Resumen de la Ponencia:
Este trabajo se propone analizar los procesos de gestión del riesgo en una empresa avícola del sector de producción rural uruguayo. La investigación, de tipo cualitativo, se centrará en la descripción del proceso de trabajo de la empresa, las culturas de riesgo elaboradas por los trabajadores y el análisis de sus estrategias para dar cuenta de las situaciones de riesgo. Estos procesos, a su vez, en enmarcan en relaciones laborales que establece las posibilidades y los límites para alcanzar niveles aceptables de riesgo en el marco de la producción de la empresa seleccionada. La elección de la empresa avícola se realizó en función de diferentes criterios. En primer lugar, la empresa realiza su producción en las zonas rurales de Montevideo y en los departamentos cercanos al mismo, zonas geográficas que aglutinan la mayor cantidad de trabajadores rurales del país. Por otra parte, el sector avícola es un sector que, en la perspectiva sindical, presenta muchas dificultades para la implementación de acciones colectivas debido a las resistencias del sector empresarial para reconocer la actividad sindical, en un contexto signado por condiciones de trabajo precarias y poco saludables. En este sentido, su análisis pone de relieve la importancia de las culturas de riesgo autónomas que los trabajadores elaboran para dar cuenta de sus tareas cotidianas.Resumen de la Ponencia:
O objetivo deste texto é aprofundar algumas reflexões sobre o trabalho nos canaviais de São Paulo. Com base em várias pesquisas, levadas a cabo nas últimas quatro décadas com trabalhadores e trabalhadoras rurais, provenientes dos estados do nordeste e do norte de Minas Gerais, para a colheita da cana, laranja, café, além de outros produtos, foram empregadas as ferramentas teóricas da dialética marxista, como exploração, dominação, superexploracão, acumulação por espoliação, acumulação primitiva, além de outras. Estas ferramentas possibilitaram a produção de um arcabouço interpretativo acerca das condições de trabalho e seus desdobramentos sobre a saúde e a vida dos/as trabalhadores/as, tanto em seus locais de partida, como de chegada. Realizando uma releitura destes estudos (de minha autoria e também de outros), conclui que as categorias analíticas acima empregadas per se não dão conta de explicar a profundidade da exploração/dominação existente nos territórios do agrohidronegócio sucroenergético paulista. A proposta teórica do presente texto não é abandonar tais categorias, mas tentar ir além delas. Com base em entrevistas com trabalhadores migrantes do Maranhão (realizadas em 2009), processos trabalhistas e os textos das Reformas Trabalhista (2017) e da Previdência (2019/20), o esforço será no sentido de captar outras dimensões do processo exploração/dominação. Ou seja, ir além da exploração da força de trabalho e da captação do excedente. O trabalho, tal como bem mostrou Polanyi, é fictício. Assim sendo, o trabalho e a força de trabalho (enquanto potência), só existem na pessoa, no corpo de quem o executa. Não um corpo em abstrato, mas, concreto, dotado de múltiplas dimensões: corpo físico, genereficado, racializado e representado enquanto território colonizado. Portanto, um corpo/colônia, produzido historicamente por relações sociais concretas. Os vasos comunicantes entre todas estas dimensões poderão dar suporte ao entendimento das mortes no eito dos canaviais, ou ainda nas encruzilhadas dos caminhos que os cercam, além de outros brutalismos.
Introducción:
No período de 2003 a 2005, foram registradas nos canaviais paulista 23 mortes de trabalhadores por excesso de esforço. A explicação para esta realidade, além de muitos outros relatos da superexploração, será ir mais além do conceito de exploração da força de trabalho em Max.O intento é encontrar a resposta à seguinte pergunta: Por que tais situações ocorreram e ainda continuam ocorrendo, sob diferentes formas de dominação/sujeição e negação? Por que, no decorrer deste ano de 2021, trabalhadores foram submetidos às condições análogas à de escravo, numa região, considerada a capital mundial do etanol e uma das mais ricas do país? As reflexões marxianas no capítulo VI, do livro I de O Capital, sobre a compra e a venda da força de trabalho, fornecem elementos importantes para a presente análise[1].Segundo Marx, o crescimento do valor pelo qual o dinheiro deve se transformar em capital não provém dele próprio, mas sim de uma mercadoria especial, denominada potência ou força de trabalho, cuja definição é o conjunto das faculdades físicas e intelectuais que existem no corpo de um homem, em sua personalidade viva, que deve colocar em movimento para produzir coisas úteis. Vale ressaltar que os termos, potência, força e movimento, advêm da física. De acordo com Jessop (2020, p. 243-279), as ciências naturais exerceram uma influência significativa nas reflexões de Marx, mormente, em sua obra tardia. O autor, de forma instigante, mostra o interesse de Marx pela natureza e pelas ciências naturais e também a repercussão significativa que este conhecimento exerceu na sua crítica da economia política e, de fato, antecipou a ecologia política crítica (p. 246). Uma das influências importantes, além da biologia, fisiologia, a metamorfose e o metabolismo das células, se reporta à física, à força mecânica e seu complemento, a energia potencial, o calor, a radiação, a eletricidade, o magnetismo e a energia química.
(...) são diversas manifestações do movimento universal, que se transformam umas em outras em proporções definidas, de tal modo que, quando desaparece certa quantidade de uma, aparece a mesma quantidade de outra em seu lugar, e assim o movimento total da natureza se reduz a este processo incessante de transformação de uma forma em outra. (Engels, 1990, p. 385. Apud Jessop, 248).
Outro descobrimento importante de Marx, ainda nas pegadas de Jessop, foi a transformação da energia, a partir da termodinâmica. A termodinâmica influiu nos comentários de Marx do conceito de “Arbeitskraft”, traduzido como força de trabalho - a capacidade ou potencial de realizar trabalho vivo, um conceito ausente da economia política clássica (...) Até a década de 1850, Marx falava de “Arbeit” (trabalho). Tomou consciência da relevância do segundo conceito mediante a análise da capacidade transformadora da máquina a vapor na produção industrial mediante a leitura de textos sobre a força de trabalho (...) fazia referência aos ‘cavalos de força’, como medida e potência dos cavalos, das máquinas e dos homens. (p. 249-251).O conceito de potência é definido pela equação potência é igual a energia sobre o tempo, ou seja, a relação entre a variação da energia e a variação do tempo define a potência. Tais contribuições aclaram a análise sobre a compra da potência do trabalho durante um determinado tempo. Uma das observações importantes de Marx, no capítulo citado, diz respeito às condições previas para que o possuidor do dinheiro encontre no mercado a potência de trabalho, condições historicamente definidas, que produzem esta mercadoria especial, capaz de valorizar o capital – potência de trabalho[1]. O núcleo teórico de Marx diz respeito à abstração, à mercadoria força de trabalho, levando-se em conta o trabalho abstrato. No entanto, a potência e a grandeza de energia só existem no corpo físico. O emprego da metáfora da lesma e caramujo (potência de trabalho e corpo) traduz a inseparabilidade destes dois termos. Levando-se em conta a equação acima, a potência é uma variável, resultante de duas outras - energia e tempo. Quanto maior a energia e menor o tempo, maior a potência, que é a mercadoria que está à venda. Assim sendo, o homem possuidor do dinheiro, nos termos de Marx, ao realizar a compra, ele não o faz abstratamente, mas, ao contrário, concretamente. A potência é um marcador, uma etiqueta inscrita no corpo físico de seu possuidor. Então, dois personagens se encontram no mercado de trabalho em condições iguais, ou seja, ambos são possuidores juridicamente de mercadorias, e a transação se faz de forma livre e não forçada. Ainda, de acordo com Marx, a esfera da circulação é o reino da liberdade. No entanto, logo após a venda, em suas palavras, há uma mudança na fisionomia dos personagens de nosso drama (p. 179). A aparência de liberdade e igualdade se desfaz. O possuidor do dinheiro se vê empoderado, caminha à frente, enquanto o possuidor da potência de trabalho lhe segue, de forma tímida, hesitante, como alguém que levou sua própria pele ao mercado, e espera somente uma coisa: ser tosquiado (p.179). Esta imagem reflete, ademais da desigualdade, a dominação de um sobre o outro. No entanto, há outro elemento a ser considerado e que não foi objeto de análise de Marx neste capítulo. Considerando a metáfora da lesma e do caramujo e o conceito físico de potência, tem-se que esta não é uma constante, mas uma variável, sediada num corpo físico e que não possui existência fora dele.
[1] Em outro trabalho, foram analisadas as formas de expropriação do campesinato e a violência que acompanhou esse processo. Silva (2012).
[2] Palavras proferidas pelo filósofo durante a live, Diasporas, d’une terre à l’autre, ocorrida em 14/04/2021, pela plataforma Zoom.
[3] O autor se refere ao título do livro de F. Fanon. Les damnés de la terre. Paris: La Découverte, 2002.
[1] Tais condições dizem respeito á acumulação originária do capital, relatada no último capítulo do Livro 1 de O capital.
[1] Marx (1978, p. 170-179).
