Brasil -
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Resumen de la Ponencia:
No Brasil, uma pessoa morre por acidente de trabalho a cada 3 horas, 43 minutos e 42 segundos. A morte do trabalhador em decorrência de acidente de trabalho configura um problema de saúde pública, que expressa a degradação social a que os obreiros estão expostos e coloca em discussão o valor atribuído à vida do trabalhador e à sua dignidade durante a execução das atividades laborais. O tema ganha ainda mais relevância após a “Reforma Trabalhista”, que alterou a CLT e tabelou a reparação de danos de natureza extrapatrimonial, a partir de um critério utilitarista que leva em conta o salário contratual do ofendido. Assente em pesquisa exploratória quantitativo-descritiva, o presente artigo buscou identificar o valor da vida do trabalhador, a partir da análise jurisprudencial do TRT-MG nos casos de indenizações por morte julgados no triênio 2018-2020. Os resultados da pesquisa indicam uma diferença significativa quanto ao arbitramento do dano extrapatrimonial nos casos de morte do obreiro; a ausência de padronização em relação ao valor da indenização e a inobservância, por parte de alguns julgadores, da parametrização prevista na CLT, por considerá-la inconstitucional.
Introducción:
No Brasil, uma pessoa morre por acidente de trabalho a cada 3 horas, 43 minutos e 42 segundos. De acordo com a série histórica do Observatório Digital de Segurança e Saúde do Trabalho (2022), elaborada pelo Ministério Público do Trabalho – MPT e a Organização Internacional do Trabalho – OIT, entre os anos de 2002 e 2021 foram registrados 51.837 óbitos por acidentes no ambiente laboral entre os trabalhadores com vínculo formal celetista, em parte devido a não observância de normas de segurança.
A ocorrência de acidentes de trabalho que resultam na morte do trabalhador se configura um problema de saúde pública de extrema relevância e expressa a degradação social a que os obreiros estão expostos, colocando em discussão o valor atribuído à vida do trabalhador e à sua dignidade como pessoa humana durante a execução das atividades laborais.
No ordenamento jurídico brasileiro, a regra geral de responsabilidade civil do empregador em indenizar danos morais (extrapatrimoniais) e materiais decorrentes de acidente de trabalho decorre do disposto no artigo 7º, XXVIII, da Constituição da República de 1988 (CR/88), que prevê o dever de indenizar quando o empregador incorrer em culpa (responsabilidade subjetiva) ou independentemente de culpa (responsabilidade objetiva), quando a atividade normalmente desenvolvida oferece risco à integridade física do empregado.
O tema ganha ainda mais relevância após a “Reforma Trabalhista”, que alterou a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e tabelou a reparação de danos de natureza extrapatrimonial, a partir de um critério utilitarista que leva em conta o salário contratual do ofendido.
Os casos de acidentes de trabalho fatais não envolvem somente a figura do trabalhador, mas, também, seus familiares, os quais, devido ao óbito do obreiro, serão os beneficiários de eventual indenização pelos danos extrapatrimoniais e materiais. Mas, como indenizar ou calcular o valor monetário da vida de um trabalhador? A dificuldade na tradução do dano moral em valor econômico é, em última análise, o que delineia a discussão travada no presente estudo. Nesse sentido, a pesquisa busca identificar o valor da vida do trabalhador a partir da análise jurisprudencial do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª região (TRT-MG) nos casos de indenizações por morte do empregado em serviço julgados no triênio 2018-2020.
A pesquisa apresenta uma abordagem qualitativa, de natureza descritiva, com pesquisa do tipo bibliográfica e documental. Para atingir o objetivo da pesquisa, foram analisadas 340 reclamatórias trabalhistas, nas quais, evidenciada a morte do trabalhador em razão de acidente de trabalho, avaliou-se como a justiça do trabalho arbitrou o dano extrapatrimonial nos casos de morte do obreiro.
Desarrollo:
Meio Ambiente de Trabalho e a Proteção do Trabalhador.
Os direitos e garantias fundamentais insertos na CR/88 garantem aos cidadãos brasileiros o estatuto de indivíduos de direito. O ordenamento jurídico brasileiro contempla as esferas civis, políticas, sociais, coletivas e transindividuais de forma a sustentar a aplicação dos direitos humanos e fundamentais no âmbito nacional, cabendo ao Estado assegurar a máxima proteção possível da pessoa humana (DINIZ, 2008).
