Resumen de la Ponencia:
Este trabalho integra o projeto de tese intitulado: “Itinerários das pessoas com diagnóstico de transtorno mental que buscam acessar o Benefício de Prestação Continuada (BPC) em João Pessoa, Paraíba, Brasil”. O objetivo geral da tese é compreender os itinerários dos requerentes com transtornos mentais que buscam o Benefício de Prestação Continuada (BPC) para a pessoa com deficiência no município de João Pessoa. Na perspectiva de atender este objetivo, utilizar-se-á diferentes metodologias de pesquisa, quais sejam: pesquisa bibliográfica para perceber como o nosso objeto é tratado na literatura, pesquisa documental nos documentos que compõem o processo de solicitação do benefício e entrevistas com usuários e profissionais dos serviços que integram a Seguridade Social e que estejam ligados direta ou indiretamente ao processo de requisição do BPC junto ao INSS, por meio de instituições específicas os Centros de Atenção Psicossocial, Agências da Previdência Social e Centros de Referência em Assistência Social, bem como outras instituições que venham a surgir durante a pesquisa Contudo, o presente trabalho está em desenvolvimento com o levantamento bibliográfico e análise dos documentos relativos ao processo vinculados ao INSS. A pesquisa se faz necessária uma vez que o BPC previsto no texto constitucional, enquanto política de assistência social, em particular para as pessoas com transtornos mentais, destina-se a proteger os indivíduos que se encontram em situação de pobreza, haja vista que essa condição favorece a privação de necessidades e carências de bens e serviços que obstaculizam a garantia de um bem-estar-mínimo, e, por sua vez, produzem vulnerabilidades. Constituindo-se, o benefício, um importante instrumento no campo dos direitos sociais, o qual alberga fundamentos expressivos para a dignidade da pessoa humana, a soberania, a cidadania, dentre outros. Assim, a estrutura social em que se desenvolvem as relações do Estado e o direito dos postulantes do BPC, bem como as particularidades regionais, os movimentos das pessoas com transtornos mentais durante as trajetórias para acessar o benefício, podem mobilizar fluxos pré-determinados, construções subjetivas individuais e coletivas, que certamente é de interesse de investigação da sociologia. Sabe-se os indivíduos com transtornos mentais requerentes do BPC pertencem a segmentos populacionais que vivem em situação de pobreza, assim, as primeiras análises apontam para um itinerário difícil marcado por diversas barreiras expressas nos requisitos impostos pelas políticas da Seguridade Social (Saúde, Assistência Social e Previdência), bem como as progressivas mudanças de acesso promovidas nas plataformas digitais. Portanto, Diante da complexidade que envolve o assunto e da necessidade de abordagens sociológicas orientadas para a área, o presente estudo poderá contribuir para a compreensão do problema, como parte integrante da vida social; para ampliar o debate sobre a temática e para instrumentalizar e/ou otimizar ações orientadas para as políticas sociais das pessoas com transtornos mentais.
Introducción:
O presente artigo tem por objetivo colaborar para a compreensão do itinerário de acesso ao BPC, a partir das leitura a cerca da barreiras inerentes a cada política da Seguridade Social e que estão diretamente ligadas do BPC para pessoa com deficiência, categoria em que se localiza as pessoas com diagnóstico em transtorno mental que buscam o BPC, agregando-se a reflexões que circundam a reforma psiquiátrica brasileira.
O conceito de Seguridade Social forjado a partir da Constituição de 1988, “[...] compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade destinadas a assegurar os direitos relativos da saúde, previdência e assistência social” (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, art.194, s/p[1]). Aqui se destaca o termo integrado, que enseja uma articulação entre as políticas do sistema de proteção social brasileiro, não apenas em termos de sistemas operacionais, mas também nas redes de serviços e atenção, sendo um potencial mecanismo de garantias de acesso aos serviços.
Deve-se vislumbrar os condicionantes de acesso ao Benefício de Prestação Continuada (BPC) ligados às Políticas da Seguridade Social, quais sejam: o acesso à Política de Saúde, uma vez que o requerente do BPC necessita de laudo, atestado e/ou histórico médico para poder realizar a avaliação de pessoa com deficiência; o acesso à Política da Assistência Social, visto que é necessário comprovar para o Instituto Nacional do Seguro Social (INSS), por meio de Cadastro Único da Assistência (CADUNICO), que seu grupo familiar possui renda inferior a ¼ de salário mínimo per capita; e acesso ao INSS via canais remotos, além do próprio acesso à APS.