Desarrollo:
Retomando o exemplo concreto dos trabalhadores rurais. O que vemos, enquanto corpos? São jovens, negros, camponeses desterritorializados do Maranhão, estado onde se verifica um gigantesco processo de espoliação de suas terras. Portanto, as condições prévias, responsáveis pelo fato deles estarem no mercado vendendo suas respectivas potências de trabalho, já ocorreram[1]. Em seus corpos, há três etiquetas que chamam a atenção dos compradores: i) juventude, correspondente à maior potência; ii) masculinidade, correspondente à virilidade e capacidade de resiliência e enfrentamento diante dos obstáculos, vis-à-vis os padrões patriarcais vigentes; iii) a principal etiqueta está na cor da pele: são negros. Segundo Achille Mbembe[2], os negros não se definem só pela cor da pele. Os negros são todos os rejeitados, os amaldiçoados da terra (les damnés de la terre)[3]. Considerando a medida de potência, power horse, os negros durante a escravidão, que durou quase quatro séculos no Brasil, eram destinados aos trabalhos mais duros, mais pesados e que lhes exigiam muita energia, tal como ainda ocorre nos canaviais. Logo, para aguentar o trabalho duro, a imposição da média em torno de 10 toneladas ou mais de cana cortadas durante a jornada (tempo de 8 horas), é necessário ser possuidor de uma grande potência, algo que um trabalhador, citado por um “turmeiro”, não possuía. Por isso não fora aceito e foi enviado a outros canaviais, onde morreu na encruzilhada dos canaviais. A relação simbiótica entre potência e corpo implica, portanto, em corpos determinados, escolhidos, analisados, quantificados, esquadrinhados, segundo as tecnologias de poder produzidas no laboratório secreto das empresas. São corpos dotados de uma especialidade, não natural, mas socialmente definida: são corpos racializados, generificados e colonizados. Corpos/colônia, cuja característica não é apenas a exploração da potência da força de trabalho, no seu uso por um tempo determinado, mas sua extração, no sentido da punção, da subtração. Seguindo as pegadas de A. Mbembe (2020):
(...) a função dos poderes contemporâneos é, mais do que nunca, tornar possível a extração. Isto requer a intensificação da repressão. A perfuração dos corpos e dos espíritos compõem este quadro.
As reflexões do filósofo camaronês, A. Mbembe, remetem às relações de poder e às tecnologias de dominação sobre a concretude do ato da extração da potência, da energia vital, do sangue, enfim das substâncias orgânicas do corpo. E ainda mais. É uma chave analítica importante para a reinterpretação do valor da potência do trabalho, segundo o conceito marxiano, que é condizente ao quantum de trabalho socialmente necessário para a sua produção. Nesta cesta, entram as mercadorias necessárias para a reprodução do seu possuidor: alimentos, moradia, algumas despesas com educação, calefação (caso inglês, analisado por Marx). Estes seriam os elementos básicos, mínimos, para garantir a produção e reprodução da potência de trabalho.
Conquanto, vale ressaltar que o trabalho executado nas atividades domésticas, como o preparo dos alimentos, a criação dos filhos, a limpeza da casa - geralmente, executado pelas mulheres - não entra na definição do valor da potência do trabalho, segundo Marx. Portanto, o trabalho doméstico, além de ser ocultado, é negado, enquanto trabalho propriamente dito, geralmente, descrito como atividade. O que implica em discordar da definição do valor de Marx, na medida em que, ademais da apropriação do mais valor, do excedente criado pelo trabalhador no ato do trabalho, por meio da mais valia absoluta ou relativa, ou as duas concomitantemente, há que se considerar a apropriação do trabalho não pago das mulheres, relegadas à esfera da reprodução, graças à permanência das relações patriarcais. Logo, a relação simbiótica entre capitalismo e patriarcado é uma alavanca importante para aumentar ainda mais os níveis de acumulação, mediante a captura do trabalho reprodutivo das mulheres. É uma vertente da colonização, entendida como sistema de extração dos recursos naturais, perfuração, e dominação/repressão sobre os corpos.
Em outro trabalho (Silva, 2020a), refleti sobre estes questionamentos, portanto, aqui não me deterei no seu aprofundamento, sem contar que eles já foram demasiadamente discutidos por várias teóricas do feminismo, tais como, Scholtz (2012), Mies (2019), Federici (2004), dentre outras.
A historiadora italiana, Sílvia Federici, elabora uma tese instigante a respeito da caça às bruxas na Europa[1], sobretudo, como fator importante não só para encerrar as mulheres nos espaços da casa, retirando-lhes a autonomia e o saber, como também para submetê-las ao domínio masculino. Esse doloroso processo, que culminou no assassinato e na tortura de centenas de milhares de mulheres, foi posto em prática pelo Estado e Igreja durante mais de três séculos. Para a historiadora, a transformação das mulheres em bruxas representou a aliança do patriarcado e capitalismo e se constituiu no processo de acumulação primitiva. Assim sendo, os corpos das mulheres pobres, em sua grande maioria, das metrópoles também foram colonizados, queimados, extraídos .
A filósofa alemã, Rositha Scholtz, tece a reflexão de que “o valor é o homem" (grifos da autora) não o homem como ser biológico, mas o homem como depositário histórico da objetivação valorativa. Todos os elementos sensíveis, tradicionalmente imputados às mulheres e tidos como inferiorizados, são externalizados, logo, não fazem parte do valor. Haveria, assim, a cisão causada pelo patriarcado do valor. Porém, a cisão é, em consequência, integrante do valor. Segundo ela, o mecanismo patriarcal da cisão deve ser visto não como acréscimo externo, mas, como uma alteração qualitativa da própria teoria do valor (p. 3).
Ainda há que mencionar uma produção bibliográfica atual bastante significativa sobre o trabalho do cuidado, o care[2]. Assim sendo, o trabalho generificado - produto do patriarcado - e o trabalho racializado - produto da colonialidade, ou seja, da permanência dos elementos coloniais, constituem os ingredientes definidores do corpo/colônia.
De acordo com a socióloga alemã, Maria Mies (2019), a domesticação do trabalho da mulher corresponde à externalização dos custos que não são assumidos pelos capitalistas. Isto decorre do fato do trabalho feminino ser visto como um recurso natural, como o ar e a água (p. 210). É importante assinalar que, ainda que a mulher venda sua força de trabalho, o trabalho doméstico recai sobre seus ombros, produzindo a dupla ou tripla jornada, segundo várias pesquisas já demonstraram. Em ambos os casos, há a apropriação do trabalho não pago.
O patriarcado - entendido como um sistema de poder e dominação que diz respeito às estruturas sociais e não somente às relações cotidianas entre homens e mulheres – legitima a existência da “colônia interior” no seio da família nos termos propostos pela autora (p. 211). O entrelaçamento entre a colonialidade e a domesticação da mulher é um produto histórico das relações laborais do Brasil, portanto, um elemento que não pode ser olvidado na análise do processo de valorização do capital, definido pela extração e não somente pela exploração. Sobre a permanência colonial, Quijano (2005) afirma:
O controle do trabalho no novo padrão de poder mundial constituiu-se, assim, articulando todas as formas históricas de controle do trabalho em torno da relação capital-trabalho assalariado, e desse modo sob o domínio desta. Mas tal articulação foi constitutivamente colonial, pois se baseou, primeiro, na adscrição de todas as formas de trabalho não remunerado às raças colonizadas, originalmente índios, negros e de modo mais complexo, os mestiços, na América e mais tarde os demais raças colonizadas no resto do mundo, oliváceos e amarelos. E, segundo, na adscrição do trabalho pago, assalariado, à raça colonizadora, os brancos. (p. 107).
No que concerne aos cortadores nos canaviais paulistas, são migrantes temporários, dado que são contratados para a safra, que dura em geral em torno de nove meses. Após o término do contrato, são obrigados a retornar aos seus lugares de origem. São migrantes permanentemente temporários. Desse modo, há uma nítida externalização dos custos de reprodução que recaem sobre o trabalho não pago das mulheres que permanecem nos locais de origem. Desde 2009, a assinatura do Compromisso Nacional para Aperfeiçoar as Condições de Trabalho na Cana[3], um pacto tripartite entre representantes dos trabalhadores, empresas e governo federal, visando ao chamado trabalho decente nos canaviais, os contratos passaram a ocorrer nos locais de origem e as famílias dos trabalhadores foram impedidas de acompanhá-los. Em caso contrário, os custos da reprodução aumentariam. São trabalhadores sós, desgarrados de suas famílias e de seu território. São vistos tão-somente enquanto potência. Retomando as reflexões de A. Mbembe, há neste modelo de produção a confluência dos três fatores que compõem a extração: fratura, fissuração e, por fim, o esgotamento.
A fratura ocorre no momento em que há o processo de extração das condições objetivas de sobrevivência nos locais de origem, ou seja, o processo de acumulação por espoliação nos termos definidos por D. Harvey (2004).
