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Resumen de la Ponencia:
O Neoliberalismo e a Dimensão das Emoções no Processo de Empresarização no Trabalho Docente
A intensificação do processo de empresarização com o neoliberalismo expandiu a lógica do capital para todas as esferas que constituem o indivíduo. Nesse sentido, a ideia de empresa não se restringe ao campo material e ao subjetivo, pois ela alcança, inclusive, a dimensão das emoções, produzindo não somente necessidades, mas, sensibilidades que caracterizam uma nova configuração do capitalismo, bem como o fortalecimento desse modo de produção nas relações sociais. Com esse pressuposto, o presente trabalho pretende discutir o avanço do processo de empresarização sobre as emoções, a fim de perceber esta dimensão como um forte mecanismo para a consolidação desse processo nas organizações e no indivíduo. Para isso, o trabalho docente tem sido considerado o campo de investigação, e a metodologia referente à observação participante tem sido utilizada. Os resultados parciais apontam para a consolidação de uma lógica na qual até mesmo as emoções passam a ser produzidas.
Introducción:
Os fenômenos sociais que caracterizam as relações modernas têm na intensificação da força de trabalho e na produção de capital e de necessidades difundidas nas organizações as principais dimensões para a definição do ser humano. Nesse âmbito, o modo de produção capitalista, ressignificado pela doutrina neoliberal, produz não somente subjetividades, mas sensibilidades considerando o indivíduo o próprio capital.
Na análise sobre os momentos relevantes que intensificaram a força do Capitalismo ou que indicaram a possibilidade de crise desse sistema, Dardot e Laval (2016) entendem que oscilações econômicas que ameaçaram terminar com esse modo de produção acabaram por fazê-lo criar mecanismos ainda mais fortes para o seu ressurgimento, fundados, sobretudo, no alcance da lógica econômica às dimensões subjetivas que caracterizam o indivíduo (DARDOT; LAVAL, 2016). Nesse contexto, o neoliberalismo significa uma estratégia de fortalecimento do capitalismo, na qual até mesmo as sensibilidades tornam-se objeto de produção dessa estrutura social. Para os autores, a racionalidade desse regime está em “criar um novo conjunto de regras que definem não apenas um outro regime de acumulação, mas também, mais amplamente, outra sociedade”, a partir de uma mudança antropológica fundamentada nos pressupostos neoliberais (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 24), na qual “cada indivíduo deve ser inserido profissionalmente num quadro de trabalho que lhe garanta independência e dignidade. [...] cada indivíduo deve funcionar como uma pequena empresa” (DARDOT; LAVAL, 2016, p. 127).
Nessa dinâmica, a empresa é caracterizada como um conjunto de mecanismos que ampliam a lógica do capital para todas as dimensões humanas, produzindo, inclusive, sensibilidades.
Conforme Rodrigues (2013, p. 30), a empresa “produz a maneira de viver de nossa sociedade”, na qual até mesmo organizações que não eram orientadas por essa ideia passam a adotar os procedimentos que ela direciona, expandindo essa como o modelo universal de organização social (RODRIGUES, 2013).
De acordo com Solé (2008), a empresa é a força organizadora do mundo moderno, uma vez que praticamente todas as relações sociais possuem alguma ligação com essa organização. Nesse sentido, a ideia de empresa significa uma referência singular à compreensão da sociedade, já que está interiorizada pelos aspectos subjetivos do indivíduo e, também, por suas sensibilidades. Solé também defende que tal ideia está associada a uma dimensão antropológica, uma vez que ela cria um novo sujeito em relação à sua formação humana e às suas práticas sociais, caracterizando um processo que ele chama de empresarização (RODRIGUES; CARVALHO, 2019).
Conforme Rodrigues (2013), o processo de empresarização consiste em uma combinação de mecanismos organizacionais, os quais são fortalecidos por um discurso que, de modo contínuo, orienta as práticas sociais e consolida a ideia de empresa nas relações, naturalizando a relevância desse modelo de organização para a sociedade (RODRIGUES, 2013). O autor reconhece o processo de empresarização como um conjunto de técnicas que, sob diferentes abordagens, incluindo a dimensão subjetiva dos indivíduos, estrutura a ideia de empresa na sociedade moderna (RODRIGUES, 2013). Nesse contexto, a empresarização desenha, além de modos de pensar e agir, modos de sentir, produzindo sensibilidades segundo os fundamentos neoliberais que ela fortalece.