Assim, tendo em vista o acúmulo de experiências políticas e de gestão que culminaram na implementação da Seguridade Social na atualidade, de incorporação da diretriz da integralidade no sistema de proteção, esperava-se que o BPC tivesse uma interação não apenas no âmbito dos sistemas operacionais, como também na construção de rede de atendimento, em especial, no que se refere às pessoas acometidas por transtornos mentais e que, pela sua própria condição de saúde, encontram barreiras de acesso aos serviços.
Dessa forma, o princípio da integralidade busca uma linearidade da atenção a cada indivíduo, bem como a coletividade, com o intuito de romper com as práticas fragmentadas e presentes no sistema de proteção social, com destaque neste artigo para a atenção e o acompanhamento das pessoas com transtornos mentais que buscam acesso ao BPC.
Apesar desse entendimento, dados os dilemas econômicos, políticos e sociais que cercam a questão do transtorno mental e do acesso ao BPC, na atualidade temos o descuro dos ideais vislumbrados na Constituição Federal, e como resultado disso, o impedimento da real implementação de uma rede de proteção social que dê legítimo provimento ao acesso do BPC para as pessoas com transtornos mentais.
[1] Neste artigo foi utilizado a abreviação s/p para informar que a citação foi retirada de algum site e, por isso, é sem página.
Desarrollo:
Seguridade SocialTrajeto das políticas sociais no Brasil
O termo Seguridade Social confunde-se em alguns momentos de sua construção com termos como Welfare State, Etat-Providence e Sozialstaat, a depender do país a qual está inserida a discussão. No entanto, ele tem em si a sua condição própria, comumente parte integrante dos conceitos de Welfare State e seus correspondentes, circundada por uma construção histórica e política, tendo ampliações ou reduções de sentidos a depender do cenário político do país em que está inserido.
Utilizamos aqui a conceituação de Silva e Silva (2002), na busca de diferenciar Seguridade Social de Welfare State e correlatos, a partir de cada nação, tomando como base a França, Inglaterra e Alemanha.
O termo Welfare State tem sua origem na Inglaterra, em 1940, tendo o conceito de seguridade social integrado a sua dinâmica, não como sinônimo, mas como parte do constructo. Dessa forma, os princípios que estruturam o Welfare State, a partir do plano Beverigde, são:
1) responsabilidade estatal na manutenção das condições de vida dos cidadãos, por meio de um conjunto de ações em três direções: regulação da economia de mercado a fim de manter elevado nível de emprego; prestação pública de serviços sociais universais, como educação, segurança social, assistência médica e habitação; e um conjunto de serviços sociais pessoais; 2) universalidade dos serviços sociais; e 3) implantação de uma 'rede de segurança" de serviços de assistência. (Silva & Silva, 2002, p. 5)
No entanto, ainda de acordo com Silva e Silva (2002), na Inglaterra o Welfare State, passou a ter um viés ampliado, a fim de realizar mudanças nas condições do mercado e proteger os indivíduos por meio de ações públicas, mesmo que incipientes. Desta forma, de acordo com Johnson citado por Silva e Silva (2002), na Inglaterra o welfare state traria para o cenário:
1) a introdução e ampliação de serviços sociais onde se inclui a seguridade social, o serviço nacional de saúde, os serviços de educação, habitação, emprego e assistência aos velhos, inválidos e crianças: 2) a manutenção do pleno emprego; 3) um programa de nacionalização. (Silva & Silva, 2002, p. 6)
Fica evidente, em especial, nas mudanças ocorridas no welfare state que a Seguridade Social não se confunde com o Welfare State e sim o integra. Na França, quando se trata de explanar acerca da proteção social do país, utiliza-se o termo Estado Providência (1898), o qual se trata de um Estado Providencial, tendo a sua origem forjada na ideia liberal de “sorte de providência”, ideia ligada à religiosidade.