Dentre os direitos e garantias fundamentais enfatiza-se o direito ao trabalho, como um valor estruturante do Estado Democrático de Direito (art. 1º, IV, CR/88) e um direito fundamental social (art. 6º, CR/88). Por consectário lógico, a proteção do ambiente de trabalho, constitui-se como elemento essencial à manutenção de sua integridade física e psíquica, além das condições submetidas para execução das atividades e responsabilidades inerentes à função.
O direito ao meio ambiente de trabalho seguro e protegido se apresenta, pois, como uma prerrogativa dos trabalhadores frente ao Estado “para que os protejam de lesões ou ameaças do responsável pela condução da atividade na relação de trabalho” (SANTOS, 2010, p. 89). O que faz com que o Estado atue, por meio de normas e ações, a fim de garantir um ambiente laboral saudável, ainda que haja limitação ao direito de propriedade e ao poder direcional dos tomadores de serviço.
Em paralelo, o Brasil ratificou a Convenção nº 155 da Organização Internacional do Trabalho (OIT), cujo art. 4º impõe aos Estados signatários a formulação de uma política destinada a “prevenir os acidentes e os danos à saúde que forem consequência do trabalho”, reduzindo, na medida do possível, os riscos inerentes ao meio ambiente laboral.
Dessa forma, o empregador tem que garantir um ambiente de trabalho seguro e adequado à relação laboral, em observância aos regramentos legais. A fim de assegurar tal desiderato, a responsabilidade civil pelos danos extrapatrimoniais causados aos trabalhadores desempenha o duplo papel de prevenir e de repreender eventuais condutas pelos tomadores de mão de obra quanto às obrigações que lhes assistem, podendo acarretar a sua responsabilização pelos eventuais prejuízos causados à saúde física e mental, quiçá, à vida do trabalhador.
Responsabilidade Civil e o Dano Extrapatrimonial.
A responsabilidade civil no tocante às relações de trabalho traz consigo a concepção de que quem causa um dano, prejuízo, risco ou diminuição do patrimônio de outrem, tem o dever de responsabilizar-se pelo fato, indenizando e/ou reparando os danos materiais e extrapatrimoniais eventualmente experimentados pelo ofendido.
A responsabilidade no ambiente do trabalho traz como referência a responsabilidade civil subjetiva (art. 7º, inciso XXVIII, da CR/88[1]) e a responsabilidade objetiva, fundada na teoria do risco integral (art. 927, parágrafo único, do Código Civil[2]).
Na responsabilidade subjetiva, a análise recai sobre o comportamento do agente que, faltado com o dever de cautela em seu agir, contrarie direitos de outrem, gerando a obrigação de reparar o dano nos termos em que a lei impõe. Neste aspecto, faz-se mister a implicação de um juízo de valor acerca da conduta do agente, o que só é possível se tal conduta resultar de ato humano livre e consciente. Nesse jaez, a ilicitude só atinge sua plenitude quando o comportamento objetivamente ilícito for também culposo (CAVALIERI FILHO, 2012).
Assim, nos termos do art. 186 do Código Civil[3], torna-se necessário o preenchimento dos requisitos configuradores da responsabilidade subjetiva (conduta ilícita, culpa, dano e nexo causal), de forma a gerar a obrigação de indenizar. Para tanto, a vítima só obterá a reparação do dano se provar a culpa do agente; posto que, de regra, só responde pelo fato aquele que lhe dá causa, por conduta própria, seja por negligência, por imperícia ou por imprudência.
Na responsabilidade objetiva é irrelevante o nexo psicológico entre o fato ou a atividade e a vontade de quem a pratica, bem como o juízo de censura moral ou de aprovação da conduta. Nessa perspectiva, nos casos de ocorrência de acidente no trabalho não há a análise da culpa por parte do empregador. O trabalhador tem o encargo de provar apenas o vínculo de trabalho, o dano decorrente do acidente e que o mesmo ocorreu no trabalho ou em razão dele. As causas de exclusão do nexo causal (culpa exclusiva da vítima, fato de terceiro, caso fortuito ou força maior) não afastam o direito do trabalhador, desde que o evento tenha se dado no trabalho ou por ocasião do trajeto casa-trabalho-casa (CAVALIERI FILHO, 2012).
