maneira indissociável à sua reprodução social. Para isso, o valor da força de trabalho é equivalente ao mínimo necessário para satisfação das necessidades básicas do trabalhador e sua família; afinal, o capital é valorizado a partir da força de trabalho, e a reprodução da prole na renovação da força de trabalho é necessária para a perpetuação da produção capitalista. O que torna importante ser destacado é o processo de produção e reprodução a partir das relações sociais que resultam do antagonismo da classe capitalista e da classe trabalhadora, pois é expressão da correlação de forças entre o capital e o trabalho. Assim, quando o trabalhador assalariado é inserido no processo produtivo, ele sai da mesma maneira que ingressou, com sua mercadoria força de trabalho disponível para venda, pois a riqueza produzida por ele pertence ao capitalista. O resultado da venda da força de trabalho, o salário - expressão de valor da subsistência -, é consumido na reprodução da vida do trabalhador e sua família. “Não lhe resta, portanto, outra alternativa senão a de retornar ao mercado novamente, vender parte de si mesmo como condição de sua sobrevivência, já que seus meios de vida estão monopolizados, também, pela classe capitalista.” (IAMAMOTO, 2014, p. 53).
A partir de Braverman (1987), podemos perceber que com a evolução do sistema capitalista de produção, a expansão da acumulação e concentração cria novos ramos que, ao longo do tempo, vai modificando o processo técnico do trabalho e nas relações sociais de produção, o que reforça a subsunção do trabalho ao capital.
Ainda segundo o autor, esta evolução do sistema capitalista de produção alterou o costume social, pois se antes o valoroso era produzir algo, nesta nova forma de sociabilidade o poder de compra é o determinante para a interação e fonte de status social. Desta forma, se a sociabilidade é determinada pelo poder de compra, este sistema incita a necessidade de cada membro da família possuir uma renda, pois todos os âmbitos da vida são mediados pelo valor e dependente do salário, transmutando a sociedade em um enorme mercado de trabalho. A vida social se tornou uma fonte de diversas mercadorias disponíveis para serem compradas, pois o capitalismo criou um mercado universal pelo qual transforma toda a produção de bens em mercadorias, converte serviços em mercadorias e mantém uma constante criação de novos produtos.
Outro aspecto importante a ser destacado é sobre a evolução da dinâmica de exploração da força de trabalho pelo capitalismo e a forma pela qual exaure a energia vital da classe trabalhadora em busca de acumulação de capital progressiva. Em meados do século XIX, o sistema capitalista de produção possuía maquinários que permitia o emprego em número ainda maior de mulheres e crianças, ampliando ao máximo possível a jornada de trabalho visando maior extração de trabalho não pago. A exploração da força de trabalho estava em níveis tão alarmantes, que surgiu o temor de que não fosse possível a reposição de trabalhadores ao longo do tempo, pois a vida da classe trabalhadora findava para a produção e seu salário não era suficiente para sua reprodução. Diante disso, surgiram legislações que regulamentavam o trabalho de mulheres e crianças no processo produtivo, reduzindo expressivamente a contratação do gênero feminino em fábricas, bem como aumentou o salário do gênero masculino em até 40%, buscando realizar uma compensação em forma de “salário família”. Assim, as mulheres perderam o trabalho assalariado e foram realocadas para o âmbito da reprodução social, em que sua função está em torno da preservação da família, surgindo a dona de casa proletária. Mais tarde, esta estratégia foi reforçada e estimulada através do fordismo, com vistas a tornar a classe trabalhadora mais disciplinada e produtiva. (FEDERICI, 2021).
É importante chegar a este ponto, pois o capitalismo transformou atividades exercidas para reprodução social em mercadoria. Aspectos de interação humana familiar e comunitária são constantemente substituídos por uma gama de serviços que podem ser adquiridos a partir de relações no mercado. Campos de trabalho como hotéis, instituições de cuidado, lojas, escritórios viabilizam a criação de funções de limpeza, cuidado e etc., que são executadas predominantemente por mulheres em suas casas através de trabalho não pago, sendo aproveitados pelo capitalista como forma de lucro. Justamente por essas tarefas domésticas e cuidado serem executadas por mulheres em suas casas através de trabalho não pago, ao adentrar o setor de serviços essas funções são categorizadas como inferiores e secundárias, o que predispõem a um maior nível de exploração, baixa remuneração e subalternização.
