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Resumen de la Ponencia:
No trabalho dissertamos sobre a interface entre “Educação e Comunicação” nas unidades educativas do município de Joinville, estado de Santa Catarina, ao sul do Brasil. A “Educomunicação” promove um conjunto de aprendizagens significativas tanto em seu próprio processo quanto pelos resultados como um todo. A pesquisa, de um lado, se fundamenta no Quadro Teórico de Referência, seus conceitos e seus autores, entre os quais, Martín-Barbero, Mario Kaplún e Paulo Freire e, de outro lado, se orienta pelo modelo metodológico formulado em níveis e fases por Maria Immacolata Vassalo de Lopes que discute, epistemologicamente, a metodologia como um todo e as técnicas de observação e de coleta de dados utilizadas como o questionário e a entrevista. Nesses termos, foram visitadas 123 das 191 unidades educativas de Joinville - a partir de seus diretores, representantes outros ou todo o colegiado – que responderam um questionário com 18 questões e nos atenderam em entrevistas de todo tipo compondo-se, assim, a primeira etapa da pesquisa dedicada somente às escolas da cidade. Orientando-nos por determinados critérios metodológicos selecionamos 12 instituições para que pudéssemos abordar seus alunos. Nesse caso, aplicamos o questionário para 630 crianças, adolescentes e jovens das escolas em questão e realizamos as entrevistas com 40. Tratou-se, neste caso, da segunda etapa da pesquisa empenhada em lidar apenas com alunos. Essa ida à campo investigou se projetos, ações, atividades e/ou iniciativas realizados por meio de processos e de resultados pelas escolas de Joinville são razoavelmente satisfatórios/contributivos e se desenvolvem norteados pelos princípios e pelas premissas da Comunicação/Educação a partir de três dimensões as quais averiguar se: a) proporcionam aquisição de conhecimentos sobre determinada área em torno da qual se debruçam as iniciativas de Educomunicação como, por exemplo, o meio-ambiente, a saúde e a questão social; b) colaboram na formação de sujeitos autônomos, conscientes, críticos e protagonistas, por meio de espaços plurais e aprendizagens significativas; c) possibilitam o diálogo, promovem o senso de democracia e provocam o engajamento social dos sujeitos e, por conseguinte, a cidadania participativa em demandas de interesse público da comunidade. Os resultados da pesquisa apontam que – embora em sua maioria as escolas não utilizem a nomenclatura “Educomunicação” para designar suas práticas, processos e resultados – ainda assim há uma quantidade de projetos que se orientam pelos princípios e pelas premissas da interface e de seus múltiplos termos e conceitos. De modo geral, podemos dizer que essas ações, atividades e iniciativas – dependendo da abordagem do Projeto de Educomunicação e de suas temáticas – proporcionam aos alunos o desenvolvimento de atributos como autonomia, cidadania, consciência, criatividade, criticidade, democracia, diálogo, engajamento, participação e protagonismo, entre outros.
Introducción:
A pandemia de Covid-19, declarada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) em 11 de março de 2020 é, de fato, o fenômeno de Saúde Pública mais impactante desde a Gripe Espanhola[1] entre os anos de 1918 e 1920. Trata-se de doença viral para a qual não há cura por meios clínico-medicamentosos e nem por tratamentos precoces.
O mundo literalmente parou e as pessoas precisaram se recolher dentro de casa em cumprimento às orientações das autoridades sanitárias de seus países e da OMS que alertavam para o alto grau de transmissibilidade do vírus entre seres humanos e recomendavam distanciamento social com o intuito de se evitar o contágio em massa.
Foram proibidas, por essa razão, aglomerações em ocasiões/espaços coletivos como escolas, estádios, festas, shows, etc. O uso de máscaras de proteção facial e a higienização constante das mãos com álcool em gel se tornaram obrigatórios por força de lei. Ainda assim, os decretos de lockdown foram, definitivamente, as medidas mais assertivas contra o contágio das pessoas e a disseminação acelerada do coronavírus.
