Brasil -
joseaugustopsicossocial@gmail.com
| 270
Resumen de la Ponencia:
O ensaio que tencionamos, aqui, desenvolver objetiva examinar a consolidação do discurso da segurança pública. Processo que se iniciou nos anos de 1990, no contexto da reengenharia do serviço público estadual, quando então se desenvolveram, entre outras ações para o setor segurança, os Conselhos Comunitários (instância propositiva, composta de cidadãos e autoridades públicas, civis e militares, das polícias fluminenses). A instituição Conselho Comunitário de Segurança é o objeto de nossa investigação que, referenciada teórica e metodologicamente em “A ordem do discurso” de Michel Foucault (1996), toma como categoria de análise seu conceito de discurso (2007), a saber: práticas que seguem regras e que formam sistematicamente os objetos de que falam. Neste sentido, buscaremos investigar, tanto os procedimentos que definem a qualificação e os atributos dos indivíduos que falam, as circunstâncias de pronunciamentos e a eficácia suposta das palavras sobre o público (rituais da palavra) quanto a forma de distribuição geral dos discursos, com os saberes e os poderes que eles trazem consigo (apropriação social do discurso). Com isto pretendemos responder a uma questão-problema trivial: o que é segurança pública segundo o discurso dos CCS ou, dito de outro modo, qual é discurso de segurança sustentado pelos CCS?
Introducción:
No Brasil, por cerca de 20 anos, contados do fim da ditadura civil-militar, a sociedade civil organizada discutiu e os governos estaduais ensaiaram modelos de serviço público de segurança adequados ao Estado democrático de direito, alternando-se em perspectivas, ora garantistas, ora punitivistas. Esta dinâmica foi tratada pelos meios de comunicação em termos de “Direitos Humanos” versus “segurança pública”.
No final dos anos de 1990, uma equipe, integrada por pesquisadores e policiais, enfrentou o desafio de formular, para o Estado do Rio de Janeiro, um projeto de política segurança que superasse a dicotomia: efetividade policial (cujas estratégias derivam da lógica de guerra, segundo a qual o desrespeito aos direitos de populações vulneráveis é um efeito colateral do combate ao inimigo) versus primado dos direitos humanos (a partir do que os direitos dessas populações passam a ser objeto central da política de segurança).
Neste contexto, experimentava-se, simultaneamente, a substituição de uma institucionalidade autoritária por outra democrática; e a reestruturação produtiva das organizações, públicas e privadas.
A política formulada por eles refletia os fenômenos da redemocratização e do neoliberalismo, em termos: das Áreas Integradas de Segurança Pública (AISP), das Delegacias Legais, do Instituto de Segurança Pública RIOSEGURANÇA (ISP), o Grupamento Especial de Policiamento de Estádios e o Grupamento Especial de Policiamento em Áreas Turísticas); e das instâncias de interlocução com o cidadão, como a Ouvidoria, o Conselho de Segurança do Estado do Rio de Janeiro e os Conselhos Comunitários de Segurança.
Criados, em 1999, os Conselhos Comunitários de Segurança (CCS) são foros de participação social de natureza consultiva, propositiva e voluntária, onde interagem as autoridades locais de segurança pública (Delegados Titulares das Delegacias Distritais da Polícia Civil e Comandantes dos Batalhões de Polícia Militar), como membros natos e a sociedade civil, por meio de participantes avulsos e de outros eleitos para a direção desse foro (membros efetivos).
Suas reuniões ordinárias são mensais e, em regra, presenciais. A fala é o veículo principal de comunicação das demandas de seus participantes. Isto faz com que a dinâmica de distribuição, controle e circulação da fala se torne elemento central para a compreensão de dois aspectos da política segurança – (i) a relação entre sociedade civil e agentes de segurança no nível local e (ii), o reflexo desta relação na fixação das diretrizes da política de segurança – que se pode resumir a uma única questão-problema: qual o discurso dos CCS sobre a segurança no Estado do Rio de Janeiro, ou melhor, de quais práticas se constitui o discurso da segurança nos CCS?
Neste sentido, os CCS constituem um objeto de estudo analisável a partir da categoria “discurso”. O que nos remete à técnica interpretativa da Análise do Discurso a qual nos induz a eleição de “A Ordem do Discurso”, de Michel Foucault, nossa principal referência Teórica.