Desta forma, o conceito de seguridade social (sécurité sociale) francês, surge apenas no pós-Segunda Guerra Mundial, sendo compreendido como uma dimensão do Etat Providence, não se confundindo com ele. Trata-se, portanto, de um sistema que teve a incorporação de princípios do plano Beverigde, com traços do plano Bismarckiano, ou seja, incorporação de aspectos de assistência e seguro social, respectivamente. A seguridade social francesa atual abrange três grandes áreas: saúde, previdência e assistência à família.
Silva e Silva (2002) destacam que Seguridade Social é parte integrante, fundante e constituinte da natureza do Welfare State e não se confunde com este ou com Estado de providência, ou Estado de Bem-estar Social
Na Alemanha, o termo mais utilizado é o Sozialstaat (Estado Social), este é usado para tratar acerca das políticas de proteção social, tendo também os seguros sociais como parte em si e não o todo. Cabe aqui destacar que foi na Alemanha que ocorreu a inovação da lógica de seguros sociais, a garantia compulsória de prestações de substituição de renda em momentos de risco derivados da perda do trabalho assalariado pelo Estado foi uma inovação da Alemanha na era Bismarckiana.
Entender a caracterização da Seguridade Social em cada país é importante e imprescindível para a compreensão da natureza da intervenção social do Estado; e por fim reforça que a seguridade social também não se confunde com seguro social ou previdência social. A compreensão de sua configuração e delimitação é importante para perceber os limites dos benefícios sociais ou políticas que a integram e, assim, entender as propriedades internas na conformação do Estado Social, os elementos que delimitam os direitos inseridos em si, o financiamento desta e a sua organização.
No Brasil, a Seguridade Social se apresenta a partir hibridicidade dos modelos Bismarckiano e Beverigdiano. O Termo Seguridade Social surgiu no Brasil em 1988, a partir da Constituição Federal, o qual se trata de “[...] um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade destinado a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social” (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, online). Tem em suas bases objetivas de organização, sob a competência do poder público:
I - universalidade da cobertura e do atendimento;
II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;
III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;
IV - irredutibilidade do valor dos benefícios;
V - equidade na forma de participação no custeio;
VI - diversidade da base de financiamento;
VII - caráter democrático e descentralizado da gestão administrativa, com a participação da comunidade, em especial de trabalhadores, empresários e aposentados. (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, s/p)
Visto que o conceito de Seguridade Social só foi originado no Brasil a partir de 1988, buscaremos recuperar, de forma breve, o processo de construção das políticas sociais que antecederam o marco histórico da Constituição Federal, tendo como ponto de partida conceitual a lei Eloi Chaves de 1923[1].
O caminho das políticas sociais que integram a Seguridade Social no Brasil foi extenso e restritivo, deixando a maioria da população à margem de qualquer sistema de proteção social por décadas. Iniciado em 1923, a partir da criação das Caixas de Aposentadorias e Pensões (CAPs), sendo esse um sistema que gerava garantias mínimas de saúde e outras providências para os trabalhadores de algumas categorias profissionais, em geral, aquelas que geravam capital lucrativo, e consideradas mais importantes para o país.
Esse tipo de cobertura protetiva foi exclusivo dos trabalhadores formais em termos legais até 1988, quando a Constituição Federal universalizou o acesso à saúde, condicionou o acesso à previdência e ampliou, ainda que de forma seletiva, o acesso à assistência social.
A Política da Saúde manteve-se dividida em saúde pública e medicina previdenciária, na qual a primeira conservou-se centrada na criação das mínimas condições sanitárias para a população urbana, e de forma limitada para a população rural, com ênfase nas campanhas sanitárias (Bravo, 2006).
A segunda, a medicina previdenciária, esteve mais evidenciada de 1930 a 1945, e surgiu a partir da criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensões (IAPS), que intencionava expandir para um número maior de categorias de assalariados, porém, com orientação contencionista. A saúde pública manteve-se, portanto, com forte presença de aspectos ligados à privatização dos serviços, bem como à medicalização da vida social imposta tanto na saúde pública como na Previdência social. A Saúde Pública apresentou um declínio e a Medicina Previdenciária cresceu, após a reestruturação do setor (Bravo, 2000).
