Brasil -
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Resumen de la Ponencia:
Este trabalho problematiza a virtualização do ensino superior brasileiro, a partir do crescimento exponencial da modalidade a distância em instituições públicas e privadas. De natureza qualitativa e de cunho exploratório, a discussão tem como base as reflexões provenientes de estudos e pesquisas vinculadas ao Centro de Educação a Distância, da Universidade do Estado de Santa Catarina – Brasil, envolvendo a temática das tecnologias digitais e suas relações com a educação. Especificamente, neste trabalho, temos como objetivo discutir a inclusão [digital] excludente que perpassa os processos de virtualização do ensino superior brasileiro, a partir de estudos teóricos e de políticas públicas educacionais que viabilizaram a implantação da modalidade a distância nas últimas décadas. A inserção de tecnologias na educação tem sido uma questão de destaque na denominada “sociedade da informação e do conhecimento”. No cenário pandêmico, tal inserção e sua problematização tornou-se ainda mais necessária, com o uso extensivo das tecnologias digitais em regime emergencial de aulas não presenciais, para viabilizar a continuidade dos calendários escolares. Diversos estudos têm apontado para as desigualdades sociais e econômicas que ficaram ainda mais expostas na pandemia, denunciando os prejuízos incalculáveis em termos educacionais, científicos e de desenvolvimento do país. Ao mesmo tempo, tal implantação foi acompanhada, especialmente no Ensino Superior, por um discurso de superação do chamado ensino tradicional, em processos educativos atravessados pelas tecnologias, divulgados como mais atrativos, eficientes e inovadores, capazes de atender às necessidades formativas dos cidadãos “do futuro”. Diante deste cenário, organizamos as reflexões e discussões deste trabalho em duas seções. Na primeira, por meio de um resgate histórico da consolidação da EaD enquanto modalidade de ensino no Brasil, iremos discutir o seu desenvolvimento ancorado nos ditames da mercantilização dos processos formativos. Na segunda, iremos tecer algumas aproximações sobre as discussões que envolvem tal mercantilização: a inclusão social e inclusão [digital] excludente. As reflexões têm aporte conceitual advindo da teoria crítica da tecnologia, considerando suas contribuições para a compreensão das relações entre as tecnologias e a educação no complexo contexto social que vivemos. Entendemos que tais discussões podem oferecer subsídios para pautar possíveis ações formativas em perspectivas críticas, no intuito de enfrentar os inúmeros desafios de um contexto [pós]pandêmico.
Introducción:
Este trabalho é resultado de discussões provenientes das pesquisas coordenadas pelos autores, no Centro de Educação a Distância, da Universidade do Estado de Santa Catarina - Brasil, envolvendo a temática das tecnologias digitais e suas relações com a educação. Tais pesquisas estão vinculadas ao Grupo Nexos: Teoria Crítica e Pesquisa Interdisciplinar – Sul e no recorte deste trabalho buscamos problematizar a virtualização do ensino superior brasileiro, a partir do crescimento exponencial da modalidade a distância em instituições públicas e privadas.
Tecemos como objetivo central discutir a inclusão [digital] excludente que perpassa os processos de virtualização do ensino superior brasileiro, a partir de estudos teóricos e de políticas públicas educacionais que viabilizaram a implantação da modalidade a distância desde a publicação da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB nº 9394/96.
Esta proposição assume relevância na denominada “sociedade da informação e do conhecimento”, que prolifera como urgente e primordial a inserção de tecnologias [digitais] na educação. No cenário pandêmico, tal inserção e sua problematização tornou-se ainda mais necessária, com o uso extensivo das tecnologias digitais em regime emergencial de aulas não presenciais, para viabilizar a continuidade dos calendários escolares. Diversos estudos têm apontado para as desigualdades sociais e econômicas que ficaram ainda mais expostas na pandemia, denunciando os prejuízos incalculáveis em termos educacionais, científicos e de desenvolvimento do país. (Malaggi, 2020). Ao mesmo tempo, tal implantação foi acompanhada, especialmente no Ensino Superior, por um discurso de superação do chamado ensino tradicional, em processos educativos atravessados pelas tecnologias, divulgados como mais atrativos, eficientes e inovadores, capazes de atender às necessidades formativas dos cidadãos “do futuro”. (Ripa, 2020).
Diante deste cenário, apresentaremos duas seções para compor a discussão. Na primeira, mapearemos o crescimento da EaD no Ensino Superior brasileiro nas últimas décadas, demonstrando sua oferta em instituições públicas via Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB) e o aumento exponencial nas instituições privadas, devido principalmente ao número de vagas em cursos na área de Ciências Humanas. Aqui, tensionaremos algumas das justificativas que mobilizam tais políticas educacionais, focadas em argumentações acerca da interiorização e democratização da educação via virtualização do Ensino Superior. Na segunda, iremos tecer algumas aproximações sobre as discussões que envolvem tal mercantilização, em especial a inclusão social e inclusão [digital] excludente.
De natureza qualitativa e de cunho exploratório, as discussões têm aporte conceitual advindo da teoria crítica da tecnologia (Feenberg, 2010), considerando suas contribuições para a compreensão das relações entre as tecnologias e a educação no complexo contexto social em que vivemos. Entendemos que tais discussões podem oferecer subsídios para pautar possíveis ações formativas em perspectivas críticas, no intuito de enfrentar os inúmeros desafios de um contexto [pós]pandêmico.