A fissuração é produzida desde o momento da partida, no momento da separação da família e a saída em busca da garantia de sobrevivência, ou seja, da continuidade da vida. É o momento em que se deixa para trás o território do eu, da sociabilidade, do reconhecimento, do lugar, da “terra da gente”, do “lugar da gente” ( Silva (2020b). O impedimento da vinda das famílias traduz a extração do afeto, a negação do nós, do eu e a emergência do outro, do estranho, do não igual, do diferente. Além do impedimento da vinda das famílias, do sistema de controle da produção exercido pelo feitor, por meio das dispensas, dos ganchos, da suspensão do trabalho por três dias, há o impedimento do encontro entre os trabalhadores em razão da jornada semanal 5x1, isto é, cinco dias de trabalho e um de descanso. A sociabilidade com as pessoas da cidade inexiste, sobretudo, devido ao racismo, às representações racializadas dos corpos que só são vistos enquanto cortadores de cana.
Há outra imposição para o ato de aguentar (suportar até os limites das forças) geralmente, ocultada. Trata-se do “acerto” no final da safra, que se constitui em complementos salariais correspondentes à assiduidade, aos não pedidos de atestados médicos, ao comportamento obediente, além dos níveis de produtividade elevados. Fica claro que os que reclamam, os grevistas, os que “causam problemas”[1], estão impedidos de receber o “acerto”, que só é pago no final da safra.
Além destes elementos, há outros que contribuem para o aumento da fissuração. Como foi dito, o contrato de trabalho é temporário, por safra. Segundo dados do MTE/CAGED, há uma expressiva irregularidade em relação aos números dos admitidos e dos demitidos. De acordo com estes dados, em junho de 2018, foram contratados 30.121 trabalhadores e demitidos 12.012, restando um saldo de 18.109. Em julho do mesmo ano, estes números foram, respectivamente: 21.065; 13.181; 7.884. Assim sendo, dos mais de 30 mil trabalhadores admitidos em junho de 2018, apenas, 7.884 permaneceram no emprego em julho, ou seja, uma redução em torno de 43%. Levando-se em conta à ocupação de trabalhadores na cana-de-açúcar, no mesmo período, foram contratados 964 e demitidos 2.132, portanto, um saldo negativo de 1.348. Estes números são o reflexo da aceleração da mecanização do corte da gramínea no estado, nos últimos anos.O esgotamento, o terceiro elemento da extração, é uma somatória da fratura e da fissuração.
Quem disser que o cortador morreu e não foi por causa do serviço, é porque ele nunca pegou no serviço. Eu digo que toda morte, que o cabra cai no meio do campo, é por causa do serviço. Agora depende da hora. Porque antes do meio dia, tudo bem. Depois que o sol esconde é muito bom. Mas àquela hora do meio dia, Ave Maria... Aqui tem um moreno, que no ano passado, ele estava no eito de cana; cana com pé de rolo (cana caída); ele estava quente; depois caiu desmaiado. Nós levamos ele até o ônibus, carregado nas costas. Ave Maria...! Ele estava morrendo, e eles não queriam atender ele. E se ele estivesse morrido? Rapaz, não faltou nada para ele morrer, faltou um centímetro para ele morrer. Aí nessas usinas por aí, de vez em quando, tem gente que toma soro direto, para aguentar. Só que nem tudo mundo é igual, pois têm uns que aguentam e outros que não aguentam. (Trabalhador do Maranhão. Entrevista realizada em Guariba, 2009).
O verbo aguentar é muito recorrente nas falas dos cortadores. É um exemplo da variação da potência. Uma das práticas das empresas é administração do “soro”, a fim de compensar a perda líquida, os suores, as câimbras, em função do esforço excessivo e do aumento da temperatura térmica. A equação acima, potência = energia sobre o tempo, define o ato de aguentar ou não aguentar. Buscando o nexo causal entre possíveis mortes e o excessivo esforço, por meio do aumento da potência, conseguida pelo maior dispêndio de energia num tempo menor, Verçoza (2018), acompanhou a frequência cardíaca de 22 cortadores de cana em Alagoas. Os dados amostrais foram levantados mediante o uso de monitor de frequência cardíaca, modelo Polar RC3 GPS, durante a jornada de trabalho. Suas conclusões demonstraram que somente quatro trabalhadores não extrapolaram a carga cardiovascular limite de 33%. Ao todo, 81,82% ultrapassaram o limite da carga física de trabalho. Os achados da pesquisa demonstraram a incidência de elevadíssimos índices de frequência máxima, apontando para sérios riscos à saúde. Tais índices foram calculados, considerando a frequência cardíaca média em repouso, máxima teórica, carga cardiovascular, diferença de batimentos por minuto e toneladas de cana cortada. (p. 238 e ss.).
Nos limites deste texto, optei por apresentar um excerto extraído de ações trabalhistas, a fim de analisar os meandros das leis e também as contradições e conflitos existentes no interior dos aparelhos do Estado. A leitura dos processos revela que, a partir dos promotores do Ministério Público do Trabalho (MPT), há um esforço no sentido de mitigar o desmonte dos direitos laborais. De todo modo, ainda que as sentenças sejam favoráveis aos trabalhadores, o montante em dinheiro pago não impede o processo de demolição que recai sobre eles. Retomando a metáfora da lesma e do caramujo, o que o MPT consegue é minimamente reparar o caramujo porque a lesma já não possui mais a substância. Nas entrelinhas das ações, emerge o brutalismo, nos termos propostos por A. Mbembe. “O brutalismo é o nome dado a este gigantesco processo de evicção e de evacuação, mas também de esvaziamento das veias e de esgotamento das substâncias orgânicas”.
Ainda vivo, o trabalhador rural (cortador de cana) Sr. Valdecir da Silva Reis, ajuizou ação trabalhista em face das reclamadas informando que havia sido admitido pela primeira para ativar-se no corte de cana em prol da segunda e terceira reclamada, tendo sido afastado em razão de doença ocupacional adquirida no trabalho em prol das reclamadas.
Informou que já havia laborado para a segunda e terceira reclamadas em outro período. Também narrou que trabalhava na jornada 7X1, das 6:30hs às 17:00hs, com 30 minutos de intervalo. Por conta dessa condição adquiriu doença que o incapacitou para o trabalho.
Foi realizada audiência (fl. 65) e apresentadas defesas (1ª reclamada fls. 68/72; 2ª e 3ª reclamadas fls. 97/114). Determinada realização de perícia médica no trabalhador.
Noticiado o falecimento do reclamante[1] (fls. 197/199).
O reclamante, cortador de cana, laborou para as reclamadas em várias oportunidades, desde 1997, conforme demonstra o documento de fls. 325/326.
O Laudo pericial reconhece que a atividade do corte de cana é penosa e de alto risco para a coluna. Também diz que o sistema de pagamento por produção induz o trabalhador a aumentar ao máximo seu ritmo de trabalho para auferir maiores ganhos, fazendo com que o trabalhador não respeite seus limites físicos (fl. 354). Também reconheceu que os exames do trabalhador mostram nítidas alterações degenerativas em vários discos lombares, fortemente sugestivas de haver comprometimento radicular.
O laudo também é claro ao dizer que esse quadro é degenerativo e não regride. Reconhece expressamente que o autor tinha incapacidade total e permanente para sua atividade habitual de trabalhador rural; que o trabalho que o reclamante realizou durante sua vida profissional de cortador de cana é de risco para a coluna agindo como concausa agravante (fl. 353). E conclui: a doença foi agravada em razões das condições de trabalho e “é inegável que não deveria ter sido colocado em atividades que pudessem agravar a sua doença” (fl. 370).
Portanto, temos que restou devidamente comprovado nos autos o nexo causal entre o agravamento da doença e o trabalho do Sr. Valdecir. A concausa e a responsabilidade das reclamadas está devidamente provada. (grifos do processo). (Processo nº 0080100-53.2008.5.15.0022). Recurso ordinário. Campinas, maio de 2014.
[1] O trabalhador faleceu aos 37 anos de idade. Era pai de três crianças. Valdecir foi entrevistado por mim e é um dos narradores do Vídeo, sob minha coordenação, Fragmentos (2005). www.trama.ufscar.br. (Aba: vídeos do Grupo).
[1] Durante minhas pesquisas, ouvia muitos relatos sobre as “listas negras” que circulavam entre os feitores e fiscais. Tais listas (eu possuo uma delas com 85 nomes!) eram uma maneira de sujeitar os trabalhadores, impedindo-os de conseguir emprego nas safras seguintes, caso as regras fossem desrespeitadas. Os afastamentos por doenças dizem respeito à maior empresa do setor do hidroagronegócio canavieiro do país[1]. Os números referentes aos afastamentos do sistema nervoso, urinário, devido a tumores, doenças do aparelho circulatório, digestivo, lesões, envenenamentos, corrosões e do sistema osteomuscular (LER/DORT) são demonstrativos do processo de esgotamento dos corpos, do ato de não aguentar. Ademais dos acometimentos da LER/DORT, há que se considerar os níveis elevados das outras doenças sugerindo o uso desmesurado de agrotóxicos, principalmente, aqueles que são indicativos de cânceres, e que são proibidos em outros países.
