Resumen de la Ponencia:
O objetivo deste artigo é discutir a introdução de novas formas de remuneração a partir das reformas trabalhistas ocorridas em diversos países a partir de 1970 e, mais recentemente, de 2008. As reformas trabalhistas incidiram sobre a jornada de trabalho, os tipos de contrato, o nível de proteção ao emprego e sobre a forma de remuneração, com a introdução do salário por hora ou trabalho intermitente e do salário por peça. Foi realizada uma revisão de literatura sobre as reformas trabalhistas no Chile, México e Brasil para verificar as principais alterações no arcabouço jurídico desses países, no sentido de identificar o impacto da reforma trabalhista. Parte-se da hipótese de que as reformas trabalhistas nestes três países tiveram como principal objetivo promover a redução de salários. Ao final do estudo, confirmou-se a hipótese. As reformas trabalhistas analisadas introduziram novas formas de remuneração, como o salário por hora e por peça, promoveu um crescimento dos vínculos precários de trabalho e uma redução nos salários dos trabalhadores.
Introducción:
Uma lei do modo de produção capitalista, segundo Karl Marx (1984), é a de que o desenvolvimento progressivo da produtividade social do trabalho promove um decréscimo do capital variável (salário) e um aumento no consumo do capital constante (maquinário, matérias-primas) levando à queda do preço de cada produto individual, que passa a conter quantidade menor de trabalho. “Daí resultando diretamente que a taxa de mais valia, sem variar e mesmo elevando-se o grau de exploração do trabalho, se expresse em taxa geral de lucro em decréscimo contínuo” (MARX, 1984, p. 243).
Para reverter essa lei, Marx afirma que o capital se utiliza de alguns instrumentos, dentre eles, o aumento do grau de exploração do trabalho e a redução dos salários[1]. Partindo da premissa de que, nos momentos de crise, o capital age com o objetivo primordial de incidir diretamente sobre esses fatores que atuam contrariamente à lei da tendência à queda da taxa de lucro, no intuito de manter a taxa de mais valia, buscou-se identificar na literatura sobre as reformas trabalhistas no Chile, México e Brasil, aspectos que confirmassem ou refutassem a hipótese de que tais reformas tiveram como objetivo primordial o aumento do grau de exploração do trabalho e a redução de salários dos trabalhadores. O objetivo também é estabelecer pontos de confluência entre as reformas trabalhistas ocorridas nesses três países.
Observa-se também que há uma tendência à flexibilização dos tempos de trabalho e das formas de remuneração. Essa tendência existe desde as crises de superacumulação do capital, nos anos 1970, e vem se aprofundando desde então. Com a financeirização, a partir dos anos 1980, e o neoliberalismo, os trabalhadores são colocados em concorrência em escala mundial acompanhando os movimentos de capitais (HUSSON, 2010). Processo que intensifica a flexibilização dos tempos de trabalho e das formas de remuneração, que, por sua vez, ganham maior impulso nos períodos de crises econômicas (DAL ROSSO, 2017).
Dessa forma, procurou-se com esse artigo identificar se as referidas reformas trabalhistas contêm elementos que facilitam a flexibilização das horas de trabalho e das formas de remuneração. Nesse sentido, recuperou-se também neste artigo a discussão sobre salário por peça e por hora presente no volume I de “O Capital” (MARX, 1984). Partiu-se da hipótese de que as reformas trabalhistas do México, Brasil e Chile tiveram como objetivo reduzir os salários dos trabalhadores. A hipótese foi confirmada. As reformas trabalhistas nos referidos países tiveram como resultado, segundo a literatura e os dados primários analisados, o crescimento dos vínculos precários de trabalho e uma queda na remuneração.
