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Resumen de la Ponencia:
Este trabalho integra o projeto de dissertação intitulado: “Os (des)sentidos da loucura: experiência de sofrimento de pessoas com problemas de saúde mental em João Pessoa, Paraíba, Brasil”. O objetivo geral é compreender a experiência de sofrimento de pessoas com problemas de saúde mental que utilizam os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Na perspectiva de atender a este objetivo, foram utilizadas diferentes metodologias de pesquisa, tais como: pesquisa bibliográfica, pesquisa documental e entrevistas com a metodologia da história oral. Contudo, o presente trabalho é um recorte do estudo documental que foi desenvolvido num CAPS III, particularmente nos prontuários dos usuários em tratamento. Sabe-se que esse tipo de atendimento faz parte da Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), criada em 2011 para integrar os diferentes pontos de saúde que prestam cuidados de saúde mental. Essa rede, por sua vez, é uma conquista histórica do Movimento Brasileiro pela Reforma Psiquiátrica (MBRP), que tem seus princípios consubstanciados na Lei 10.216/01 que garante os direitos das pessoas com problemas de saúde mental e redireciona o modelo assistencial, colocando como central o cuidado no território e respeito aos direitos humanos. A pesquisa documental permitiu traçar um perfil geral dos usuários e revelou os determinantes sociais do processo de sofrimento/adoecimento. Foram analisados 270 prontuários e o perfil apresentado considerou variáveis socioeconômicas e psicossociais. Quanto ao perfil socioeconômico, destacamos: mulheres (64%); solteiro (44%); faixa etária de 36 a 45 anos (30,4%); cor da pele, pardos, (47%). Escolaridade: sem escolaridade (11%); ensino fundamental incompleto (18%). Trabalho: 80% não têm emprego. Renda: 45,2% sobrevivem com um salário mínimo. Aspecto familiar: 55,6% vivem em unidades familiares com 3 a 5 pessoas. Quanto às variáveis psicossociais, destaca-se a presença de diagnóstico psiquiátrico em outros familiares (74,8%); tentativas de suicídio (41,5%). Em relação à vivência de sofrimento que levou ao diagnóstico, há uma variedade de relatos, destacando-se o luto (12%), seguido de “depressão pós-parto” (6,7%); Violência doméstica (5%); problemas de saúde (4,8%); uso abusivo de drogas (3%); desemprego (2,7%); abuso sexual infantil (2, 7%) e violência sexual (2%). São uma população altamente vulnerável, constituída por mulheres, com baixo nível de escolaridade, rendimentos econômicos precários e pouca capacidade de mobilidade social. As vivências levam a uma forte presença de familiares com diagnósticos, tentativas de suicídio e histórias relacionadas à falta de condições objetivas e subjetivas para lidar com experiências traumáticas como luto, violência, abuso e pobreza. Esses dados e outros que forem analisados nos permitirão perceber um forte vínculo dessas experiências de sofrimento com as desigualdades sociais, iniquidades em saúde e violência.
Introducción:
O presente trabalho é um recorte do estudo documental, que integra minha tese de doutorado, recentemente defendida, intitulada: “Os (des)sentidos da loucura: experiência do sofrimento das pessoas com problemas de saúde mental em João Pessoa, Paraíba, Brasil”. O objetivo geral da tese foi compreender a experiência do sofrimento das pessoas com problemas de saúde mental que utilizam os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Os CAPS são os principais serviços da Reforma Psiquiátrica brasileira, que busca uma articulação para um trabalho em rede, de articulação intersetorial com as diversas políticas públicas, de modo a criar no âmbito destas um espaço sem preconceitos com a loucura, da produção de novos saberes e práticas, na perspectiva de garantia de atendimento integral aos usuários (Amarante, 2008).
Os CAPS foram regulamentados em 2002, pela portaria Nº 336/GM, estabelecendo as suas diferentes modalidades, caracterizadas tendo como referência o porte populacional e a diversidade de problemáticas relacionada com o sofrimento mental, constituindo serviços distintos, como o CAPS I, II e III; CAPS infantil e CAPS álcool e outras drogas.
Os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) nas suas diferentes modalidades são pontos de atenção estratégicos da RAPS: serviços de saúde de caráter aberto e comunitário constituídos por equipe multiprofissional que atua sob a ótica interdisciplinar e realiza prioritariamente atendimento às pessoas com sofrimento ou transtorno mental, incluindo aquelas com necessidades decorrentes do uso de crack, álcool e outras drogas, em sua área territorial, seja em situações de crise ou nos processos de reabilitação psicossocial (BRASIL, 2011) e são substitutivos ao modelo asilar (Brasil, 2015, p. 9).