[1] “A receita líquida da Raízen Energia totalizou 9 bilhões de reais no primeiro trimestre do ano (2020), aumento de 26% ante igual período de 2019. Na safra de 2019/20, encerrada em março, a receita aumentou 37%, para 30,7 bilhões de reais, “devido principalmente ao maior volume vendido e melhores preços médios de açúcar e etanol, tanto no trimestre quanto no ano safra”. https://www.novacana.com/n/industria/financeiro/raizen-energia-receita-liquida-r-9-bilhoes-entressafra-alta-26-010620. Acesso em 13/04/2021.
[1] Durante a colonização da América espanhola e portuguesa, também houve a caça às bruxas. Muitas mulheres por praticarem outros cultos, que não os da religião católica, foram perseguidas e queimadas, segundo S. Federici.
[2] O care se refere ao cuidado com as crianças, idosos e outras pessoas. Trata-se de um trabalho executado sobretudo por mulheres. Atualmente, várias pesquisas revelam que este trabalho tem sido desempenhado por milhares de mulheres migrantes dos países de América Latina e também da Ásia, como as Filipinas, que se destinam à Europa e EUA. Sobre o cuidado e cuidadoras, consultar, dentre outros, Hirata, Guimarães (2012).
[3] “Por meio de uma mesa de diálogo, sob a coordenação da Secretaria Geral da Presidência da República, foi construído um acordo histórico para valorizar e disseminar as melhores práticas trabalhistas na lavoura da cana, evidenciando a importância do diálogo social na elaboração das políticas públicas. Por meio da adesão voluntária das empresas ao compromisso, da divulgação das boas práticas empresariais e do cadastro positivo formado pelo selo “Empresa Compromissada”, conferido após verificação in loco de auditoria independente, a iniciativa induz os demais atores do setor a aderir ao compromisso e adotar as boas práticas trabalhistas”.https://repositorio.enap.gov.br/bitstream/1/343/1/Compromisso%20Nacional%20para.pdf
Acesso em 15/04/2021. Os efeitos desta normativa, na verdade, favoreceram aos empregadores e não aos empregados, seguindo a arguição desenvolvida neste texto.
Conclusiones:
Em novembro de 2017, foi aprovada pelo Congresso Nacional, a chamada Reforma Trabalhista, Lei 13.467/17, cujos efeitos foram o aumento da precarização, a retirada dos direitos, a flexibilização, a informalidade, a terceirização, as contratações de trabalhos intermitentes e parciais, o desligamento por acordo mútuo, com o intuito de diminuir as multas do saldo do FGTS e aviso prévio, o não pagamento dos deslocamentos, retirada da obrigatoriedade da contribuição sindical, representando um duro golpe para as associações sindicais, e também para a Justiça do Trabalho, por meio do pagamento das ações ajuizadas pelos empregados, caso as ações fossem ganhas pelos empregadores[1].
No que tange aos trabalhadores rurais, uma das principais alterações foi em relação à supressão das horas in itineri. Essa normativa representou a diminuição de 20% a 30% nos ganhos dos trabalhadores, dado que antes da reforma, esses valores eram acrescidos aos salários, levando-se em conta que os trabalhadores vivem nas cidades e se deslocam para os locais de trabalho, às vezes, perfazendo um tempo de até quatro horas diárias (ida e volta).
Em 2019, a Reforma da Previdência trouxe outros desalentos aos trabalhadores. Ambas reformas são indicativos do desmonte dos direitos e da seguridade social, visando aumentar os ganhos dos empregadores. As principais alterações foram referentes à idade, ao tempo de contribuição, bem como aos valores da aposentadoria e auxílios. No decorrer destas páginas, o intuito foi de compreender/transcender as reflexões sobre a extração do corpo/colônia dos trabalhadores nos canaviais. Recorrendo aos referencias marxianos de exploração da força de trabalho, foi possível a incorporação de interpretações de vários pesquisadores/pensadores, os quais, no diálogo com os ensinamentos de Marx, aportaram a necessidade de ir além de minhas análises anteriores, me conduzindo a outro ponto de chegada. As falas dos sujeitos, os conteúdos das ações judiciais, além dos achados de outros pesquisadores, que se debruçaram sobre essa temática, são demonstrativos do processo de brutalismo nos termos propostos por A. Mbembe. No entanto, tal processo não é determinístico. A história não é teleológica. Ainda que exista a lógica da extração, há também a lógica contrária. As ações judiciais, apesar de todas as intimidações, são reveladoras nesse sentido. Nos poros do corpo/colônia, além dos suores, brota o desejo de “não estar aqui, mas lá, mesmo que tardiamente. É, a partir dessa centelha, que os movimentos sociais deverão conduzir os rumos da luta pelos direitos humanos do trabalho na contramão da edificação da extração do corpo/colônia.
[1] Uma análise acurada sobre os efeitos deletérios da reforma trabalhista, considerando os trabalhadores urbanos, encontra-se na coletânea de artigos produzida pela Remir (Rede de estudos de monitoramento interdisciplinar da reforma trabalhista), organizada por Krein, Oliveira, Filgueras (2019).
Bibliografía:
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Palabras clave:
Trabalho; hidroagronegócio canavieiro;corpo/colônia; brutalismo; Brasil
Resumen de la Ponencia:
O objetivo desta comunicação é analisar o impacto da pandemia de Covid-19 entre profissionais de enfermagem e medicina e o modo como reagem suas entidades sindicais. A metáfora da guerra tem sido recorrentemente empregada para expressar a dramática situação sanitária vivida pelos países e por suas populações no enfrentamento ao vírus SARS COV-2. Nesta narrativa, o vírus seria o inimigo a ser abatido, os hospitais seriam a linha de frente e os profissionais de saúde seus heróis. A mitificação dos profissionais de saúde como guerreiros da pandemia é política e ideologicamente funcional na medida em que dissimula, por meio da fórmula “nossos heróis”, as reais condições de trabalho, desgastantes, fatigantes e precárias, bem como o impacto que as políticas de ajuste e austeridade produzem nos sistemas de saúde pública. Muito distante do ideal romântico, a pandemia trouxe à tona a histórica fragilidade dos serviços públicos de saúde, afetados pelos sucessivos cortes de gastos no Sistema Único de Saúde (SUS), cortes que levaram à redução de concursos públicos e do contingente de profissionais com vínculos estáveis. Diante da situação de urgência sanitária, os trabalhadores da saúde ficaram ainda mais vulneráveis ao adoecimento e à morte em função dos efeitos das políticas de ajuste fiscal, do aumento dos contratos precários e da jornada, bem como do negacionismo governamental. Os sindicatos da área da saúde, especialmente de enfermeiros/as e médicos/as de São Paulo e do Rio de Janeiro, reagiram e foram muito ativos ao longo dos anos 2020-21. Além de ativas e solidárias, as entidades realizaram ações unitárias, ultrapassaram os limites da luta propriamente reivindicativa e corporativa e politizaram a luta sindical. Realizaram atos em defesa da vida, da democracia e do movimento Fora Bolsonaro.
Introducción:
A metáfora da guerra tem sido recorrentemente empregada para expressar a dramática situação sanitária vivida pelos países e por suas populações no enfrentamento ao vírus SARS COV-2. Nesta narrativa, o vírus seria o inimigo a ser abatido, os hospitais seriam a linha de frente e os profissionais de saúde seus heróis (PEREIRA et al., 2020). Esta narrativa alude a um momento de urgência que, objetivamente, mobiliza e leva equipes de saúde responsáveis pelos cuidados a pacientes adoecidos ao completo esgotamento. Mas, por sua vez, ao clamar por heroísmo ou ainda pela imprevisibilidade do coronavírus, ela ilude, na medida em que oculta o alerta de pesquisadores e ativistas em torno do risco de surgimento de novas pandemias (LEITE, 2020); a negligência dos Estados nacionais em relação às necessidades dos sistemas públicos de saúde (SAAD FILHO, 2020); as determinações da conjuntura que estamos vivendo particularmente no Brasil com a sobreposição de crises econômica, social e sanitária; e, finalmente, a realidade enfrentada pelos profissionais de saúde e agravada pelas políticas neoliberais. A adoção destas políticas reduz o contingente de profissionais concursados e institui formas de gestão público-privada, por meio das Organizações Sociais (OS), que ampliam as formas de subcontratação com a terceirização e a “pejotização”. Como alertam Pereira et al. (2020, p. 16), “a retórica do conflito e do inimigo pode traduzir-se numa linguagem que tende a substituir o ‘inimigo invisível’ por ‘inimigos visíveis’” e a romantizar as condições concretas em que trabalham, há anos, as equipes de saúde que hoje se encontram na atenção aos pacientes infectados pelo novo coronavírus.