Os sistemas de coerção do discurso a que se refere Foucault definem (i) o que se deve dizer (função de exclusão), (ii) o que não se deve dizer (função de limitação) e (iii) quem deve dizer (função de rarefação do sujeito).
Por função de exclusão, considera aqueles procedimentos que definem sujeitos e objetos autorizados e as formas e circunstâncias permitidas para a produção do discurso. E são de três tipos: (1) interdição do discurso, isto é, proibição de enunciar um discurso por coisa (i) da circunstância em que se inscreve, (ii) da censura ao objeto do discurso e (iii) dos predicados do sujeito que fala (ibidem, 1996, p.9); (2) segregação da loucura, caracterizada como a estigmatização do discurso contra-hegemônico;; (3) vontade de verdade, também designada vontade de saber, que se caracteriza como uma manifestação da luta pelo poder na forma da produção de uma verdade que se sobrepõe a todas as outras formas de conhecimento.
O autor considera como função de limitação o conjunto de procedimentos internos de restrição do discurso, que tem por objetivo controlar as dimensões do acontecimento e acaso, ou seja, o imprevisto. São de três tipos: (i) princípio do comentário, caracterizado como a produção de um texto que se referencia a outro, sobre o qual quer-se apoiar ou superar seu valor; (ii) princípio do autor, definido como princípio de agrupamento do discurso, como unidade e origem de suas significações (ibidem, 1996, p. 26), não se confunde com o indivíduo falante ou o redator; respeita a autoridade (prestígio) da fonte (indivíduo ou grupo) produtor do texto; (iii) princípio da disciplina, encerra um sistema anônimo, caracterizado pela organização de um conjunto de saberes sobre um determinado objeto que define as regras e o horizonte teórico, os quais devem ser observados para a produção de novas proposições verdadeiras.
Por fim, concebe a função de rarefação dos sujeitos como uma forma de controle do discurso que se realiza mediante um conjunto de regras que tem como objetivo limitar o acesso ao discurso a um certo número de indivíduos.
As funções de rarefação dos sujeitos, a que também denomina sujeição do discurso são: (i) rituais da palavra, considerados procedimentos que exercem o controle dos participantes por meio da definição dos papéis a serem desempenhados, dos comportamentos e circunstâncias a serem observados, da qualificação exigida e da linguagem a ser utilizada, é considerada a forma mais superficial e visível dessa categoria de controle do discurso. exigência de identificação; (ii) sociedades de discurso, constituídos como grupos de indivíduos que mantêm, entre si, o controle do discurso por meio da manutenção de um conjunto de regras secretas para a sua produção, distribuição e consumo; (iii) doutrina, caracterizada como um conjunto de discursos compartilhados por um grupo de indivíduos que, em decorrência da adesão às mesmas verdades e regras, estabelecem entre si uma ligação e identidade, diferenciando-os daqueles que não pertencem ao grupo doutrinário - a doutrina realiza o que Foucault denomina de uma “dupla sujeição”, a submissão dos sujeitos que falam aos discursos e a vinculação dos discursos aos indivíduos do grupo doutrinário; e (iv) apropriação social do discurso, designada como a apropriação coletiva dos discursos, realizada pelo sistema de educação, pela mídia, pelo marketing e outros instrumentos políticos que têm a função de manter ou modificar os discursos que devem ser transmitidos coletivamente, distribuindo os poderes e saberes que trazem consigo. Neste procedimento, argumenta Foucault, não há isonomia, mas distribuição e apropriações desiguais dos discursos, de acordo com os limites marcados pelas distâncias, oposições e lutas sociais.
O objetivo deste ensaio é analisar dois específicos procedimentos do que Foucault designa rarefação dos sujeitos; a saber: (i) rituais da palavra e (ii) a apropriação social do discurso. O faremos a partir (1) da observação participante em reuniões dos CCS da Área Integrada de Segurança Pública (AISP) que compatibiliza os limites geográficos de atuação, do 22º BPM e da 21ª Delegacia Legal (bairros de: Benfica, Bonsucesso, Higienópolis, Manguinhos, Maré e Ramos); e da AISP 23 que composta do 23º BPM e das 11ª, 14ª e 15ª Delegacias Legal (bairros de: Ipanema, Jardim Botânico, Lagoa, Leblon, Rocinha, São Conrado e Vidigal). A escolha destas AISP se deu em função de contraste das condições de vida das duas comunidades e a média do IDH de seus bairros.