Portanto, é possível compreender que a desigual divisão do trabalho a partir do gênero é funcional e lucrativa ao capitalista, pois coloca a mulher no âmbito da produção em uma baixa remuneração e a coloca no âmbito da reprodução social, renovando a energia vital de outros trabalhadores a partir de um trabalho não pago. Ou seja, as mulheres propiciam lucros ao capitalista de duas formas diferentes: trabalhando e gerando mais-valia; e mantendo outros trabalhadores da família através das atividades de reprodução social, sem que seja remunerada por isso. Dessa forma, o Estado busca regular a desigualdade de gênero por meios institucionais, mas sem alterar a estrutura de exploração do trabalho de mulheres que mantém a prevalência do sistema patriarcal. Em suma, a dominação e opressão das mulheres no âmbito produtivo e reprodutivo é uma das estratégias da progressiva acumulação capitalista.
As famílias, em sua instância, não são uma unidade imutável, ao longo da história perpassou por dinâmicas de relações sociais que estiveram expostas às necessidades de reprodução do sistema capitalista. Sobre a diversidade na composição das famílias brasileiras, Mioto (2020) demonstra que com o passar do tempo houve uma diferenciação da "família moderna" e "família contemporânea". A “família moderna” é originada no século XV sendo composta por homem, mulher e sua prole, baseada em um arranjo nuclear patriarcal. A “família contemporânea” é resultado do desenvolvimento das relações societárias nos seus diversos âmbitos, como: relações de trabalho, economia e cultura. A família contemporânea é caracterizada por seus diversos arranjos, em composições que são provenientes de mudanças legislativas e transformações sociais, podendo situar a partir da alteração do vínculo do casamento, aceitação de uniões estáveis e, mais recentemente, união entre pessoas de mesmo sexo.
Para Camarano e Fernandes (2014), no século XX ocorreu uma transição demográfica que alcançou tanto o norte global quanto países latino americanos. As autoras apontam que houve mudanças oriundas das alterações nos sistemas de valores da sociedade, em que houve a ampliação do individualismo e do consumo, o aumento da escolarização e, no que diz respeito às mulheres, houve uma dissociação entre a vida sexual e o casamento, repercutindo no adiamento ou não realização da união matrimonial. Essas transformações societárias resultaram em uma maior autonomia sexual das mulheres sobre seus próprios corpos, além de vir à tona questionamentos sobre a conformação familiar tradicional em que o homem é provedor e a mulher responsável pelo cuidado familiar. As autoras buscam demonstrar que esta transição demográfica – a que se referem é a segunda transição demográfica em meados do século XX – alterou a composição tradicional das famílias brasileiras, em que houve o aumento da famílias monoparentais, maior ocorrência de filhos fora da relação matrimonial e o crescimento vertical das famílias, com mais gerações co-habitando um mesmo lar e diminuição horizontal, com a queda do número de pessoas por geração. Além disso, a regulamentação do divórcio na década de 1970 se apresenta enquanto um importante aspecto na conformação dos arranjos familiares contemporâneos.
Outro aspecto importante a ser destacado é que segundo Pereira-pereira (2004) os arranjos familiares tradicionais brasileiros entraram em declínio e isto se dá a partir da ampliação da participação do gênero feminino no âmbito produtivo. A autora demonstra que no ano 2000 uma a cada três casas eram chefiadas unicamente por mães solteiras. Neste sentido, Pereira-pereira demonstra que no Brasil há o aspecto da idealização da família que prevalece por uma visão de proteção, sem considerar suas transformações, reestruturações e contradições.