A responsabilidade objetiva pela “teoria do risco integral, abolindo a ideia de culpa, proclama que qualquer fato, culposo ou não, deve assegurar à vítima a reparação do dano causado, sem qualquer excludente” (GONTIJO, 2010, p. 7). Pode-se sustentar, então, a prevalência da norma do art. 927, parágrafo único, do Código Civil, com base no princípio justrabalhista da prevalência da norma mais favorável, bem como da sistemática constitucional que prevê e garante os direitos fundamentais.
O dano, nesse jaez, se configura como patrimonial, quando atinge os bens materiais de outrem, ou como extrapatrimonial, que contempla o dano moral e estético e se origina por meio de uma ofensa que fere os direitos da personalidade, cuja tutela constitucional se assenta nos arts. 1º, inciso III[4], e 5º, incisos V e X, e §2º, da CR/88[5].
Conforme Cairo Jr. (2017, p.1027) disserta “o dano material trabalhista nada mais é do que a diminuição do patrimônio valorado economicamente do seu respectivo titular por conta da ação ou omissão do empregado ou do empregador. É representado pelo lucro cessante[6] ou pelo dano emergente[7]”.
Em relação ao dano extrapatrimonial, Cairo Jr. (2017, p.1023) explica que “o dano moral corresponde ao resultado de uma ação ou omissão que implique, de forma necessária, ofensa a um bem não avaliável economicamente.” Nesse aspecto, o dano extrapatrimonial se configura quando há uma agressão a aspectos mais íntimos da personalidade humana, suficiente para causar-lhe sofrimento, dor, vexame, humilhação e outras dores do espírito, que, fugindo à normalidade, interfira intensamente no comportamento psicológico do indivíduo, causando-lhe desequilíbrio em seu bem-estar.
É importante enfatizar que os casos de acidentes de trabalho fatais não envolvem somente a figura do trabalhador, mas, também, seus familiares, os quais, devido ao óbito do obreiro, serão os beneficiários de eventual indenização pelos danos extrapatrimoniais e materiais. Nesse aspecto, o dano moral se apresenta como indireto, comumente chamado de dano em ricochete, a fim de relacionar e indenizar indivíduos que estejam ligados à vítima e que sofreram as consequências de forma reflexiva.
Em complemento, é pertinente analisar a definição de familiares diretos e indiretos, com direito à indenização por morte do empregado, tendo em vista critérios como dependência financeira, vínculo emocional e afetivo. Sendo que, somente em favor do(a) cônjuge, companheiro(a), filhos(as), pais e irmãos(ãs) menores há uma presunção juris tantum de dano moral por lesões sofridas pela vítima ou em razão de sua morte. Além dessas pessoas, todas as outras, parentes ou não, terão que provar o dano moral sofrido em virtude de fatos ocorridos com terceiros (CAVALIERI FILHO, 2012). Em consonância, terceiros, considerados familiares indiretos ou fora do vínculo familiar, devem demonstrar detalhadamente a dependência financeira com o trabalhador vitimado ou a dor moral advinda do evento danoso.
O Dano Extrapatrimonial nas Relações de Trabalho.
Em meados de 2017, a Lei nº 13.467/2017, denominada “Reforma Trabalhista”, promoveu uma mudança significativa na CLT no tocante à fixação do quantum debeatur em sede de indenização por dano moral. Até então, não havia previsão legal específica na legislação trabalhista acerca do dano extrapatrimonial decorrente de morte por acidente de trabalho, sujeitando sua caracterização e fixação dos valores indenizatórios à interpretação da Justiça do Trabalho, com base nos arts 5º e 7º da CR/1988 e no art. 927 do Código Civil.
A partir das alterações legislativas levadas a efeito pela Lei nº 13.467/2017, o Título II–A (arts. 223-A[8] a 223-G[9]) passou a regulamentar reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho, determinando os critérios a serem considerados pelo magistrado no deferimento da indenização. Nos termos do art. 223-G, incisos I a XII e §1º da CLT, observa-se a adoção de um tabelamento que quantifica o valor da reparação de acordo com o nível de gravidade da ofensa – definida como de natureza leve, média, grave ou gravíssima –, tendo como base para a quantificação da reparação do dano extrapatrimonial trabalhista o salário contratual da vítima.
