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Resumen de la Ponencia:
Em uma unidade de conservação que pode ser classificada como urbana, como é o caso da Área de Proteção Ambiental (APA) do Itapiracó as formas de manutenção e de relações com a cidade podem ser das mais variadas, havendo usos voltados para a práticas esportivas, atividades de lazer e pesquisas científicas. Nesse contexto, se pode analisar a formação de questões em torno da APA do Itapiracó como relativas a sociedade e ambiente, que na perspectiva das Ciências Sociais significa também observar como a materialidade dos espaços são socializados, possuindo significados específicos aos que estão em relação com os mesmos, e considerando que as experiencias vividas nesses e a partir desses ambientes produzem uma construção social afetiva e a satisfação de necessidades materiais. Esses elementos geram preocupações relacionadas a APA do Itapiracó, que ao longo de um período de tempo, foram adquirindo forma e sendo substancializadas, estimulando ações coletivas que reivindicam serviços públicos e implementação de projetos para essa área de proteção, e consequentemente informação e melhorias para os bairros que a cercam. Assim, morados do entorno da unidade de conservação mobilizam-se através de ações e elaborações discursivas com o sentido de participarem do ordenamento territorial da APA e de seu processo de gestão, buscando maneiras de democratizar os usos desse lugar de natureza. A construção dessa questão ambiental se desenvolve a partir de um lugar de natureza em relação direta com a cidade de São Luís, em que moradores próximos da APA se organizam coletivamente apresentando problemáticas ligadas a esse unidade de conservação como problemas sociais e públicos.
Introducción:
1 INTRODUÇÃO
A formação dos problemas ambientais pode ser entendida como um processo em que percepções individuais alcançam uma dimensão coletiva, e, através de ações discursivas e práticas, adquire interesse e relevância pública. Esse é um percurso de construção social em que situações que provocam incômodo, afetação ou prejuízo adquirem legitimidade ao serem interpretados como resultado do relacionamento entre sociedade e natureza. Nesse processo deve-se levar em conta as particularidades com as quais um problema é percebido como ambiental, o que envolve, em alguma medida, a formação de um repertório particular e a atuação do Estado, no que tange a assuntos de “meio ambiente” e “participação”. Nesse entendimento existe uma plasticidade nas estratégias acionadas no interior de uma confluência de situações (LOPES, 2004).
A construção e o reconhecimento de um problema como social envolvem aspectos políticos e culturais que oferecem ou dispõem condições para que debates ambientais sejam classificados ou definidos como publicamente relevantes. Nessas disputas as diferentes concepções se enfrentam para posicionarem as soluções que considerem pertinentes, o que, de acordo com Hannigan (2009, p. 52), elabora séries de “certezas contraditórias”. Nessa perspectiva, aceita-se a validade das preocupações que se ocupam de contestações sobre poluição, escassez de energia e outros. E, se ressalta que esses acontecimentos estão associados a atividades de definição, negociação e legitimação que ocorrem na dinâmica da sociedade (HANNIGAN, 2009).
É preciso recordar que, ao analisar a formação da discussão ambiental a partir da APA do Itapiracó como um problema ambiental que vem sendo socialmente construído, não se pretende inferir sobre sua importância enquanto problema social. Mas, em vez disso, apresentar reflexivamente o processo de validade que torna essa discussão um problema social, de características coletivas e que adquire através dos moradores do entorno e interior da APA uma relevância pública.
As forças e os processos que ocorrem na natureza estão ligados, em alguma dimensão, às construções humanas. Assim, a formação de um problema socioambiental não é percebida pelas Ciências Sociais apenas como uma relação entre a degradação ambiental e as variáveis sociais, mas como ações e discussões que envolvem percepção e poder (HANNIGAN, 2009). Este é um processo em que sociedade e natureza podem ser percebidas como indissociáveis, socialmente produzidas e mutáveis, uma construção em que linguagem, elaborações discursivas, práticas ideológicas e materiais são alguns dos componentes envolvidos na produção social da natureza.
Nesse sentido, essa analise procura ressaltar a construção do problema ambiental a partir da APA do Itapiracó, observando a formação argumentativa usada como parte do repertório dessa ação coletiva, disseminando informações sobre a unidade de conservação e construindo uma percepção de defesa da APA como um problema social.
