Brasil -
anapazmesquita@gmail.com
| 4893
Resumen de la Ponencia:
Resumo
O presente artigo visa analisar a esperança a partir de um olhar hermenêutico e do pensamento latino-americano as ações do Projeto Social Barca Literária, que é um projeto que tem por objetivo formar novos líderes para a comunidade. O Barca Literária está localizado no centro da região Metropolitana de Belém, bairro do Telegráfo, mas é uma comunidade de extrema pobreza. O projeto atende aproximadamente 80 crianças e adolescentes entre 05 a 17 anos. Para tanto, buscou-se fazer essa interpretação com a finalidade de compreender como ocorre as ações da esperança no projeto, compreender a esperança no cenário do Barca Literária e entender o testemunho presente no projeto. Para tanto, foi necessário utilizar como aporte teórico para a compreensão da esperança a fundamentação das teorias de Freire (2004), Ricoeur (2018) e Borda (2015).
Resumen
Este artículo tiene como objetivo analizar la esperanza desde una mirada hermenéutica y latinoamericana las acciones del Proyecto Social Barça Literario, que es un proyecto que tiene como objetivo formar nuevos líderes para la comunidad. Barca Literária se encuentra en el centro de la región metropolitana de Belém, distrito de telegráfo, pero es una comunidad de extrema pobreza. El proyecto atiende aproximadamente a 80 niños y adolescentes entre 05 y 17 años. Con este fin, buscamos hacer esta interpretación para comprender cómo ocurren las acciones de esperanza en el proyecto, comprender la esperanza en el escenario de barcaza literaria y comprender el testimonio presente en el proyecto. Por lo tanto, fue necesario utilizar como contribución teórica a la comprensión de la esperanza el fundamento de las teorías de Freire (2004), Ricoeur (2018) y Borda (2015).
Introducción:
1 Introdução
Nesse período difícil em que se encontra o Brasil devido às perdas sociais e de trabalho devido a situação política e econômica, e também a pandemia de Covid-19, um grupo de pessoas decidiu reunir-se e fazer uma biblioteca para que as crianças pudessem ter acesso à literatura, à leitura de livros diversos, e com isso fomentar uma educação inclusiva e combater a desigualdade social, e, construindo, assim, pela literatura, novos sonhos. Em 2020 foi criada o Barca Literária, biblioteca itinerante que leva literatura e educação a crianças e adolescentes da região da Vila da Barca – comunidade que vive em situação de habitação social precária, localizada no bairro popular do Telégrafo, situado quase no centro da cidade de Belém.
Neste trabalho busca-se fazer uma interpretação da esperança do projeto Barca Literária. Compreender o lugar de expressão desse coletivo, que estimulam o melhor das ações humanas em um ambiente que prevalece a violência.
Desse modo, há o interesse em realizar uma interpretação a partir da hermenêutica. Para tanto, Ricoeur (1988) diz que a princípio entende-se por interpretação como algo determinado; porém não é dessa forma. Para ele é desvendar o sentido escondido, nas entrelinhas, para além do que está sendo visto. “É o trabalho do pensamento que consiste em decifrar o sentido escondido do sentido aparente, em desdobrar os níveis de significação implicados na significação literal” (RICOEUR, 1988, p. 14).
Para Higuet (2015, p. 29), a hermenêutica de Paul Ricoeur, busca verificar, imaginar e criar sentido a partir do texto, buscando ir para além da interpretação primeira. Criando, assim, produções de sentidos. A hermenêutica tem de ir para além das metáforas e dos símbolos. Higuet (2015) diz que a hermenêutica deve realizar-se na mediação do texto. Nas várias vozes existentes nos textos quando em transição da semântica para a hermenêutica. Essa transição justifica-se na conexão entre o discurso e o sentido, pois todo o discurso tem uma ambiência simbólica, ou uma carga cultural, e, a referência – de se referir a algo que está fora da linguagem. É nesse sentido e referência que se entende a intencionalidade do discurso – o contexto em que esse discurso foi construído ou enunciado, que a partir da hermenêutica vai explicar esse universo simbólico, de interpretações que se faz o discurso.