Ao retratarmos a reprodução de desigualdades no âmbito da família, torna-se importante destacar Almeida (2016) que demonstra sobre como as famílias negras são invisibilizadas para o acesso de políticas públicas e estudos acadêmicos sobre essa temática. Isto se dá pela forma que as famílias negras são vistas como “desestruturadas” por serem divergentes do padrão de família nuclear tradicional, apontando no aspecto em que o Estado tem como “desordem” é, na realidade, expressão da cultura negra tendo em vista sua noção de família extensa.
Ainda neste sentido, as mulheres negras são, de forma crescente, chefes de família e com as menores rendas por estarem inseridas em trabalhos mais precarizados, e por isso, as famílias negras se tornam "usuárias em potencial das políticas públicas." (ALMEIDA, 2016, p. 5). Diante disso, a partir das transformações societárias que considera a responsabilidade pelo provimento da família dividida entre os gêneros, não é possível dizer que esta divisão adentrou a repartição do trabalho reprodutivo, sendo o aspecto central da desigualdade de gênero. (ARRIAGADA, 2017).
As desigualdades das relações de gênero é parte essencial para compreensão da organização da vida social, entendendo que é uma das faces da expressão da Questão Social. Portanto, na atualidade em que vivemos uma crise econômica exacerbada devido a Pandemia do COVID-19, as mulheres englobam diversos âmbitos de trabalho em suas múltiplas jornadas, sofrendo de maneira expressiva com o recrudescimento do ajuste fiscal oriundo do avanço do neoliberalismo nas políticas públicas.
A TEORIA DA REPRODUÇÃO SOCIAL COMO APORTE DE ANÁLISE DA DESIGUALDADE DE GÊNERO.
De acordo com o que foi explicitado, percebemos o quanto o trabalho no âmbito da reprodução social é primordial para a manutenção da produção executada pelo proletariado, sendo percebido que a mulher foi realocada para um trabalho não pago e invisibilizado propositalmente como estratégia de manutenção capitalista. O processo de trabalho está intrinsecamente relacionado à reprodução social, pois, para o cumprimento da jornada de trabalho, é necessária a reposição da energia vital dos trabalhadores e trabalhadoras através da alimentação, higiene e descanso sendo, majoritariamente, organizado e elaborado por mulheres através de trabalho não pago. Outro aspecto importante da família para o capitalismo é a renovação geracional, em que crianças são geradas e criadas por mulheres e, posteriormente, inseridas no mercado de trabalho como força de trabalho livremente explorável.
Ao compreendermos a instrumentalidade do trabalho feminino (não pago) no lar para a produção da força de trabalho que gera valor ao capitalismo, é possível perceber a necessidade de uma articulação direta entre gênero e classe social. Os estudos feministas ao se apropriarem do conceito de reprodução da força de trabalho de Marx demonstram a importância do conceito marxiano para compreender o trabalho no lar (família) enquanto ferramenta da exploração do trabalho do gênero feminino. Por isso, lançamos mão da Teoria da Reprodução Social e sua óptica de rompimento da exploração do gênero feminino a partir da luta anticapitalista, pois nos orienta não somente sobre a opressão de mulheres, mas sim, em sua forma unitária compreende as opressões enquanto singularidades que compõem a totalidade da realidade concreta em suas múltiplas determinações.
As feministas marxistas se aprofundaram nos estudos sobre a crítica da economia política de Karl Marx e retomam o pensamento marxiano acerca da reprodução social, trazendo à tona formulações pouco desenvolvidas até então, com vistas à análise do movimento do real, a fim de compreender a dinâmica contraditória da relação entre capital e trabalho e a opressão de mulheres a partir de uma perspectiva unitária.