Desarrollo:
2 A CONSTRUÇÃO DO PROBLEMA AMBIENTAL A PARTIR DA APA DO ITAPIRACÓ
As mudanças ocorridas na APA urbana do Itapiracó, localizada em São Luís capital do Maranhão, desencadeou mobilizações sociais que se intensificaram a partir 2018. Essas ações adquirem notoriedade através de protestos e ações contra uma tentativa de loteamento da APA. As mobilizações em torna da unidade de conservação por vezes, recorre a elementos mais abrangentes da discussão ambiental, como a percepção da natureza enquanto bem ou propriedade coletiva. Nessa elaboração, a natureza é observada como um bem público, sendo entendida como necessidade, e precisando estar acessível (FUKS,2011).
A intensão de universalidade presente nessa noção de bem público prestada pelo direito ao meio ambiente não é tão aplicável na prática, pois a relação entre renda, escolaridade, interesse e mobilização em torno da questão ambiental revela que, em determinado grau, um ambiente está relacionado a uma coletividade restrita (FUKS, 2001). Isso faz entender o fato de as questões ambientais costumeiramente se apresentarem de maneira localizada, ou porque os benefícios da proteção se destinam a determinadas localizações socioespaciais. Conforme Mario Fuks, esse aspecto fica mais evidente quando:
[...] esta suposta vocação universalista do meio ambiente não está isenta de questionamentos. Em comum, as posições críticas entendem que, em maior ou menor grau, o meio ambiente é apenas o bem coletivo de um grupo restrito, seja porque a proteção ambiental expresse um valor socioespacialmente localizado, seja porque os benefícios da proteção ambiental tendem a se concentrar em determinadas coordenadas socioespaciais. Esses questionamentos tem como fundamento o fato de que os atores preocupados e mobilizados com a proteção ambiental são, em sua maioria, provenientes de grupos de maior poder aquisitivo e com grau de escolaridade, de um lado, e interesse e mobilização em torno da proteção ambiental, de outro, revelaria que, na prática, a intenção de universalidade pressuposta no conceito de meio ambiente não se verifica (FUKS, 2001, p. 41).
A proteção ambiental de um lugar de natureza está associada a interesses de grupos específicos, empregada para a defesa de estilo de vida de grupos sociais bem definidos. A possibilidade de organização em um Fórum em Defesa da APA do Itapiracó (FAI) foi a forma encontrada pelos moradores para intervir e participar de decisões relacionadas a seu lugar de vivência. Essa questão não necessariamente pode ser interpretada como problemática; o que pode vir a ser controverso é quando esse lugar de natureza é tomado como uma fuga dos problemas socioambientais que a degradação da natureza possa desencadear, pois isso gera uma defesa da natureza voltada para determinadas classes e outros grupos sociais ficam excluídos das áreas ambientalmente valorizadas (FUKS, 2001).
É preciso considerar que a proteção de lugares de natureza atendendo a interesses restritos oculta a necessidade de se perceber que há na natureza uma lógica própria, e que a proteção de alguns lugares não significa que estes deixarão de ser afetados por intervenções realizadas em outros ambientes com os quais mantêm interconexão. Nesse sentido, os participantes do Fórum aparentam cruzar os limites estabelecidos pelo modelo de natureza vigente procurando parcerias com outros movimentos e atores relacionados às demais unidades de conservação presentes na cidade de São Luís.
As características de formação do Fórum não deixam de estar articuladas a certo contexto de ambientalização dos conflitos, neologismo empregado por José Lopes (2004) para análise de questões socioambientais. O processo de ambientalização é histórico e expõe como elementos de estudo transformações institucionais, bem como no comportamento humano em diferentes dimensões como o trabalho, ensino, lazer e vida cotidiana. Assim, Lopes (2004, p. 19) destaca cinco fatores relativos a essas transformações, sendo esses: o crescimento da importância da esfera institucional do meio ambiente entre os anos 70 e final do século XX, conflitos sociais em nível local, educação ambiental como código de conduta individual e coletivo, questão da “participação”, questão ambiental como fonte de legitimidade e argumentação nos conflitos sociais.
A mobilização em torno das possibilidades de uso da APA e de outros processos, como a formação do Conselho Consultivo. As atividades presentes no complexo ambiental da unidade e as formas de atuação da Secretaria de Estado do Meio Ambiente e Recursos Naturais (SEMA-MA) estão ligadas a essa composição apontada por Lopes (2004), pois, segundo o autor, esses são elementos que articulam a questão ambiental em diferentes regiões do Brasil.