Assim, busca-se pensar a partir da análise do projeto Barca Literária, a narrativa da esperança e solidariedade representada nas ações de estímulo à leitura e educação. É pensar essa ação coletiva da esperança e solidariedade a partir do ponto de vista dos estudos sobre narrativa/ discurso de Paul Ricoeur (2018). Se faz necessário, também como aporte teórico deste trabalho, a leitura em Paulo Freire (2004), para compreender essa educação libertadora em meio a uma comunidade que resiste aos efeitos da Covid-19 e do esquecimento do outro e o conceito de subversão defendidos por Fals Borda (2015) em seu pensamento crítico Latino-americano.
Desarrollo:
2 Projeto Barca Literária e comunidade Vila da Barca (breve apresentação)
O projeto Barca Litterária iniciou em novembro de 2021 no período da pandemia. Em uma breve conversa com Gisele Mendes, assistente social, e uma das fundadoras, relatou que a iniciativa começou a partir de uma visita feita no período em que ela fazia parte da catequese.
Durante nossa conversa, Gisele disse que além dela, mais nove pessoas fazem parte da equipe do projeto. Essas pessoas são da Comissão Solidária da Vila da Barca, os membros são os próprios moradores da comunidade Vila da Barca, localizada no bairro do Telegráfo, periferia localizada na região Metropolitana de Belém.
O trabalho desenvolvido, segundo Gisele, é de leituras. Escrita criativa, teatro, dentre outras atividades ligadas à educação e arte, uma vez que, a maioria dos membros do projeto são pedagogos. Os trabalhos são realizados na segunda, terça e quinta – feira pela noite (19h-21h) e atende crianças e adolescentes de 05 até 17 anos de idade.
A ideia do projeto é conscientizar e estimular nesses adolescentes e crianças o protagonismo, a liderança social e a construção coletiva. Assim, alguns trabalhos desenvolvidos pelo projeto como: distribuição de cestas básicas, arrumação do projeto, distribuição de senhas para as cestas básicas - tem a participação dos adolescentes.
O projeto vive de doações e algumas parcerias – grupos, artistas, outros educadores que disponibilizam tempo para oferecer cursos, oficinas, doações de livros, doações de cestas básicas, dentre outras ações.
2.1Comunidade Vila da Barca
Segundo as pesquisas de Souza (2011), a Vila da Barca fora iniciada em 1920 e foi constituída como espaço de moradia para atender trabalhadores de uma fábrica de castanha da época e para famílias que chegavam do interior do Estado do Pará. Eram agricultores e ribeirinhos que comercializavam produtos agrícolas enviados por familiares para serem revendidos na cidade de Belém.
Com as intervenções urbanísticas realizadas em Belém - provocaram o surgimento de locais alagados e que foram ocupados por trabalhadores que não tinham condições de pagar uma moradia com saneamento e infraestrutura adequada, e que, portanto, se submetiam a moradias insalubres, a exemplo, a Vila da Barca (SOUZA, 2011).
Em 1960 os moradores da Vila da Barca foram pressionados a sair do local devido a instalação de pequenas e grandes empresas na orla. Mas os moradores conseguiram se fortalecer enfrentando os interesses empresariais e reivindicando ao Estado a permanência no local. Tornando a Vila da Barca um símbolo de resistência contra a privatização da orla. A área tem sido objeto de especulação imobiliária durante os anos devido a sua localização (SOUZA, 2011).
A comunidade Vila da Barca tem em seu histórico a resistência e a luta pelo seu lugar. Por permanecer nele e protegê-lo. Como já mencionado, resistir é um ato de esperança. Esperança essa que no histórico da comunidade Vila da Barca está presente na solidariedade - na força da comunidade.
3 Esperança
Paulo Freire (1996, p. 37) diz que a esperança faz parte da natureza humana, não é algo que se justaponha. A esperança faz parte de um movimento constante de busca própria do ser humano. O educador ainda defende que a desesperança não é uma um ato natural do ser humano, mas uma distorção da esperança. “Eu sou, pelo contrário, um ser da esperança que por ‘n’ razões, se tornou desesperançado” (FREIRE, 1996, p. 38). Entende-se por esperança a partir da ótica Freiriana que também pode ser um movimento de resistência, de indignação às questões sociais. A inquietação, a não acomodação diante de injustiças:
Por tudo isso me parece uma enorme contradição que uma pessoa progressista, que não teme a novidade, que se sente mal com as injustiças, que se ofende com as discriminações, que se bate pela decência, que luta contra a impunidade, que recusa o fatalismo cínico e imobilizante, não seja criticamente esperançosa (FREIRE, 1996, p.38).