O movimento de crescimento da Medicina Previdenciária e das dificuldades de potencializar a Saúde Coletiva estendeu-se até a década de 1970, priorizando então os interesses do mercado da saúde, onde foi ampliado o surgimento de clínicas e hospitais particulares.
Cabe destacar que no percurso de ascensão das políticas que integram a seguridade social, houve diversos movimentos de luta em defesa, em especial, da saúde pública, movimentos que se fizeram presentes até a formação da Constituinte, tendo como modelos de seguridade os modelos europeus beverigano e bismarckano, e, segundo Silva (2012), também pelo conceito de convenção n.102 da OIT, a qual dava norte às ações dos sindicalistas e do movimento sanitário. Silva (2012) destacou ainda que a Constituinte conservou a estrutura de proteção social existente, a qual tinha em si o seguro social e benefícios de natureza mista.
No contraponto do percurso de lutas e interesses mercadológicos das políticas da saúde e previdência social, a assistência social trilhou um caminho diferente e de pouca representatividade política no cenário brasileiro, visto que surgiu a partir de iniciativas cristãs, com viés caritativo e filantrópico, permanecendo assim até 28 de agosto de 1942, quando foi instituída a Legião da Brasileira de Assistencial (LBA).
A LBA tinha a finalidade de dar suporte às famílias dos pracinhas da Segunda Guerra Mundial, a qual tinha como objetivo inicial o atendimento materno infantil, porém, seu escopo foi sendo ampliado a partir das mudanças econômico-sociais vivenciadas no país.
Ao fim da referida Guerra, com a ampliação de seu escopo de atendimentos, para dar suporte a famílias em geral, tornou-se Fundação Legião Brasileira de Assistência, vinculado ao Ministério do Trabalho e Previdência Social, ligado ao Ministério da Ação em maio de 1990. A instituição tinha uma ampla abordagem de serviços que perpassavam as necessidades de assistencial social, médica, jurídica, incentivo ao trabalho, entre outras questões, cabe aqui destacar a assistência ao idoso e a pessoa com deficiência. A fundação tinha parcerias com instituições privadas e contava com apoio de voluntários.
A assistência social por meio da Fundação da Legião Brasileira de Assistência, a política de saúde campanhista e previdenciária, bem como o seguro social em si, permaneceram com seus formatos focalizados e contencionistas até a Constituição 1988, quando da construção da Seguridade Social por meio da Constituição Federal, e da disseminação da compreensão do conceito de cidadania, como veremos a seguir.
2. Seguridade Social e BPC
A disseminação da concepção de cidadania foi significativa, e norteou, orientou as mudanças institucionais inseridas na Constituição de 1988, a “Constituição Cidadã”. No Brasil, a expressão “cidadania” esteve longe de se limitar ao conjunto da população, mas, foi preenchida por um significado político claro e democratizador. Porém, esse significado logo passou a sofrer ataques neoliberais forjando uma compreensão neoliberal de cidadania (Dagnino, 1994).
Durante o processo de formação da Assembleia Nacional Constituinte foram compostas oito comissões, entre elas a Comissão da Ordem Social, a qual possuía três subcomissões, sendo a subcomissão de saúde, seguridade e meio ambiente a responsável pela arquitetura da seguridade social em si.
A centralidade dos debates ocorreu acerca da questão da política de saúde, a partir da busca pelas demandas oriundas das Conferências Nacionais de Saúde. A assistência social teve pouca representatividade nesse cenário, visto que não vinha sendo pauta de debates na sociedade, assim como a previdência defendida também de forma tímida, já que a discussão limitava-se ao âmbito dos sindicatos.
Contudo, o processo de construção da Seguridade Social brasileira foi permeado por desafios, conquistas e perdas, onde a Assistência social passou a ter status de política social, a saúde passou a ser de acesso universal, e a previdência obteve ampliação de alguns direitos, bem como estabelecimento do piso mínimo dos benefícios (Silva, 2012).
A Constituição de 1988 tem em seus preceitos a “essência do significado de seguridade social como um conjunto de ações conjugadas, que conformam um sistema de proteção social, garantidor dos direitos atinentes à saúde, à previdência e à assistência social” (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, online).