A fixação do quantum debeatur, em sede de indenização por dano moral prevista no art. 223-G, §1º da CLT, impõe uma limitação ao Poder Judiciário que, além de restringir o próprio exercício da jurisdição, infringe o disposto no art. 7º, inciso XXVIII, da CR/88, o qual garante uma indenização ampla do dano extrapatrimonial decorrente da relação de trabalho. Não bastasse, o padrão imposto pelo art. 223-G, §1° da CLT ofende manifestamente o princípio da isonomia inserto no caput do artigo 5° da CR/88.
Dessa maneira, a indenização decorrente de um mesmo evento danoso terá valor diferente em razão do salário de cada ofendido. Logo, o parâmetro apenas aumenta a desigualdade entre os que possuem melhores condições e os menos favorecidos, distanciando o instituto de uma equiparação entre os trabalhadores (BRITO FILHO; PEREIRA, 2020, p. 14).
Há quem diga, contudo, que a estipulação de um coeficiente multiplicador é vantajosa no sentido de evitar que o Poder Judiciário quantifique valores elevadíssimos que, desassociados da capacidade econômica do tomador de mão de obra, implique na inefetividade prática das indenizações arbitradas, dado que os empregadores, por vezes, não conseguem arcar com valores abusivos e que excedem sua capacidade econômica (BRITO FILHO; PEREIRA, 2020). No entanto, no cerne do dano extrapatrimonial, é importante avaliar que, pela subjetividade que o norteia, não há como definir um teto máximo de reparação que se possa dizer genericamente justo e democrático.
Não à toa que as discussões travadas acerca da fixação do dano extrapatrimonial no âmbito do direito do trabalho levaram à edição da Medida Provisória (MP) nº 808/2017, a fim de ajustar aspectos da reforma que se entendeu pouco adequados. Nesse sentido, a MP nº 808/2017 estabeleceu uma mesma base de cálculo (valor do limite máximo dos benefícios do Regime Geral de Previdência Social – RGPS) como parâmetro para a quantificação da indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos. Contudo, diante da perda de vigência da MP nº 808/2017, o valor do salário do empregado tornou a ser referência ou base de cálculo das indenizações trabalhistas por dano extrapatrimonial.
A circunstância envolta da “Reforma Trabalhista”, principalmente no âmbito do cálculo indenizatório por dano extrapatrimonial, acaba por gerar decisões díspares por parte do Poder Judiciário, sendo observado que alguns juízes do trabalho a adotam como parâmetro de fixação e outros não, por entenderem que o art. 223-G, §1° da CLT ofende preceitos constitucionais. Não se olvida, evidentemente, que o Código Civil permanece sendo aplicado nos casos em que a indenização é requerida por dano em ricochete.
Análise da Jurisprudência do TRT-MG.
Com base no exame das 340 reclamatórias trabalhistas, considerando o processamento em primeira e segunda instâncias, verificou-se que 233 delas foram julgadas procedentes – com a indenização por dano extrapatrimonial reconsiderada e deferida ou mantida em 2ª instância –, e 107 delas foram julgadas improcedentes.
A partir dos casos analisados na pesquisa, nota-se a análise dos critérios da responsabilidade civil como parâmetro para deferimento da indenização por danos extrapatrimoniais. O principal, nesse contexto, é a morte do trabalhador advinda de acidente de trabalho como o dano e, em sequência, a relação de nexo causal e culpa do tomador de mão de obra em relação ao ocorrido, para associação de responsabilidade única ou compartilhada da conduta culposa que ocasionou o acidente e, consequentemente, a morte do trabalhador.
Em relação às reclamatórias trabalhistas julgadas procedentes, a fixação do dano extrapatrimonial em primeira instância ocorreu em 211 dos casos e, destes, 179 dos valores arbitrados pelo juiz singular foram mantidos ou tiveram seus valores de indenização reajustados em grau recursal. Os demais casos foram reavaliados e rejeitados em grande parte pelo ausência de caracterização do nexo causal ou concausal ligando o acidente ou a doença ao exercício do trabalho a serviço do empregador.