As emoções correspondem, desse modo, a uma dimensão com a qual tal processo é potencializado, tornando-se um mecanismo das sensibilidades para a formação de um sujeito-empresa.
Para Hochschild (1979), as emoções constituem uma dimensão orgânica e interacional do indivíduo. Na primeira abordagem, as experiências sociais não mediam a ação, pois elas pertencem à esfera do impulso e do instinto humano. São fatores biológicos que orientam a ação e neles não há conflito. Na segunda perspectiva, a interacional, as emoções correspondem ao que o sujeito pensa e faz sobre o que sente. A ação é orientada por regras, conflitos, e é a interação social que afeta, produz e reproduz as emoções (HOCHSCHILD, 1979; SCRIBANO, 2022). Neste sentido, as emoções são consideradas uma dimensão a ser racionalizada e gerida segundo um contexto de reconfiguração das sensibilidades.
Na análise de Scribano (2013), “el/los cuerpo(s) – al igual que la emoción- al ser considerado el resultado de la articulación de diversos/plurales espacios/procesos involucra en su concreciones contingentes e indeterminadas multiples determinaciones de lo concreto[i] (SCRIBANO, 2013, p. 92). O autor argumenta que as emoções e os corpos são centrais para compreender as relações sociais, e percebe na administração das sensibilidades o reflexo e a produção de um contexto de dominação e resistência, em um mundo de globalização e de produção de capital, que desenvolve processos de sensibilidades e produz essa esfera.
No que concerne ao trabalho docente, é possível observar que o avanço do processo de empresarização manifesta-se em mecanismos cujos critérios baseiam-se na ideia de empresa como referência para a organização e para o indivíduo. Nesse contexto, as emoções tornam-se um mecanismo de sustentação desse processo, considerando a dimensão das sensibilidades para o fortalecimento da lógica vigente.
Com base no exposto, o presente trabalho dedica-se a compreender a relação entre o neoliberalismo e a dimensão das emoções como um mecanismo do processo de empresarização, a fim de identificar uma estrutura social em que as emoções passam a ser produzidas.
Desarrollo:
O Processo de Empresarização e o Neoliberalismo
Como referido anteriormente, o processo de empresarização corresponde ao avanço de práticas empresariais e da ideia de empresa nas organizações modernas e no indivíduo (RODRIGUES, 2013). Intensificado por fundamentos neoliberais, tal processo põe em evidência a empresa, e todos os seus pressupostos, para as relações sociais, estruturadas especialmente no âmbito do trabalho.
A empresa, definida por Abraham (apud CARVALHO; RODRIGUES, 2019) como uma instituição das sociedades modernas a qual produz modos de pensar e agir nos indivíduos bem como orienta seus comportamentos, constitui um modelo de referência para essas organizações (CARVALHO; RODRIGUES, 2019). Abraham propõe uma associação entre os traços que caracterizam a centralidade da empresa como instituição social, os quais estão baseados no individualismo, na propriedade privada, na ideia de escassez, de inovação, de racionalidade e burocracia, entendendo, sobretudo, que a empresa estabelece hábitos coletivos que passam a ser naturalizados pelo indivíduo segundo a lógica que ela institui (RODRIGUES, 2013).
Solé (2008) observa que a ideia de empresa relaciona-se à perspectiva de felicidade, de satisfação das necessidades de consumo, as quais são constantemente produzidas na sociedade, e pontua que o mundo é organizado por e para a empresa. Na concepção do autor, a empresa é uma condição, presente no cotidiano e articulada por diferentes meios, que define o mundo moderno, e o momento de globalização do mundo, nesse sentido, contribui para o fortalecimento dessa condição. No entanto, apesar de todo o seu avanço nas organizações, a empresa não corresponde a um único modelo de sociedade, e pode extinguir-se a qualquer momento (SOLÉ, 2008).