Conclui-se que para entender o novo padrão de acumulação do capital, para o qual as reformas trabalhistas foram elaboradas, é importante observar que houve uma reintrodução do salário por peça e por hora, permitindo que a utilização da força de trabalho seja feita da forma mais adaptada possível às demandas do capital nesses tempos de crise econômica. Isso ficou expresso na figura do trabalho intermitente, introduzido no Brasil, e nas demais formas de remuneração por peça (demanda ou produtividade), introduzidas nas reformas trabalhistas chilena e mexicana. Analisa-se que essas formas de remuneração já existiam nos referidos países, no entanto, ganham maior amplitude após as reformas trabalhistas. O caso chileno, por sua vez, confirma essa tendência. A reforma trabalhista chilena foi a que contou com maior flexibilização da jornada de trabalho e das formas de remuneração e a mesma teve como resultado a redução drástica de salários dos seus trabalhadores e piora das suas condições de vida.
As três reformas trabalhistas estudadas tiveram como objetivo a flexibilização dos tempos laborais. Para realizar essa flexibilização, foi preciso a introdução senão completamente pelo menos parcialmente de uma remuneração flexível, que permite ou o prolongamento da jornada de trabalho ou a sua utilização apenas no momento que convêm ao capital, aspecto importante em um contexto de crise econômica, com o objetivo de aumentar a exploração da força de trabalho e, consequentemente da mais valia, diminuindo os salários.
[1] Marx (1984) pontua os fatores contrários à lei e utilizados para tentar conter a queda da taxa de lucro: a) o aumento do grau de exploração do trabalho, b) a redução dos salários, c) a baixa de preço dos elementos do capital constante, d) a superpopulação relativa, e) o comércio exterior e f) o aumento do capital em ações.
Desarrollo:
Salário e teoria do valor
O salário é parte do capital variável, ou seja, a parte do capital convertida em força de trabalho e, portanto, está na base do processo de produção de mais-valia. Segundo Marx (1984), o trabalhador precisa realizar uma média de horas por dia para receber um salário diário que corresponda ao valor da sua força de trabalho ou aos meios de subsistência necessários para sua reprodução. No entanto, Marx esclarece que há uma forma de remuneração na qual o salário por tempo é praticado sem considerar uma jornada de trabalho. Se o capitalista não se obriga a pagar o salário de um dia ou de uma semana, mas apenas as horas em que lhe convém ocupar o trabalhador, “rompe-se a conexão entre trabalho pago e não pago. O capitalista pode então extrair do trabalhador determinada quantidade de trabalho excedente sem lhe proporcionar o tempo de trabalho necessário à própria manutenção” (MARX, 1984, p. 630).
Marx, em seguida, analisa as implicações desse tipo de remuneração:
[...] pode destruir toda regularidade da ocupação e fazer alternarem-se de acordo com sua comodidade, arbítrio e interesse momentâneo, o mais monstruoso trabalho excessivo com a desocupação relativa ou absoluta. Pode, sob o pretexto de pagar o ‘preço normal do trabalho’ prolongar anormalmente a jornada de trabalho sem qualquer compensação correspondente para o trabalhador [...]. A limitação legal da jornada de trabalho pôs fim a este abuso (MARX, 1984, p. 630).
Essa é a forma de pagamento por hora trabalhada. O salário por peça também permite ao capitalista uma medida precisa da intensidade do trabalho. “Só se considera, então, tempo de trabalho socialmente necessário, sendo como tal pago, o tempo de trabalho que se corporifica numa determinada quantidade de mercadorias previamente determinada e fixada pela experiência” (MARX, 1984, p. 639). A qualidade do trabalho é controlada pelo próprio resultado, que tem que possuir uma qualidade média para que o salário seja pago integralmente. Assim afirma Marx (1984): “desse modo, o salário por peça se torna terrível instrumento de descontos salariais e de trapaça capitalista” (MARX, 1984, p. 639).
Sendo a qualidade e a intensidade controladas pela forma de salário, torna-se desnecessário o trabalho de inspeção e se permite que se insiram intermediários, entre o capitalista e o trabalhador, a fim de subalugar o trabalho e auferir ganhos sobre a diferença entre o preço do trabalho pago e o efetivamente recebido pelo trabalhador.