A partir da década de 80 até a atualidade, as discussões com relação às questões de gênero mais difundidas foram discutidas a partir de análises empíricas do processo desencadeador de desigualdades – a feminização do trabalho, o impacto do neoliberalismo sob o trabalho de mulheres, a intersecção das opressões de gênero, raça e classe –, no entanto, a descrição dos fenômenos aparentes na relação entre capitalismo e gênero é diferente de uma teoria que demonstre a relação estrutural dessa conexão. A “tese unitária” que é defendida pela Teoria da Reprodução Social explicita o capitalismo enquanto um sistema unitário que integra o âmbito produtivo e reprodutivo, de forma que as duas esferas estão intimamente relacionadas. Posto isso, é importante demonstrar a “Tese unitária” que compreende o sistema patriarcal enquanto inter-relacionado ao sistema capitalista, o que quer dizer que as relações patriarcais não são autônomas ao capitalismo. Não se trata aqui de que a teoria unitária seria uma espécie de reducionismo ou economicismo, mas sim da discordância de que o patriarcado seria um sistema que de forma autônoma se reproduz. Para Arruzza (2015, p. 38) o patriarcado está imbricado na dinâmica das relações sociais oriundas do capitalismo, dessa forma, expõe:
Em resumo, a teoria unitária não é reducionista ou economicista, e não subestima a centralidade da opressão de gênero. Proponentes da “teoria unitária” discordam da ideia de que o patriarcado seria hoje um sistema de regras e mecanismos que autonomamente se reproduzem. Ao mesmo tempo, insistem na necessidade de considerar o capitalismo não como um conjunto de leis puramente econômicas, mas antes como uma complexa e articulada ordem social, uma ordem que tem seu núcleo constituído de relações de exploração, dominação e alienação. (ARRUZZA, 2015, p. 38).
Diante disso, Bhattacharya (2019, p. 102) toma como pergunta norteadora para analisar a opressão da mulher na ordem capitalista: “Se a força de trabalho produz valor, como a força de trabalho é, ela mesma, produzida?”. Para a autora, Marx expõe que é através da força de trabalho que o capitalismo tem condições para geração de valor. De outro modo, podemos compreender que somente pela exploração da força de trabalho da classe trabalhadora que o capitalismo mantém sua acumulação de riquezas e dominação, pois sem que houvesse a extração de valor da força de trabalho, o capitalismo não teria continuidade.
Neste sentido, percebemos que há uma necessidade de responder como a dinâmica do sistema capitalista mantém a produção, reprodução, transformação e renovação da hierarquia e opressão de gênero sem que seja uma argumentação estritamente historicista, econômica ou automática. Por isso, percebemos que a Teoria da Reprodução Social é uma importante chave de análise que nos fornece um aporte qualificado para desvelar a opressão do gênero feminino resultante da complexa teia engendrada pelo capitalismo. A partir do esforço empreendido pela Teoria da Reprodução Social, percebemos que as mulheres executam a maior parte do trabalho referente à reprodução social, e por isso, o capitalismo segue levando vantagem com a desigualdade de gênero, visto que não tem custos pelas atividades reprodutivas exercidas no âmbito familiar que o sustentam.
A Teoria da Reprodução Social vai compreender que o gênero feminino é engrenagem essencial do modo de produção capitalista através da produção e reprodução da família, fora do âmbito produtivo. Historicamente, a família é uma instituição baseada em laços de consanguinidade, sendo o espaço em que funciona a renovação da energia vital dos trabalhadores após a jornada de trabalho e, também, a produção e a reprodução da renovação geracional da força de trabalho através do cuidado do gênero feminino.
Conforme argumentam Ferguson e Mcnally (2017), os Estados capitalistas souberam utilizar e reforçar a conformação social que se desenhava nas famílias pré-capitalistas. O que não quer dizer que o capitalismo gerou a família nuclear heterossexual, mas que soube se utilizar do embrião das políticas sociais reafirmando para a classe trabalhadora a importância de preservação dos laços de parentesco. A ordem de gênero burguesa moderna foi ampliada e aderida pela classe trabalhadora através de processos sociais complexos, mas conciliáveis com a reprodução social da força de trabalho no meio privado familiar. É fundamental ao capitalismo a criação de meios institucionais que viabilizam dominância na reprodução biológica, formas de família, cuidado com crianças e controle nas relações de gênero, pois é dessa forma que garante a produção e reprodução da força de trabalho atual e futura.