Desarrollo:
Os espaços de reunião observados foram: o campus do Centro Universitário Augusto Mota (UNISUAM), no bairro de Bonsucesso, AISP 22; e o Clube Monte Líbano, no bairro da Lagoa, AISP 23. Os encontros tiveram duração superior a duas horas, na AISP 22 e superior a três horas na AISP 23. Todos agendados para o horário da manhã, em dia útil.
O rito das reuniões variou bastante entre os dois CCS. Na AISP 22, a reunião de 13/07/2022 começou com 30 minutos de atraso e as autoridades de segurança chegaram alguns minutos após. Um membro efetivo fez a leitura minuciosa da ata da reunião anterior. A presidente solicitou aos 26 presentes que se identificassem; para o que um microfone foi disponibilizado. Às 11h00min, após as apresentações, a fala foi aberta ao público, com a advertência quanto ao limite de 4 minutos por orador e a necessidade de identificação – nome e vinculação institucional. O encontro foi encerrado às 12h21min.
A reunião de 10/08/2022, na mesma AISP 22, foi iniciada sem a presidenta daquele CCS que se atrasou, por uma hora, em razão de operação policial em Manguinhos. Motivo, talvez, para o quórum reduzido em relação à anterior, contando, ao todo, 17 participantes.
Após a distribuição de cartilhas sobre prevenção de violência contra a mulher, produzida pela FIOCRUZ em parceria com o CCS, deu-se início à leitura da ata, enquanto dois policiais militares fotografavam e filmavam a todos. Após reproduzir o registro do pedido intervenção das Forças Armadas nas comunidades da AISP 22, formulado por um participante, o orador manifestou repúdio, dizendo: "somos apartidários, mas aqui respeitamos os poderes constituídos das polícias”. O subcomandante do 22º BPM informou sobre a criação de um gabinete itinerante para ouvir a comunidade in loco. Só então a palavra foi cedida ao público.
A reunião da AISP 23, em 28/07/2022, começou às 10h00min. Próximo à entrada do auditório estavam posicionadas duas mesas, e sobre elas, 3 documentos: uma lista de presença com nomes impressos de participantes regulares; uma segunda lista de presença com nomes de autoridades policiais e de órgãos públicos; e uma ficha temática de três folhas para inscrição para uso da palavra.
A presidente pediu aos membros da mesa que se apresentassem de modo breve. Após o que, ela própria, fez um curto balanço de sua gestão. Um participante indagou a presidente sobre a leitura da ata da reunião anterior. Ao que esta respondeu que a ata se encontrava disponível à porta do auditório. Outros participantes reclamaram do pouco tempo de fala reservado ao público.
Os membros natos realizaram um balanço de suas medidas de segurança, começando pelo Comandante do 23º BPM, seguido pelos Delegados de Polícia e, depois, pelos representantes dos órgãos públicos municipais. Após, foi franqueada a palavra aos demais presentes, no auditório, por ordem de inscrição.
As reuniões de ambos os CCS não contam com uma pauta. Sendo o único tópico recorrente, a prestação de contas feita, na AISP 23, pelas autoridades públicas quanto às contramedidas às demandas que lhes foram submetidas em reuniões anteriores. Nesta AISP, o participante, antes da reunião, se inscreve para a fala; e tem a palavra conforme seja anunciado, por um membro efetivo, seu nome e o tema de sua exposição. Contrastando com o procedimento adotado nas reuniões da AISP 22, em que os participantes solicitam a palavra para expor um assunto ou contraditar o expositor, em uma dinâmica própria ao debate.
A tabela abaixo coteja os ritos de realização das reuniões dos dois CCS com o roteiro de reunião preconizado pelo art. 37 do Decreto nº 47.651/21 que regulamenta estes Conselhos.