Enquanto no regime de salário por tempo, ele é igual para todos os trabalhadores, com poucas exceções, no salário por peça, ele é diário ou semanal e pode variar com as diferenças individuais dos trabalhadores, sua habilidade, força, energia e persistência. Assim explica Marx (1984):
[...] a maior margem de ação proporcionada pelo salário por peça influi no sentido de desenvolver, de um lado, a individualidade dos trabalhadores e com ela o sentimento de liberdade, a independência e o autocontrole, e, do outro, a concorrência e a emulação entre eles (MARX, 1984, p. 641-642).
O salário por peça foi também introduzido nas três reformas trabalhistas em estudo, ele é uma expressão do salário por comissão, prêmios, bônus ou produtividade.
Investigar as três magnitudes relativas do preço da força de trabalho e da mais-valia, qual sejam, a intensidade do trabalho, produtividade do trabalho e jornada de trabalho é fundamental para compreender a acumulação de capital. No que diz respeito às reformas trabalhistas em estudo as três inseriram contratos mais precários de trabalho, que permitem a utilização do trabalhador pelo tempo necessário ao capitalista, assim como formas de remuneração por hora e por peça ou produtividade.
O caso do Chile
Segundo Arellano e Gamonal (2017), no Chile, existe uma situação paradoxal, na qual prevalecem uma intensa flexibilidade e desregulamentação do mercado de trabalho, herdados do governo ditatorial, e algumas reformas legais adotadas no período democrático que tentaram mitigar as consequências da reforma trabalhista. A reforma trabalhista chilena, implementada durante a ditadura Pinochetista, atingiu duramente os trabalhadores, promovendo uma intensa flexibilização em todas as esferas.
O Código do Trabalho Chileno (CT), de 1979, prevê as seguintes medidas: flexibilidade no horário de trabalho (reconhecimento do trabalho em tempo parcial, horas extras e amplas exceções ao descanso dominical), flexibilidade salarial (com exceção do pagamento do salário mínimo, existem múltiplas formas de remuneração, como a remuneração por resultado – peça, medida ou trabalho – e sistemas mistos, como a comissão e a taxa de cobertura da negociação coletiva é inferior a 8,4% da classe trabalhadora, permitindo que as empresas transfiram boa parte do risco para o trabalhador, pagando apenas o mínimo), flexibilidade funcional (não há paridade de tratamento entre trabalhadores de igual função e é possível contratar trabalhadores com diversas funções) e flexibilidade externa ou numérica (não há obrigação de contratação por obra, serviço ou prazo e os contratos de prestação de serviços não dão direito ao pagamento por indenização de anos de serviço, possuindo um dos sistemas de rescisão de contrato mais baratos do mundo).
Conforme afirma Laraia (2017), o código é formado por duas leis que priorizam a negociação por grupos autônomos, sem a participação dos sindicatos e as rescisões contratuais podem ocorrer por necessidade das empresas. A reforma trabalhista chilena permitiu que a jornada de trabalho que antes era de 45 horas semanais, em 6 dias da semana, passasse a ser uma escala de 4 dias de trabalho, com 3 dias de folga na semana, limitado a 12 horas por dia, com intervalo para refeição e descanso de uma hora quando a jornada ultrapassar 10 horas. Ou seja, estamos falando de uma enorme flexibilidade em prol das empresas e de grande prejuízo aos trabalhadores, que passam a não possuir dia de descanso fixo na semana e um dia de trabalho que pode chegar a 10 horas. O denominado regime ou escala de trabalho 12 horas por 36, também adotado no Brasil[1]. A reforma eliminou ainda a possibilidade de se estabelecer acordos sobre as horas extras por negociação coletiva.
Conforme afirma Laraia (2017), a reforma trabalhista chilena legalizou múltiplas formas de contratação, tais como autônomo exclusivo, terceirizado, intermitente, teletrabalhador escravo e trabalhador hiperssuficiente (que dispensa o sindicato na negociação trabalhista); permitiu a redução do papel sindical, e uma redução das ações trabalhistas, por meio dos seguintes mecanismos: sucumbência recíproca, soluções extrajudiciais de fuga às condenações e restrição da justiça gratuita.