Diante disso, pode-se pensar sobre as ações presentes no projeto Barca Literária. Ao observá-los, há sempre uma ação, um movimento de resistência em prol da educação e da formação das crianças da redondeza, que serão futuros agentes dessa mesma luta. A esperança está presente neste grupo, pelas ações, pelas parcerias, pelos incentivos às crianças a lerem, pela dedicação, preocupação dos próprios iniciadores do projeto. No projeto, há um comprometimento com a causa e uma vontade de fazer mudanças no mundo.
Para Freire, a esperança está na luta, na raiva, na não acomodação a situações desumanas. De acordo com seu pensamento, não há como concordar com o discurso de acomodação. A raiva, a ira diante da desigualdade é a motivação para a briga pelos direitos, como ele diz, motivação essa, tal qual “o direito de amar, de expressar seu amor ao mundo” (FREIRE, 1996, p. 39). Esse é o exercício da resistência. É nesse contexto que a esperança se reforça e se renova.
Interpretando Paulo Freire, Merçon (2012, p. 560-561), diz que a esperança sozinha não é capaz de mudar o mundo, e que, para tanto, é necessária uma qualidade ética da luta. Para que essa esperança seja crítica e não uma mera ação ou pensamento ingênuo, é preciso, segundo a interpretação da autora, que essa esperança seja, também, uma necessidade ontológica, uma ação, para assim, tornar-se uma história concreta.
A esperança crítica não se fundamenta em um sujeito isolado com sua vontade ingênua. Não corresponde a um ‘pura espera’, infértil, senão a um sonhar ativo que transforma o pensamento crítico em ação. Talvez seja verdade que nossa frágil natureza humana seja constituída por muitas esperas e esperanças. Talvez não nos seja possível viver sem, em momento algum querer o que não é sem ter expectativas ou de alguma maneira nos empenhar para realizar o que nosso desejo imagina para o futuro (MERÇON, 2012, p. 561).
Pensar as ações do projeto Barca Literária, é entender que toda a atitude realizada pelos integrantes do projeto, vai ao encontro de uma ação de esperança que não essa esperança ingênua, mas a que sonha – age – luta – concretiza. e nos faz observar e refletir sobre essa condição do querer, da vontade de fazer.
Interpretando Paul Ricoeur, Pacheco (2021, p. 149) diz que a esperança não é um simples sentimento, uma abstração, uma ilusão. Mas sim, uma reflexão do agir humano. Pois para agir é pensar em agir, pensa-se em algo para ter a decisão de agir. Tem um motivo, uma causa, uma razão da ação. É nesse momento que pensamos, ou nos conscientizamos das nossas limitações e das ações de superação.
É nesse sentido, que Pacheco (2021) ao interpretar Ricoeur, diz que o homem, ele persevera na esperança, porque essa esperança na realidade que leva à morte, existe uma descontinuidade que faz com que a força da afirmação não seja uma autoafirmação, mas sim um estímulo que provém da ressurreição. Das possibilidades de acontecimentos. “Uma liberdade que desafia a morte é uma liberdade que tem por possível a ressurreição, que é animada pela paixão pelo possível e que de outra maneira se opõe à resignação” (PACHECO, 2021, p. 151).
Assim, as reuniões, os eventos, as aulas de arte e literatura fornecidas pelo projeto às crianças, é um exemplo concreto de Esperança crítica defendida por Freire. Esperança calcada na ação e na luta, e não na espera. Na inquietação em busca de um mundo melhor.
4 A Esperança no Barca Literária enquanto ação
Entende-se que a esperança é uma motivação, uma condição do querer. Nesse sentido, nos estudos de Ricoeur (2018) sobre a motivação, diz que não há uma decisão sem motivo e essa relação, segundo o filósofo, conduz a um problema central do voluntário e involuntário.
Ricoeur (2014) abre uma discussão sobre o motivo e causa. Ele diz que o motivo é o agir, está ligado na ação executada ou por executar. A causa seria, no sentido humano, seria uma heterogeneidade lógica entre causa e efeito, uma vez que, segundo o autor, um pode ser mencionado sem depender do outro.