Partindo da generalização da forma empresa, Rodrigues (2013) entende o processo de empresarização como um fenômeno social total, uma vez que este fenômeno manifesta-se mundialmente e em todos os campos sociais, sob práticas e discursos acerca da modernização, da racionalidade, da eficiência, sendo a empresa considerada uma referência para as relações sociais. Para o autor, o processo de empresarização é pluridimensional, já que é constituído por diferentes mecanismos que atuam tanto no âmbito objetivo das organizações quanto no aspecto subjetivo dos indivíduos, de modo a legitimar a empresa como uma condição para as relações sociais. Nesse sentido, o âmbito do discurso constitui uma estratégia subjetiva com a qual a lógica da empresa é naturalizada e fortalecida nas organizações e no indivíduo (RODRIGUES, 2013).
A partir desse contexto torna-se possível reconhecer a dimensão das sensibilidades como um recurso no qual a ideia de empresa se consolida. As emoções passam a significar, desse modo, um mecanismo para a centralidade do indivíduo em detrimento da percepção de suas condições sociais, sendo produzidas sob a lógica do processo em foco.
A Dimensão das Emoções na Sociologia
Os estudos sociológicos sobre o tema das emoções remontam às décadas de 70 e 80 quando, na Europa, autores como Theodore Kemper (2006) e Arlie Hochschild (1979) consideraram de forma mais profunda esta dimensão para elaboração de análises sociais.
Kemper (2006) discute as emoções a partir de uma perspectiva em que as esferas de poder e status operam e orientam comportamentos. Conforme o autor, as emoções derivam do resultado das interações sociais, da interdependência humana nas quais poder e status são fatores que subjazem o campo da interação. Para compreender e desenvolver estudos contemporâneos acerca das emoções, Kemper (2006) constrói a Teoria do Poder-Status das Emoções.
Na análise de Kemper (2006), foi no contexto da Segunda Guerra Mundial que estratégias de liderança guiaram as relações sociais e constituíram um campo em que as sensibilidades puderam ser analisadas em termos de poder e status. Nas definições dessas dimensões, o autor conclui que "ter poder em uma relação é ser capaz de coagir os outros a fazerem o que você quer que eles façam mesmo quando eles não querem fazê-lo. Quando a confiança é obtida, ela é involuntária”[i] (KEMPER, 2006, p. 89).
No que concerne à definição do status, Kemper (2006) salienta que nesta dimensão a adesão à confiança é voluntária, sem o exercício da coerção. A interação social é baseada em práticas de aceitação, suporte, respeito, amor e benefícios voluntários obtidos entre os envolvidos. O status corresponde, de modo geral, à posição de estima que o indivíduo tem pelo outro. É importante salientar que, em sua análise, Kemper (2006) observa que a dimensão do status possui diferentes níveis, considerando pequenos e grandes grupos, e que há, dessa forma, membros que são centrais, ou seja, que recebem mais benefícios e atenção, e outros que são periféricos. Nesse sentido, a dimensão do status forma um padrão que estrutura as relações.
Com base nesses conceitos, o autor desenvolve sua teoria, analisando e classificando as emoções segundo as interações fundamentadas nas dimensões de poder e status que se estabelecem.
Para Hochschild (1979), as emoções são compreendidas em termos de gestão dos sentimentos e do trabalho de adequação desses sentimentos ao contexto do qual eles resultam. O trabalho emocional, proposto pela autora, condiz com a perspectiva de racionalização dessa dimensão subjetiva a partir de regras socialmente estabelecidas.
A partir da concepção em torno da gestão das emoções, Hochschild (1979) propõe o conceito de trabalho emocional, o qual corresponde à capacidade de o indivíduo gerir sua emoção, capacidade associada ao controle que inibe ou estimula condutas relativas ao ambiente em que o sujeito está inserido, quer dizer, o trabalho emocional refere-se ao processo de o indivíduo tornar-se ciente de suas emoções e, com isso, tentar controlar e alterar seus sentimentos. Demonstrar tristeza em um velório, e, alegria em uma festa, são exemplos desse trabalho, que está condicionado a regras sociais que sugerem e orientam determinados comportamentos (HOCHSCHILD, 1979).