A assistência social, no texto constitucional, tem seu destaque para o caráter não contributivo, no entanto, seletivo, onde consta:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice;
II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III - a promoção da integração ao mercado de trabalho;
IV - a habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária;
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. (Constituição da República Federativa do Brasil, 1988, s/p)
Apesar de ter seu marco legal na Constituição de 1988, o Benefício de Prestação Continuada trilhou um longo caminho até a sua implantação, integrando a Lei Orgânica da Assistência Social, Lei n.º 8.742, de 7 de dezembro de 1993, após 05 anos de lutas da sociedade e das articulações por meio de Conferências de Assistência Social, sendo este o início da luta pela implantação da LOAS.
A LOAS inaugurou uma nova era na Assistência Social brasileira, dividida em 06 capítulos, entre eles o Capítulo IV, o qual trata dos Benefícios, Serviços, Programas e Projetos de Assistência Social. Entre os benefícios, temos o de prestação continuada, que compreende um salário-mínimo de benefício mensal ao portador de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família.
A regulamentação do Benefício Assistencial ocorreu em 1995 a partir do Decreto 1.774, sendo implantado o benefício em 1996 e regido pelo decreto citado até 2007.
O BPC volta a ter uma aproximação à lógica não contributiva bismarckiana, a partir do Plano Nacional de Assistência Social, em 2004, onde ficou determinado que a responsabilidade de unir o BPC à política de assistência social seria da própria política de assistência social, colocando-a no comando da gestão do benefício (CNAS, 2004). A PNAS caracterizou o BPC como parte integrante da Proteção Social Básica, junto aos benefícios eventuais, trazendo à tona a real importância social deste, no cenário brasileiro:
Nestes termos, o BPC não deve ser tratado como o responsável pelo grande volume de gasto ou como o dificultador da ampliação do financiamento da assistência social. Deve ser assumido de fato pela assistência social, conhecido e tratado pela sua significativa cobertura, 2,5 milhões de pessoas, pela magnitude do investimento social, cerca de R$ 8 bilhões, pelo seu impacto econômico e social e por retirar as pessoas do patamar da indigência. O BPC é processador de inclusão em um patamar civilizatório que dá ao Brasil um lugar significativo em relação aos demais países que possuem programas de renda básica, principalmente na América Latina. Trata-se de uma garantia de renda que dá materialidade ao princípio da certeza e do direito à assistência social. (Pnas[2], 2009, p. 34)
Ainda nesse cenário de regulamentação, a PNAS coloca que os municípios devem "manter estrutura para recepção, identificação, encaminhamento, orientação e acompanhamento dos beneficiários do BPC e dos Benefícios Eventuais, com equipe profissional composta por, no mínimo, um profissional de serviço social” (CNAS, 2005, p. 24).
O Benefício de Prestação Continuada (BPC) passou a constituir parte integrante da Proteção Social Básica. [...] A participação das Secretarias Estaduais, do Distrito Federal e Municipais de Assistência Social, ou congêneres, em parceria com as Agências da Previdência Social do INSS é condição imprescindível para garantir a qualidade do processo de concessão, manutenção e revisão do benefício e, ainda, assegurar a articulação deste com os programas voltados ao idoso e à integração da pessoa com deficiência, atendendo ao disposto no art. 24 parágrafo 2º, da Lei n.º 8.742/93 - LOAS.
Em 2007, o Decreto 6.214 modificou o modelo de avaliação da pessoa com deficiência, agora baseado na classificação internacional de funcionalidade e saúde (CIF) e a Portaria Conjunta MDS/INSS n.º 01 de 2009 por instituir a primeira versão dos instrumentos de avaliação social e avaliação médico pericial da deficiência e do grau de incapacidade para o acesso das pessoas com deficiência ao Benefício de Prestação Continuada.
A partir de junho de 2009, a avaliação da pessoa com deficiência requerente do Benefício de Prestação Continuada passou a ser feita por meio de avaliação social e médica, realizada, nesta ordem, por assistentes sociais e médicos peritos do quadro de servidores do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS).
A instituição de um novo modelo de avaliação da pessoa com deficiência para a concessão do Benefício de Prestação Continuada significou um avanço para o reconhecimento inicial ao direito desse benefício.