A volta da democracia ao país, no entanto, não alterou de forma significativa a legislação herdada da ditadura. Conforme afirma a autora, a Lei nº 20.940, de setembro de 2016, que ficou conhecida como Novo Código Trabalhista, previa algumas mudanças como a volta dos sindicatos na negociação coletiva, em substituição aos grupos organizados; extensão dos benefícios negociados pelo sindicato a todos os trabalhadores filiados; proibição de substituição de trabalhadores e greves e piso salarial mínimo para a negociação coletiva, dentre outras, no entanto, acabou sendo objeto de intervenção do Tribunal Constitucional, por pressão da direita e dos empresários (LARAIA, 2017).
O texto aprovado deixou a desejar inclusive nesses pontos, flexibilizando-os, não obrigou a existência dos sindicatos nas negociações, apenas concedeu “autonomia para as empresas e organizações sindicais acordarem pactos sobre condições especiais de trabalho” e permitiu a “ampliação da cobertura e das matérias da negociação coletiva” e reconheceu os sindicatos interempresas e “sua possibilidade de negociar coletivamente” (ENSIGNIA, 2017).
Com relação aos salários, os chilenos recuperaram apenas em 2008 o nível de 1969, tendo sofrido corte pela metade dos salários e tido que esperar 35 anos para recuperar o nível de renda anterior. Paralelamente, o Estado se retirou do papel de provedor de bens públicos fundamentais, com a privatização dos serviços públicos básicos, como o sistema de previdência social e saúde, tendo o Índice de Gini subido de 0,47, em 1969, para 0,62, em 1985 e não tendo caído abaixo de 0,50 até o início dos anos 2000 (MATUS-GONZÁLEZ, 2022).
Conforme Mostra Matus-González (2022), entre 1973 e 1978, há uma queda brusca no nível dos salários que coincide com a forte repressão política aos dirigentes sindicais, ainda sem modificações na legislação trabalhista. São extintos os direitos de greve e negociação coletiva, há um aumento no número de desempregados e uma intervenção direta do governo na fixação dos salários e no seu reajuste. A desregulamentação do mercado de trabalho ocorre entre 1978 e 1979 (MIZALA; ROMAGUERA, 2001). Em 1979, quando é editado o Código do Trabalho Chileno, os salários já estão abaixo do patamar visto nas décadas anteriores e permanece assim se recuperando apenas 50 anos depois, em 2017 (MATUS-GONZÁLEZ, 2022).
O caso do México
No que diz respeito ao México, a reforma trabalhista foi aprovada pelo parlamento em final de setembro de 2012 e em 30 de novembro de 2012 publicada no Diário Oficial – em tempo recorde, assim como a brasileira - por iniciativa do presidente Felipe Calderón Hinojosa e reinvindicação dos setores empresariais (ROMERO; ACEVEDO, 2017)[2]. Cumpre ressaltar que o debate em torno da flexibilização da legislação trabalhista no país remonta a 1988 e se intensificou com a entrada do país no Tratado Norte-Americano de Livre Comércio – NAFTA.
A reforma trabalhista mexicana ainda alterou cerca de 38 modalidades e figuras trabalhistas, com novos tipos de contrato para formação inicial e sazonal; contrato em tempo parcial, instituiu a subcontratação (outsourcing), estabeleceu novos critérios para preenchimento de vagas e progressão no emprego (com a antiguidade sendo substituída pela adequação às tarefas diversas e à produtividade); a possibilidade de se atribuir aos trabalhadores tarefas a mais que não estão previstas na sua função; introdução do contrato por prova (contrato por experiência), permitindo desligamento com seis meses de trabalho, sem direito à indenização, limitação da indenização por ruptura de contrato de trabalho a apenas doze meses de salário; e a instituição do salário por hora (LARAIA, 2017; BARBOSA, 2018; ROMERO; ACEVEDO, 2017).