Por esta razão, praticamente todos os setores da sociedade foram, de algum modo e em alguma medida, afetados pelas causas e pelas consequências da Covid-19. Constituída comoumaagênciadesocializaçãodossujeitos,aEducação,porexemplo, foi imediatamente prejudicada e a crise na área se acentuou e se acelerou em escala geométrica durante a pandemia, sobretudo, nos países menos e/ou subdesenvolvidos, entre os mais pobres e socialmente vulneráveis. Isto porque, uma vez que encontros presenciais se tornaram proibidos em função da Covid-19, as instituições de ensino recorreram, de modo quase unânime, ao chamado Ensino Remoto que, por sua vez, se materializa por meio das Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDICs).
Se, por um lado, as classes desfavorecidas não têm acesso aos equipamentos a partir dos quais poderiam assistir suas aulas, por outro lado, os professores não têm formação para lidar com o novo formato educativo imposto pela pandemia de Covid-19. Tais problemáticas, ainda que centrais, não são as únicas que o cenário atual impõe aos gestores,professoreseestudantesemsuasinstituiçõeseinstânciasdeEducação.
Nosso artigo, uma vez que reconhece as complexidades em questão, pretende discutir à luz de teorias e de práticas os desafios e as perspectivas desta pandemia apontando a Educomunicação como o(a) caminho/solução praxiológico-paradigmática para Educação contemporânea, a partir da Base Nacional Comum Curricular na qual, ainda que não seja usado o termo em si, o conceito propriamente dito é tangenciado quando se aborda o uso de TDICs e suas múltiplas linguagens nos espaços educativos não apenas em caráter instrumental senão com senso crítico, dialógico e participativo.
O artigo se dá, portanto, em três capítulos estruturados em diálogos transversais: 1)oprimeiroseaplicasobreumrelatodecaráterjornalístico-político-social acerca do contexto da pandemia de Covid-19, o imperialismo do Norte e as epistemologias do Sul, tenuemente articuladoscomdesdobramentos/encaminhamentos da Educomunicação; 2) o segundo se debruça sobre desafios/perspectivas acerca do acesso às TDICs e da formação dos docentes para lidar com os novas modalidades de ensinar-aprender, além de discutir o Ensino Remoto e o Híbrido e a Educação à Distância e a Presencial;3) o terceiro se dedica à Educomunicação como interface de saberes entre Educação e Comunicação tratando-a em suas dimensões teóricas e práticas, a partir de autores de referência e de relatos de quatro experiências, em São Paulo/SP e em Curitiba/PR, diretamente outangencialmente vinculadasàEducomunicação: a) aViraçãoEducom eb) a Parafuso Educom, organizações sociais deste campo, c)oConsórcioAcadêmico para ExcelênciadoEnsinodeGraduação(CAEG/USP)e d) os Cursos de Comunicação da Faculdade Tecnológica de Curitiba (Fatec/PR), em suas disciplinas à luz da Educom.
Desarrollo:
A pandemia, o imperialismo do Norte e as epistemologias do Sul
Podemos dizer que a pandemia Covid-19 é, indiscutivelmente, o acontecimento mais impactante da história recente da humanidade, a ponto de abalar as estruturas da vida em sociedade e ameaçar, pelo menos em termos mais simbólico-subjetivos, o sistema político-econômico capitalista, responsável pelas injustiças, desigualdades e vulnerabilidades sociais em suas expressões mais cruéis como a fome e o desabrigo.
O acontecimento é algo chocante, fora do normal, que parece acontecer subitamente e que interrompe o fluxo natural das coisas; algo que surge aparentemente a partir do nada, sem causas discerníveis, uma manifestação destituída de algo sólido como alicerce. [...] Coisas surgem quando o equilíbrio é destruído, quando algo dá errado. [...] Uma intrusão traumática de algo novo que permanece inaceitável para a visão predominante. (ZIZEK, 2017, p. 8; 55; 76)
Se, de um lado, a pandemia é o acontecimento universal mais expressivo desde a Segunda Guerra Mundial, por outro lado, a corrente das “Epistemologias do Sul”, situadono âmbito acadêmico-científico, também pode ser considerado acontecimento. Trata-se de um movimento em caráter decolonial de crítica e oposição ao imperialismo capitalista/neoliberal do Norte em relação ao Sul explicitado, por exemplo, na pandemia.