2.1 BPC e sua operacionalização
Apesar da busca pela universalidade do BPC[3] a partir da PNAS, o benefício tem suas condicionantes de acesso. Para se ter direito ao benefício, pessoas idosas e pessoas com deficiência precisam comprovar que vivem com renda per capita menor que ¼ de salário-mínimo. Esta comprovação se dá por meio de dados existentes do CADUNICO e no cruzamento de dados com sistemas do governo, para além desse, a pessoa com deficiência precisa obter dados médicos que embasem a decisão acerca de sua condição de pessoa com deficiência.
Considera-se pessoa com deficiência, como sendo pessoas com impedimentos de longo prazo, de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, que comprovem não possuir meios para prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família, independente sua idade.
Para ser ter acesso ao BPC, essa pessoa deve primeiro ter tido acesso à Política da Saúde, por meio de consultas e exames que comprovem sua condição de saúde, posteriormente ter acesso à política de assistência, a fim de realizar seu cadastro único e obter o número de inscrição social (NIS), e, por fim, acessar o INSS por meios eletrônicos para requerer o benefício.
Nos últimos anos muitas foram as críticas acerca do limite de renda, culminante do elevado número de judicialização de processos, questionando a inacessibilidade ao benefício diante de valores per capita minimamente acima do regulamentado em sua operacionalização. Em Ação Civil Pública, n.º 5044874- 22.2013.404.7100, do Ministério Público da União no Rio Grande do Sul, a ação civil pública passou a vigorar trazendo a possibilidade de os requerentes com renda acima do permitido no regramento conseguirem acessar o benefício por meio de Parecer Social, desde que comprovado por meio de declaração denegatória que buscou acessar medicações no sistema público de saúde, bem como fraldas, consultas, exames, cadeiras de rodas e não obteve êxito, anexando assim ao processo a denegatória, requisição do produto e comprovante de compra do mesmo.
Diante de todos os condicionantes de acesso ao BPC, vê-se que de acordo com Telles (1996, p. 46) “Os alvos dessas políticas não são vistos como cidadãos, com direitos a ter direitos, mas como seres humanos “carentes”, a serem atendidos pela caridade, pública ou privada” Assim, o acesso ao BPC não é construído de forma fluida e direcionada a garantia de acesso ao direito em si, mas sim, para condicionar e trazer impedimentos ao acesso, por não levar e consideração os fatores limitantes de acesso do cidadão, como também por não considerar sua história laboral informal.
Telles (1996) destacou que, diante do discurso de escassez de recursos públicos destinados a políticas universais e aqui destaco a política da assistência, setores da sociedade civil acabam vestindo o conceito de cidadão pautado pelo liberalismo, em detrimento da visão do discurso da universalização de direitos, na justificativa de “garantir” que alguma parcela de desvalidos sejam atendidos pelas políticas, sendo esse um dos movimentos que embasam a pauta da proposta de reforma da Previdência Social. Situação essa que só vem a fragilizar e precarizar ainda mais a condição dos trabalhadores formais, além de fortalecer o processo de exclusão de uma maioria que vive fora do sistema de proteção social.
Telles (1996, p. 87) destacou ainda o “[...] (não) lugar da questão social no cenário público brasileiro...”, onde se detona para essa camada da população trabalhadora a dependência de que as promessas de mercado no que se refere a absorver aqueles que demonstram competência e habilidade, sejam concretizadas.
É exatamente a parcela da sociedade que se manteve no trabalho informal, pela não absorção ou não cumprimento das promessas de mercado, pessoas que trabalham ou trabalharam como empregadas domésticas, diaristas, vendedores ambulantes, cuidadores, e até trabalhadores rurais que não foram legitimados na formalidade do trabalho e que diante do adoecimento físico ou mental, se veem a margem da proteção social ao trabalhador e em busca de atender as condicionalidades do BPC para pessoa com deficiência (Fisher & Silva-Junior, 2015).
[1] Considerada marco legal da implantação da previdência social brasileira, a qual deu início a proteção previdenciária e estabilidade aos trabalhadores ferroviários com dez anos ou mais de serviços, a partir das criação das Caixas de Aposentadorias e Pensões..
[2] Para maiores informações, ver: http://www.mds.gov.br/webarquivos/publicacao/assistencia_social/Normativas/PNAS2004.pdf
[3] O benefício atende atualmente 2.527.257 pessoas com deficiência e 2.022.221 de idosos, totalizando 4.549.478 beneficiários, demonstrando assim sua abrangência e importância (Stopa, 2019).