Figura 1
Pauta-padrão das reuniões dos Conselhos Comunitários de Segurança

Contrastam, também, entre um e outro CCS, os conteúdos dos debates. Na reunião de 13/07, na AISP 22, um senhor, apresentado pela presidência como o “nosso decano” relatou ser morador da região, havia 80 anos e que se encontrava proibido de dizer representar o Conjunto Habitacional Esperança, da Maré. “Ordem lá de cima”, justificou, referindo-se, possivelmente, aos grupos criminosos que ali atuam. Afirmou ser um dos fundadores daquele CCS e que, no início, “as reuniões enchiam”, porque um Policial Militar entrava em contato com a Associação de Moradores, convidando-os.
Uma moradora de Manguinhos, idosa, destacando-se pela simplicidade de suas roupas e linguagem corporal agitada, repetia angustiada que nada melhorava e reclamou a presença de representantes do Programa Cidade Integrada e do Governador. Sua fala foi abafada pelas interjeições, risos e reclamações dos demais participantes; e endossada pela presidenta do Conselho que destacou o risco que a falta de manutenção da sinalização e iluminação públicas oferecem aos moradores. A discussão foi rematada por outro participante que disse: “o Estado conserta, vagabundo vai lá e rouba [os cabos de sinalização e iluminação]”.
Uma segunda moradora de Manguinhos, também idosa, acompanhada de seu marido deficiente visual, pontuou que a falta de iluminação pública e o desrespeito dos motoristas à sinalização, em razão do medo da violência, põe em risco a vida dos moradores. E sobre os confrontos entre policiais e criminosos comentou: “num dia, ficamos com o nervo abalado, no outro, temos que trabalhar”.
Os ânimos se exaltaram e o senhor que primeiro havia feito uso da palavra diz: “ali tem que ficar escuro, que é por onde passa o bonde (grupo de delinquentes)”, propondo como solução a instalação de um quebra-molas para dificultar o deslocamento dos criminosos.
A sugestão de que os problemas ali relatados pelos moradores da Maré se resumiam às atividades criminosas na área, irritou a presidente do Conselho que contraditou: “estamos falando de 99% dos moradores e se o bonde quiser [passar], vai dar um jeito”. Atribuindo o crime de furto a usuários de crack acresceu: “conserta-se o sinal pela manhã e rouba-se à noite”. E rematou: “não é a polícia que vai resolver, nem a saúde, mas o conjunto da Segurança Pública”.
Moradores representantes de condomínios do bairro de Higienópolis e Bonsucesso dirigiram a fala ao comandante do 22º BPM. Comentaram a existência de grupos de Whatsapp sobre segurança do bairro, forneceram informações sobre a dinâmica criminal e informaram que, sendo alguns deles policiais, eventualmente informam diretamente aos “colegas” nas viaturas sobre os casos e atitudes suspeitas que consideram merecer atenção e intervenção da polícia. Ainda, indagaram ao comandante sobre a possibilidade de implantação do Programa Presente, em Higienópolis. Por fim, elogiaram o comandante pelo planejamento da segurança dos bairros e sugeriram sua inclusão nos grupos de Whatsapp.
O comandante do 22º BPM explicou que tem solicitado mais recursos à Secretaria de Estado em razão da carência de efetivo e viaturas em sua unidade; que seu planejamento obedece ao movimento da mancha criminal, baseada nas estatísticas oficiais, o que implica a priorização momentânea de uma localidade em detrimento de outra que se torna, então, mais vulnerável à criminalidade. Convidou os moradores a visitarem o Batalhão e solicitou que fosse incluído nos grupos Whatsapp de cada bairro.
A presidente do Conselho reforçou a necessidade do registro de ocorrência, a partir do qual a polícia realiza seu planejamento.
Um participante que disse ter sido, um dia, candidato a cargo eletivo, fez a seguinte argumentação:
Temos que nos atentar na escolha dos representantes. Pra mim, temos hoje um Congresso acovardado. Pra mim, a polícia hoje não é mais polícia, é soldado de guerra. O 22º [Batalhão] tem medo de atingir pessoas inocentes, e o meliante está protegido com a população. É 1%, todos com fuzil. Quem tinha que entrar [na comunidade] é a Marinha, Forças Armadas, porque é arma de guerra.