Tal corrente de pensadores, pesquisadores e professores se aplica, em seus estudos, acerca da importância do reconhecimento e disseminação de saberes e de produções de conhecimento, por exemplo, de países latinoamericanos e africanos localizados ao Sul do Mundo. Boaventura de Sousa Santos conceitua as “Epistemologias do Sul” que:
Referem-se à produção e validação dos conhecimentos ancorados nas experiências de resistência de todos os grupos sociais que, sistematicamente, tem sofrido a injustiça, a opressão e a destruição causada pelo capitalismo, o colonialismo e o patriarcado. (SANTOS, 2018, p. 300)
De igual maneira, cabe dizer que bastante tardiamente, Santos (2018) também passou a reconhecer como Epistemologia do Sul, os contributos e o legado do brasileiro Paulo Freire e suas percepções/concepções sobre a pedagogia crítica. O educador realizou, em vida e obra, uma detalhada análise das relações entre "colonizadores/colonizados" e “dominantes/dominados” utilizando como base para tal a "Dialética do Senhor e do Escravo" extraída da Fenomenologia do Espírito de Hegel.
Freire é, também, base epistemológica do conceito de Educomunicação que, por sua vez, parece se reconhecer, se lançar e se consolidar como Epistemologia do Sul. Rosane Rosa, professora da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) e orientanda de Boaventura de Sousa Santos em seu estágio pós-doutoral, defende a Educomunicação como Epistemologia do Sul articulando as obras de Freire e Santos.
E quais as relações entre a pandemia de Covid-19, o imperialismo do Norte, as Epistemologias do Sul e a Educomunicação que se constituem como o(s) objeto(s) não apenas deste primeiro capítulo senão do todo complexo do presente artigo? Muitas!!!
O que dizemos é que, primeiramente, a crise pandêmica pareceter explicitado ainda mais o imperialismo do Norte, a partir dos expedientes capitalistas e neoliberais.
Por assim dizer, praticamente todos os setores da sociedade contemporânea foram, de certa forma e em alguma medida, afetados pelas causas/consequências da Covid-19, especialmente nos países do Sul do Mundo, como os africanos e os latinoamericanos.
A Educação, por exemplo, foi imediatamente prejudicada e os desafios na área, multiplicados. A partir da proibição de aglomeração e obrigatoriedade de aulas remotas se observaram - ainda que não sejam as únicas - duas problemáticas centrais, a listar:
a) o (in)acesso de muitas famílias às TDICs por meio das quais aulas são transmitidas;
b) a (frágil) formação dos professores para lidar com a nova modalidade pedagógica.
Se, portanto, a discussão se dá no âmbito da Educação, as Epistemologias do Sul parecem melhor representar, na teoria e na prática, a crítica e a oposição a este imperialismo do Norte na pandemia, na ciência e em outros espaços e ocasiões, etc. No rastro da corrente “suleadora”, a Educomunicação se apresenta, em nosso artigo, como perspectiva que se dá a partir do modelo dialógico, democrático e participativo.
2. A Educação em tempo de pandemia: os desafios e as perspectivas
Assim, cabe dizer também que, a partir da declaração de pandemia pela OMS, em 11 de março de 2020, o Ensino Remoto foi implementado em caráter emergencial para retomar as atividades educativas e minimizar os efeitos causados pela suspensão das aulas presenciais. Tal modalidade, a exemplo da Educação à Distância (EaD), se empreende apartirdodistanciamento geográficoentreosprofessoreseosestudantes sendo queainteraçãoentreelessedápormeiodasTDICsesuasplataformasvirtuais.