Conforme afirmam Romero e Acevedo (2017), a flexibilização das relações de trabalho foi feita a partir da desregulamentação do mercado de trabalho, com a incorporação da terceirização ou subcontratação, o enfraquecimento das organizações sindicais, mudanças institucionais, mudanças na mobilidade do capital e do trabalho e em uma maior flexibilidade salarial. A reforma incorporou modalidades de emprego mais precárias, como a o trabalho terceirizado, os contratos de experiência, os contratos por capacitação inicial e de temporada.
Em fevereiro de 2017, novos ajustes foram propostos, como novos critérios para não ser declarada uma greve ilegal, determinando notificação com 10 dias de antecedência aos tribunais, não afetar serviços públicos e não promover “violência generalizada contra pessoas e bens”, e alterações no pagamento por doença ocupacional (BARBOSA, 2018).
Segundo Barbosa (2018), a reforma trabalhista mexicana teve como consequência aumento dos vínculos precários de trabalho e diminuição dos salários. Houve um aumento de 2% na população que recebe até três salários mínimos, entre 2012 e 2017, e uma diminuição em 5,9% do percentual de trabalhadores que ganhava acima de três salários mínimos. Houve também um prolongamento na jornada de trabalho, com o número daqueles que trabalham mais de 35 horas aumentando 1,5% e o número daqueles que trabalham menos que 35 horas semanais diminuiu 1,7%.
Segundo a autora ainda, houve perda de poder aquisitivo dos trabalhadores de 80%, entre 1987 e 2017. Em 2017, o salário do trabalhador mexicano permitia adquirir apenas 32,62% da cesta básica. Segundo Barbosa (2018), observa-se na reforma trabalhista mexicana a introdução da flexibilidade na jornada de trabalho, flexibilidade salarial, flexibilidade funcional e flexibilidade externa ou numérica, assim como visto acima no caso chileno. Por fim, a autora conclui que o resultado da reforma trabalhista no México foi um alto índice de perda salarial, desindustrialização da economia e ampliação do mercado de trabalho informal.
Segundo a autora, a partir de dados da Comissão Econômica para a América Latina (2016), em 2005, a renda do trabalhador era de 479 dólares e passou para 262 dólares, em 2016. A reforma gerou uma massa de trabalhadores empobrecidos e más condições de trabalho. Segundo Romero e Acevedo (2017), os aspectos primordiais da reforma estão centrados na flexibilização do mercado de trabalho e seu efeito principal está na deterioração dos salários.
Em 2011, o México foi o único país da América Latina em que o salário mínimo foi inferior à linha da pobreza per capta, com 0,66, mostrando o quando o salário mínimo no país foi deteriorado no período. O que ocorre é que o salário mínimo deixou de ser um eixo de gravidade salarial na economia mexicana, dado que seu valor segue sendo reduzido em termos reais (BRID; GARRY; MONROY-GÓMEZ-FRANCO, 2014).
Segundo Maurizio (2019), 40% do total de assalariados urbanos na América Latina são informais, não tendo acesso a direitos trabalhistas e nem registrados na seguridade social. No México, 60% da população economicamente ativa está inserida no emprego informal (URDIALES; GALLARDO, 2013).
Segundo Krein et al (2018), a reforma trabalhista no México aumentou a possibilidade de subcontratar e terceirizar os trabalhadores e introduziu a remuneração por hora trabalhada. Os impactos mais visíveis foram um lento crescimento econômico, maior precarização da força de trabalho e aumento da pobreza, em um contexto de informalidade que já era crítico no país. O problema principal após a reforma é a deterioração da renda real dos trabalhadores. Os autores mostram que o salário médio por hora do setor industrial no México caiu de US$ 2,20 dólares para US$ 2,10, entre 2005 e 2016. Também afirmam que após a reforma trabalhista houve um aumento dos contratos temporários. As microempresas são as que mais empregam trabalhadores e cujos empregos são os mais inseguros. 61% dos trabalhadores estão inseridos nessas microempresas e, entre 2005 e 2016, houve um aumento de 76,7% para 82,2% de trabalhadores com contrato informal nessas empresas. O México, Costa Rica e Estados Unidos são os países da OCDE com maior desigualdade de renda (OECD, 2022). O salário mínimo perdeu 1/3 do seu valor real entre 1981 e 2001, tendência que se seguiu entre 2001 e 2012, com pequena recuperação entre 1995 e 2012 (URDIALES; GALLARDO, 2013).