As atividades de construção e institucionalização envoltas pela questão ambiental estão relacionadas a interpretações que concebem diferentes usos e formas de planejar o lugar. Nessas situações, os grupos sociais participam de forma desigual, mobilizando-se com os modelos e ferramentas que dispõem, sejam esses grupos militantes ou técnicos administrativos. No que tange à APA do Itapiracó, essa mobilização vem ocorrendo por meio de um Fórum de base comunitária envolvendo distintos moradores.
Esse contexto envolve a passagem de uma dimensão interna referente a questões de manutenção, fiscalização e proteção da unidade de conservação do Itapiracó para uma dimensão social e pública, pois quando as mobilizações fazem associação entre a qualidade de vida, habitação, saúde, trabalho, e manutenção de afetividades presentes nesse lugar de natureza, tratando-as como demandas ambientais da cidade, adquirem pujança nas arenas de discussão e intervenção (LOPES, 2004). Logo, ao apontar problemas relativos à poluição, queimadas, desmatamento, ausência de uma educação ambiental e de projetos que estimulem a geração de renda pertinente ao uso da APA, os moradores do entorno da APA e os envolvidos na mobilização estão sinalizando a existência de possibilidades de contaminação da fauna e flora presentes na unidade de conservação, e consequentes prejuízos à sua maneira de viver.
A atenção que está voltada aos problemas ambientais e que atualmente possam parecer naturais é, na verdade, consequência de mudanças na percepção humana sobre seus ambientes e do engajamento de atores envolvidos na defesa dos lugares e suas naturezas. O processo de legalização dos problemas ambientais tem estimulado mudanças na forma da sociedade se relacionar com a natureza e, por consequência, sobre a representação desse conceito (FUKS, 2001).
Esse processo relacional é possível diante da institucionalização da questão ambiental que articula leis e estrutura órgãos públicos. Desse modo, trata-se de uma construção social, em que as ações coletivas mobilizam proposições entendidas como ambientais e atribuem legitimidade a suas causas nessas arenas de disputas. Esse processo corresponde ao que Lopes (2004) entende como parte de uma “ambientalização dos conflitos sociais”.
Essa composição histórica presente na trajetória dos que estão envolvidos na questão ambiental em torno da APA do Itapiracó permite pensar sobre esses lugares, não a partir de uma negação de que os mesmos possam ter relação com redes globais ou, ainda, que sofram processos de interferências e investidas de desterritorialização, mas como um momento marcado pela busca de alternativas e novos empregos de redes virtuais ou presencias na defesa dos lugares cotidianos e participantes da vida dos moradores. Esse aspecto dos espaços e territórios diante do processo de globalização é comentado pelos participantes do Fórum, e em uma entrevista, o coordenador aponta esse elemento descrevendo:
Muitas pessoas acreditam que o espaço morreu, mas isso não é verdade, a milhares de anos a Amazônia é no mesmo local. O Brasil continua no continente sul-americano, então nada mais é, do que uma falácia acreditar que os territórios, as terras não têm importância, a gente sabe dessa importância. Mas a globalização a revolução digital em que os controladores, os exploradores internacionais, seculares, que a gente sabe que são grandes famílias que já a muito tempo exploram a terra, as riquezas da natureza, mantém o controle mais fácil e eficiente, mas essas tecnologias, embora nos coloquem em uma certa camisa de força elas nos dão a possibilidade de imaginar alternativas. E são essas alternativas que o FAI procura tá atento, eu como coordenador e a responsabilidade que carrego de liderar esse grupo de líderes, costumo dizer que não são soldados, mas outros líderes. Pois não adianta eu ter liderados ao meu lado, eu preciso de líderes ao meu lado, para que estes formem outros líderes, outros multiplicadores (Mauro Carramilo Jr., 30/11/2021).
Como esclarece Escobar (2005, p. 70), é possível pensar os lugares como construções que, mesmo permitindo saídas, retornos e fluxos de identidades, não desprezam o potencial do vínculo, do pertencimento, e mesmo a existência de limites. Nessa perspectiva, o lugar pode ser entendido como produtor e disseminador de práticas e conhecimentos, que são usados para um trabalho voltado para a manutenção da natureza. Essas formas de atuação produzidas a partir e para o lugar expressam, de alguma forma, não somente a conformidade com a adaptação, como a construção de vínculos afetivos com o lugar (ESCOBAR, 2005).