Um representante da ONG Redes da Maré contra-argumentou que a comunidade conta 140 mil moradores e que, caso 1% desta população possuísse fuzis, a cidade pararia. Informou sobre o aumento de problemas de convivialidade na comunidade, como a prática a prática de guerra de pedras entre as crianças, havendo depredação de escolas, além de brigas constantes entre vendedores ambulantes. Explicou que a ONG vêm realizando intervenções artísticas e urbanísticas no território, com o qual desmentem a máxima de que apenas advogados atuam no tema da segurança. Reclamou da falta de policiamento naquela localidade. Propôs visitar o 22º BPM para apresentar o trabalho realizado pelo Redes da Maré e tentar estreitar laços entre as duas instituições. Solicitou o contato do Comandante.
Adiante, outro participante perguntou se o aumento do crime não estaria associado à decisão do Supremo Tribunal Federal de restringir as operações nas favelas e de colocar o “Big Brother” (câmeras) nos uniformes dos policiais.
O representante da ONG Viva Rio fez registrar a presença de uma mulher que acompanhava a reunião. Tratava-se de uma mãe que havia perdido um filho durante uma operação policial. A criança, voltando da escola, foi alvejada por um tiro de fuzil. À época, a imagem desta mãe segurando o uniforme escolar do filho perfurada e manchada de sangue estampou as manchetes dos jornais. Sua participação na reunião, no entanto, foi silenciosa.
A autocensura imposta por esta mulher era comum, de uma forma ou outra, a todos os demais participantes moradores das comunidades pobres ali presentes. Estes não teciam comentários sobre a qualidade da oferta dos serviços policiais, suas demandas eram dirigidas a outros órgãos que ali não se faziam presentes: serviço de iluminação, coleta de lixo e outras demandas de ordenamento e conservação pública de responsabilidade municipal.
Perto do fim da reunião, chegaram os representantes do Programa Cidade Integrada, e as falas passaram a se dirigir a eles. Um representante da FIOCRUZ demandou maior transparência e diálogo dos gestores do Programa com a sociedade civil, afirmando que as iniciativas não vêm atendendo às necessidades do público.
A reunião do dia 10/08/022 foi antecedida pela distribuição de cartilhas sobre prevenção de violência contra a mulher, produzida pela FIOCRUZ em parceria com o CCS. Aberta a sessão, procedeu-se à leitura da ata, ocasião em que dois policiais militares fotografaram e filmaram.
Ato contínuo, o leitor da ata, na qualidade de morador do bairro Leopoldina, discorreu sobre prováveis rotas utilizadas por criminosos em fuga, demandas dos comerciantes e ausência de área de lazer para moradores; e reforçou a necessidade do registro de ocorrência, pois segundo afirmou: “para combater a mancha [criminal], só com dados”.
Uma moradora da Maré relatou a demanda dos mais velhos por psicólogos; o aumento da violência entre as crianças das comunidades; e o aumento no consumo de álcool e outras drogas pelos adolescentes, que estariam se isolando e não procurando mais ajuda. E afirmou que as escolas não estariam dando o apoio adequado a essas crianças e adolescentes. Ao que o subcomandante do 22º BPM aventou a possibilidade das escolas solicitarem à SEPM o serviço do PROERD.
Representante da LAMSA divulgou processo seletivo de projetos de esporte, educação e meio ambiente, para comunidades do entorno da Linha Amarela, a serem financiados pela empresa.
A presidente do CCS chegou com uma hora de atraso, devido a uma operação policial. Relatou que os equipamentos de assistência social que atendiam aos moradores de de Manguinhos foram transferidos para Bonsucesso, sem prévio comunicado.
Moradores de Nova Holanda, Parque Proletário, Penha e Manguinhos demandaram ao CCS solução para os problemas de furtos praticados por usuários de drogas cujas cenas de uso se localizam nesses mesmos bairros. Defenderam, contudo, a existência dos serviços de abrigamento e o direito da população em situação de rua de permanecer nas vias públicas. Atribuíram à conjuntura econômica o agravamento do quadro descrito.