Já o motivo não pode ser definido sem a ação. Existe entre ambos uma relação mútua, uma conexão lógica, onde o motivo se assemelha às ações do agir. E essas implicações lógicas estão tanto no fazer como em fazer. “Na verdade, o desejo intervém na ação quer como dimensão racional, como sentindo, quer como força que constrange e afeta o sujeito” (SILVA, 2001, p. 19). O desejo está na dimensão racional porque algo será percebido, interpretado. Algo fará sentido. E a partir do momento que esse sentido é percebido por alguém, que pode ser percebido em um determinado contexto e, portanto, pode ser interpretado de acordo com o contexto.
Dialogando com o pensamento do filósofo francês sobre as ações do projeto Barca Literária – há um motivo e causa nas ações e divulgações do projeto. Estão divulgadas nas ações realizadas pelo projeto – tais como as aulas, os encontros para definir as ações do projeto e as parcerias que ajudam também a desenvolver as ideias do projeto Barca Literária.
A divulgação dos trabalhos de teatro, literatura, arte em geral e parceria desenvolvidos pelo projeto, é o motivo e causa para legitimar e fortalecer a ideia e causa do projeto. Assim, há uma ação, um motivo, um agir presente nas ações atribuídas pelo Barca Literária. E, há um sentido, uma causa que pode ser percebido na divulgação dos trabalhos do projeto Barca Literária. Assim como, pela legitimação da causa do protagonismo adolescente e formação de lideranças em local de violência e miséria no qual o projeto está localizado.
Ainda sobre a ideia de motivo e causa defendidos por Paul Ricoeur, podemos pensar sobre a Esperança. Lembrando Paulo Freire – a esperança é uma ação, não é uma simples espera e, sim, uma necessidade humana. Diante disso, pode-se pensar sobre a essência dessa motivação, dessa ação humana que chamamos de Esperança diante das dificuldades e desigualdades sociais.
Pensar em conscientizar esses jovens a futuramente serem protagonistas de lideranças, como faz o Barca Literária, é pensar em um futuro esperançoso. É agir com a intenção de contribuir para um mundo melhor.
Ricoeur (2018) afirma que todo motivo é um motivo de uma decisão. Essa decisão afirma a existência desse sujeito. O sujeito que decide e age. Mas para compreender essa fenomenologia da vontade de Paul Ricoeur é necessário compreender sobre o conceito de Projeto. Para o autor, a intenção do projeto é o pensamento. “Todos os atos de pensamento são, em algum grau, capazes de reflexão e disponíveis para autoconsciência” (RICOEUR, 2018, p. 55). E esse Projeto está inserido no sentido de ‘eu decido – eu quero’. Interpretando o filósofo francês, Aleixo (2010, p. 43) diz que o Projeto é o objeto intencional da consciência de decisão. Ele é o impulso e a vontade para o futuro. É uma consciência de projetar para o futuro.
Pensando a partir disto sobre a esperança, entende-se que esperançar é projetar algo futuro. Há uma intencionalidade que algo possa vir a dar certo. Pratica-se uma ação voluntária, pensada em um futuro bom. Tal qual pode-se observar nas ações do grupo Barca Literária, as ações são construídas, são pensadas com a finalidade de que possam a vir a dar certo no futuro. As crianças são o foco do projeto Barca Literária, são os sujeitos que estão se preparando para construir um futuro melhor para a sua comunidade da Vila da Barca. O Barca Literária prepara essas crianças e jovens para serem futuras lideranças na comunidade.
Para Ricoeur (2005) é importante identificar quem é o agente dessa Ação. Existem dois tipos de Ação que o autor classifica como básica e complexa. A primeira nos permite uma leitura imediata sobre quem a emitiu. A segunda, produz um efeito. Há uma manipulação, uma transformação – “É o sentido comum do agir; age-se sobre algo: diz-se que então que agir é causar uma mudança” (RICOEUR, 2005, p. 88). Nesse sentido, o agente do discurso intencional, da Ação, é o autor e responsável pelos efeitos mais longínquos. Longínquo, para Ricoeur (2005, p. 90), no sentido de que a interpretação desses efeitos a outro não há como medir. A iniciativa foi do primeiro agente, os efeitos e resultados que isso pode causar, está fora do poder do agente.