Em pesquisas de campo ocorridas em momentos acentuados da pandemia do Covid-19 foi possível observar que grupos de moradores que fazem trilhas na APA e os que residem dentro da unidade conhecem os caminhos do Itapiracó. Desse modo, ainda que essa unidade possa ser considerada pequena em extensão em relação a outras presentes em São Luís, são os sujeitos que mesclam sua formação social a esse lugar de natureza que sabem percorrer as trilhas, localizar pontos remanescentes de juçaral, olhos d’água, nascentes do rio Itapiracó, identificar as plantas e os lugares onde certos animais costumam se abrigar.
Esses moradores, que em seus fluxos de atividades e emprego de energia estão transitando entre as tarefas ditas urbanas, realizadas em centros comerciais e administrativos de São Luís, por vezes, próximos à APA, e suas atividades de habitação, lazer, práticas esportivas e religiosas realizadas na unidade de conservação, encontram formas de organizar o lugar, o modo de uso e a ocupação. É possível analisar o sentido dessa organização quando moradores expressam o processo de luta e a vivência junto à APA, relembrando:
[...] nós tivemos encontros específicos para pensar a APA, a APA como esse bem maior, que é a terra, o nosso lugar, somos nós. Agora não se pode omitir que já se pensou na APA, um movimento que antecedeu essa organização, não do FAI, mas de se pensar a preservação. Alguns movimentos como o COMUNIC (Conselho Comunitário do Complexo COHATRAC), essa turma que se reunia pra pensar a questão do uso e ocupação da área, eu estava lendo a poucos dias sobre o que era isso aqui, a Maioba o Turu, eram aldeamentos com sua farta beleza e utilidade natural para quem dela vivia, que eram os nativos. E aí o processo de ocupação da cidade, de urbanização da cidade vai fazendo acontecer essa demarcação das áreas. [...] eu sempre digo e repito essa minha fala em todos os encontros que a gente vai. Eu não só moro próximo a APA, eu não tenho essa vivência de morar próximo agora, como eu também vivi a APA no momento em que ainda nem as chácaras existiam, quando meu pai nos levava, que ele tinha um amigo que era da agricultura e tinha ali uma plantaçãozinha. E nós descobrimos o rio do Itapiracó, então a minha adolescência eu tomei banho naquele rio caudaloso. A garotada ia pra lá! (Dorian Azevedo, 02/12/2021).
Em certa medida, a formação do problema ambiental na APA está envolta naquilo que Mário Fuks (2001, p. 23) aponta como uma questão de proteção do meio ambiente, que se torna presente tanto em países tidos como desenvolvidos como naqueles considerados em desenvolvimento. Isso se apresenta nos países de economia consolidada como associado à qualidade de vida, e nos de economia crescente esse aspecto é trabalhado com alguma objetividade, entendendo essa questão como elemento de sobrevivência. O entendimento de sobrevivência pode aqui ser interpretado não somente em relação a características produtivas, como a modos de vida ou práticas que estão ligados a lugares de natureza como a APA.
No discurso jurídico a definição dos direitos e deveres coloca o meio ambiente como “patrimônio público”, criando instrumentos legais que colocam a proteção de “bem de uso comum” ao alcance de diferentes setores da sociedade, porém ainda existe alguma distância entre esses instrumentos e a mobilização social relativa à defesa ambiental.
A ausência de mobilizações está também associada a aspectos referentes à instrução educacional e organizacional que as coletividades possam dispor para fazer valer suas demandas relacionadas à defesa ambiental (FUKS, 2001). No que se refere a unidade do Itapiracó, o Fórum da APA faz uso das formações acadêmicas de seus integrantes para acessar e tratar das demandas levantadas em suas reuniões. O valor da instrução educacional nas arenas de discussão ambiental foi sendo percebido no processo de pesquisa relativo à APA, e os atores envolvidos percebem essa circunstância quando descrevem:
[...] quando vai uma pessoa que talvez não tenha conhecimento ou busque se aprofundar em determinado assunto, muitas vezes as portas são fechadas porque o espaço ou órgão que você procura não é o órgão competente pra tratar sobre aquela demanda, e saber discernir essas problemáticas e buscar dialogar com esses atores é de fundamental importância, então se todo advogado além de ter sua advocacia privada, pudesse dar um pouco de colaboração na advocacia popular, pros movimentos populares, certamente essa relação entre Estado e a Sociedade Civil seria muito mais benéfica a todos. Então, meu caminhar é muito nesse sentido, de cumprir esse papel, [...] A advocacia no artigo 133 da constituição diz que o advogado é indispensável para a administração da justiça. Então é com isso que eu tento contribuir dentro do Fórum (Mauro Carramilo Jr., 30/11/2021).