Para garantir que haja força de trabalho disponível no mercado, o sistema capitalista de produção não domina somente o âmbito produtivo, mas também mantém domínio no âmbito reprodutivo. Pois, ao compreender que a estrutura de sustentação de seu processo de acumulação de capital é a reprodução social na família, que está fora da produção, o sistema capitalista impõe medidas de austeridade, ataca serviços públicos, preconiza a família responsável pelo fardo dos cuidados individuais e demoniza a assistência social, pois é desta forma que consegue manter a classe trabalhadora vulnerável e dependente de salário.
Percebemos que com o aprofundamento do neoliberalismo, há repercussão no adensamento da exploração da mulher, em que para dar conta do cuidado com a família (tendo em vista a pouca assistência do Estado), são exigidas a acumulação de jornadas de trabalho no âmbito produtivo e reprodutivo, por isso, a “(re)produção de pessoas” é uma carga adicional ao gênero feminino. Segundo Arruzza, Bhattacharya, Fraser (2019), o neoliberalismo preza pela não responsabilização do Estado frente às questões sociais e de apoio às famílias, o que vem a resultar o adensamento da desigualdade de gênero pois mulheres despendem mais energia vital ao acumular jornadas de trabalho. Ainda segundo as autoras, as quatro décadas de hegemonia neoliberal enfraqueceram os direitos trabalhistas e diminuíram os salários, tendo como resultado a ampliação da exploração.
Neste sentido, o sistema capitalista dispersa uma ideologia de que o trabalho precarizado é naturalizado e produz a adesão e consentimento da classe trabalhadora ao projeto societário hegemônico da ordem do capital. É possível perceber que há a utilização de um complexo ideológico que busca arrefecer a mobilização da classe trabalhadora, bem como mitigar conflitos sociais oriundos da dinâmica contraditória do conflito entre capital e trabalho. E neste caso, a ideologia vem cumprir um papel de generalização das condições precárias de existência, tomando o trabalho não remunerado no âmbito da família como naturalmente inerente ao gênero feminino, e esta lógica toma fôlego a partir do aprofundamento do neoliberalismo.
Assim, compreendemos que o aprofundamento do neoliberalismo tem uma repercussão direta na exploração do gênero feminino havendo um maior adensamento e precarização da vida da classe trabalhadora para o aumento progressivo das taxas de lucro do grande capital. No Brasil, podemos dar como exemplo sobre essa repercussão, a Pandemia do COVID-19, sendo uma clara demonstração de que sem a força de trabalho – mercadoria especial nas palavras de Marx – não há extração de valor para acumulação de capital. Para além disso, demonstra a importância do trabalho despendido para a reprodução social, pois a Pandemia alcançou o Brasil durante o governo do Presidente Jair Bolsonaro, que impulsionou o neoliberalismo, resultando na deteriorização das políticas públicas, que são aportes de reprodução social, podendo destacar: o desmonte o Sistema Único de Saúde com o recrudescimento das privatizações; subfinanciamento das políticas sociais e corrosão dos direitos trabalhistas e previdenciários. Este cenário pandêmico teve por resultado uma maior dificuldade pela reprodução social, pois tendo em vista que o governo do Presidente Jair Bolsonaro já vinha promovendo o adensamento da responsabilização da família pelo seu próprio provimento através das ações de austeridade demandadas pelo neoliberalismo, o isolamento social e o adoecimento em massa expõem a necessidade das relações sociais que são sustentadas pelo cuidado. Dessa forma, para uma análise inteligível à opressão das mulheres, nos cabe ressaltar a reprodução social, que é reforçada e fortemente difundida por uma ideologia da ordem do capital como inerente ao gênero feminino, sendo importante estabelecer a reflexão da funcionalidade deste trabalho na manutenção e renovação objetiva e subjetiva da força de trabalho que se coloca disponível no mercado para exploração do capitalismo.