Aparentemente ansiosa, a Coordenadora da UPA Manguinhos iniciou sua fala informando que a unidade de saúde realiza mais de 300 atendimentos diários e que, quando há vítima por PAF (Perfuração por Arma de Fogo), esta é encaminhada a um hospital de referência, já que a UPA não conta com leitos. Acresceu que o protocolo da UPA é, nestes casos, informar imediatamente a UPP Manguinhos. Feitos estes esclarecimentos, relatou que policiais militares teriam entrado na unidade de saúde procurando por uma vítima, supostamente, um criminoso baleado por integrantes da corporação. Os profissionais de saúde entraram em pânico, pacientes desestabilizaram-se e, ao fim, um dos médicos pediu demissão. Os policiais militares teriam revirado lençóis e vasculhado em todos os cantos da unidade. Ao final, dirigindo-se ao subcomandante, questionou: “O que houve? Qual é a orientação? Isso é o protocolo?”
Pressionado, o subcomandante se furtou de responder diretamente a questão, e argumentou que “a experiência demonstrou a necessidade de realizar a verificação”.
Inconformada, a Coordenadora repetiu a pergunta, “Mas isso é o protocolo?", elevando o tom. O silêncio do subcomandante é interrompido pelo comandante da UPP de Manguinhos, que, referindo-se ao episódio narrado, respondeu enfaticamente “se é do tráfico, tem que verificar”. Segundo o comandante da UPP, os policiais haviam sido informados que a vítima baleada se tratava de uma pessoa com mandado de prisão, o que justificaria a incursão policial na unidade de saúde.
Percebendo o escalonamento da tensão, a Assistente Social – que, mais tarde, teria confidenciado ao pesquisador que ela mesma teria feito o convite à Coordenadora – pôs-se a intermediar a discussão, e em tom sereno, repetiu a pergunta da Coordenadora, dirigindo-se ao subcomandante: “O que ela gostaria de saber, comandante, é se este é o protocolo de ação da polícia”.
Irritado com a insistência, o subcomandante, com rispidez, justificou que “se a polícia não agir, o criminoso pode colocar a segurança da população em risco, fazendo vocês de refém, levando pro alto do morro. Fazemos isso pra preservar a vida de vocês.”
Aflita, a Coordenadora da UPP explicou que já teria havido episódios de troca de tiros entre policiais e criminosos dentro da UPP; e que o medo dos funcionários e pacientes é de um novo confronto, pondo a vida de todos em risco.
Percebendo a irredutibilidade do comandante, a Assistente Social propôs continuar a mediação da demanda entre a UPA e as polícias após o término da reunião.
Seguiram-se mais duas falas sobre furtos de água e energia; e foi encerrada a reunião.
Na reunião de 28/07/2022, do CCS da AISP 23, o comandante do 23º BPM expôs a ações adotadas e seus reflexos na estatística criminal – enfatizando a redução percentual dos roubos. Discorreu sobre formas de prevenção a crimes e sobre a Patrulha Maria da Penha, oferecendo o contato dos responsáveis por ela, em sua unidade. Por fim, advertiu aos presentes sobre a contratação de serviços de terceirizados, relembrando o duplo homicídio ocorrido no bairro de Botafogo.
O representante de uma das Delegacias de Polícia explicou a diferença da natureza do serviço das duas polícias e reportou as principais investigações em curso. Encerrou fornecendo o número de telefone da Delegacia. Ao que uma moradora retrucou, dizendo que “toca-toca [o telefone] e ninguém atende”.
A subprefeita da Zona Sul listou as ações realizadas por sua administração: obras, ações de fiscalização de posturas, manutenção de equipamentos públicos (especialmente, as praças) e retirada de cabines abandonadas em São Conrado, que vinham sendo utilizadas por ambulantes e moradores de rua. Logo depois, a representante da Secretaria Municipal de Assistência Social explicou que o órgão realiza o acolhimento dos moradores de rua 24 horas por dia, com o apoio da COMLURB que faz o recolhimento do material dessas pessoas.
Os policiais responsáveis pelas Operações Lagoa Presente e Ipanema Presente fizeram um breve relato das principais ocorrências criminais. Sendo, na Lagoa, o (i) tráfico de drogas; e (ii) roubos e furtos praticados por “menores” usuários da linha de ônibus 476 (Méier/Leblon), moradores de rua e criminosos se passando por entregadores do Ifood (segundo o policial, um destes, inclusive, teria atirado contra uma guarnição). Em Ipanema, a policial responsável pela Operação elencou como balanço de sua atuação as apreensões de objetos cortantes e identificação de mandados de prisão por roubo e furto entre moradores de rua, e a prisão de um vendedor ambulante, com mandado de prisão aberto por estupro.