Nesse sentido, analisar o desenvolvimento da reforma psiquiátrica no Brasil implica compreender e desvelar as perspectivas do cuidado a partir do confronto entre os dois modelos existentes, o asilar ou manicomial e o modelo de atenção psicossocial (Amarante, 1995).
Não há dúvidas que a reforma psiquiátrica, ainda em desenvolvimento no Brasil, apresenta avanços, bem como retrocessos, pois se tem uma avaliação pessimista diante do processo de contrarreforma conduzido pelo governo de Bolsonaro. Por outro lado, concordamos com Yasui (2010), que a luta e as conquistas para e com a reforma revelam uma nova perspectiva social e política para a pessoa com problemas de saúde mental. Para este autor, o fato da reforma ter origem a partir do movimento social assume um lugar importante na interlocução entre os atores sociais do campo da saúde mental.
Os CAPS foram o lócus da nossa pesquisa, particularmente um dos CAPS III de João Pessoa/Paraíba/Brasil, denominado CAPS Caminhar. Este serviço foi o campo priorizado para o presente estudo, o qual nos permitiu identificar nos prontuários dos usuários, que estão ativos no serviço, os determinantes sociais que impactam na sua saúde mental.
Compreendemos que existe uma interrelação dos determinantes sociais e o sofrimento psíquico, tenho em vista que este se apresenta enquanto produto do processo social, sendo uma construção e fato social que está em toda parte, ocupando todos os espaços. Desse modo, podemos afirmar que, apesar de o sofrimento psíquico ser vivenciado de forma individualizada, ele mantém uma relação intrínseca com o meio social, haja vista a linha tênue e contínua entre o indivíduo e a sociedade. Questões societárias, como trabalho, doença, desemprego, luto, violência, enfim, os diversos modos de existência e de sobrevivência, irão sempre incidir, de um modo ou de outro, na forma individualizada de sentir e de sofrer.
Portanto, entendemos que existe uma estreita relação dos determinantes sociais com o sofrimento psíquico, uma vez que sua vinculação apesar de subjetiva são interligadas às várias dimensões da vida coletiva que, consequentemente, resulta do processo social, ou seja, o sofrimento psíquico também é produto do campo social (Werlang & Mendes, 2013).
Essas reflexões nos possibilitam apontar que o sofrimento psíquico, em suas múltiplas expressões, se constitui a partir da relação intrínseca de intersecção e interdependência do indivíduo e sociedade, indicando um processo de indissociabilidade, que podemos denominar de Sofrimento Psicossocial. Sob este viés, entendemos que o sofrimento no campo da saúde mental é compreendido como psicossocial com suas múltiplas expressões, quando se estabelecem as relações entre a experiência do sofrimento psíquico do indivíduo e a inevitável relação com os processos históricos, sociais e culturais, que reciprocamente originam, impactam e provocam uma diversidade de demandas, de respostas e de enfrentamentos individuais e coletivos.
Assim, a pesquisa documental permitiu apresentar um panorama dos usuários, bem como foi possível identificar os impactos dos determinantes sociais na saúde mental dos mesmos.
Nos tópicos a seguir, apresentamos os procedimentos metodológicos, os resultados com as devidas análises, seguidos das conclusões e bibliografias usadas para fundamentar este estudo.
Desarrollo:
O presente estudo caracterizou-se como uma proposta metodológica de abordagem quantiqualitativa, visando apresentar um panorama e ampliado do perfil e, resumidamente, resgatar parte das trajetórias formais prevalecentes dos usuários do CAPS III Caminhar. Além disso, foi possível identificar os determinantes sociais na saúde mental, tendo em vista que os prontuários dispõem de um espaço para relato da história de vida e dos motivos que levaram os usuários à busca pelo serviço.
Segundo Selz (2015), “Ao longo de uma mesma pesquisa, a análise quantitativa preenche corretamente várias funções: ela permite confirmar ou informar determinadas hipóteses, apurar outras, definir os contornos do objeto de estudo, abordar novas perspectivas . . .” (p. 203). Além disso, podemos dizer que as pesquisas documentais “. . . se definem em função das informações, indicações, esclarecimentos, escritos ou registrado, que levam a elucidações de determinadas questões e funcionam também como provas” (Mello & Souza, 1980 apud Queiroz, 2008, p. 125).