Em 2019, houve um reajuste salarial no México, de 16,2% no salário mínimo, que passou de $ 88,36 pesos por dia (R$ 17,14 reais) para $102,68 (R$ 19,92 reais) (AGÊNCIA EFE, 2018), mas não repôs as perdas históricas dos trabalhadores.
Segundo dados do INEGI (2022), os salários na indústria manufatureira, em janeiro de 2019, eram de 2,6 dólares por hora, enquanto no Chile, era de 3,2 dólares por hora. Em 2010, portanto, antes da reforma trabalhista, o salário era de 2,4 dólares por hora, no México, enquanto no Chile, era de 2,8 dólares. Ou seja, a reforma trabalhista, na realidade, pouco mudou em relação ao valor do salário por hora praticado no país, nos ramos manufatureiros. Constata-se que aumentou o número de pessoas ocupadas com renda de até um salário mínimo, de 6,7 milhões em 2012 para 8,4 milhões em 2018, antes da pandemia e para 19,17 milhões em 2021. A população ocupada no setor informal também aumentou, de 14,3 milhões em 2012 para 14,65 milhões em 2018 e para 16,32 milhões em 2021. A população desocupada diminuiu ligeiramente de 2,65 milhões em 2012 para 1,9 milhão em 2018, e 2,4 milhão em 2021.
O caso do Brasil
Aprovado em pouco mais de três meses, o texto da reforma trabalhista brasileira, instituída pela Lei nº 13.467, de julho de 2017, alterou 100 artigos da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), criada em 1943, por Getúlio Vargas. Entre as principais alterações da reforma trabalhista brasileira, podemos citar a possibilidade de negociação direta entre patrão e empregado, o denominado acordo individual de trabalho, a prevalência do acordado sobre o legislado (ou seja, os acordos coletivos passaram a ter prevalência sobre a lei) quando se tratar de questões como flexibilização da jornada de trabalho e das formas de remuneração (BRASIL, 2017).
Parte fundamental da reforma trabalhista brasileira foi voltada a permitir o prolongamento da jornada de trabalho e a intensificação do trabalho, muito embora a legislação brasileira já permitisse flutuações no nível de emprego e salário a depender do ciclo econômico. A reforma intensificou a flexibilidade dos empregadores na gestão da mão-de-obra sob o pretexto de promover a criação de empregos. Esses aspectos podem ser observados no artigo 59-A que, dentre outras coisas: estende o banco de horas para todos os trabalhadores, sem necessidade da sua previsão em acordo coletivo; legaliza a jornada 12-36 (doze horas consecutivas de trabalho seguidas de trinta e seis de repouso) para qualquer trabalhador; busca reduzir o pagamento de horas extras em jornadas não compensadas e ainda busca evitar que a Justiça do Trabalho interprete o uso recorrente de horas extras em acordos sobre banco de horas, com vistas a burlar os limites constitucionais da jornada de trabalho, desconsidera como tempo de jornada o deslocamento para o trabalho quando fornecido pelo empregador e incentiva o trabalho em tempo parcial (CARVALHO, 2017).
Krein e Oliveira (2019) também afirmam que a reforma estimula a remuneração variável, pela Participação nos Lucros e Resultados e do pagamento de prêmios, com a finalidade de vincular a remuneração às oscilações da atividade econômica e ao desempenho dos trabalhadores. Essa tendência de maior participação da remuneração variável no salário passou a ter maior expressão a partir da segunda metade dos anos 1990. A remuneração variável apresenta efeitos negativos sobre a saúde dos trabalhadores, dada a pressão por resultados, e tende a gerar concorrência entre os trabalhadores e quebra de solidariedade (KREIN, 2013).