Compreendemos que o aprofundamento do neoliberalismo através do parcos gastos nas políticas sociais resulta na família como espaço de suporte social e subsistência da classe trabalhadora, e sem as devidas condições de apoio estatal há precarização das condições de vida e intensificação de aspectos da reprodução social exercidos por mulheres. Portanto, percebemos que a erosão das políticas públicas oriunda da forma hegemônica neoliberal acarreta a sobrecarga de mulheres no âmbito da reprodução social. A ideia de que a família, é o suporte para as necessidades, pode vir a naturalizar excesso de trabalho não remunerado ao gênero feminino, além de legitimar a secundarização do trabalho doméstico e validar possíveis situações de violência e restrições de direitos.
É neste sentido que a Teoria da Reprodução Social nos ajuda a perceber a relação direta entre o âmbito produtivo e reprodutivo, de forma que compreendemos que o neoliberalismo enraíza a responsabilidade pelo cuidado da família às mulheres, contribuindo para que a ordem capitalista dominante possa ajustar a quantidade e a qualidade de força de trabalho explorável no mercado. Este processo tem um efeito devastador para o gênero feminino, pois hierarquiza as condições de inserção da força de trabalho – de forma que classifica uma importância desigual entre o âmbito do trabalho produtivo e o âmbito do trabalho de reprodução social – e centraliza a família enquanto uma responsabilização privada de cada indivíduo que a compõe. Dito de outra forma, as mulheres perpassam condições desiguais no âmbito produtivo do mercado de trabalho e condições desiguais de trabalho no âmbito da reprodução social e ainda assim são responsabilizadas pelas condições de subsistência e provimento da família, favorecendo a classe dominante que necessita da força de trabalho para extração de valor.
Conclusiones:
Embora o âmbito da reprodução social seja imprescindível para continuidade da extração de valor da força de trabalho pelo modo de produção capitalista, o neoliberalismo – como forma hegemônica da classe dominante – busca a todo custo encobrir e renegar o trabalho de “produção de pessoas” a uma condição de subordinação. Portanto, a reprodução social é utilizada pelo neoliberalismo como um meio de manutenção de lucros. Conforme Arruzza, Bhattacharya e Fraser (2019) apontam, compreender a centralidade da reprodução social na sociedade capitalista é ter uma lente que propicia a expansão da visão em torno da luta de classes. Isto quer dizer que a chave para compreender a realidade está conectada diretamente entre desigualdade de classe e desigualdade de gênero em torno da reprodução social. Para as autoras, o confronto contra o grande capital em prol de melhores condições de vida, como o acesso ao sistema de saúde universal, à educação de qualidade, habitação digna e transporte público, são aspectos que giram em torno da reprodução social como um ponto crítico na luta de classes e na opressão de mulheres.
Portanto, pudemos compreender que a família vem sendo responsabilizada por seu próprio cuidado, assistência e provimento tendo em vista o contexto de hegemonia neoliberal. O neoliberalismo reforça essa responsabilização da família à medida que tem por princípio o mínimo de gastos às questões sociais, em que a insuficiência de políticas públicas que as ampare direciona a uma possível “reprivatização do cuidado”. Assim, percebemos que há uma contradição na dinâmica entre capital e trabalho ao compreendermos que os parcos gastos na política social ofertada pelo Estado vem repercutindo diretamente na família, onde mulheres acumulam diversas jornadas de trabalho para garantir condições de subsistência no lar, resultando em uma maior desigualdade de gênero.
Diante disso, compreendemos que políticas públicas universais podem vir a atender as demandas de manutenção e reprodução familiar que são parte da sobrecarga do trabalho do gênero feminino, podendo vir a suprir parte da problemática da desigual divisão social do trabalho, incluindo de gênero. No entanto, não podemos perder de vista que a valorização e implementação de tais políticas colidem com a acumulação capitalista.
Com isto em vista, percebemos que a coletivização do trabalho na esfera da reprodução social (doméstico e de cuidado) associada a uma divisão de seu custeio através da política pública poderia vir a propiciar ganhos no que diz respeito a uma equalização das atividades exercidas por homens e por mulheres. Ainda que haja um longo caminho pela frente, entendemos que a luta pela equidade de gênero deva seguir em direção ao rompimento do capitalismo e seus nexos patriarcais, trazendo para o centro de gravidade dessa discussão uma perspectiva anticlassista.