5 Ação da esperança enquanto testemunho
A ação do projeto Barca Literária presentes nas narrativas de imagem e legenda do instagram podem ser consideradas como um testemunho de solidariedade, esperança e bem. Desse modo, Ricoeur (2008, p. 109-110) problematiza a questão do testemunho, afirmando estar além de uma questão histórica, de memória, de algo que aconteceu que foi testemunhado e temos como lembrança. O testemunho na hermenêutica de Ricoeur (2008) é uma questão de significado. São experiências vividas que produzem inspirações, intenções, ideias e que superam a experiência histórica.
Para o autor, quando o testemunho passa do plano das coisas ditas, narradas, implica uma relação dual entre quem testemunha e quem recebe o testemunho. Assim, Ricoeur (2008) diz que o testemunho não é somente um nível sensorial ao outro, mas ao plano do juízo, pois o relato emitido é constituído por alguém com opinião sobre o acontecimento, sobre o que viu. “O testemunho é o que você confia para pensar que ..., para estimar que ..., em suma, para julgar” (RICOEUR, 2008, p. 113). Assim, diz que o caráter ocular do testemunho nunca é o suficiente para constituir senso de testemunho, pois este é realizado por alguém que tem suas experiências e ponto de vista sobre o mundo da vida.
Fundamentando para a realidade do Barca Literária em suas ações expressas no instagram, entende-se que as ações de solidariedade, de educação voltada para o social, é um testemunho da esperança. É uma forma de mostrar ao outro que a luta está a partir de um pensamento educacional voltado para adolescentes e crianças visando um futuro melhor. É uma forma de testemunhar a luta e histórias daquelas crianças que vivem na periferia da região metropolitana de Belém. É testemunhar que mesmo em um local de violência – reside a esperança e a solidariedade. Ricoeur, (2008) defende que o testemunho também tem uma intencionalidade, e que está depende das vivências e experiências do sujeito que a relata. O mesmo ocorre com quem interpreta essa narrativa testemunhal. Cada testemunho narrado e interpretado tem um juízo de valor e uma razão de ser.
As próprias narrativas construídas no instagram do Barca Literária são testemunhos de uma comunidade que tem a intenção de projetar nas crianças um sentimento consciente e de luta – para gerar naquele local sujeitos dispostos a mudar o pensamento e suas ações no mundo da vida – como bem podemos observar na legenda de uma postagem no instagram do dia 01 de junho de 2022 - “Acreditamos nos processos educativos como ferramenta para causar impacto social”. O objetivo é fazer esse movimento para o futuro.
Para tanto, Ricoeur (2008) explica que o testemunho pode ter características e funções documentais. Como prova de algo que ocorreu em um debate ou reunião, a função de registrar algo. Nesse caso, o testemunho ganha esse valor documental. Assim, o testemunho deixa de ter um sentido jurídico para ganhar sentido histórico; ou os dois juntos, com as características legais e históricas do acontecimento. Completando seu pensamento, Ricoeur (2008, p. 114) afirma que o testemunho “não é aqui uma categoria específica do método histórico, mas constitui uma transposição característica e instrutiva de um conceito eminentemente jurídico que atesta seu poder de generalização”.
O autor se apropria do âmbito jurídico para explicar o significado da palavra testemunho porque ele é utilizado como argumentação nas audiências jurídicas, como se tivesse a função de atestar algo, a veracidade de algo. Dialogando com as divulgações ocorridas no instagram do projeto Barca Literária, divulgar os trabalhos desenvolvidos torna-se importante e necessário. Para estimular, incentivar as pessoas a conhecerem o projeto, a visitá-lo e contribuírem para o crescimento e legitimação de suas ideias e causas. Como bem podemos perceber na seguinte legenda postada no instagram do projeto no dia 24 de maio de 2022 – “Grupo de leitura criativa: borboleta. Acreditamos em processos de educação coletivos e inclusivos”.
Mas o testemunho não se esgota no sentido quase empírico e quase jurídico. Ricoeur (2008) diz que o testemunho também é presente na dimensão ética. O testemunho verdadeiro não se limita apenas a contar os fatos, a narrar algo. O testemunho não se limita ao relato de algo, na medida em que tem a ver com testemunhar por alguma coisa ou causa. Tem um objetivo, uma ideia a defender.