Com base na perspectiva do trabalho emocional e considerando o contexto de produção de capital, Hochschild (1979) entende que o trabalho emocional corresponde ao ato de evocar ou suprimir sentimentos. Para a autora, “podemos falar, então, de dois tipos amplos de trabalho emocional: evocação, em que o foco cognitivo está em um sentimento desejado que está inicialmente ausente, e a supressão, em que o foco cognitivo está em um sentimento indesejado que está inicialmente presente”[ii] (HOCHSCHILD, 1979).
A análise de Hochschild (1979), assim como a de Kemper (2006) e dos autores aqui considerados, percebe as emoções sob um ponto de vista interacional e estrutural e indica um processo de conscientização sobre essa subjetividade. Bericat (2016) bem observa que os estudos dessa autora conseguiram captar que as emoções, ao serem identificadas, podem ser manipuladas dentro de aspectos políticos, ideológicos, culturais, e, ainda, podem ser produzidas (BERICAT, 2016, p. 497). As emoções estão, desse modo, associadas à dinâmica de gestão dos sentimentos, sinalizando uma forma de produção característica do mundo moderno e do fenômeno da empresarização.
No que concerne a referências latino-americanas e contemporâneas sobre o tema das emoções na Sociologia, é possível identificar os estudos de autores como Adrian Scribano, Pedro Lisdero, Diego Quattrini e de autoras como Gabriela Vergara e Victoria D’Hers. Além desses, os estudos de Bericat, realizados na Espanha, também são recentes e contemplam a esfera das emoções nas análises sociais.
As pesquisas de Scribano (2009; 2010; 2013; 2014) consideram a dimensão das emoções em uma relação com outras perspectivas, como o corpo, os sentidos, o movimento, a pele, as energias, a arte, e em um processo de expropriação de energias e produção de sensibilidadesb os quais elas podem ser analisadas. O autor percebe que desde os estudos clássicos da Sociologia, as emoções, embora não tenham sido abordadas como um objeto demarcado por este campo, crítica feita similarmente por outros autores, como Bericat (2016), estão associadas a questões como a política dos corpos, o disciplinamento, o controle, a observação, como Foucault (1987) apontava, em um processo caracterizado tanto pelas nascentes formas de dominação quanto pela interiorização da lógica de mercado emergente. O corpo, com o início do capitalismo, constitui, então, um padrão de autocontrole e autorrepressão no qual o dualismo entre o prêmio e o castigo orienta a ação. Analisando o avanço desse modo de produção, Scribano (2010) discute as formas como a economia política subverte o indivíduo, uma vez que ela não trata de uma nova ordem, mas fundamenta novas configurações sociais em que o prazer individual, a competição, o consumo, a felicidade e o dinheiro passam a estar associados em um nível subjetivo e de moralidade dessas relações. Nesse contexto, como salienta o autor, o sujeito outro é tomado como objeto de alegria, e o prazer individual desculpabiliza uma realidade em que a expropriação das energias corporais se manifesta, também, na expropriação das subjetividades (SCRIBANO, 2010). Este ponto anuncia um mecanismo crucial para a configuração capitalista, uma vez que por meio das sensibilidades o sujeito é colocado em um nível de individualidade cujo reflexo mais latente é a neutralização do contexto social de exploração.
Scribano (2009), ao enfatizar o capitalismo em relação às emoções, entende que essa estrutura social produz formas variáveis de manter-se em dinâmicas de reprodução, tendo na extração meios para isso. Nesse sentido, o capitalismo extrai desde elementos da natureza e das formas de vida até as subjetividades e as sensibilidades do indivíduo. Na discussão apresentada pelo autor, o capitalismo se apropria das energias corporais como forma de dominação e compõe um aparato de dispositivos para a regulação das sensações, em um processo no qual as emoções são reguladas por meio de mecanismos repressivos e de contextos de expulsão dos corpos. As sensibilidades são, nessa estrutura social, um meio de equilíbrio entre a tensão da realidade e os corpos que a experenciam. O autor argumenta que o capitalismo modula as sensibilidades, reprime as potencialidades e constitui um processo de expropriação das emoções, ou seja, a extração das energias ocorre, também, no âmbito das sensibilidades (SCRIBANO, 2009). Ainda, esse modo de produção estrutura dispositivos de regulação das sensações, visto que não há um distanciamento entre a política econômica e os corpos, e isso caracteriza uma aceitação de padrões de dominação que pertence ao nível das sensibilidades. Nessa observação, a política dos corpos é reforçada por uma política das emoções, a qual não somente regula as sensações, mas, também, constrói essa dimensão (SCRIBANO, 2010).