A diferença entre ambas as modalidades de ensino é que, por sua vez, a EaD possui recursos específicos para o armazenamento de conteúdos e o aperfeiçoamento do ensino-aprendizagem, além de equipes multidisciplinares (técnicos de informática, produtores audiovisuais, professores conteudistas, designers de informação, tutores) para planejar e desenvolver as aulas e os materiais de estudo. Já no Ensino Remoto, ao contrário,aresponsabilidade detodaestratégiade ensinoédoprofessor,ouseja, cabeaelepróprioadaptarsuaprática,apartirdedidática-pedagógica mediada pelas chamadas “Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação (TDICs)”, pois, afinal:
O intuito do ensino remoto não é estruturar um ecossistema educacional robusto, mas ofertar acesso temporário aos conteúdos curriculares que seriam desenvolvidos presencialmente. (RONDINI; PEDRO; DUARTE, 2020, p. 43)
Outra diferença entre Ensino Remoto e EaD é que, nesta última modalidade, as atividades são assíncronas, isto é, os estudantes podem acessar as aulas no tempo/ espaço que queiram e encontros presenciais são ocasionais. Já na primeira modalidade, além das assíncronas, há também as atividades síncronas, nas quais professores e estudantes interagem, simultaneamente, por meio de plataformas de webconferência.
O cenário em questão impôs à Educação - diretores, gestores, professores e estudantes - múltiplos desafios em pouco tempo, especialmente, no que se refere ao a)(in)acessoàsTDICstantonasprópriasescolasquantopelosprópriosestudantese à b) formação dos professores para lidar com essa nova forma de ensinar e de aprender.
Uma vez feita tal contextualização, o capítulo se aplica, a partir de agora, acerca de suasduasdimensões:osdesafioseasperspectivas,intercalando-os noseiodoartigo.
A implementação do Ensino Remoto colocou em xeque a Educação brasileira, pois escancarou a defasagem tecnológica das escolas e a infraestrutura precária dos laboratórios de informática, por exemplo, principalmente nas instituições públicas de ensino. Tal realidade é apontada, ano após ano, nas pesquisas realizadas pelo Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação (Cetic.br) que também revelam o frágil conhecimento dos professores sobre a apropriação das TDICs como uma estratégia didático-pedagógica em razão da deficiência na formação inicial/continuada acerca do uso de tecnologias e da internet em aulas e em atividades.
Na verdade, a pandemia explicitou em praça pública os problemas educacionais do Brasil e expôs à luz a dimensão da desigualdade social e seu fenômeno correlato: a exclusão digital de boa parte das escolas e dos estudantes. Diante desse cenário, o Ensino Remotoacentuouosdesafiosimpostosaosdocentesemsuaspráticasdeensino.
Apesar dos desafios, percebe-se que o Ensino Remoto pôs a Educação num caminho sem volta: a apropriação definitiva das TDICs como estratégia pedagógica, a partir de novos processos e paradigmas de ensino-aprendizagem mais “modernos”. Há, na verdade, docentes que já utilizam as TDICs em suas aulas. Aliás, o uso dos meios de comunicação pela Educação não é novidade e se deu a partir da primeira metade do Século XX com a incorporação de filmes para complementar conteúdos escolares. Depois, jornais, revistas, programas de rádio e de televisão passaram a ser utilizados por docentes em suas aulas. Na virada do Século XXI, enfim, mídias digitais e internet também foram incorporadas como recursos didático-pedagógicos. De maneira geral, contudo, o uso das TDICs pela Educação parece se dar em perspectiva instrumental, característica da educação transmissionista ou bancária tão criticada por Freire (1968).
É possível que tais percepções tão distintas entre os professores e os estudantes (sobre o uso das tecnologias digitais tornar ou não tornar as aulas mais interessantes) se deva ao fato de que, costumeiramente, as múltiplas mídias e a internet não sejam devidamente utilizadas a partir de processo dialógico de produção do conhecimento, pois Kenski (2012) afirma que, quando bem usadas, as TDICs favorecem/potencializam os processos formativos e viabilizam outras perspectivas de ensino e de aprendizagem.
Se antes da pandemia a apropriação das TDICs pela Educação era imperativo para favorecer/potencializar as estratégias didático-pedagógicas e “conectar” a escola aos contextos sociocultural e informacional, a experiência com Ensino Remoto parece ter promovido avanços expressivos na ampliação e aceleração do uso das TDICs em práticas de professores/estudantes. Para Ronei Ximenes Martins é caminho sem volta.