Na análise de Fuks (2001, p. 88), para além da esfera do Estado, há dois tipos de segmentos de atores relacionados a protestos e ações civis públicas ambientais, indivíduos e grupos de moradores, e grupos organizados em associações comunitárias. Tais atores costumam residir em lugares distantes do centro ou em áreas estruturadas da cidade, e suas reclamações estão associadas a problemas urbanos como poluição sonora ou do ar, descarte irregular, saneamento, dentre outros. Essas são algumas das características percebidas no ativismo que vem sendo desenvolvido pelo Fórum da APA, ao se considerar seu processo de organização, sua localização tida como distante em relação ao centro de São Luís e a diferença de infraestrutura presente nos bairros relacionados a essa unidade.
Os encaminhamentos de denúncia ao Ministério Público referentes a poluição e degradação ambiental, como no caso da APA do Itapiracó, expressam um incômodo que afeta o modo de vida dos bairros. A percepção ambiental como lente que agrega certos privilégios para resolução de problemas urbanísticos é empregada por grupos de moradores ou associações comunitárias para obter o alcance de suas demandas. Isto se deve ao fato de as decisões sobre certos assuntos ambientais provocarem efeitos específicos na região de moradia dos que reivindicam (FUKS, 2001).
É preciso destacar que há diferenças entre o grau de interesse e quantidade de benefícios que podem ter os envolvidos em uma situação de proteção do lugar, podendo existir nessas situações dois sentidos, no primeiro, o consumo desse bem de uso comum não é universal e isso os leva a reivindicar, no segundo, a proteção ambiental de um lugar pode estar relacionada a interesses específicos dos grupos (FUKS, 2001). A perspectiva ambiental incorpora e reformula as bases de argumentação ligadas a temas que atuam no contexto mais amplo da cidade, o que influencia diretamente nas disputas pela definição do uso do espaço urbano.
A proteção ambiental não é composta de sentidos ou representações homogêneas nas relações sociais, mesmo em situações de preocupação com a proteção da natureza, diferentes setores da sociedade apresentariam representações distintas da questão ambiental. Em casos como o da APA do Itapiracó, as situações podem ser encaixadas na abrangência do que pode ser considerado como problema ambiental, assim o discurso ambiental pode ser apropriado para qualificar os problemas urbanos sobre nova perspectiva. Nessas circunstâncias a proteção judicial pode adquirir mais elementos para operar sobre as causas que possam surgir.
O uso do direito e das legislações como forma de repertório de ação coletiva é empregado para reafirmar e legitimar as reivindicações relativas ao espaço interno e arredores da APA, essa forma é também empregada para retificar informações ou mesmo atualizá-las, considerando que esses elementos afetam o ordenamento territorial da unidade de conservação. É característica de movimentos da sociedade civil solicitar revisão ou correções em documentos publicados pelos órgãos do governo através de ofícios, solicitação de reuniões ou mesmo dispositivos jurídicos agregando-os como parte do repertório de ação (LOSEKANN, 2013).
Na situação da APA do Itapiracó, o Fórum tem desempenhado algumas dessas ações com finalidades de revisão do decreto de criação da APA e de seu plano de manejo, procurando conhecer as dimensões atuais da unidade de conservação e suas possibilidades de usos. Ao mesmo tempo, esses processos contestam aspectos como a desatualização das informações relativas a esse lugar de conservação e cobram a participação intermunicipal a partir das prefeituras de São Luís e São José de Ribamar, justificado pelo fato da APA se situar na divisa entre os dois municípios.
Fuks (2001, p. 126) analisa que nas arenas de formulação das questões que dizem respeito ao meio ambiente como problema social, os grupos ou mobilizações coletivas articulam suas atividades por pretenderem repercutir no âmbito da ação e do debate público. Assim, suas representações passam por um processo de construção social, e para que sejam incorporadas ou penetrem no universo de representação de outros o objeto desconhecido é associado ao que se conhece e são reconsiderados. Em outras palavras, o que era “estranho” pode passar a ser tido como um incômodo a se refletir nessa elaboração ou reelaboração de representações sociais, e situações podem passar a ser percebidas como problema ambiental.