Dialogando com as teorias das emoções, Bericat (2016), entende estas emoções como um fenômeno social que permite explicar outros, pois elas são parte constituinte de todos os acontecimentos sociais e estão no contexto da vida social. Na análise do autor, as emoções constituem dispositivos para comportamentos adaptativos, e possuem elementos fisiológicos, neurológicos e cognitivos. Além disso, são relacionais, mas possuem um caráter individual e correspondem a um sistema motivacional que tem um valor positivo ou negativo. As emoções são induzidas por eventos interpessoais e são estados subjetivos que fazem o sujeito se sentir bem ou mal, e o que sentimos, segundo o autor, depende do conteúdo e do resultado da interação (BERICAT, 2016). Para Bericat (2016), “as emoções constituem a manifestação corporal da importância que um evento no mundo natural ou social tem para o sujeito”[i] (BERICAT, 2016, p. 493).
Lisdero e Quattrini (2020) ao discutirem processos de sociabilidade a partir do campo do trabalho, e considerando a dimensão dos corpos e das emoções como condições para a expansão do capitalismo ocidental, salientam que as relações estabelecidas nesse espaço requerem também sensibilidades expressadas pelo corpo a fim de gerarem saldos de âmbito emocional. Na análise dos autores, e citando as contribuições dos estudos de Bericat (2000), o trabalho de administrar essas emoções segundo estratégias de mercado causa um desgaste moral, promovido por estados emocionais fictícios e pela extração da personalidade do indivíduo, que incorpora modos de dominação social e que entra em conflito consigo próprio, em um processo de autoestranhamento (LISDERO; QUATTRINI, 2020). Desse modo, a contradição do indivíduo à estrutura que o condiciona volta-se a ele próprio.
A partir das teorias abordadas, é possível reconhecer o âmbito das emoções em um processo que, intensificado pelo neoliberalismo, materializa a lógica da empresa no indivíduo, produzindo subjetividades e sensibilidades segundo os pressupostos que tal modelo estabelece.
O Processo de Empresarização e as Emoções no Trabalho Docente
No que concerne ao trabalho docente, o processo de empresarização é caracterizado pela forte influência de critérios econômicos nas práticas cotidianas desse trabalho, as quais são manifestadas sob a justificativa de acompanhar a modernidade, o avanço tecnológico e a qualidade da área. Desse modo, a crença na ideia de empresa estabelece esse modelo como regra e norma de conduta na organização e no indivíduo.
Para Rodrigues e Carvalho (2019):
De acordo com Solé, buscando a perpetuação dessas organizações e na falta de um outro modelo organizacional, a empresa, apoiada em pressupostos de eficácia, qualidade, resultados e perpetuação, tem se firmado como o modelo de todas as atividades humanas. Nesse sentido, não é raro encontrar organizações que, orientadas pelo modelo empresarial, passam a adotar características que anteriormente eram exclusivas das empresas. Por exemplo, hoje em dia, as organizações usam a linguagem, os métodos, as ferramentas das empresas, além disso, estão sujeitas à concorrência e buscam o benefício econômico (SOLÉ, 2004, apud RODRIGUES; CARVALHO, 2006).
Sob a orientação da ideia de empresa como referência, a organização adota mecanismos que reforçam essa ideia estabelecendo sua exclusividade como um padrão social. Nesse cenário, princípios como o da concorrência, identificada por Dardot e Laval (2016) e por Rodrigues e Carvalho (2006) como característica da lógica de empresa, materializa-se nas relações sociais em diferentes níveis de abordagem.