Conclusiones:
Pode-se afirmar que o BPC é o maior Programa de Transferência de Renda no Brasil em termos monetários, por garantir um salário-mínimo mensal para as pessoas com deficiência e idosos, desvinculados da necessidade de contribuição direta. Essa percepção também está alinhada aos dados relacionados à cobertura do benefício atualmente, conforme demonstrado neste artigo.
Nesse sentido, estudos relacionados ao transtorno mental e à capacidade laborativa discutido aqui, indicam que o transtorno mental pode ser a terceira maior causa de afastamento do trabalho. Além disso, é também a maior parcela de concessão de BPC de acordo com dados do Ministério de Desenvolvimento Social (MDS), em que 31% das concessões ocorrem por motivo de transtorno mental e 13% com deficiência intelectual[1].
Para ser ter acesso ao benefício é preciso ainda que o requerente se encaixe nos critérios de elegibilidade, sendo no caso da pessoa com deficiência dois critérios: O critério de renda, inferior ou igual a ¼ de salário-mínimo por pessoa, e o critério da condição de pessoa com deficiência, alcançado por meio de uma avaliação social e perícia médica tendo como base o Código internacional de Funcionalidades-CIF, independente de sua idade.
À primeira vista, o critério de renda vem sendo ceifador do acesso ao benefício, uma vez que pode gerar o indeferimento devido aos valores mínimos presentes na renda familiar, que pode ou não considerar comprometimento de renda que justifique o deferimento do benefício. É sabido que há atualmente a possibilidade de passar pelo critério de renda, desde que seja comprovado um comprometimento de renda a partir de condicionantes outros do INSS.
Nesse sentido, a Ação Civil Pública, n.º 5044874- 22.2013.404.7100, do Ministério Público da União no Rio Grande do Sul, de 2013, trouxe a possibilidade de acesso ao BPC, apesar do não atingimento do critério de renda no primeiro momento, sendo possível à época da instituição da ação civil pública, a possibilidade de o critério ser avaliado por meio de parecer do serviço social, desde que fosse cumprida a prerrogativa de provar a inacessibilidade a determinados serviços ou insumos na política de saúde de forma pública, e o acesso a essas mesmas situações com recursos próprios.
À primeira vista, percebe-se que trata-se de um avanço no acesso ao BPC, no entanto, esse mecanismo condiciona que o requerente tenha recursos financeiros suficientes para resolver a sua situação de saúde previamente e tenha acesso à documentação de negativa de acesso ao insumo ou serviço público de saúde, situação nem sempre viável.
Destaca-se então, neste cenário de busca pelo direito a acessar o benefício assistencial, que o requerente necessita passar por barreiras internas a sua condição de saúde, ligadas aos limites emocionais e psicológicos, as barreiras de compreensão e percepção do processo, as barreiras ligadas ao estigma, preconceitos, desconhecimento do outro para com sua condição, barreiras ligadas à visão do outro sob sua condição de “não cidadão”, ou de subcidadão a partir de (Jesse de Sousa) enquanto pessoa com transtorno mental e as barreiras de acesso às políticas em si.
Importante destacar que, embora existam mecanismos específicos de avaliação das pessoas com transtornos mentais para a requisição de benefícios no âmbito da Previdência Social, na prática, há um enquadramento dessa população à categoria das pessoas com deficiência que considera a incapacidade física, mental, intelectual ou sensorial, as quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas.
Contudo, tal modelo pode trazer diversos problemas para o requerente de ordem emocional e simbólica: para além de conviver com o estigma do transtorno mental, terá que se enquadrar ao modelo de pessoa com deficiência. Além disso, o manual “Diretrizes de Apoio à Decisão Médico-Pericial em Psiquiatria” considera critérios muito restritos[2] para avaliação dessa população.
[1] Para maiores informações, visualizar os dados do Ministério do Desenvolvimento Social (Brasil, 2016).
[2] Para maiores detalhes sobre esses critérios, ver: Diretoria de Saúde do Trabalhador (2010).
Bibliografía:
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Palabras clave:
Seguridade Social; Saúde Mental; BPC; Intinerários de acesso