Não podemos, contudo, subestimar os desafios para se promover a conexão entre sistemas escolares e contextos tecnológicos, a partir de demandas emergentes:
a) equipar as escolas com infraestrutura adequada e qualificada (TDICs, internet, etc);
b) ofertar, às famílias e seus filhos, o acesso irrestrito e ilimitado às TDICs e à internet promovendo um ensaio de inclusão digital dos estudantes a este universo tecnológico; c) preparar professores e gestores educacionais, em suas graduações e formações continuadas, sobrecomoutilizarasTDICseainternetenquantoestratégiapedagógica.
Esseseoutrosexpedientestornamemergenteumprojetoeducacionalquereconheça:
as ciências e as tecnologias, tanto como dispositivos de produtividade como de transformação dos modos de perceber, de saber e de sentir [...] isto é, como estratégias de conhecimento e não como meros instrumentos de ilustração/difusão. (MARTÍN-BARBERO, 2014, p. 56).
Por assim dizer, são muitos os desafios e as perspectivas proporcionados pelas TDICs, desde que apropriadas como meios dialógicos, participativos e colaborativos para a produção do conhecimento e não somente como instrumentos tecnológicos à serviço de uma técnica pela técnica que não reconhece a dimensão social da tecnologia. Aliás, a própria Base Nacional Comum Curricular (BNCC), aprovada pelo Ministério da Educação (MEC) em 2017, aborda em pelo menos seis de suas dez competências, aspectos relacionados ao uso das tecnologias a partir de uma perspectiva social sobre a qualnosaplicamoscommaisênfase,aindanesteartigo,orientadosporSoares(2017).
Em linhas gerais, o Ensino Remoto não trouxe apenas desafios senão também perspectivas para a Educação pós-pandemia. Embora seja precoce anunciar qualquer cenário antes do retorno às aulas presenciais é evidente que as Tecnologias Digitais da Informação e Comunicação passaram a ocupar lugar central no processo de ensino- aprendizagem e, consequentemente, mudaram a relação “professores e estudantes”.
É natural que ainda haja muito a aprender e a experimentar, assim como a refletir e a avaliarsobretudoqueaEducaçãovive(u)nestesmaisde15mesesdeEnsinoRemoto. AapropriaçãodasTDICscomomeiodidático-pedagógico implica mudanças profundas e estruturais de comportamento e de cultura e, portanto, não pode ficar apenas sob a responsabilidade dos professores, mas deve ser assumida como política educacional.
O Ensino Remoto, de certa forma, pôs docentes e estudantes no mesmo patamar de responsabilidade quanto ao processo educacional. Enquanto no Ensino Presencial o professor é o centro do processo de ensino-aprendizagem, na Educação à Distância as atividadespedagógicassãomaiscentradasnoestudante,ouseja,“osujeitointerage com o material e aprende por esta mediação”. (Cunha; SouzaSilva;Silva,2020,p. 34).
As mídias digitais alteraram a forma hierarquizada de comunicação dos meios tradicionais/convencionais propiciando relações mais ou menos horizontais nas quais o receptor podeinteragircoma mensageme,atémesmo,setornarprodutordeconteúdo. Ao se inserir as TDICs no contexto escolar é preciso compreender que os estudantes, quando passam a usar dispositivos midiáticos, deixam de atuar como meros receptores, pois aprendem a ser sujeitos ativos no processo comunicacional e, consequentemente, no educativo. As relações entre professores e estudantes, aí, também se modificam. Diante de tal cultura de participação (Jenkins, 2009) instaurada, em alguma medida, pelas mídias digitais, cabe ao professor estimular a investigação, reflexão e produção do saber/conhecimento pelos próprios estudantes de modo mais ativo e participativo.
A considerar as experiências com Ensino Remoto (e Educomunicação), parece possível sonhar com Freire (1968) por uma Educação mais humana e horizontalizada, a partir da qual o educador é educando e o educando também educa, principalmente, em relação ao uso das TDICs, pois os estudantes possuem mais desenvoltura com a tecnologia do que os docentes e costumam ocorrer, aí, trocas interessantes entre eles.