Editada em 06 de fevereiro de 2020, a Lei nº 13.979 dispôs sobre as medidas para enfrentamento à situação de emergência de saúde pública de importância internacional (ESPII) decorrente do surto do coronavírus, entre as quais a definição de isolamento, quarentena e demais medidas preventivas – uso de máscaras, estudos epidemiológicos, exumação, necropsia, cremação e manejo de cadáver etc. – bem como medidas restritivas temporárias à circulação de pessoas em rodovias, portos ou aeroportos, saída e entrada no país (BRASIL, 2020a). Por meio do Decreto nº 10.282, de 20 de março de 2020, o governo Bolsonaro definiu os serviços públicos e as atividades essenciais que não podem ser paralisados com as medidas de quarentena e que são “indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade” posto que, “se não atendidos, colocam em perigo a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população” (BRASIL, 2020b). O momento de urgência tornou, então, essenciais uma série de serviços entre os quais os de assistência à saúde.Entrementes, o fato de serem definidos como essenciais não garante aos trabalhadores responsáveis por estes serviços a valorização de seu trabalho, nem a “proteção necessária para sua realização” (CAMPOS et al., 2021a, p. 362).
A rigor, diante de uma situação de urgência sanitária, caracterizada pela OMS como emergência de saúde pública de importância internacional, os trabalhadores da saúde ficaram ainda mais vulneráveis ao adoecimento e morte. Eles já viviam jornadas exaustivas e enfrentavam os efeitos de um sistema público de saúde fragmentado (SOUZA et al., 2019), da redução do papel do Estado na prestação de serviços aos cidadãos, do fortalecimento do mercado de capitais das empresas de saúde (LAVINAS; ARAÚJO; BRUNO, 2017), por meio de planos privados de previdência e de saúde, e da expansão de uma lógica financeira e “[...] empresarial em tempos de recursos escassos, [que] condiciona o repasse de recursos ao cumprimento de determinadas metas a serem alcançadas pelos municípios e suas respectivas equipes de saúde” (DIEESE, 2020b, p. 7).
A vulnerabilidade dos profissionais da saúde ao vírus no exercício de suas funções deve ser compreendida em função dos determinantes sociais (SOUZA et al., 2019), em particular, do processo progressivo de mudanças nas condições de trabalho, iniciado nas últimas décadas, e amplificado pela reforma trabalhista de 2017, “[...] bem como pelas opções políticas, sanitárias e econômicas adotadas pelo governo [Bolsonaro] e pelos setores empresariais para enfrentar a pandemia” (CAMPOS et al., 2021a, p. 362).
Analisada por esse prisma, a mitificação dos profissionais de saúde como heróis da pandemia é política e ideologicamente funcional. Ao realizar manifestações públicas favoráveis aos profissionais da saúde, setores sociais expressam seu reconhecimento e agradecimento; mas, via de regra, o fazem de forma acrítica e descontextualizada, dissimulando, por meio da fórmula “nossos heróis”, as reais condições de trabalho, desgastantes, fatigantes e precárias, bem como o impacto que as políticas de ajuste e austeridade produzem nos sistemas de saúde pública.
A presente crise sanitária expõe, de modo particular, as obrigações e os riscos assumidos pelos trabalhadores da área da saúde durante a pandemia e não apenas no Brasil. A aparente valorização no atual contexto oculta o quão profundamente estes trabalhadores têm sido afetados. E, mesmo agora, “com tantos elogios a esses trabalhadores, a resposta é lamentavelmente insuficiente para protegê-los” (GINDIN, 2020). A falta de EPIs, amplamente denunciada desde os primeiros dias da pandemia, é o que poder-se-ia, metaforicamente, denominar a ponta de um iceberg, na medida em que, além dos insuficientes e por vezes inadequados equipamentos protetivos, são as condições de trabalho, reconfiguradas nos marcos do capitalismo contemporâneo e no bojo de políticas austeras, os principais condicionantes do adoecimento em geral (SOUZA et al., 2019) e da vulnerabilidade ao coronavírus, em particular.
Os protestos de profissionais da saúde na pandemia têm chamado a atenção para as precárias e inadequadas condições de trabalho, longas e exaustivas jornadas e urgentes necessidades materiais. Por vezes, esses protestos também apelam ao heroísmo; afinal, ao buscar valorização, reconhecimento e apoio social às suas demandas, enfermeiros e médicos reivindicam a imagem de salvadores – e nem sempre se identificam como trabalhadores do cuidado. Alguns protestos expressam essa ambiguidade, como o realizado pelo SindSaúde-RS, na cidade de Porto Alegre, em dezembro de 2020. Na ocasião, trajando equipamento de proteção, os manifestantes levantaram faixas com os seguintes dizeres: “palmas não bastam” e “recomposição salarial para quem salva vidas” (BOOF, 2020, [s. p.]). Noutras, todavia, rechaçam a pecha de heróis. Como sintetizou Clara Grémont, enfermeira de Montpellier, “[...] não queremos medalha ou pequenos bônus às escondidas, queremos um salário igual ao que nossas profissões fazem para a sociedade” (BOUVIER; STROMBONI; PINEAU, 2020, [s. p.]). Em Paris, durante manifestação de médicos, enfermeiros e cuidadores, uma enfermeira afirmou: “[...] não ligamos para aplausos, medalhas e homenagens. O reconhecimento deve passar por uma reavaliação de nosso salário, mais funcionários, equipamentos decentes e instalações renovadas” (LOUVET, 2020, [s. p.]).
Os protestos dos profissionais de saúde reafirmam a centralidade do trabalho (CAMPOS et al., 2021a) e a urgência por mudanças nas condições e relações de trabalho. Nas crises, as urgências vêm à superfície, as contradições e os conflitos sociais se acirram e as reais demandas dos trabalhadores emergem. Aumenta a concentração do capital em contraposição à “pauperização absoluta e relativa de enormes parcelas da população” (FONTES, 2017, p. 417). Aumenta a intensificação e a precarização do trabalho dos profissionais de saúde. Institui-se, inclusive, certa crise profissional à medida que o esgotamento físico e mental leva ao adoecimento e afastamento, a voluntariamente se licenciarem ou, ainda, a recusarem postos abertos em funções hospitalares diretamente relacionadas à Covid-19.
No limite, alguns profissionais da saúde têm desistido da profissão, pois a “crise do coronavírus acentuou as condições insuportáveis que muitos enfrentavam” (COREN-BA, 2018, [s. p.]). Nesse contexto, aumentou na pandemia o desejo de abandono da profissão (COFEN, 2021).
Neste artigo, parte-se de premissas para se discutir sobre dos trabalhadores essenciais da área da saúde no contexto da pandemia. Entende-se que a Covid-19 é epidêmica, determinada socialmente e deve ser compreendida a partir de condicionantes estruturais e conjunturais que tornam certas categorias de trabalhadores ainda mais vulneráveis. Embora o vírus busque um hospedeiro (uma célula basicamente), a probabilidade de encontrá-lo varia com as condições estruturais (modelo econômico, existência de direitos sociais universais, mercado de trabalho, nível de renda, formalidade ou informalidade, distribuição ou concentração da riqueza, nível de escolaridade e cultural global, condições materiais de vida, de trabalho e de acesso à saúde) e conjunturais (contexto político, políticas econômicas, regime político).
Busca-se analisar o impacto da pandemia entre profissionais de enfermagem e medicina e o modo como suas entidades sindicais reagem a partir da deflagração da pandemia da Covid-19 no Brasil. Seguindo pesquisas anteriores (CAMPOS et al., 2021a, 2021b), nossa hipótese é que, no Brasil, a sobreposição de crises abriu oportunidades políticas (SAVAGE; BLACK, 2020; TARROW, 2009) às organizações sindicais, as quais se mantiveram ativas no sentido de garantir, sobretudo por meio do acesso à justiça, agitação nas redes sociais e de alguns protestos, os direitos trabalhistas básicos – pagamento de salários em dia, cumprimento de jornada contratada, denúncia de desvio de função, garantia de licença remunerada aos profissionais incluídos nos grupos de risco por idade ou doenças preexistentes – e proteção à vida dos seus representados – garantia de EPIs, exames e vacinação prioritária. Ou seja, a ação sindical toma a forma de um ativismo que busca defender os direitos e preservar a vida de enfermeiros e médicos responsáveis pelo cuidado e tratamento aos pacientes com Covid-19.
Foram pesquisados o Sindicato dos Médicos do Estado de São Paulo (Simesp), o Sindicato dos Enfermeiros do Estado de São Paulo (Seesp) e o Sindicato dos Trabalhadores Públicos da Saúde do Estado de São Paulo (SindSaúde-SP).
O Sindicato dos Médicos do Estado de São Paulo (Simesp) foi criado em 1929 e tem como principais bandeiras de luta a defesa da atividade médica, por boas condições “no exercício da profissão” e o acesso à saúde como direito do cidadão. O Simesp negocia com sindicatos patronais, com as administrações públicas municipais e estadual e atua na denúncia de irregularidades e abusos em empresas de saúde. O Sindicato dos Enfermeiros do Estado de São Paulo (Seesp) foi criado em 1985. Organiza-se em sedes na capital e oito subsedes distribuídas no interior. Negocia Convenções Coletivas de Trabalho (CCT) com diversos sindicatos patronais e participa de mesas de negociação nos municípios do estado de São Paulo. O Sindicato dos trabalhadores públicos da saúde do estado de São Paulo (SindSaúde-SP) abrange várias categorias da área da saúde, no fundamental na área da saúde pública. Fundado em 1989, o SindSaúde define-se como um sindicato classista, que luta por salário digno, trabalho decente, concursos públicos e defende um SUS universal, financiado e administrado integralmente pelo Estado. A entidade está estruturada em 27 regionais distribuídas por todo o estado de São Paulo. O Seep e o SindSaúde são filiados à Central Única dos Trabalhadores (CUT). O Simesp não é filiado a nenhuma central.