Assim, o delineamento deste estudo com a abordagem quantiqualitativa, revelada pela pesquisa documental, permitiu o aprofundamento de aspectos relevantes, contemplando um panorama do perfil de seus usuários, bem como favoreceu, sobremaneira, refletir sobre aspectos importantes da experiência de vida dos usuários em busca de cuidado em saúde mental no município de João Pessoa/Pb.
Consoante os dados, constatamos que o CAPS Caminhar, no momento da pesquisa, contava com uma demanda de seiscentos e vinte e cinco (625) usuários cadastrados e ativos, que estavam sendo acompanhados pelo serviço. Desse total, realizamos a pesquisa documental em 270 prontuários, cujo perfil apresentado contemplou variáveis socioeconômicas e psicossociais (as quais são aquelas relacionadas a presença de diagnóstico psiquiátricos na família, tentativas de suicídio e as experiências desencadeadoras do sofrimento). Denominamos de variáveis psicossociais as experiências de vida descritas nos prontuários. No CAPS Caminhar, a narrativa das experiências está dividida em dois momentos, os quais são denominados “História da doença e História pessoal”. Trata-se de um espaço nos prontuários reservado para descrever a experiência de vida do usuário (relatada por este, pelo familiar ou responsável, ou mesmo por ambos), no momento de seu primeiro acolhimento que, geralmente, se dá no processo de triagem e de admissão. Portanto, é um espaço que, apesar de limitado e objetivo, revela aspectos significativos da vida do usuário.
Sobre o perfil socioeconômico, constata-se uma população muito vulnerável, composta na sua maioria por mulheres; (64%); solteiros (44%); faixa etária 36 a 45 (30,4%); cor da pele, identificada como pardos, (47%). Essa identidade coletiva como pardos revela questões importantes e complexas quando analisamos o contexto sócio-histórico brasileiro e a luta por igualdade social e racial.
Em um dos raros escritos nacionais (não indexado) sobre o tema, Silva (2005) afirma “sem medo de errar” (p. 129) que a grande maioria da população negra vive em incessante sofrimento mental devido, por um lado, às condições de vida precárias atuais e, por outro, à impossibilidade de antecipar melhor futuro. Ela aponta diversos sintomas físicos e psíquicos advindos da permanente condição “de tensão emocional, de angústia e de ansiedade, com rasgos momentâneos dos distúrbios de conduta e do pensamento” (p.130), vivida cotidianamente pela pessoa alvo do racismo (Gouveia & Zanello, 2018, p. 452).
Não há dúvidas que o racismo, o preconceito, a discriminação e a estigmatização são, muitas vezes, fatores desencadeantes e contínuos de sofrimento desse segmento populacional. Segundo Alleluia (2021), o Brasil é um país onde a maioria de sua população é negra. No entanto, “. . . Quando confrontamos os indicadores sociais – saúde, renda, educação, moradia, emprego, justiça ou qualquer outro que queiramos, a população negra está sempre em desvantagem quando comparada à população branca . . .” (p. 4). Portanto, concordamos com análises que apontam o racismo como um grande desencadeador de sofrimento psicossocial, haja vista as relações de sociabilidade discriminatórias e desiguais, o que pode ser corroborado pelos dados da pesquisa quando fica evidente a maioria de negros e pardos nos serviços pesquisados.
Outra questão relevante é a presença feminina no cotidiano dos serviços. Estudos realizados em CAPS em outras regiões do Brasil também têm apresentado esse perfil, como o de Silveira et al. (2009); Palmeiro et al. (2009) Pelisoli e Moreira (2007); Andrade et al. (2006); Bellettini e Gomes (2013).
No entanto, essa presença se inverte quando se trata do perfil dos usuários dos CAPS ad. Como constatado pelo Relatório do Monitoramento dos serviços da RAPS da Paraíba em 2018.2 (2020) “. . . nos CAPS AD/AD III, do total de 4102 pessoas atendidas, 83,47% (3424) são do sexo masculino . . .” (p. 16). De acordo com Andrade et al., (2006) as mulheres apresentam maior frequência de sofrimentos e buscam os serviços de saúde mental, enquanto os homens apresentam maiores índices de transtorno associado ao uso de substâncias psicoativas.