No que diz respeito à flexibilização da jornada de trabalho, destacamos o limite mínimo de trinta minutos para jornada superior a seis horas, que permitem uso do banco de horas para flexibilização das jornadas e a redução do intervalo em jornadas de mais de seis horas de uma para meia hora.
No que diz respeito à flexibilização das formas de remuneração, vê-se que buscou-se promover elementos que configuram o incentivo à remuneração por hora, produtividade, resultado ou peça. Permite-se que sejam amplamente negociados planos de cargos e salários, com o salário mensal sendo substituído por modalidade de contrato em que o pagamento é por hora, pagamento por prêmios e bens ou serviços e pagamento individualizado de acordo com desempenho (metas atingidas ou seja remuneração variável), tendo a figura do trabalho intermitente introduzido pela primeira vez no arcabouço jurídico brasileiro.
O trabalho intermitente, modalidade de salário por hora, introduzido na reforma trabalhista de 2017 possibilitou o rebaixamento do salário dos trabalhadores. Enquanto, segundo dados da Relação Anual de Informações Sociais (Rais), de 2021, nos demais tipos de vínculo do emprego formal, a média salarial, entre 2017 e 2019, ficou em torno de 2,7 salários-mínimos (R$ 3.272,40 reais ou US$ 654,48 dólares), no trabalho intermitente ficou em 0,9 salários-mínimos (R$ 1.090,8 reais ou US$ 218,16 dólares)[1] . Com relação à média de horas semanais contratuais, temos 40,65 horas contra 4,52 horas contratuais no intermitente e média de 56,4 meses no emprego contra 5,64 meses no caso do trabalho intermitente. As horas contratuais no trabalho intermitente são menor que ¼ das horas contratuais dos demais vínculos e a remuneração menor que a metade dos demais.
O vínculo intermitente, pela sua própria natureza, permite uma enorme variação da remuneração dos trabalhadores, na comparação com os demais tipos de vínculo. Isso confirma a tendência apontada pela literatura de que esse tipo de vínculo permite que o emprego fique mais suscetível às flutuações econômicas e se adeque às necessidades dos capitalistas. Ao mesmo tempo que acarreta imprevisibilidade e instabilidade na remuneração, ela contribui para o sentimento de insegurança dos trabalhadores contratados por essa modalidade.
[1] A jornada 12x36 foi adotada no Brasil por meio da Lei nº 5.811/1972 para algumas categorias, como petroquímicos, profissionais de saúde e segurança, sendo admitida somente quando prevista em lei ou negociação coletiva. Com a reforma trabalhista, passou a ser permitida mediante acordo individual escrito, convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho para qualquer categoria (MACEDO; CHAVES, 2021).
[2] Em 1º de setembro de 2012, o presidente Calderón enviou duas propostas ao Congresso, uma delas era para impulsionar um processo rápido para aprovação da reforma trabalhista. No final de setembro de 2012, com 70% dos votos em menos de duas horas, os deputados aprovaram a reforma laboral, tendo como contrária a oposição de esquerda. Em princípios de novembro, o Senado ratificou a lei, promulgada pelo presidente e publicada no Diário Oficial em 30 de novembro. Em um prazo de não mais que três meses, o governo modificou um marco legal que regulava as relações de trabalho no país desde os anos 1970 (ROMERO; ACEVEDO, 2017).
Conclusiones:
Nesse sentido, este artigo tem como objetivo observar o que existe de similitude e diferença em ambas as reformas trabalhistas adotadas. Como resultado, nos três países, observou-se uma queda na geração de empregos, aumento dos contratos de trabalho precários, diminuição do papel dos sindicatos, diminuição das ações trabalhistas e aumento da informalidade.
Observa-se uma redução nos salários dos trabalhadores nos três países estudados, desde a década de 70 para cá, confirmando uma das questões da nossa hipótese, qual seja, que para reverter a lei geral da tendência à queda da taxa de lucro, a redução de salários é um aspecto fundamental para os capitalistas. Observou-se um impacto mais forte da reforma trabalhista na redução dos salários no Chile e Brasil. O México possui a particularidade de ter desde os anos 1980 uma desvalorização no salário mínimo, tendência que se manteve após a reforma laboral de 2012.