Dentre as justificativas apresentadas para indeferimento do petitório, verifica-se a ausência de nexo causal entre o óbito do trabalhador e a atividade laboral por ele exercida, sendo vista comumente nos casos de morte por silicose, em que a doença, por vezes, estava associada a outros sintomas,acarretando descrições distintas nas certidões de óbito. Em alguns casos de acidente de trajeto, ou acidente in itinere, com morte do trabalhador que conduzia o veículo, verificou-se a negativa de indenização pelo magistrado, por atribuir-se ao condutor a conduta culposa do acidente, isentando o empregador de quaisquer obrigações.
Os resultados da pesquisa demonstram uma concentração de reclamatórias trabalhistas em varas localizadas na região Metropolitana de Belo Horizonte – englobando as cidades de Belo Horizonte, Nova Lima e Betim –, cujas demandas de indenização por dano extrapatrimonial por morte representam 44,41% dos casos, seguida das mesorregiões do Triângulo Mineiro/Alto Paranaíba (12,35% dos casos), Zona da Mata (8,24% dos casos) e Sul/Sudoeste de Minas (7,65% dos casos), Vale do Rio Doce (6,76% dos casos), Norte de Minas (5% dos casos) e demais regiões (15,59% dos casos).
No tocante ao gênero dos trabalhadores vitimados na constância das relações laborais, a pesquisa revelou a predominância de trabalhadores do gênero masculino em relação ao feminino. No total, foram 328 casos de falecimento de trabalhadores homens (96%) e apenas 12 óbitos de mulheres (4%). Embora sabida a desiguladade salarial entre a mão de obra masculina e feminina no mercado de trabalho brasileiro, com base na pesquisa realizada, foi possível observar a ausência de diferenciação da indenização em relação ao gênero do trabalhador.
Em relação aos cargos ocupados pelo trabalhadores vitimados e suas respectivas atividades profissionais, identificou-se a predominância de cargos e funções operacionais (motorista, trabalhador rural, mineiro, eletricista, mecânico, montador, servente, vigilante, pedreiro, entre outros) frente ao baixo percentual de trabalhadores que exerciam cargos cuja qualificação em nível superior era necessária (gerentes, administradores, engenheiros e professor), totalizando neste caso, apenas 10 reclamatórias trabalhistas.
No tocante às causas do óbito no decorrer das práticas laborais, os resultados da pesquisa demonstraram uma expressiva ocorrência de falecimentos devido a acidentes de trânsito (112 casos), seguidos de mortes por soterramento (38 casos), doença silicose geralmente associada à mineração (27 casos), quedas (21 casos), homicídio (17 casos), choque elétrico (15 casos), esmagamento (11 casos), explosão (9 casos), entre outros. Em grande parte, as causas de morte dos trabalhadores estavam associadas à negligência dos tomadores de mão de obra quanto à realização de treinamentos, à inobservância de normas mínimas de segurança e/ou à utilização de equipamentos de segurança no decorrer das atividades laborais. Ressalta-se que, dentre os casos analisados, 43 estão relacionados à Samarco Mineração S/A e à Vale S.A, oriundos dos rompimentos das barragens das empresas ocorridos nas cidades de Mariana/MG e Brumadinho/MG, respectivamente nos anos de 2015 e 2019.
Apesar da visibilidade da tragédia do rompimento das barragens em Mariana/MG e Brumadinho/MG associada ao impacto social e midiático, de forma geral, não houve a fixação de valores exorbitantes de indenização por danos morais na maioria dos processos trabalhistas iniciados pelos familiares das vítimas, pela aplicação do dano em ricochete, quando comparados com os
valores indenizatórios arbitrados nos demais processos.
Nos casos analisados, vê-se como indispensável por grande parte dos juristas a necessidade de qualificação do parentesco, sejam eles próximos ou remotos, para deferimento da reparação pelos danos morais suportados pelos familiares das vítimas. Assim, há casos em que a relação familiar dos reclamantes com o trabalhador falecido supera o quarto grau ou, quando inexistente, decorre da ligação afetiva existente entre o reclamante e a vítima.
O vínculo familiar é um fator influenciador significativo na divisão do montante da indenização. Nos casos avaliados, em que os cônjuges figuram como requerentes, percebe-se que estes costumam receber a maior parcela do valor total da indenização arbitrada, seguidos pelos genitores da vítima, que geralmente têm valores distribuídos igualitariamente entre si, assim como os filhos do trabalhador falecido. Ressalta-se, contudo, que nem todos os processos avaliados contém detalhamento da divisão de valores entre os requerentes.