Laval (2019) reconhece que tal princípio é estimulado entre as escolas, considerando a concorrência existente não somente no que diz respeito à competição entre escola particular e escola pública, mas entre as próprias escolas públicas (LAVAL, 2019). A concorrência manifesta-se inclusive entre as organizações da mesma esfera social, estando disseminada entre as iguais e as diferentes relações sociais. Para o autor, esse é um dos exemplos que demonstra o efeito da empresarização na Educação, cujas implicações recaem, sobre o trabalho docente e o sujeito professor (LAVAL, 2019). Outro exemplo condiz com o uso de plataformas digitais, que denota a busca pela modernização do trabalho realizado. Laval (2019), ao abordar as tendências reformistas na área da Educação, argumenta que “a noção de “modernização” - vaga, mas de boa receptividade - é o fio condutor de uma retórica de combate diante da qual o espírito crítico parece capitular” (LAVAL, 2019, p. 195).
Quanto a essa modernização, Laval (2019) entende:
O termo “modernização” não é tão neutro quanto os defensores da reforma gostariam que acreditássemos. Em primeiro lugar, lembramos que, no vocabulário das ciências sociais dos anos 1960, “modernizar” significava converter as sociedades ou setores ainda tradicionais da sociedade à modernidade, arrasando costumes, eliminando modos de ser e fazer que não admitiam a primazia da eficiência e da racionalidade. Em sentido mais estrito, porém, o verbo “modernizar” também significa buscar mais eficiência nas organizações e instituições, a fim de equiparar sua produtividade - supondo-se que o termo tenha um sentido universal – à das empresas privadas de melhor desempenho (LAVAL, 2019, p. 195, 196).
Desse modo, formas de controle tornam-se, também, características desse processo. Tal critério não é exercido somente com a utilização de plataformas, mas, inclusive, com a instalação de ponto-eletrônico, cujo fim assemelha-se à sensação de vigilância que ele institui, traço característico da lógica empresarial.
Foucault (1987), ao identificar procedimentos organizacionais para a formação de uma sociedade disciplinar, considerando tanto a disciplina dos corpos quanto a das mentes dos sujeitos, e cuja vigilância exercida em uma prisão serve de referência para a ordem estabelecida, pontua:
Esse espaço fechado, recortado, vigiado em todos os seus pontos, onde os indivíduos estão inseridos num lugar fixo, onde os menores movimentos são controlados, onde todos os acontecimentos são registrados, onde um trabalho ininterrupto de escrita liga o centro e a periferia, onde o poder é exercido sem divisão, segundo uma figura hierárquica contínua, onde cada indivíduo é constantemente localizado, examinado e distribuído entre os vivos, os doentes e os mortos - isso tudo constitui um modelo compacto do dispositivo disciplinar (FOUCAULT, 2004, p. 163)
No cenário do trabalho docente, observa-se que, além dos mecanismos centrados na vigilância, no controle, na modernidade, na tecnologia, aspectos subjetivos também naturalizam a ideia de empresa nesse contexto. A linguagem sinaliza, desse modo, um processo de construção de aportes para a consolidação da ideia de empresa no trabalho realizado e no indivíduo professor.
Laval (2019) identifica na substituição de termos discursivos um processo de produção de subjetividades que naturalizam a empresa como norma. Alguns desses termos e suas substituições, na análise do autor, são: conhecimento, que passa a ser designado por competência; emancipação política, substituído por eficiência produtiva; desenvolvimento pessoal, trocado por inserção profissional; conteúdos apropriados, convertido para exigências do universo econômico (LAVAL, 2019, p. 23 e p. 24).
Juntamente a esses pressupostos, a esfera das sensibilidades também constitui um mecanismo que naturaliza o processo em voga. Em um contexto de expropriação de energias corporais e subjetivas, as emoções são apropriadas e produzidas para a manutenção das formas de consolidação desse processo. Por meio de mecanismos que atribuem ao sujeito professor o trabalho de gestão de suas emoções, tal dimensão caracteriza um processo em que o neoliberalismo totaliza o campo econômico no sujeito.