Neste artigo, nosso objetivo é analisar o posicionamento dos sindicatos, seu funcionamento e suas formas de atuação.
Desarrollo:
A pandemia ocasionou o fechamento das sedes das entidades e levou à suspensão do atendimento presencial ao público. Não obstante, os sindicatos não paralisaram suas atividades. Ao contrário, foram impelidos a dar respostas às investidas patronais, às situações de descontrole ocasionadas pela omissão do poder público e pelo negacionismo do governo Federal e ao drama sanitário, revelando uma grande preocupação com questões relacionadas aos direitos trabalhistas e à saúde dos trabalhadores de sua base. Ademais, é notório que os sindicatos reergueram a bandeira em defesa do SUS.
Os sindicatos de médicos e enfermeiros pesquisados, por representarem trabalhadores essenciais à saúde, não cerraram suas portas. Na medida em que representam categorias mais vulneráveis, pois expostas a uma carga viral maior do que a população em geral, mantiveram-se ativos e mobilizados. Realizaram denúncias à Justiça do Trabalho e ao Ministério Público, reuniões com os poderes públicos e administração de hospitais privados, atos e protestos, assembleias com associados, bem como produziram notas e informes para a imprensa.
Os sindicatos analisados incrementaram a utilização de ferramentas virtuais nas redes sociais para se comunicar e informar os trabalhadores. Não fizeram desta a única forma de luta, já que, em várias ocasiões, estiveram envolvidos em atividades presenciais, como fiscalizações em hospitais de campanha e referência de Covid-19, além de atos e protestos, muitos dos quais organizados de forma unitária[1]. Nota-se, também, a atuação das lideranças sindicais de médicos e enfermeiros junto à grande imprensa[2].
Qual o conteúdo das reivindicações e os posicionamentos dos sindicatos estudados? Como organizam o funcionamento das entidades e o trabalho de base? Quais as principais formas de luta durante a pandemia?
Reivindicações de natureza trabalhista – respeito à jornada, o pagamento de salários e benefícios e o respeito aos contratos – estão imbricadas às questões relativas à saúde, em particular à Covid-19. O nexo entre condições de trabalho e Covid-19 tem como pressuposto que a doença é “presumivelmente relacionada ao trabalho” (MAENO; CARMO, 2020), e, em particular, “os profissionais da saúde devem ter a proteção necessária para a prevenção da doença” (VEDOVATO et al., 2021, p. 10).
Defender a vida de seus representados não é uma exclusividade das entidades do setor da saúde posto que a ação coletiva dos setores essenciais durante a pandemia passa necessariamente pela proteção da saúde (CAMPOS et al., 2021ª). Todavia, proteger a saúde e a segurança daqueles que trabalham com a saúde constitui a principal reivindicação dos sindicatos analisados. São recorrentes as demandas feitas aos empregadores relativas ao fornecimento de EPIs, à assepsia de postos de serviço (VEDOVATO et al., 2021), ao direito a testes e exames, vacinas, descanso, afastamento e férias.
A preocupação com a saúde se expressa por meio de Notas, depoimentos na imprensa e na ampla divulgação de orientações, “materiais informativos e protocolos visando ao controle da propagação do coronavírus dentro e fora dos locais de trabalho” (CAMPOS et al., 2021a, p. 374). Os sindicatos dos médicos e de enfermeiros de São Paulo também se posicionaram contra a subnotificação de casos e a manipulação dos dados.
O Simesp compõe a frente de resistência ao negacionismo e ao bolsonarismo na medida em que publicamente critica o tratamento precoce (SIMESP, 2020b)[3], condenando tanto o posicionamento Conselho Federal de Medicina quanto as próprias orientações do Ministério da Saúde que havia liberado o uso de cloroquina e hidroxicloroquina para o tratamento de pacientes do Covid-19 (SIMESP, 2020a). No dia 21 de junho, o Simesp apoiou o ato nacional pelas vítimas de Covid-19, uma iniciativa, anteriormente citada, da Rede Nacional de Médicas e Médicos Populares e da Associação Brasileira de Médicas e Médicos pela Democracia (ABMMD). Entre outras pautas, o ato fora convocado em protesto contra a “cumplicidade de algumas entidades médicas, como o Conselho Federal de Medicina (CFM), a Associação Médica Brasileira (AMB) e a Federação Nacional dos Médicos (Fenam), frente às posições do governo federal”, em apoio à campanha de fila única de leitos, ao SUS, em solidariedade à campanha “Vidas Negras importam”, contra a Portaria nº 544 do MEC (BRASIL, 2021) referente ao ensino remoto nos estágios da área da saúde e a perseguição aos quadros técnicos do Ministério da Saúde.
A luta em defesa do SUS, da vida, do distanciamento social, pelo uso de máscaras, testagem e vacinação para todos é articulada às ações em defesa da proteção dos profissionais da saúde. Os sindicatos ressaltam a importância do serviço prestado à população, sua condição de essencialidade para o enfrentamento da pandemia e para a preservação da vida. O isolamento social é defendido – e o negacionismo combatido –, pois contribui para a segurança dos que precisam estar nas ruas. Os atos realizados no Dia da Enfermagem, tanto em 2020 (quando houve agressão aos manifestantes) quanto em 2021, buscaram difundir a mensagem de apelo e solidariedade social aos que se encontram na “linha de frente”. Além da pauta em defesa da categoria e da saúde pública, o Seesp lançou a campanha “Demonstre apoio aos enfermeiros! #LuteComoUmaEnfermeira!”, pedindo que fossem enviados vídeos de até 1 minuto que seriam veiculados nas redes sociais.
Ao defenderem o isolamento social, os sindicatos recusam o discurso que contrapõe economia e saúde, luta pela vida versus luta pelo emprego. As críticas se estendem à política negacionista de Bolsonaro. Simesp, SindSaúde e Seesp reagiram em vários momentos à política negacionista. Em junho, Bolsonaro chegou a pedir a seus seguidores que invadissem hospitais de referência de Covid-19 e de Campanha para filmar supostas irregularidade: “[Se] tem hospital de campanha perto de você, hospital público, arranja uma maneira de entrar e filmar. Muita gente está fazendo isso e mais gente tem que fazer para mostrar se os leitos estão ocupados ou não. Se os gastos são compatíveis ou não. Isso nos ajuda” (URIBE, 2020, [s. p.]). O discurso presidencial suscitou a reação do SindSaúde-SP (2020b, [s. p.]), que emitiu uma Nota de Repúdio, pois a fala do presidente incitava a população e levantava suspeitas sobre os profissionais da saúde, em um momento delicado: em que nós, trabalhadores, estamos “literalmente dando nossas vidas para tratar a população brasileira”.
Como as entidades pesquisadas organizaram seus representados e o trabalho de base?
No primeiro ano da pandemia, as entidades sindicais pesquisadas buscaram se adaptar às novas formas de organização da categoria, por meio de assembleias, debates, lives e eleições sindicais realizadas de forma remota, como ocorreu em junho de 2020, com os médicos de São Paulo que escolheram a nova diretoria do Simesp por meio de eleições virtuais.
Com o prolongamento da crise sanitária, inclusive congressos sindicais foram realizados virtualmente e novas iniciativas foram tomadas visando a aproximar o sindicato dos locais de trabalho de sua base.
Nos primeiros meses de 2020, o SindSaúde-SP realizou plenárias regionais, na modalidade remota, a fim de manter a comunicação com representantes junto à base e eleger delegados para a plenária estadual da entidade. As plenárias regionais abordaram temas variados, tais como: o avanço das organizações sociais e das terceirizações na saúde pública estadual em cada região, as negociações e ações do Sindicato diante da ameaça de corte do adicional de insalubridade e da Reforma da Previdência do governo paulista. Além disso, nas plenárias virtuais, buscava-se definir que estratégias seriam priorizadas pela entidade durante a pandemia.
Em março de 2021, a campanha salarial escolheu como tema a “Valorização dos trabalhadores e a defesa do SUS”. Para tanto, o SindSaúde-SP realizou uma assembleia geral virtual para aprovação da pauta política e econômica, que reivindicava tanto o cumprimento da data-base e a abertura de negociações entre governo e sindicato, quanto reposição salarial de 17,82%, aumento real dos salários de 2%, reajuste do vale-refeição para R$ 35,13, além de prêmio de incentivo, gratificações e jornada máxima de 30 horas. Na referida Assembleia, foi aprovada a pauta do 13º Congresso SindSaúde-SP, realizado também na forma remota.