O capital social e o porte econômico das empresas que figuram como ré também são aspectos ponderados pelos magistrados para justificar e definir os valores indenizatórios. Tais fatores foram citados em parte dos processos analisados como prerrogativa para a ampliação do valor arbitrado a título de danos morais.
Apesar da Lei nº 13.467/2017 (“Reforma Trabalhista”) trazer novas diretrizes para a tarifação do dano extrapatrimonial, observa-se que os parâmetros de quantificação da indenização inseridos nos arts. 223-A a 223-G da CLT, por vezes, não são acatados pelos magistrados, por entenderem que os comandos normativos não observam os princípios da proporcionalidade e razoabilidade, conforme determina o art. 5º, inciso V, da CR/88, além do princípio da restituição integral que assiste à pessoa ofendida.
As duas maiores indenizações dos processos analisados por acidente de trabalho estão relacionadas aos acidentes da Samarco Mineração S/A e da Vale S.A. No primeiro caso, o montante aritrado a título de dano extrapatrimonial foi de R$3.500.000,00, tendo como reclamantes a cônjuge e os quatro filhos do trabalador falecido. No segundo caso, a indenização arbitrada foi de R$2.000.000,00, atribuída à cônjuge e ao filho do trabalhador. Os julgados datam de período posterior “Reforma Trabalhista” e, em ambos, não houve menção à remuneração salarial ou à ocupação dos empregados falecidos.
Por outro lado, os dois processos com menor valor arbitrado a título indenizatório também foram julgados pós “Reforma Trabalhista”, em meados de dezembro de 2017 e dezembro de 2018, respectivamente. No de menor valor, o óbito ocorreu em razão de acidente com máquina agrícola, quando o empregado prestava serviços na Fazenda do contratante. A indenização por dano extrapatrimonial arbitrada em benefício da genitora do falecido foi de apenas R$8.000,00, sendo que não consta o salário na documentação do processo. No segundo caso, a indenização foi fixada em R$19.500,00, em benefício da cônjuge e dos dois filhos do trabalhador falecido. Apesar de haver a indicação do salário mensal auferido pelo trabalhador (R$1.519,26), verifica-se não haver, contudo, qualquer relação da indenização com a média salarial do trabalhador.
Com intuito de alcançar o valor médio de indenização por dano extrapatrimonial, considerando as profissões mais recorrentes e os cargos que geralmente possuem um alto valor agregado quanto ao salário, foi calculada a soma do total das indenizações arbitradas, dividida pelo número de reclamatórias trabalhistas. Deste modo, constatou-se que, dentre os profissionais vitimados na constância da relação laboral, o engenheiro possui a maior média indenizatória – na ordem de R$819.366,00, enquanto o trabalhador rural tem o menor valor a esse título, qual seja: R$78.248,33.
Por sua vez, em relação às mesorregiões mineiras em que as reclamatórias trabalhaistas tramitaram, verificou-se que o valor médio indenizatório por morte do trabalhador é mais elevado na região do Sul/Sudoeste de Minas Gerais – compreendendo a importância de R$303.699,16 –, enquanto a região do Norte de Minas Gerais apresenta a menor média indenizatória a esse título – totalizando a importância de apenas R$46.663,33.
Tais desdobramentos podem denotar parâmetros de fixação de indenização por dano extrapatrimonial que levam em conta a condição social da vítima, de pobre, face ao distinto desenvolvimento socioeconômico existente entre as regiões sul e do norte de Minas Gerais. Por óbvio, este critério de aferição não corresponde à perpespectiva de que a reparação moral deve restaurar o equilibrio afetado pela conduta irregular do agente.
Em geral, na análise dos processos em que houve a discriminação dos salários auferidos pelos trabalhadores, constatou-se que a média das indenizações entre os menores valores por beneficiário de indenização ficou em, aproximadamente, 40 (quarenta) vezes o salário do obreiro falecido, não havendo uma diferença significativa em relação à média encontrada nos processos anterirores e posteriores à implementação da “Reforma Trabalhista”.
[1] “Art. 7º São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: (...) XXVIII - seguro contra acidentes de trabalho, a cargo do empregador, sem excluir a indenização a que este está obrigado, quando incorrer em dolo ou culpa”.
[2] “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.”
[3] “Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”
[4] “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: (...) III - a dignidade da pessoa humana”.