Pagés et al. (1993), ao analisarem as esferas e as estratégias que constituíam as relações sociais presentes em uma empresa, salientam que, com os fatores econômico, político e ideológico, o elemento psicológico, relativo às estruturas mentais inconscientes dos trabalhadores (PAGÉS et al., 1993, p. 15), também significa uma dimensão das práticas de trabalho, nas quais as relações de poder são evidenciadas.
Na análise proposta, os autores identificam processos de contradições que estão subjacentes à origem da empresa e que a mantêm como um sistema de relações entre organização e indivíduo. A mediação, desse modo, corresponde a um mecanismo que visa evitar conflitos. Nas palavras dos autores:
A mediação é, pois, um processo que transforma uma contradição subjacente entre os trabalhadores e a organização (1) em uma contradição interna às políticas da organização. (2) Ela absorve os termos da contradição original, transformando-os, permite evitar que esta chegue a explodir em conflito, antecipa-se a eles fazendo a organização assumir um conflito em potencial com seus trabalhadores, para o qual a organização tem uma solução pronta. Agindo assim, ela integra o trabalhador à organização, a seus objetivos específicos, bem como às relações de produção capitalista sobre as quais ela está fundamentada (PAGÉS et al., 1993, p. 26).
Na lógica da empresa, conforme sugerem estes autores, o aspecto psicológico constitui uma dimensão para a qual é necessário trabalhar de forma preventiva à possibilidade de um conflito coletivo. Nesse sentido, a mediação tem a função de silenciar as contradições dos indivíduos, fazendo com que estes absorvam regras e princípios de modo que possam aplicá-las a partir de uma iniciativa individual (PAGÉS et al., 1993, p. 28).
Com isso, é possível reconhecer que as emoções constituem um mecanismo de conversão da realidade social do trabalho docente para o trabalho emocional do indivíduo professor, em um processo de equilíbrio entre a realidade e a sensibilidade que o corpo manifesta, reprime e produz.
Conclusiones:
A emergência do neoliberalismo como uma doutrina social e econômica que se expande para a produção de uma mudança antropológica na sociedade, considerando diferentes esferas da vida para a produção de capital, corresponde à tentativa de ressurgimento do modo de produção capitalista, cuja lógica dessa produção é intensificada nas relações sociais, especialmente no campo do trabalho.
Dardot e Laval (2016), refletindo sobre os movimentos centrados em prol da redefinição do Liberalismo, organizados tanto na França quanto na Alemanha, por volta de 1938, dentre os quais está o Colóquio Walter Lippmann, fundamental para a articulação entre os novos liberais e a formulação de suas novas teorias, salientam o posicionamento destes teóricos na busca pelo estabelecimento de uma nova ordem social e econômica que recuperasse o capitalismo, afetado negativamente por contextos de guerra (DARDOT; LAVAL, 2016). Para os pensadores integrantes desse Colóquio, no processo de transformação da lógica capitalista, novas bases deveriam ser construídas para a manutenção deste sistema, uma vez que, até então, seus princípios priorizavam somente o campo do trabalho e a não intervenção do Estado sobre as relações econômicas determinadas. Ampliar esse campo para outras esferas do indivíduo corresponderia à possibilidade de renascimento do capitalismo. Sendo assim, identificar os mecanismos que consolidariam o neoliberalismo como um novo modelo de sociedade deveria levar em conta elementos que promovessem as condições para o desenvolvimento dessa estrutura.
Nesse sentido, o processo de empresarização caracteriza a lógica econômica na totalidade do indivíduo, ampliando a ideia de empresa para todas as dimensões que o constituem. Desse modo, as emoções, um aspecto subjetivo e referente às sensibilidades, tornam-se um mecanismo com o qual tal processo será consolidado. No trabalho docente, a ideia de empresa, seja por meios materiais ou subjetivos, tem redefinido práticas sociais, determinando comportamentos e sensibilidades condizentes com a lógica em foco. Nesse contexto, as emoções parecem servir de suporte a uma realidade marcada por formas de expropriação e apropriação de energias e de sensibilidades, produzindo sujeitos representativos da ordem neoliberal e do processo que esta generaliza.
Bibliografía:
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Palabras clave:
Palavras-chave: Empresarização – Neoliberalismo - Emoções –- Sociologia – Sensibilidades