No que se refere à religiosidade, a maioria é da religião evangélica/protestante (40%). Não há dúvidas que a religião é, quase sempre, requerida por quem sofre e/ou adoece e essa busca, muitas vezes, está atrelada a uma perspectiva de alívio ao sofrimento vivenciado. Acrescentam-se a isso as contribuições de MurakamiI e Campos (2012), quando afirmam que: “Como a religião é elemento constitutivo da subjetividade e doadora de significado ao sofrimento, ela deve ser considerada um objeto privilegiado na interlocução com a saúde e os transtornos mentais” (p. 362).
No que se refere ao nível de escolaridade, a maioria dos usuários concluiu o ensino médio, correspondendo a 24%. Por outro lado, nos chamou atenção os 19,5% dos analfabetos e de apenas alfabetizados, bem como no ponto extremo os 10,4% que correspondem ao ensino superior. De modo geral, podemos inferir baixos níveis educacionais, apesar da diversidade de níveis de escolaridade identificada nos prontuários. Sabemos que a educação é a grande potencializadora das mudanças da realidade individual e coletiva. Contudo, o que se constata, no panorama brasileiro, é um conjunto ineficiente de políticas que atinge toda a população. E, de modo mais específico, podemos também inferir que o sofrimento psicossocial prejudica o pleno desenvolvimento das atividades privadas, educacionais, laborais etc.
Por sua vez, pode-se sugerir que a condição educacional está atrelada ao mundo do trabalho e da renda, fatores que influenciam a saúde mental de um indivíduo, ou seja, a ausência ou o baixo nível educacional apresentam fatores de risco para o sofrimento, quando tem como desdobramentos: baixo poder aquisitivo, desemprego, privações, vulnerabilidades etc. E, por outro lado, a escolaridade pode significar a possibilidade de melhor mobilidade social e boas condições materiais, que são, muitas vezes, as maiores aspirações humanas forjadas nas subjetividades no contexto do modo de reprodução capitalista.
Constatamos que a renda econômica é precária, uma vez que identificamos que a maioria, correspondendo a 52% (somamos as varáveis sem renda; menos de um salário-mínimo e um salário mínimo) dos usuários sobrevivem com uma renda de até um salário[1] mínimo, sendo esta incapaz de atender às necessidades urgentes de sobrevivência familiar em um país cujos níveis de desigualdades são alarmantes. Assim, constata-se que os usuários estão à margem das garantias formais do mercado de trabalho e dos direitos, o que torna-se ainda mais preocupante pelo fato de que a maioria encontra-se na faixa etária economicamente ativa.
Essa constatação é solidificada quando identificamos os benefícios, e entre eles, os benefícios eventuais aparecendo com maior intensidade, sendo o Bolsa Família o mais destacado, seguido do Benefício de Prestação Continuada (BPC). Esses benefícios estão inscritos no âmbito da política de assistência social, compostos por um conjunto abrangente de regras de condicionalidade e de valores diferenciados.
Portanto, não há dúvida que esse panorama socioeconômico funciona como importantes termômetros indicadores de sofrimentos, compreendidos como psicossociais, haja vista a inter-relação dos diversos elementos do social e o processo singular, vivenciado por cada indivíduo.
Com relação às Variáveis Psicossociais, destacamos a presença de diagnóstico psiquiátrico em outros membros da família (74,8%); tentativas de suicídio (41,5%), revelando, de fato, um número bastante elevado. Além disso, se considerarmos as indicações de ideação suicida, observadas nos prontuários (mas não quantificamos) esses números chegam quase à totalidade da demanda do CAPS pesquisado. Cenário preocupante, sobretudo por envolver alto índice de fatalidade, necessitando de respostas urgentes.
Com relação à experiência do sofrimento, identificada como primeira crise, há uma variedade de relatos, mas destacam-se com maior frequências, o luto (12%), seguido pela “depressão pós-parto” (6,3%); fim de relacionamento (5%); violência doméstica (5%); problemas de saúde (4,8%); uso abusivo de drogas (3%); desemprego (2,7%); abuso sexual na infância (2,7%) e Violência sexual (2%).