Pode-se dizer que as versões disputando legitimidade no processo de construção do que pode ou não ser considerado parte da questão ambiental são permeadas por outros quadros de referência que foram objetos de disputas anteriores, estando envolvidos na forma como um problema é elaborado e como será tratado. Esse aspecto vai sendo desenvolvido na mobilização em torno da APA do Itapiracó através da escolha e estruturação em modelo de Fórum, pois alguns de seus integrantes possuem alguma experiência em mobilizações, organizações coletivas e ações políticas, por terem integrado ou integrarem comitês de praças, associações comunitárias, partidos políticos, movimentos sociais e outras organizações de participação social.
3 CONSTRUÇÃO ARGUMENTATIVA DO PROBLEMA
Ao se relacionar a construção analítica de Hannigan (2009) sobre recursos retóricos ao entendimento de repertório presente na ação coletiva (MACIEL, 2011), três recursos podem ser demarcados na construção social da questão ou problema ambiental. O primeiro é a “retórica da retidão”, quando a chamada de atenção para um problema é envolta em valores ou moralidade, esse recurso costuma ser empregado no início da formulação do problema. O segundo é a “retórica da racionalidade”, na qual se usam argumentos persuasivos e o debate se torna sofisticado pela discussão de detalhes das políticas a serem aplicadas. O terceiro é a do “arquétipo”, modelos que são construídos e que possuem forte poder de persuasão dentro do processo de argumentação.
Essas características de valores morais, sofisticação para se discutir certos temas em arenas e sugestão de modelo para lidar com algumas pautas ligadas a problemas ambientais, e que, por sua vez, indicam a formação de uma questão ambiental relacionada à unidade de conservação do Itapiracó, podem ser percebidas em um dos trechos de entrevista com o coordenador do FAI, quando destaca que:
[...] quando a gente se isola em nosso mundo e julgamos ser detentores da verdade isso prejudica, porque muitas vezes os egos super inflamam, e na construção de algo que é comum de interesse público, essas questões laterais que não agregam e apenas dividem precisam ser com muita sabedoria colocadas de lado, centrando o foco. Algo que é bastante difícil hoje é a gente manter o foco em questões centrais, que muitas vezes não traz o retorno financeiro, um lucro como o capitalismo prega, quando na verdade os valores por nós construídos ou resgatados através desse Fórum são valores transcendentais, valores espirituais pra quem acredita na espiritualidade, a colaboração, a cooperação, a solidariedade, a justiça social, são valores que a gente não consegue mensurar, mas a gente sabe que existem e são os principais valores que faltam na sociedade. E considerando que o Fórum da APA do Itapiracó atua de âmbito local a gente tem tentado, por exemplo, persuadir os componentes do Fórum Estadual de Educação Ambiental a fortalecerem a construção de um programa de âmbito local, o Guardião. E dentro desse programa “Guardião” existem inúmeros projetos que podem ser implementados conforme as condições que forem aparecendo, e aí se é pra realizar um trabalho ou projeto, como por exemplo, a coleta solidária a gente exige a participação do poder público, a participação de instituição não governamentais que trabalham com a causa e que podem tá dando sua parcela de contribuição. (Mauro Carramilo Jr., 30/11/2021)
O processo de argumentação pode ser analisado por uma interação continuada, percebida por três subprocessos, são estes: a) animando o problema, que consiste em adquirir espaço, divulgando informações e capacitando possíveis multiplicadores, b) legitimando o problema, que significa construir respeitabilidade em torno da temática do problema, definindo objetivos e tornando o problema legal, e c) demonstrando o problema, que se traduz em competir por espaço nas agendas públicas, obter convênios com outros argumentadores, convencer membros da oposição, e aumentar os limites da responsabilidade (HANNIGAN, 2009).
A construção social do problema ambiental em torno da APA do Itapiracó emerge a partir da experiência relacionada ao lugar de vivência, o que, nesse caso, também é uma fonte de percepção de problemas ambientais. Nessa interpretação, o conhecimento prático dos moradores do entorno e do interior da APA, e de pessoas relacionadas à proteção do espaço, como os agentes do batalhão de polícia ambiental (BPA), podem se combinar nesse processo social de construção do problema ambiental.