O testemunho na dimensão ética, de atestar o que é verdadeiro, de defender uma causa é notório nas postagens do instagram do projeto Barca Literária. Há uma causa defendida nas ações. Há um empenho em manter o perfil e a legitimação das ações do projeto em destaque. São imagens contínuas e nas legendas das imagens a defesa do protagonismo juvenil, das questões do meio ambiente, do estímulo às artes, dentre outros assuntos importantes para a construção do ser humano enquanto agentes sociais.
6 Esperança no Barca Literária enquanto pensamento crítico latino-americano
Em estudo sobre sociologia da libertação a partir do ponto de vista de Fals Borda, Bringel (2016, p. 403) interpreta que o campo da libertação reforça elementos de solidariedade, de ética, da busca do bem comum e de um humanismo que ele chama de revolucionário.
Essas reflexões trouxeram uma ação para pensar e debater sobre estratégias, sobre superação da condição de dominação, sobre a construção de um pensamento próprio, regional, sobre as realidades socioculturais que ultrapasse o pensamento eurocêntrico tão enraizado em culturas, locais latino-americanos.
Em termos gerais, compreende-se a libertação como um projeto subversivo, como uma utopia que estimula as possibilidades de transformar a realidade injusta do sistema capitalista e, assim, superá-lo. Libertação da negação do Ser, dos impedimentos e das opressões sofridas, mas também possibilidade da “realização das valiosas singularidades humanas em sua criativa diversidade” (Mance, 2000: 26), ou seja, como aspecto positivo e prático da liberdade (BRINGEL, 2016, p 403-404)
Podemos dialogar com esse pensamento da sociologia libertadora o pensamento de Paulo Freire e Paul Ricoeur sobre esperança. A esperança para Freire não é uma esperança ingênua, de acomodação, mas sim de luta, de ação, de resistência. Para Ricoeur é uma ação, uma projeção calcada em um motivo e causa que incentiva essa ação do ser. Ação essa que tem uma intencionalidade, uma razão de ser.
Pensar sobre essas reflexões em relação ao projeto Barca Literária, é refletir o agir humano esperançoso, mas também subversivo, como diz Bringel (2016) interpretando o pensamento de Fals Borda sobre o pensamento libertário. Uma vez que, no Barca Literária, a missão é fortalecer os saberes comunitários, ocupando a comunidade com os saberes literários.
Como o projeto tem a ação em fortalecer nos adolescentes e crianças a ideia do pensamento coletivo e crítico sobre a realidade – no Barca Literária busca defender o que Fals Boba, a partir da interpretação de Bringel (2016), defende o que seria os estudos de processo de mecanismo de poder – buscar entender o lugar das classes populares e suas realidades.
Para Dussel (1993) essa dominação passava ao controle dos corpos, das pessoas, e, que para tanto, era necessário parar – “pacificá-las”. Isso se refere ao papel e ação do conquistador (dominador) no mundo moderno. Esse mundo que era conhecido como o avançado, o evoluído, a referência para os povos “subdesenvolvidos”, tais como povos oriundos latino-americanos, africanos, dentre outros. “O ‘conquistador’ é o primeiro homem moderno ativo, prático, que impõe sua ‘individualidade’ violenta a outras pessoas, ao Outro” (DUSSEL, 1993, p. 43).
A isso, Dussel (1993) se refere aos povos, locais do Caribe, de Santo Domingo, Cuba que foram invadidos por espanhóis. No local haviam tribos, etnias, povos indígenas sem cultura urbana. Que segundo o autor, a dominação foi mais matança e uma ocupação desorganizada do que um domínio sistemático. A conquista para Enrique Dussel é interpretada de forma a negar o outro. A eliminar esse outro de forma violenta. E esse outro é obrigado a aceitar a cultura que estão impondo. Anula seus costumes para aceitar a cultura do dominador.