É certo que são muitos os desafios e as perspectivas para a Educação no todo deste contexto problematizado por questões relacionadas à cultura, formação de professores, investimentos, políticas públicas, entre outras. É possível, contudo, vislumbrar novos paradigmas, processos e práticas por meio da Educomunicação que se dá a partir de projetos, programas, planos, ações, atividades, iniciativas ou movimentos educativos dialógicos nos quais, inspirados em Freire, o conhecimento é produzido coletivamente.
3. Educomunicação: exposição do conceito e relato de experiências
Uma vez que o primeiro capítulo do artigo se aplicou acerca da pandemia de Covid-19, o imperialismo do Norte e as epistemologias do Sul, e o segundo, por sua vez, sobre os desafios e as perspectivas impostos por este contexto emergente de se pensar práticas educativas mediadas pelas TDICs, a Educomunicação parece ser o conceito ideal a partir do qual articulamos as dimensões teóricas e práticas do artigo.
Há que se dizer que, embora não sejam propriedade de nenhum campo do saber, as TDICs estão mais circunscritas no âmbito da Comunicação e, por assim dizer, uma área de estudos da interface entre Educação e Comunicação – neste caso, a própria Educomunicação – se dá como a mais adequada para discutir o uso das tecnologias, por professores e por estudantes em múltiplos espaços educativos, aplicando-se sobre as questões relacionadas às dimensões sociais de sua utilização com fins educativos.
A Educomunicação é, por definição, interface paradigmática entre Comunicação e Educação, a partir da qual, na própria interação entre as áreas, constituem-se novos jeitos deensinaredeaprenderemespaçosdeEducaçãoformal,informalenão-formal. Uma corrente de pesquisadores e autores latinoamericanos e ibero-americanos como, por exemplo, o brasileiro Ismar de Oliveira Soares concebe a Educomunicação como um paradigma na interface comunicação/educação que busca orientar e dar sustentação ao conjunto das ações inerentes ao planejamento, implementação e avaliação de processos.
Neste trabalho, reconhecemos a Educomunicação como epistemologia do Sul que, em termos teóricos e práticos, atua em contraposição ao imperialismo do Norte, inclusive durante a pandemia, por meio de projetos mil. Tal situação de emergência, com a implantação do Ensino Remoto, multiplicou desafios e, sobretudo, vislumbrou perspectivas à Educação por meio da Educomunicação, por exemplo. Cabe dizer que a amplitude do termo alcança uma compreensão para além do uso instrumental das TDICs e reside, aí, um aspecto central do próprio termo/conceito em questão e seus contributos para a complexa discussão sobre a qual nos debruçamos durante o artigo.
O breve relato de quatro experiências diretamente ou tangencialmente alinhadas à Educomunicação é uma maneira de representar e de exemplificar a coisa em termos mais ou menos práticos. Há que se dizer, então, que duas das quatro iniciativas são de projetos “puramente” educomunicativos nos quais, apesar de conhecermos bem, não atuamos diretamente como profissionais e nem como voluntários: são os casos da Viração e da Parafuso, organizações sociais de Educomunicação propriamente dita. Os outros dois relatos são de iniciativas nas quais estamos engajados e que, embora não sejam fundamentalmente de Educomunicação, adotaram em seus processos, a partir de nossas contribuições, preceitos e premissas teórico-práticas deste conceito: são os casos da disciplina optativa “Game On: Ciência, Fake News e Sustentabilidade” no Consórcio Acadêmico para Excelência do Ensino de Graduação (CAEG/USP) e dos cursos de Comunicação da Faculdade Tecnológica de Curitiba (Fatec/PR) em projeto interdisciplinar de produção audiovisual. Tratam-se, assim, de duas experiências da cidade de São Paulo (Viração e CAEG/USP) e duas de Curitiba (Parafuso e Fatec/PR).