"Percebemos que os moradores de rua não gostam de ser constantemente abordados. Agem como nossos filhos. Quando pedimos para saírem do local, acordam, dizem que vão sair e, assim que damos as costas, voltam a dormir"; com orgulho, o policial da Operação Leblon Presente explicou que repetiam a abordagem até que se sentissem incomodados e desistissem de permanecer. E rematou: “sempre abordamos de maneira cortês, uma abordagem cidadã. Oferecemos o serviço de assistência social da base”. Os responsáveis pelas Operações Ipanema e Lagoa Presente, e da da UPP Rocinha disponibilizaram seus contatos aos moradores.
A delegada da 11ª DP (Rocinha) pontuou a diminuição dos registros de violência doméstica e familiar contra a mulher (Lei Maria da Penha), propondo ações de incentivo ao aumento de denúncias. Comentou, ainda, o grande número de furtos em sua circunscrição, e o resultado da investigação desse tipo de crime, com a identificação do receptador.
O tema dos moradores de rua foi retomado pela Coordenadora de Assistência Social do município, que fez uma distinção entre pessoas em situação de rua e pedintes, responsabilizando os donativos feitos pela "classe média” pela existência e permanência daqueles nas ruas.
Os moradores intercalaram cobranças às autoridades com elogios às contramedidas policiais e dos demais órgãos de serviço público, ali presentes. Um mesmo morador agradeceu à concessionária pela limpeza dos rios da Zona Sul ao mesmo tempo que interpelou o comandante do batalhão sobre a localização das viaturas, antes estacionadas em pontos por ele identificados.
Uma terceira moradora de Ipanema, preocupada com a desvalorização do seu imóvel e com o isolamento que, segundo ela, era provocado pela deterioração do entorno, relatou que:
De junho pra cá, alguém me falou que liberaram o tráfico [de drogas] em Ipanema. Toda noite fazem fezes na [rua] Barão da Torre. Tem gente que não vai mais nem na minha casa … toda noite tem carro com vidro quebrado. … tem cracudos morando ali”.
Para os moradores, os usuários de drogas vinham se constituindo como problema crescente mais grave que a dos moradores de rua: “Eu não sei de onde aparece tanto usuário”, afirmou um representante de uma associação de moradores que, em seguida, agradeceu à polícia pelo “trabalho de perturbar” os moradores de rua e pelas apreensões de motos e terminou sua fala dizendo “Queremos que se comece a agir antes que aconteça uma tragédia com o usuário [de drogas]”.
Por fim, alguns participantes constataram a redução do número de policiais nas delegacias, e dirigindo-se às autoridades presentes, perguntaram sobre a posição do governo sobre a falta de efetivo, tema sobre o qual não obtiveram resposta, apenas a confirmação, em tom de lamentação, dos policiais presentes.
Dado o avançar da hora, o pesquisador teve que se ausentar antes do término da reunião, que já havia extrapolado em mais de uma hora o horário previsto para seu encerramento.
Conclusiones:
As reuniões, dos CCS observados, nos evidencia – por sua dinâmica de distribuição, controle e circulação da fala – o modo de apropriação social do discurso da segurança, naqueles foros. Esta dinâmica também evidencia a verticalidade da relação entre sociedade civil e agentes de segurança. Encontrando-se as polícias (no meio desta escala) em posição de ouvir dos participantes do CCS da AISP 23 (situados no topo) como querem sejam as coisas; e dizer para os participantes da AISP 22 (situados na base) como as coisas serão.
As falas dos participantes revelam, na AISP 22, polarização entre defensores da ordem pública a qualquer custo e defensores da ordem pública sob o império da lei; ao passo que na AISP 23, chamam a atenção menos pela unanimidade do clamor pela preservação da ordem pública; e mais pela omissão unânime de indicativo do como realizá-la – se a qualquer custo ou sob o império da lei.