Nos três países observou-se o crescimento dos vínculos precários de trabalho, como o trabalho em tempo parcial, por prazo determinado e observou-se a flexibilização da remuneração, com a introdução do salário por hora, no Brasil e México e do salário por peça no Chile. O salário por peça ou comissão já existia no México e no Brasil também, mas neste último estava restrito a algumas categorias e incorporado na remuneração fixa dos trabalhadores por meio de instrumentos como a Participação nos Lucros e Resultados. No entanto, com a reforma trabalhista, permitiu-se que o trabalhador seja remunerado por hora, prêmios, bens e serviços ou de acordo com o desempenho e é introduzida a figura do trabalho intermitente, que produziu uma redução drástica na remuneração e uma intensa flexibilidade da jornada de trabalho para aqueles que aderiram. Foi possível identificar um aumento na quantidade de contratos de trabalho precários.
A reforma chilena foi a mais devastadora em termos de flexibilização das relações de trabalho, promovendo uma flexibilização dos horários de trabalho, das formas de remuneração, das funções exercidas pelos trabalhadores e flexibilidade externa ou numérica, permitindo um dos sistemas de rescisão contratual mais baratos do mundo para os capitalistas. Com relação aos salários propriamente ditos, os chilenos recuperaram apenas em 2008 o nível de 1969, tendo sofrido corte pela metade dos salários e tido que esperar 35 anos para recuperar o nível de renda anterior.
Assim como no Brasil e no México, permitiu-se a negociação individual ou por grupos, sem a participação dos sindicatos. Permitiu a utilização ampla da escala 12 por 36, que piora as condições de vida dos trabalhadores, flexibilizando seus finais de semana e dias de descanso. A subcontratação também foi uma tônica comum aos três países, tendo sido permitida amplamente no Brasil pós-reforma e, no caso mexicano, tendo aumentado os índices de informalidade no emprego.
A reforma trabalhista mexicana alterou cerca de 38 modalidades e figuras trabalhistas, com novos tipos de contrato, instituiu a subcontratação, estabeleceu novos critérios para preenchimento de vagas e progressão no emprego (com a antiguidade sendo substituída pela adequação às tarefas diversas e à produtividade), limitou em 12 meses o tempo para a indenização por ruptura de contrato de trabalho e instituiu o salário por hora. A situação do salário mínimo no México é crítica, tendo perdido seu valor real em 30% desde a década de 1980. Além disso, 60% da população economicamente ativa inserida no emprego informal, no país (URDIALES; GALLARDO, 2013). Constata-se que aumentou o número de pessoas ocupadas com renda de até um salário mínimo, de 6,7 milhões em 2012 para 8,4 milhões em 2018, antes da pandemia, e para 19,17 milhões, em 2021.
Conclui-se, portanto, que as reformas trabalhistas nos três países em estudo tiveram como um dos principais objetivos promover uma flexibilização das horas de trabalho e das formas de remuneração (remuneração por hora, por desempenho, prêmios, bens ou serviços), tendo as formas de contrato precário sido disseminadas nos países em estudo e a introdução de formas flexíveis de remuneração sido observada nos três países, permitindo assim que, conforme afirma Marx (1984), destruir a regularidade da ocupação e ocupar e remunerar o trabalhador pelas horas que convém ao capitalista, rompendo a conexão entre trabalho pago e não pago, bem como vincular a remuneração dos trabalhadores às oscilações da atividade econômica e ao desempenho dos trabalhadores, o que leva ao aumento da competitividade entre eles, corroborando para o processo de acumulação de capital.
[1] Utilizou-se a cotação do dólar de 8 de agosto de 2022.
Bibliografía:
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Palabras clave:
Reforma trabalhista; trabalho intermitente; tipo de remuneração; salário por peça;