O Simesp promoveu assembleias virtuais para aprovar a proposta de um aditivo à Convenção Coletiva de Trabalho (CCT) 2019/2020, com normas específicas para a segurança do trabalho de médicos sem vínculo formal, bem como para discutir a pauta de reivindicações para a campanha salarial de 2020. Buscou, também, a via jurídica para garantir o pagamento das bolsas dos residentes que estavam atrasadas.
O prolongamento da pandemia e a necessidade de distanciamento físico fez com que SindSaúde-SP inovasse na forma de atender os trabalhadores da saúde ao criar o projeto Sindicato Móvel. Trata-se da transformação de um veículo numa espécie de sede móvel do sindicato. O projeto foi pioneiramente implementado na Baixada Santista e o veículo é estacionado próximo a hospitais em determinados horários para atendimento às dúvidas e demandas jurídicas dos profissionais da saúde.
Os sindicatos de trabalhadores da saúde incrementaram suas ações de fiscalização nos locais de trabalho após denúncia de práticas irregulares em hospitais públicos, privados e de campanha. Foram recorrentes as visitas de membros das diretorias sindicais às unidades denunciadas por diferentes razões: falta de EPIs, condições hospitalares inadequadas e insalubres e a prática de assédio e violência no trabalho. Além de intensificar as fiscalizações, os sindicatos buscaram maior articulação com o Ministério Público do Trabalho, com outras entidades e movimentos. Extrapolaram sua atuação para as ruas, realizando manifestações em frente e dentro de hospitais, em praças e locais públicos, de modo que seu ativismo não foi limitado pelas restrições impostas pela pandemia.
O Seesp mobilizou as gerências regionais do trabalho, objetivando a realização de testes de Covid-19, o uso e fornecimento de EPI adequados e em quantidade suficiente, supervisionando as escalas de horário, de descanso e folga, pois recebia denúncias de desrespeito à jornada. Outra demanda que mobilizou os sindicatos foi a garantia de licença para aqueles inseridos nos grupos de risco, garantia de afastamento aos adoecidos e, sobretudo, recomposição de profissionais em função do afastamento daqueles que contraíram a doença.
Os sindicatos passaram a publicar ou replicam informações sobre o número de enfermeiros contaminados e mortos pelo coronavírus. O Simesp criou um Memorial em homenagem aos médicos que morreram por complicações causadas pela Covid-19. O SindSaúde-SP criou um Canal de Denúncias para atender aos trabalhadores da saúde que estivessem trabalhando sem o adequado fornecimento de equipamentos de proteção individual (EPIs) e de proteção coletiva (EPCs), como luvas, máscaras, sabonetes, papel toalha, aventais, álcool em gel, óculos de proteção, ou, ainda, que quisessem denunciar casos de assédio moral e ações abusivas. Diante das denúncias de irregularidades cometidas por prefeituras, empresas e pelo governo do estado, principalmente no que diz respeito à falta de EPIs, foram realizadas ações de fiscalização em hospitais, algumas das quais “[...] com grande repercussão na imprensa escrita e televisiva, e a instauração de inquérito civil pelo Ministério Público do estado de São Paulo” (CAMPOS et al., 2021a, p. 381). O Seesp também criou um Disk Denúncia durante a quarentena e publicado regularmente informações sobre o número de enfermeiros contaminados e mortos pelo Corona-vírus (COFEN; COREN, 2021).
O SindSaúde-SP entrou na Justiça para garantir EPIs, cumprimento da jornada e o direito a afastamento aos profissionais com idade acima de 60 anos (REDE BRASIL ATUAL, 2021). Abriu também uma frente de luta na Assembleia Legislativa de São Paulo contra o Projeto de Lei nº 529/2020 (Lei nº 17.293), que acabou com a Superintendência de Controle de Endemias e aumentou as alíquotas do Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual (SINDSAÚDE-SP, 2020c).
O Seesp acionou judicialmente o Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde, gestora do Hospital de Campanha do Anhembi, e a Sociedade Beneficente Israelita Hospital Albert Einstein, requerendo a testagem de todos os profissionais da saúde. Juntamente com Simesp, o Sindsep-SP e SindSaúde-SP, uma comissão composta por lideranças sindicais inspecionaram o hospital de campanha do Anhembi após denúncia de falta de equipamentos de proteção, condições de trabalho inadequadas e sobrecarga de trabalho. A comissão identificou problemas “no treinamento para que os funcionários usem adequadamente e façam a troca constante desse EPI” bem como nas acomodações reservadas aos plantonistas. Nessa ação, as entidades denunciaram a contratação de médicos como PJ. Três OS foram denunciadas ao MPT: o Instituto de Atenção Básica e Avançada à Saúde, a Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina e a OGS Saúde. Também houve denúncia ao MPT contra o Hospital de Campanha da Brasilândia, que estaria contratando enfermeiros sem registro na Carteira de Trabalho e Previdência Social.
Conclusiones:
A despeito do contexto desfavorável à ação coletiva, as entidades representativas de médicos e enfermeiros pesquisadas têm sido ativas no plano sindical. Seesp, Simesp e SindSaúde-SP desenvolveram iniciativas – tais como ações de agitação, protestos públicos, atos de solidariedade com outras categorias em luta, negociações, iniciativas solidárias, ações judiciais, além do esforço de fiscalização nos locais de trabalho e comunicação com suas bases. Num cenário de insulamento do movimento sindical, todas essas ações buscavam mobilizar e defender suas bases e manter a assistência aos trabalhadores. Em uma conjuntura de sobreposição de crises, de avanço do negacionismo do governo Bolsonaro, e pós-Reforma Trabalhista, a ação sindical é, ao mesmo tempo, constrangida e desafiada.
Há uma unanimidade entre as lideranças representativas de todo o espectro sindical: um dos objetivos do governo Bolsonaro é acabar com o movimento sindical (CAMPOS et al., 2021b). Todavia, mesmo fragilizados pela Reforma Trabalhista, e sob constante ameaça, os sindicatos “[...] se esforçam na luta pela preservação da vida dos trabalhadores de serviços essenciais, dando-lhes visibilidade e buscando fazer com que sejam socialmente reconhecidos” (CAMPOS et al., 2021a).
Mesmo em um cenário tão adverso, o sindicalismo brasileiro busca se reinventar e, no que se refere aos sindicatos analisados, mostrar-se atuante e mobilizado, a despeito das limitações impostas pela pandemia, pela Reforma Trabalhista e pelas formas de precarização que atingem os setores essenciais à saúde.
Como vimos, Seesp, Simesp e SindSaúde-SP realizaram ações comuns, mas também hipotecam solidariedade a outras entidades. Negociaram coletivamente e se uniram para fazer denúncia conjunta ao MPT, participaram de atos e protestos. Em solidariedade, apoiaram a greve dos entregadores por aplicativo, o “breque dos apps”, realizada em 1º de julho de 2020 (GALVÃO, 2020). Vale destacar o apoio do Simesp ao ato realizado no vão livre do Museu de Arte de São Paulo (Masp) quando representantes da entidade distribuíram álcool em gel aos manifestantes. O SindSaúde-SP também apoiou o ato dos entregadores, ao publicar nota repercutindo o chamado para que a população não utilizasse aplicativo de entrega no dia da greve (SOPRANA; BRIGATTI, 2020).
Os sindicatos da área da saúde, além de ativos, solidários em ações comuns, ultrapassam os limites da luta propriamente reivindicativa e politizam a luta sindical durante a pandemia. Realizaram atos em defesa da vida, como no caso do Seesp, da democracia e contra o avanço do fascismo, a exemplo do Simesp, e do Fora Bolsonaro, como fez o SindSaúde-SP.
Cabe um último destaque à atuação do Simesp diante da política adotada pelo governo Bolsonaro e o Ministério da Saúde na pandemia, considerando, especialmente, que a própria categoria se encontra dividida entre o bolsonarismo e o antifascismo. Esta divisão se expressa na luta contra e pró-negacionismo, contra e pró-tratamento precoce, contra e pró-prescrição de cloroquina e hidroxicloroquina. Ela se expressa na disputa ocorrida em agosto de 2020 pela direção da Associação Médica Brasileira, na medida em que, ao contrário da diretoria derrotada, a direção que tomou posse em janeiro de 2021 tem se manifestado contrariamente ao negacionismo e ao alinhamento ao governo Bolsonaro.
Essa luta do Sindicato dos Médicos de São Paulo, ao lado de outros coletivos e movimentos no interior da medicina, é expressão das contradições postas pela conjuntura. A despeito do apoio das classes médias ao bolsonarismo (VALLE; DEL PASSO, 2021; BOITO JR., 2021), há disputas dentro da categoria médica (LISBOA, 2020), mais precisamente entre os setores médicos atuantes no sindicalismo reivindicativo e na luta em defesa do SUS, disputas que constituem uma importante novidade da conjuntura e que devem ser analiticamente consideradas.
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Palabras clave:
Trabalhadores da saúde. Covid-19. Ação Sindical. Ativismo sindical.