1) A primeira experiência de cunho prático é a da “Viração Educomunicação”, organização dasociedade civil sediada na capital paulista, que atua comcomunicação, educação e mobilização social entre educadores, adolescentes e jovens. O objetivo da entidade é mobilizar causas para a promoção e a defesa dos direitos infanto-juvenis possibilitando aconstrução de umasociedade justa, participativa eplural. A Viração é, em linhas gerais, uma agência denotícias com publicação em formato derevista e outras peças comunicativas nasquais adolescentes/jovens, mediados por educomunicadores, exercem a comunicação como um direito humano. Isso significa que, além de receber conteúdos midiáticos, todas as pessoas têm também o direito de produzir e de difundir informações, ideias e opiniões, tendo acesso aos meios materiais e técnicos para tal.
A Viração promove a mobilização de adolescentes e de jovens no Brasil e no Mundo por meio da produção de conteúdo de comunicação com, por e para eles. Essa é a dimensão central do trabalho da organização pela qual se possibilita colocar em prática os aprendizados das formações multitemáticas e exercer, deliberadamente, o direito humano à comunicação e à liberdade de expressão. A Viração também acredita que se comunicar é um ato político no qual adolescentes e jovens podem expor à luz sua visão de mundo participando do diálogo social sobre diversos temas. Além disso, para a organização, a comunicação se dá como a porta de acesso aos demais direitos.
2) A segunda experiência é a da “Parafuso Educomunicação”, uma iniciativa cuja sede está localizada em Curitiba, que promove direitos humanos e engajamento social de adolescentes e jovens por meio do conceito de Educomunicação. A missão do coletivo é usar a comunicação como ferramenta para se discutir temáticas sociais e se desenvolver a cultura da participação, sobretudo, de indivíduos dessa faixa etária.
As atividades da Parafuso são baseadas na Educomunicação, um jeito de “se comunicar educando e educar se comunicando”, com ações que buscam desenvolver a capacidade comunicativa das pessoas e seu senso crítico para o consumo de mídia. A Parafuso oferece serviços, desenvolve projetos e oficinas, realiza palestras e eventos, faz coberturas colaborativas e presta consultorias de comunicação para organizações sociais em áreas de atuação voltadas como, por exemplo, às questões étnico-raciais, equidade de gênero, participação social, direitos da infância, adolescência e juventude.
3) A terceira experiência é a do Consórcio Acadêmico para Excelência do Ensino de Graduação (CAEG/USP) no qual atuamos como monitor em nível de Pós-Graduação. É uma iniciativa que reúne mais de 20 pessoas de diversos campos do conhecimento, entre as quais, dois docentes e um aluno do curso de Educomunicação da ECA/USP. O projeto, em suma, pretende desenvolver para o segundo semestre letivo de 2021, uma disciplina optativa para alunos de graduação da Universidade de São Paulo na qual se discutam temáticas contemporâneas emergentes como o combate às fake news por meio da valorização da ciência e da observação dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) contextualizados na elaboração de um jogo para tratar tais temas. Embora não seja uma iniciativa diretamente vinculada ao conceito cabe dizer, por primeiro, que o convite dos organizadores do projeto para que representantes da Educomunicação participassem do Consórcio parece demonstrar o reconhecimento de que os contributos do campo poderiam colaborar no desenvolvimento da disciplina e, por segundo, que durante as reuniões dos monitores, em alguma hora, tratamos sobre a gestão da comunicação à luz do conceito de Educomunicação e, desde então, todo processo do CAEG tem sido iluminado pelo termo em questão e por suas adjacências: consciência colaborativa, participação democrática, protagonismo dos sujeitos e seus saberes, entre outros elementos que tornam tal experiência frutífera não apenas aos alunos da disciplina senão também às pessoas engajadas na concepção deste projeto. Há, aí, o reconhecimento da importância do processo que não somente do resultado.