Esses resultados relacionam-se aos motivos elencados como desencadeadores do sofrimento enquanto primeira crise. Tal assertiva decorreu em virtude das narrativas apresentarem, quase sempre, um conjunto de motivos que atravessam o sofrimento, mas que, para o usuário e o seu familiar, o problema de saúde mental iniciou-se a partir de um elemento desencadeador. Vejamos, como exemplo, a descrição do prontuário de n.º 20 para melhor entendimento de como os resultados foram tabulados:
A primeira crise foi em 2015 depois da cirurgia na mão; piorou depois do nascimento da filha mais nova e o corte do salário. Isso a levou à agressividade, tristeza e tentativas de suicídios. É técnica de enfermagem e diz saber várias formas para se matar, como tomar e injetar remédio direto na veia. Usuária com histórico de várias tentativas de suicídios. Infância sofrida; dificuldade na UFPB para se formar; com 17 anos foi abusada sexualmente e a primeira tentativa de suicídio; tem 2 filhos.
Esse relato está quantificado na variável “Problemas de saúde”, por indicar claramente que iniciou depois da cirurgia na mão, no entanto, poderia ser somado à “Depressão pós-parto”, como também à "Demissão e desemprego”, bem como ao “Abuso sexual”.
No entanto, entendemos que o sofrimento não é algo que acontece como um fato, um rótulo, ou ainda um diagnóstico externo ao indivíduo, pois se trata de uma experiência vivenciada. Nesse sentido, quem vivencia um abuso, uma violência, um abandono, irá inevitavelmente sofrer, mas esse sofrimento pode ser momentâneo e/ou a pessoa pode ter a possibilidade de ressignificá-lo, por exemplo; e, quando isso não ocorre, a tendência é uma intensificação, um agravamento que exige cuidados, acolhimentos e a busca de novos sentidos. O nó da questão é que, majoritariamente, esse sofrimento encontra a lógica psiquiátrica, que estabelece um circuito, impondo uma ordem: diagnóstico, tratamento, ajustamento e possível cura para remissão da suposta doença ou dos sintomas. E, como essa cura nunca acontece, a pessoa fica refém desse circuito, o qual alimenta mais sofrimentos, agora agravados pelo estigma, pela exclusão, entre outras questões vinculadas ao contexto sociocultural da loucura.
A partir dos resultados, constatamos que os motivos desencadeadores do problema de saúde mental, são determinantes sociais que incidem diretamente na saúde mental dos usuários. Os dados revelam que a maioria (correspondendo a mais de 60%) dos usuários apresentou um elemento desencadeador de agravamento do sofrimento, que se desdobra como uma crise, com necessidade limite para se procurar um serviço de saúde. E é nesse momento, que o sofrimento psicossocial é capturado pela psiquiatria enquanto transtorno mental, com valorização dos sintomas, busca de um diagnóstico e medicalização.
É importante ressaltar que o sofrimento humano, na sua dimensão psicossocial, evidencia os processos de construção de subjetividades atravessados pela produção e reprodução da vida.
[1]O salário-mínimo no Brasil é de R$ 1.212,00 (moeda brasileira). Comparado ao Dólar Americano o salário-mínimo brasileiro corresponde a US$ 224,00. Esse salário é considerado insuficiente para manter as condições mínimas de sobrevivência. De acordo com Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), o salário-mínimo ideal para atender as necessidades essenciais de uma família de 04 pessoas seria de R$ 6.298,91.
Conclusiones:
Nesse sentido, acreditamos que os resultados reforçam a presença do sofrimento psicossocial, indicando que os diversos modos de existência e de sobrevivência irão sempre incidir, de um modo ou de outro, na forma individualizada de sentir, de sofrer e de viver e que, apesar de suas significações serem singulares, elas são mediatizadas por um determinado contexto histórico e social. Isto pressupõe que todo indivíduo está sujeito a sofrer, mas nem todo indivíduo sofre pelos mesmos fatos ou motivos. Além disso, vale lembrar que nem todo sofrimento produz sintoma ou pode ser interpretado como sintoma, assim como nem todo sintoma implica em sofrimento para o indivíduo. As distintas formas de sofrer e de interpretação desse fenômeno perpassam um conjunto de categorizações e arranjos que refletem a organização social, o momento histórico e todo o embate dessas forças no campo da saúde mental, implicando na subjetivação e identidades dos indivíduos que sofrem.
Não podemos negar que os resultados da pesquisa e outros que foram analisados permitiram perceber uma forte vinculação dessas experiências de sofrimento com as desigualdades sociais, iniquidades na saúde e violências.
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Palabras clave:
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