Resumen de la Ponencia:
Transformaciones en el mundo del trabajo en República Dominicana y el Caribe a raíz de la Revolución Digital y de la PandemiaLeopoldo Artiles Gil y Jesús Díaz Segura ResumenCuando las transformaciones en el mundo del trabajo son enfocadas como fenómenos derivados o de difusión de innovaciones o de crisis de “destrucción creativa”, como Schumpeter definía los ciclos “naturales” de crecimiento y desarrollo del capitalismo, evocan con mayor frecuencias imágenes sórdidas de mayúsculos niveles de desempleo y de disolución de los vínculos sociales. Como la evidencia lo ha demostrado, uno de los pilares de la cohesión social es el empleo. En esta exposición se pretende abordar desde los más variados ángulos la problemática aludida en el Caribe, y específicamente en República Dominicana.Como se sabe, en un gran número de las experiencias en el pasado, cuando ha habido destrucción de empleos, y una sucesiva creación de nuevos empleos y trabajos, los empleados solamente vieron beneficios en el largo plazo de estas revoluciones. Por ejemplo, la primera revolución industrial no generó beneficios para las clases trabajadores en el corto y mediano plazos, por el contrario, desestructuró el tejido social y económico existente, hizo que grandes porciones de la población cayeran en desempleo, en la medida en que empujó pequeños negocios y talleres a la quiebra, aunque en el largo plazo acabó generando beneficios para una mayor parte de la población trabajadora y por supuesto, para los dueños del capital.¿Cuál ha sido la experiencia en el Caribe, y en la Rep. Dominicana respecto a esta situación en los años recientes, incluyendo el período de la pandemia del Covid-19?¿Cómo las sociedades caribeñas han respondido a la crisis del trabajo que eventos como éste han provocado?¿Cuáles han sido las formas de adaptación de estas sociedades a las nuevas tecnologías en el campo de la información y la comunicación?Esas son algunas de las preguntas que intentaremos responder, basándonos tanto en literatura reciente respecto al problema, como en recopilación de información de carácter empírico que nos revela los perfiles y contornos de estos cambios.Dicha recopilación empírica provendrá de entrevistas a grupos de población diferenciados por edad, sexo, ingreso y locación territorial, con las cuales se tratará de identificar tanto las nuevas formas de trabajo que han surgido a raíz de la revolución digital, como también a raíz de los desafíos que generó la pandemia del Covid-19. A la vez se puede trazar el rastro del proceso de pérdida o casi desaparición de algunos oficios, y si no desaparición por lo menos su paso a ser oficios identificados con grupos étnica y racialmente definidos-constituidos.Esperamos pues arribar a la confección del nuevo “mapa” del trabajo y las ocupaciones en la región.Resumen de la Ponencia:
Este estudo teve como objetivo investigar o trabalho de professores da rede pública de ensino do estado de São Paulo, a fim de verificar se há relações entre a atividade docente e os problemas de saúde relatados por esses profissionais. De cunho qualitativo, a pesquisa foi fundamentada no referencial teórico-metodológico do materialismo histórico-dialético e foram realizadas entrevistas gravadas como principal técnica de coleta de dados. Participaram do estudo treze professores do ensino fundamental do quinto ao nono ano da rede pública no interior do estado de São Paulo. Os resultados indicaram a precarização do trabalho dos professores, com consequências para o adoecimento. Observou-se que faltam recursos suficientes para a realização do trabalho, sendo necessário, em alguns casos, a aquisição de materiais pelo próprio professor, que experimentam frustação e sofrimento impactando na saúde mental. Os professores estão sobrecarregados pelo excesso de trabalho, comprometendo as horas de descanso e lazer para a realização de atividades extraclasse. Os problemas de saúde experimentados por esses profissionais em decorrência do trabalho causam afastamentos, traumas, dores, além do cansaço físico e mental. As mudanças ocorridas com a reforma trabalhista atingiram diretamente essa categoria com perdas de direitos, e consequentemente o cenário de precarização do trabalho se intensificou ainda mais. Os resultados demonstraram que a escola se tornou burocrática e meramente produtiva, perdendo suas características e foco no processo de ensino e aprendizagem, uma vez que a autonomia dos professores foi extraída do campo real da sua atuação de ensinar. Foi observado o uso de termos organizacionais nas escolas e pelos professores perdendo o valor da construção de saberes, relações sociais e seus princípios, colocando a educação no rol de mercadoria. Aceitar essa condição é inconcebível, pois transforma os professores em antigos trabalhadores do processo manufatureiro, explorados exaustivamente com cobrança produtiva. É importante ressaltar que toda essa precarização da classe dos professores que já era ruim foi agravada com a chegada da pandemia da COVID-19, a situação deixou a categoria exaurida agravando os problemas de saúde. Com a pandemia, vidas foram perdidas, uma vez que os professores foram expostos ao contágio devido ao retorno precoce das aulas presenciais. Infelizmente é a triste realidade vivenciada nos últimos anos pelos professores, que se sentem cada vez mais acuados diante de tantos retrocessos e desvalorização por figuras políticas atuais. Concluiu-se afirmando que os resultados deste estudo revelaram que o trabalho afeta negativamente a saúde dos professores da rede pública do estado de São Paulo, devido à precarização vivenciada por uma das maiores categorias profissionais no Brasil. Nesse sentido, é preciso mobilização política e social para reconhecimento e valorização desses trabalhadores, com ações concretas, participativas, democráticas e transformadoras da realidade para melhores condições de trabalho para esses profissionais.Resumen de la Ponencia:
Em um contexto de generalização e permeabilização do espírito empreendedor em diferentes esferas da vida dos sujeitos, buscamos discutir e articular as mudanças estruturais e culturais com o sofrimento contemporâneo. Junto a isso, analisamos as dinâmicas mobilizadas por um grupo de empreendedoras de Porto Alegre/RS como um contraponto a essa lógica individualizante. Para tanto, nos voltamos para análises marxistas e weberianas, em uma combinação pragmática que nos permite observar as dimensões materiais e ideais da emergência do empreendedorismo, bem como compreender os sujeitos como portadores, vítimas e transformadores do espírito/ideologia do empreendedorismo. Em ambas as perspectivas, há uma centralidade do trabalho como elemento constitutivo das formas de subjetividade moderna, marcada pela precarização econômica e existencial, com a exigência de uma vida singular e autêntica. Por um lado, as análises marxistas nos permitiram observar como as mudanças econômicas nas últimas décadas massificaram a prática empreendedora para além do empresário capitalista clássico. Como resultado, observa-se a pauperização como uma forma de sofrimento material que permeia a vida dos sujeitos em diferentes esferas. Por outro lado, as análises weberianas oferecem subsídios para compreender a mesma generalização de um espírito capitalista aos demais sujeitos, mas por meio de mudanças culturais que resultam na internalização dos valores neoliberais em diferentes âmbitos da conduta de vida. Esse movimento resulta, por sua vez, na precarização enquanto sofrimento psíquico sob a noção de angústia. Combinando as duas perspectivas, é possível observar como as mudanças estruturais influenciam e transformam as concepções de mundo e as subjetividades, assim como as transformações ideacionais geram e reproduzem mudanças econômicas. Temos, assim, um contexto de mudanças na forma com que os sujeitos significam o trabalho em suas vidas, caracterizado pela depressão como condição generalizada pela contradição entre a exigência de autodeterminação por meio do empreendedorismo e o fracasso resultante das condições econômicas desiguais. Frente a essa situação, há diferentes respostas possíveis e alternativas à constelação depressiva. Em investigação com um grupo de empreendedoras de Porto Alegre/RS, observou-se combinações que mobilizam a dimensão coletiva, que envolvem dimensões de solidariedade, para além de um individualismo extremo, bem como a importância de figuras carismáticas para solidificação do sentimento de grupo e formação de novos valores.Resumen de la Ponencia:
El encadenamiento de acontecimientos generados por la pandemia y, en concreto, por el confinamiento, tuvieron como correlato la modificación de las condiciones y medio ambiente de trabajo para distintos destacamentos de trabajadores, condiciones de trabajo aplicadas en general de manera unilateral -el confinamiento y nuevas modalidades de trabajo desde casa-, en los casos en que esto procedía por la naturaleza de la actividad. En la experiencia de los trabajadores universitarios, específicamente los que realizan actividades docentes, los efectos de estos cambios, en los que hubo débil o nula mediación por parte de las organizaciones sindicales, no fueron el producto de negociaciones colectivas, sí de las condiciones sanitarias que impulsaron las autoridades centrales y fueron decantadas y operacionalizadas por las directivas de las instituciones de educación superior (IES). El interés de este trabajo es poner atención en los efectos en la salud, en una mirada amplia, en los docentes de las IES, bajo la premisa de que el trabajo no enferma en sí mismo, sino las condiciones en que se realiza, para el caso, dada su incursión en modalidades inéditas de enseñanza, en donde el propio educador necesitó ser educado en el acceso a las nuevas tecnologías. Esta es una parte de la problemática. Indagamos sobre los efectos de estos cambios colectivos, vividos de manera individual, a partir de la aplicación de un cuestionario y de la recolección de testimonios, como evidencia empírica propia, a la par de una revisión hemerográfica.