As discussões dos CCS, como um todo, não interferem na formulação da política de segurança; porém, no modo como suas medidas são executadas, em cada AISP. A eficácia das palavras em produzir o mínimo consenso depende da realização satisfatória de práticas perspicazes de seleção dos participantes (rarefação do sujeito) como, por exemplo: o agendamento de encontros exclusivamente em dias úteis e quase sempre em horário comercial, o que garante a frequência de profissionais autônomos, empresários e idosos sem atividade laboral; enquanto dificulta a presença assalariados e estudantes. O registro da imagem (quando moradores de localidades controladas por criminosos); o local de reunião, a linguagem verbal e vestual são também fatores de eventual constrangimento, senão estigmatização, especialmente dos mais desprovidos – como foi o caso da senhora que, na AISP 22, reclamou a ação do programa Cidade Integrada.
A estes rituais da palavra que definem a qualificação do sujeito falante (quem fala) e o discurso eficaz (o que se fala), se somam os que definem as circunstâncias de pronunciamento (quando e como se fala). São, por exemplo, a advertência sobre a neutralidade política do CCS; a exigência de inscrição prévia do nome e tema do orador; a mediação, dos membros efetivos, de conflitos ocasionais. Tratando-se, então, de formas de limitação dos perigos da materialidade de discursos como aquele pronunciado pela Coordenadora da UPA, na reunião do CCS da mesma AISP 22.
A rigor, conforme Foucault, o objeto em disputa é sempre um mesmo e único: o poder. Porém, amiúde, essa disputa pelo poder se dá em razão de objetos outros mais específicos. Depreendendo-se no caso dos CCS tratar-se de uma disputa pela liberdade – de desfrutar de um modo de vida, como na AISP 23 ou de estar eximido do jugo, seja de paramilitares, ou das forças policiais, ou dos traficantes de entorpecentes, como no caso da AISP 22.
Bibliografía:
Decreto nº 40.859, de 23 de julho de 2007. (2007, 23 de julho). Cria, sem aumento de despesa, a Câmara de Gestão de Segurança Pública do Estado do Rio de Janeiro - CAGESP, e dá outras providências. Governo do Estado do Rio de Janeiro. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro.
Decreto nº 41.930, de 25 de junho de 2009. (2009, 25 de junho). Dispõe sobre a criação e implantação das Regiões Integradas de Segurança Pública (RISP) e das Circunscrições Integradas de Segurança Pública (CISP) para todo o território do Estado do Rio de Janeiro. Governo do Estado do Rio de Janeiro. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro.
Decreto Nº 47.651 de 16 de junho de 2021. (2021, 16 de junho). Institui o regulamento dos Conselhos Comunitários de Segurança do Estado do Rio de Janeiro, institui o Fórum permanente dos CCS, sem aumento de despesas, e dá outras providências. Governo do Estado do Rio de Janeiro. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro.
Foucault, M. (1996)A ordem do discurso: aula inaugural no Collège de France, pronunciada em 2 de dezembro de 1970. Tradução de Laura Fraga de Almeida Sampaio. (16. ed.) Loyola.
__________. (2007) Arqueologia do saber. Tradução de Luiz Felipe Baeta Neves. (7. ed). Forense Universitária.
Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. (1996, 23 de dezembro).Estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Presidência da República. planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm
Resolução SSP nº 263, de 26 de julho de 1999. (1999, 26 de julho). Define os coordenadores das áreas integradas de Segurança Pública e dá outras providências. Governo do Estado do Rio de Janeiro. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro.
Resolução SSP nº 331 de 31 de janeiro de 2000. (2000, 31 de janeiro). Dispõe sobre a transformação do Grupamento Especial de Policiamento de Estádios (GEPAT), na estrutura da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Governo do Estado do Rio de Janeiro. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro.
Resolução SESEG nº 1.213 de 31 de julho de 2018. (2018, 31 de julho). Dispõe sobre a transformação do Grupamento Especial de Policiamento de Estádios (GEPE), na estrutura da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro. Governo do Estado do Rio de Janeiro. Diário Oficial do Estado do Rio de Janeiro.
Palabras clave:
Análise do Discurso, Conselhos Comunitários, Gestão da Segurança