[5] “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...); V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; (...); X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação; (...) §2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte”.
[6] Lucro cessante é o que razoavelmente se deixou de lucrar tendo em vista o dano sofrido devido a atividades de terceiros (CAVALIERI FILHO, 2012).
[7] Dano emergente é o que efetivamente se perdeu. Compreende o prejuízo material ou moral causado a alguém (CAVALIERI FILHO, 2012).
[8] “Art. 223-A. Aplicam-se à reparação de danos de natureza extrapatrimonial decorrentes da relação de trabalho apenas os dispositivos deste Título.”
[9] “Art. 223-G. Ao apreciar o pedido, o juízo considerará: I - a natureza do bem jurídico tutelado;
II - a intensidade do sofrimento ou da humilhação; III - a possibilidade de superação física ou psicológica; IV - os reflexos pessoais e sociais da ação ou da omissão; V - a extensão e a duração dos efeitos da ofensa; VI - as condições em que ocorreu a ofensa ou o prejuízo moral;
VII - o grau de dolo ou culpa; VIII - a ocorrência de retratação espontânea; IX - o esforço efetivo para minimizar a ofensa; X - o perdão, tácito ou expresso; XI - a situação social e econômica das partes envolvidas; XII - o grau de publicidade da ofensa.
§1º Se julgar procedente o pedido, o juízo fixará a indenização a ser paga, a cada um dos ofendidos, em um dos seguintes parâmetros, vedada a acumulação:
I - ofensa de natureza leve, até três vezes o último salário contratual do ofendido;
II - ofensa de natureza média, até cinco vezes o último salário contratual do ofendido;
III - ofensa de natureza grave, até vinte vezes o último salário contratual do ofendido;
IV - ofensa de natureza gravíssima, até cinquenta vezes o último salário contratual do ofendido.”
Conclusiones:
O presente artigo buscou avaliar a aplicação da Lei nº 13.467/2017 (“Reforma Trabalhista”), no tocante ao deferimento de indenização por danos extrapatrimoniais em casos de acidente de trabalho com óbito do trabalhador, tendo como base de cálculo o salário mensal do ofendido.
A partir dos resultados da pesquisa, observou-se o reconhecimento da responsabilidade civil objetiva na maior parte dos feitos avaliados, tendo em vista a obrigatoriedade do tomador de mão de obra de fornecer aos empregados equipamentos de proteção individual, assim como de obedecer às normas reguladoras de cada profissão e atividade laboral.
O arbitramento da indenização por dano extrapatrimonial, pelo Poder Judiciário, acaba por gerar decisões díspares, sendo que alguns juízes do trabalho adotam o art. 223-G, §1°, da CLT como parâmetro de fixação e outros não, por entenderem que os dispositivos celetistas ofendem preceitos constitucionais. Ainda, em contextos de grande impacto social, há certa flexibilidade para majoração do valor, apesar da configuração dos pressupostos da “Reforma Trabalhista”.
Os resultados da pesquisa demonstraram uma diferença significativa quanto ao arbitramento do dano extrapatrimonial, cujas disparidades denotam as enormes injustiças que permeiam o tema. O arbitramento da reparação por danos extrapatrimoniais em razão do óbito do familiar tem caráter extremamente complexo, dada à dificuldade em mensurar, com razoabilidade e proporcionalidade o valor de uma vida humana. De todo modo, o salário do trabalhador não deve ser critério para a fixação do valor da compensação por danos morais, posto que a situação fática ensejadora do dano é a mesma para qualquer ser humano, qual seja a perda de um ente querido.
Entende-se, pois, que a parametrização do dano extrapatrimonial prevista no artigo 223-G, §1º, da CLT fere os princípios constitucionais de equidade, isonomia e dignidade de vida do trabalhador ao tarifar o dano extrapatrimonial, uma vez que passa a criar critérios de importância humana pelo valor da verba remuneratória auferida, independentemente de o resultado do acidente ser o mesmo.
O tema é amplo e merece ser estudado e complementado por trabalhos futuros que avaliem a evolução e as respectivas especificidades do dano extrapatrimonial no âmbito das relações de trabalho, sobretudo nos casos de óbito do trabalhador na constância da relação laboral.
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Palabras clave:
Dano extrapatrimonial. Acidente de trabalho. Morte. Jurisprudência TRT-MG