A conquista é um processo militar, prático, violento que inclui dialeticamente o Outro como o “si-mesmo”. O Outro, em sua distinção, é negado como o Outro e é sujeitado, subsumido, alienado a se incorporar à totalidade dominadora com coisa, como instrumento, com oprimido, como “encomendado”, como “assalariado” (nas futuras fazendas), ou como africano escravo (nos engenhos de açúcar ou outros produtos tropicais) (DUSSEL, !993, p. 44)
Dussel (1993, p. 44), diz que a subjetividade do colonizador foi aos poucos lentamente se colocando em uma posição de superioridade. E essa ação ao longo do tempo foi se fortalecendo e legitimando para o Outro. Temos dificuldades de nos desvencilhar de pensamentos e comportamento eurocêntrico.
Dialogando com esse pensamento com o projeto Barca Literária, eles agem contracorrente. Em um lugar de pobreza, miséria, localizados no centro da região Metropolitana de Belém, não são periféricos, mas são excluídos e dominados, por uma massa de pensamentos preconceituosos e de manobras políticas. O trabalho desenvolvido no projeto, vai de encontro com todo esse comportamento de poder e o eurocêntrico. O objetivo é fortalecer cada vez mais as ideias dos ancestrais, da negritude, do pensamento libertário e subversivo. A esperança nasce dessa luta e dessa compreensão subversiva de que o pensamento colonial, europeu não pode se legitimar mais.
Diante disso, sobre subversão – Borda (2015, p. 388) defende que subversão é entendida como algo contra a sociedade, e que, portanto, designada a algo imoral. Mas fazendo análises – embora seja ignorada por muitos professores, pesquisadores - segundo o autor – muitos subversores não pretendem destruir a sociedade. E sim, fazer as mudanças justas para o mundo. Os subversores, segundo Borda (2015), têm consciência da sua luta, da sua causa e não renunciam ao seu mundo. Essa atitude para o sociólogo é construtiva e positiva para as discussões e mudanças na sociedade.
Como em tempos passados, quando havia cismas ideológicos semelhantes, esse esforço para reconstruir completamente a sociedade é doloroso, contraditório, violento e revolucionário; da mesma forma, ele está contornando e forjando em sua bigorna as novas pessoas e o novo homem. Este, no fundo, será um rebelde, e suas atitudes se transformarão em torno da rebelião. O ato de revolta, com o movimento. Ao contrário do que a palavra implica, faz o homem andar em novos caminhos que ele não tinha vislumbrado antes, isso o faz pensar e o faz duvidar, e assim adquire, talvez pela primeira vez, a consciência de sua condição vital (BORDA, 2015, p. 388).
A subversão, para Borda (2015), transforma o homem para a luta e para a consciência em sua realidade. É a motivação para a mudança e busca de justiça e um mundo melhor. Ações que precisa para alimentar a esperança e projetar um futuro bom a todos. No projeto Barca Literária, a própria criação do projeto e sua pedagogia desenvolvida, pode-se pensar sobre essa subversão, essa ânsia de transformação do mundo e do ser. No projeto eles pensam em preparar os adolescentes para futuras lideranças na comunidade – isso é pensar de forma subversiva – é pensar de forma esperançosa.
Essa consciência é subversiva. Além disso, uma vez que a rebelião envolve essa consciência, e que em si é construtiva, o subversivo rebelde adquire uma atitude positiva em relação a sociedade: não pode ser levada pelo ressentimento - no sentido de Scheler - que é uma intoxicação de si mesmo e que não projeta uma imagem futurista. Longe de ser consumido como um ressentido, o subversivo se sacrifica pelo grupo e se torna um grande altruísta. É por isso que, afinal, a consciência do subverter rebelde é uma consciência da coletividade que desperta, e isso leva a todos a uma aventura existencial incomum (BORDA, 2015, p. 389).
O subversivo é um rebelde que prima pelo bem de todos. É consciente e lutador. Os membros do projeto Barca literária são moradores e cria da comunidade Vila Da Barca. São resultados de muitos outros subversivos, que durante a vivência deles puderam experimentar de projetos sociais tal qual os que construíram hoje. Eles também são resultado de consciências subversivas. O resultado é a construção do projeto Barca Literária, que por eles é administrado. É pensar na luta e continuar. É pensar em coletividade. É pensar em pedagogia decolonial, tal qual os membros do Barca Literária desenvolvem, é pensar em esperança para adolescentes e crianças da comunidade Vila da Barca.