A demonstração do problema exige do Fórum que em fluxos de discussões haja alguma sutileza de estratégia, pois algumas pautas podem causar desagradáveis pressões sobre legisladores. Por essa razão, o preparo de “molduras” para os argumentos deve destacar características que chamem a atenção dos envolvidos no contexto de discussão, sendo apresentados envoltos em interesses econômicos, estatísticos e aspectos de cientificidade (HANNIGAN, 2009).
Nesse sentido, percebe-se que a dimensão de questões relativas à natureza potencialmente mobiliza diferentes níveis institucionais. E no caso da APA do Itapiracó, a nível municipal, duas áreas da região metropolitana de São Luís (São Luís e São José de Ribamar) podem ser envolvidas, o nível estadual é acionado por se tratar de uma unidade de conservação de criação e gestão do governo do estado do Maranhão e, finalmente, o federal, uma vez que a unidade de conservação se encontra legalmente em terras da União. É preciso acrescentar a agência da natureza nesse processo, pois o acionamento dos diferentes níveis institucionais se deve ao fato de que, em boa medida, os espaços de natureza presentes em cidades são anteriores e possuem uma interconectividade entre seus biomas que ultrapassam as formas organizativas estipuladas em lei.
A organização dos que estão envolvidos em discussões referentes às demandas ambientais se circunscrevem ao uso de conceitos e a forma como é possível mobilizá-los em disputas argumentativas. O repertório empregado nesses debates é condicionado às formas como transcorre a argumentação, pois sobre essa se interpõe as diferentes percepções envolvidas. Por essa razão, o acionamento de conceitos como “sustentabilidade”, “conservação/preservação”, “poluição”, “mobilização social”, “apropriação”, “participação comunitária”, a depender das circunstâncias relacionadas à unidade de conservação, é empregado na defesa de uma concepção ou na aquisição de legitimidade sobre algum ponto da discussão (LOPES, 2004).
Conclusiones:
4 CONCLUSÃO
No caso da APA do Itapiracó, foi observado o uso dos recursos argumentativos, e a mobilização dos conceitos mencionados, percebidos nas reuniões do Fórum e do Conselho Consultivo e nas ações desenvolvidas pelo movimento, pois essas formas argumentativas e conceituais orientam até certo ponto as temáticas discutidas, por exemplo, fiscalização, conservação, educação ambiental, descarte de resíduo sólido, reconhecimento de problemáticas na área e envolvimento da comunidade.
Nessa perspectiva, é possível interpretar que os modos sociais de apropriação do mundo material articulam as técnicas ao contexto em que se vive. Esses modos relacionam o acesso aos recursos ambientais e às formas culturais expressas por uma racionalidade que define as práticas sociotécnicas. É, talvez, por essa razão, que, ao considerar a luta simbólica dentro da emergência da questão ambiental, seja preciso pensar que pode não se tratar de um universal ecológico que se apresenta através de causas particulares, mas, em vez disso, uma universalização de causas particulares, através de valores compartilháveis que justificam as ações (ACSELRAD, 2004).
Nesse contexto de lutas simbólicas e práticas argumentativas, as mídias sociais tornam-se ferramentas necessárias para aproximar atores envolvidos em lutas ambientais, assim como para difundir lutas e mobilizações que tenham relação com a problemática ambiental. O uso dessas redes e mídias sociais se intensificou no período da pandemia do Covid-19, pois estas circunstâncias conduziram ao isolamento social e à articulação das atividades de forma remota.
Esses elementos estão sendo percebidos como parte da estratégia de mobilização, pois as relações mantidas em lutas de caráter ambiental envolvem não somente o acionamento de instituições do poder público, mas também formas de interação entre os atores de militância, políticos e institucionais, compondo formas e repertórios próprios de ação. É nesse processo de construção que movimentos de pauta ambiental conseguem vir a participar de elaborações legais e formas de gerir os lugares e suas naturezas, percebidos a partir da lógica ocidental de conservação.
As formas de atuação, as parcerias e os instrumentos utilizados por esse modelo de organização coletiva não colocam somente a APA e os segmentos de seus moradores em evidência, mas ambos em uma relação que pode ser evidenciada; característica que precisa ser destacada pela organização dos moradores em forma de Fórum e pelo acionamento desse lugar de natureza como princípio de acesso a políticas públicas, a outros modelos de geração de renda local, a práticas socioeducativas estreitamente ligadas à natureza e a um planejamento urbano que considere esses processos como interligados a fluxos de vida humanos e não humanos.
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Palabras clave:
Mobilização Social. Unidade de Conservação. Ação Coletiva.