4) A quarta experiência é a da Faculdade Tecnológica de Curitiba (Fatec/PR) que, em projeto interdisciplinar de produção audiovisual dos cursos de Comunicação, ofereceu aos estudantes uma palestra sobre Educomunicação pela qual se pudesse orientá-los acerca do percurso do trabalho em seus processos, práticas e resultados. Ao término, além de nove peças audiovisuais produzidas a partir de diversas pautas de temas sociais, pudemos ouvir discursos de feedback imediatamente associados ao contato com a Educomunicação. Chamaram atenção, em especial, duas falas a seguir: a) a de uma estudante de jornalismo que reconheceu ser muito “mandona e autoritária”, mas que pelo processo de produção do trabalho percebeu a importância de ouvir seus colegas e valorizar suas falas, ideias e opiniões para além desta experiência em si e b) a de um estudante de publicidade e propaganda claramente mais tímido que disse ter sentido, pela primeira vez, “coragem de falar”. Isto revela um ensaio de protagonismo.
Agora, em tempo, cabe dizer duas coisas: a) a primeira é que não são apenas organizações/iniciativas como a Viração e a Parafuso - e outras dezenas de movimentos semelhantes - que desenvolvem, no Brasil, projetos sob a ótica da Educomunicação senão também espaços educativos formais, informais e não-formais nos âmbitos da Educação Infantil, dos Ensinos Fundamental, Médio e Superior, da Educação Popular, do Terceiro Setor, etc, e b) a segunda é que essas experiências práticas de produções comunicativas se dão, agora no período de pandemia, por meio do uso das TDICs de modo não apenas instrumental tal qual criticava Freire, mas pelo verdadeiro exercício do diálogo e do reconhecimento coletivo do(s) outro(s) e dos seus múltiplos saberes.
Conclusiones:
As causas e consequências da pandemia de Covid-19 transformaram o mundo, as pessoas e as relações. A Educação, por sua vez, se tornou campo imediatamente impactado e afetado pelo distanciamento social recomendado pelos órgãos sanitários para evitar a disseminação do vírus e o consequente aumento de casos e de mortes.
Num tempo recorde, as instituições de ensino de praticamente todo o planeta precisaram recorrer à outras medidas alternativas para fazer Educação. Encontrou-se no Ensino Remoto mediado pelas Tecnologias Digitais de Informação e Comunicação, um meio para resolver, ainda que emergencialmente, tais problemáticas em questão.
Ocorre, em resumo, que, de um lado, a desigualmente social materializada na exclusão tecnológica explicitou o (in)acesso de crianças, de adolescentes e de jovens às tecnologias pelas quais poderiam assistir aulas, e, de outro lado, os docentes não pareciam preparados para lidar com as novas modalidades de ensino-aprendizagem.
Instaurou-se, aí, um caos na Educação de todos os países, mas, especialmente, dos situados ao Sul global como os da América Latina e da África. Isto porque com a demora na produção e na aplicação de vacinas, esses países se viram incapazes de voltar, o quanto antes, à normalidade absoluta. Já na Europa e nos Estados Unidos, ao contrário,osplanosdevacinaçãoestãoavançadose,aospoucos,a vidaé retomada.
Essa disparidade entre uma região e outra do planeta evidencia o imperialismo do Norte em relação ao Sul global capitaneado pelo Neoliberalismo e pelo Capitalismo como lógica político-econômica para a qual a vida é menos importante que o dinheiro. Atuam em oposição a este modelo, instituições e movimentos múltiplos pelo mundo todo e, no campo acadêmico, as Epistemologias do Sul parecem melhor representar essa contraposição hegemônica. Então, cabe dizer que reside nisto o aspecto central deste artigo: a defesa de que a Educomunicação, em práticas, processos e resultados, seja o caminho/solução teórico-prático paraquestõesideológicase depráxis, aípostas.
Por fim, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) parece apresentar conexão imediata com a Educomunicação. O documento, em seis de suas dez competências, trata de aspectos voltados à Comunicação. Não anuncia, porém, o modus operandi para se fazer materializar a coisa. Neste sentido, as quatro experiências abordadas mais ao fim do artigo e outras correlatas demonstram que a Educomunicação, além de pensar sobre inovações no processo de ensino-aprendizagem e na reinvenção da Educação, também viabiliza a incorporação das TDICs no contexto educacional com seu uso para fins educativo-sociais no exercício do direito universal à participação e à comunicação.
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Palabras clave:
Coronavírus. Educomunicação. Ensino Remoto. Pandemia. TDICs.