Conclusiones:
7 Conclusão
Pensar em Esperança, é pensar no agir, na própria existência – quando agimos – pensamos – pensamos em algo e pensamos com uma intenção, com algo a ser alcançado. Assim é a ligação da própria existência do ser.
A compreensão do agir humano por meio dos estudos em Paul Ricoeur, nos ratifica que é possível a ação da esperança no nosso dia a dia. De compreender que ela nos motiva a viver, a existir, a agir. Como bem defende Paulo Freire, que a esperança não é uma atitude de acomodação, e sim, uma atitude de resistência.
Não há como pensar em esperança sem pensar em luta, em insatisfação, em sensibilidade, e, ao mesmo tempo, crítica sobre as problemáticas e desigualdades sociais. Esperança não é espera. É ir em busca de algo. É um sentimento de rebeldia. De uma rebeldia generosa, de uma consciência coletiva. É uma rebeldia ligada à subversão. Mas não a subversão que estamos acostumados a escutar de forma negativa. É a subversão defendida por Fals Borda, sem ressentimentos, de altruísmo.
Bibliografía:
Referências
ALEIXO, Maria Alice Fontes. Reafirmação da Esperança: da vontade em le vonlotaire et i’involontaire de Paul Ricoeur. Colecção: Teses LUSOSOFIA: PRESS, Universidade da Beira Interior, Covilhã, 2010.
BORDA, Orlando Fals. Una sociología sentipensante para América Latina / Orlando Fals Borda ; antología y presentación, Víctor Manuel Moncayo. — México, D. F : Siglo XXI Editores ; Buenos Aires : CLACSO, 2015, p 384-394.
BRINGEL, Breno. Pensamento crítico Latino-Americano e pesquisa militante em Orlando Fals Borda: práxis, subversão e libertação. Revista Direito e Práxis, ISSN: 2179-8966. Rio de Janeiro, vol. 07, n 13, 2016, p. 389-413.
DUSSEL, Enrique. 1492 - O Encobrimento do outro: a origem do “mito da modernidade”. Conferência de Frankfurt, tradução: Jaime A. Clasen, Petrópolis: Rio de Janeiro – Vozes, 1993, p. 42-58.
FREIRE, Paulo. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa. 30. ed. São Paulo: Paz e Terra, 2004. 148p. (Coleção Leitura).
HIGUET, Etienne Alfred. O lugar da religião no pensamento de Paul Ricoeur. Revista Observatório da Religião, E-INSS 2358-6087. Volume2, n 02, jan-jun. 2015, p. 22-45.
MERÇON, Juliana. História e liberdade: A esperança de Freire e Spinoza. Revista Educação e Filosofia Uberlândia, v 26, n 52, p, 551-563, jul/dez, 2012, ISSN 01026801.
PACHECO, Marcio de Lima. A esperança como movimento da existência: uma leitura ricoeuriana. - Porto Velho, RO: Coleção Pós-Graduação da UNIR - EDUFRO, 2021.
RICOEUR, Paul. Fe y filosofía: problemas del lenguaje religioso. Buenos Aires: Prometeo Libros, 2008.
RICOEUR, Paul. Discurso da ação. Reimp (Biblioteca de filosofia contemporânea), tradução Artur Mourão, Lisboa: edições 70, 2005, p 60-96.
RICOEUR, Paul. O si-mesmo como outro; tradução Ivone. C. Benedetti – 1ª ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2014, p. 19-53.
RICOEUR, Paul. Lo voluntario y lo involuntario, 2ª edición - Buenos Aires: Docencia, 2018, p. 69 -100.
SILVA, Miguel Franquet dos Santos. O contributo da comunicação para a constituição do ‘si-mesmo’. Biblioteca on-line de Ciências da Comunicação. Trabalho apresentado Seminário de licenciatura em Comunicação Social e Cultural, sob a orientação do Professor Doutor Joaquim de Sousa Teixeira e coordenação da Professora Doutora Isabel Férin, setembro de 2001. www.bocc.ubi.pr.
SOUZA, Alessandra Kelma de. Vila da Barca, Das Palafitas ao Conjunto Habitacional: análise sobre a (im)permanência dos moradores na área. Dissertação de mestrado da Universidade federal do Pará, 2011.
Palabras clave:
Esperança, interpretação, Barca Literária
Esperanza, interpretación, Barcaza literaria