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Palabras clave:
Desigualdade de Gênero, Teoria da Reprodução Social, Família.
Resumen de la Ponencia:
As políticas públicas para as mulheres no Brasil tiveram seu início ainda antes da homologação da Constituição Federal de 1988. Tomadas pelas lutas de redemocratização durante o período da ditadura militar, as mulheres, organizadas em movimentos sociais, conquistaram em 1985 a implementação do Conselho de Direitos das Mulheres no Poder Executivo Federal, atrelado ao Ministério da Justiça e Direitos Humanos. Em 2002, a primeira Secretaria dos Direitos das Mulheres foi estabelecida, tendo seu formato e status alterado conforme o período político vigente. Desde a eleição de Jair Bolsonaro, no entanto, o principal organismo gestor de políticas para as mulheres do país tem sido desmantelado sob uma ideologia conservadora evangélica. Além disso, há um processo vigente de apagamento dos significados de gênero tendo em vista sua raiz radical feminista. Buscando contrapor essa corrente, o Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo organizou um seminário virtual no dia 14/05/2021 com seis mulheres feministas do alto escalão da burocracia para compartilharem, a partir de suas memórias, o processo de construção das políticas públicas de direitos humanos para as mulheres das quais fizeram parte. Assim sendo, o presente artigo busca abordar conceitos relativos à gênero, políticas para mulheres, interseccionalidade e memórias a partir do entendimento compartilhado pelas convidadas e também a partir de revisão documental e bibliográfica.O resgate de memórias, nesse sentido, indica um passado de consciência de que os significados de gênero e transversalidade imbrincados nas políticas públicas devem dialogar com as pautas e demandas da sociedade civil e dos movimentos feministas, além do presente de resistência de que as conquistas de ontem sejam preservadas.Os resultados da abordagem às memórias do enfrentamento às desigualdades de género contra as mulheres no Brasil a partir das falas das presidentas do Conselho Nacional dos Direitos das Mulheres, Ministras da Secretaria de Políticas para as Mulheres e do Ministério da Mulher, Igualdade Racial e Direitos Humanos, remontam à relevância da reflexão sobre o medo, a luta, o conservadorismo, a representação política e laicidade do Estado.Resumen de la Ponencia:
O trabalho apresenta uma análise acerca da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, estudando a igualdade de gênero entre homens e mulheres que antes não era previsto de forma clara em outras Constituições no país. Partindo-se da hipótese de que o sistema pretende minimizar a desigualdade entre os gêneros, pretendeu-se identificar quais os mecanismos dessa Constituição garantem mais igualdade e direitos para as mulheres. Deu-se especial ênfase ao artigo 5°, da Constituição Federal, devido ao alto volume de direitos fundamentais. O artigo também dialoga com a teoria do poder simbólico de Pierre Bourdieu e de sua obra “A Dominação Masculina”, com a finalidade de comprovar a dominação do sexo e o poder que ele exercia e ainda continua exercendo atualmente na sociedade, mesmo com mecanismos como a Constituição estudada no artigo, que garante mais igualdade entre os indivíduos do Estado. Trata-se de uma reflexão acerca do princípio da isonomia e mais que isso, até onde e quais indivíduos esse princípio abrange. O trabalho é oriundo de uma pesquisa que observa também o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 5, da Agenda 2030 da Organização das Nações Unidas (ONU) “Desigualdade de Gênero” e suas metas para que esse objetivo seja alcançado até o ano de 2030.O artigo tem a finalidade de analisar quais os mecanismos de proteção dos direitos femininos à luz da Constituição de 1988, além de comparar esses mecanismos com a realidade atual, mostrando que mesmo existindo, não garantem de forma plena, o princípio da isonomia e igualdade de direitos às mulheres em relação aos homens. Logo, pretende-se comprovar que a dominação do homem sobre as mulheres existia e continua existindo através do poder simbólico presente na sociedade, que a Constituição de 1988 não foi capaz de desmistificar.