Desarrollo:
A MODALIDADE A DISTÂNCIA NO ENSINO SUPERIOR BRASILEIRO
A Educação a Distância (EaD), no contexto brasileiro, foi denominada “modalidade educacional” a partir da publicação da LDB nº 9394/96, que traz em seu Artigo 80: “O Poder Público incentivará o desenvolvimento e a veiculação de programas de ensino a distância, em todos os níveis e modalidades de ensino, e de educação continuada.” Tal artigo foi regulamentado apenas em 2005, com a publicação do Decreto Nº 5.622, que caracterizou a modalidade e estabeleceu diretrizes para o credenciamento, a criação, a autorização e o reconhecimento de oferta de cursos e programas à distância. Necessário destacar que essa lacuna entre tais normativas possibilitou a expansão e a implantação de cursos sem o devido acompanhamento e avaliação pelo Ministério da Educação. (Ripa, 2017).
Segenreich (2006) revela em seu estudo que, entre 1996 e 2005, o número de credenciamentos para EaD aumentou 350% e, consequentemente, os cursos de graduação a distância cresceram 310%. A autora destaca que, em 2003, 71% das ofertas de cursos se concentravam em Instituições de Ensino Superior (IES) do setor público, porém, em 2004, “[...] os pratos da balança se invertem e o setor privado passa a representar 59% das instituições credenciadas para EAD” (Segenreich, 2006, p. 167). Especificamente em relação aos cursos de graduação, a autora destaca um “[...] aumento vertiginoso de oferta de vagas a partir de 2002 e o decréscimo acentuado de ingressantes para preenchê-las, ocasionando elevado número de vagas ociosas”. (Segenreich, 2006, p. 167). Esta ociosidade de vagas impulsiona a concorrência das empresas do Ensino Superior para angariar interessados, ampliar a efetivação de matrículas e o seu lucro com as mensalidades pagas pelos clientes-estudantes.
Assim, a EaD foi se tornando a principal alternativa para a expansão do Ensino Superior no país, atuando predominantemente no âmbito privado, dependente do “capital privado”, especialmente via cobrança de mensalidade dos estudantes, provocando “uma estratégia de conquista de mercado”. (Giolo, 2010, p. 1272). A sua configuração para dar conta da pretendida expansão teve como consequência a oferta de formas alternativas de educação por meio da flexibilização do currículo, da duração dos cursos e sua oferta, principalmente, via EaD, tal como destaca Giolo (2010, p. 1272-1273):
A flexibilização foi, pois, a palavra de ordem. Por meio dela, os currículos foram diversificados e enxugados; novos cursos mais breves, baratos e alinhados com as demandas imediatas e locais da clientela (os tecnológicos, especialmente) foram criados; e novas modalidades começaram a ser experimentadas (a EaD, sobretudo).
Importante mencionar que a expansão do Ensino Superior no Brasil estava prevista no Plano Nacional de Educação (PNE) de 2001-2010, no qual a meta 11 explicitava: “Incentivar, por meio de recursos públicos e privados, a produção de programas de educação a distância que ampliem as possibilidades de educação profissional permanente para toda a população economicamente ativa.”
Já no âmbito específico das IES públicas, para atingir tal meta, criou-se o Sistema Universidade Aberta do Brasil (UAB), em 2006, por meio do Decreto Nº 5.800, que buscou [e continua tendo como objetivo] garantir o fomento para oferta de cursos EaD no Ensino Superior. A UAB, no contexto brasileiro, não é uma instituição de ensino superior que oferece cursos. Trata-se de um sistema que busca integrar as universidades públicas do país para garantir o acesso ao Ensino Superior, assim caracterizado:
O programa [UAB] busca ampliar e interiorizar a oferta de cursos e programas de educação superior, por meio da educação a distância. A prioridade é oferecer formação inicial a professores em efetivo exercício na educação básica pública, porém ainda sem graduação, além de formação continuada àqueles já graduados. […] Outro objetivo do programa é reduzir as desigualdades na oferta de ensino superior e desenvolver um amplo sistema nacional de educação superior a distância. Há polos de apoio para o desenvolvimento de atividades pedagógicas presenciais, em que os alunos entram em contato com tutores e professores e têm acesso a biblioteca e laboratórios […]. Uma das propostas da [UAB] é formar professores e outros profissionais de educação nas áreas da diversidade. O objetivo é a disseminação e o desenvolvimento de metodologias educacionais de inserção dos temas de áreas como educação de jovens e adultos, educação ambiental, educação patrimonial, educação para os direitos humanos, educação das relações étnico-raciais, de gênero e orientação sexual e temas da atualidade no cotidiano das práticas das redes de ensino pública e privada de educação básica no Brasil.[i]
Gomes (2013, p. 15-16) adjetiva esses planos da UAB como “audaciosos”, pois tinham como previsão, conforme informes do portal da UAB/Capes: até 2010 o estabelecimento de 1.000 polos “estrategicamente distribuídos no território nacional” e até 2013 a ampliação da "rede de cooperação para alcançar a totalidade das instituições públicas de ensino superior brasileiras e atender a 800 mil alunos/ano."
Essas previsões não se efetivaram ao longo dos seus 16 anos: em 2009 eram apenas 88 instituições integrantes do Sistema UAB, com 557 polos de apoio presencial em funcionamento e 187.154 vagas criadas (Gomes, 2013). Para atualização e comparação com o ano em vigência [2022], o portal da UAB [ii] informa que há 555 polos de apoio presencial distribuídos nas diferentes regiões do país. Não foi possível encontrar dados indicativos do número de matriculados e/ou cursos ofertados atualmente. Está disponível para acesso apenas o último edital de articulação de cursos EaD (Nº 09/2022 [iii]), que prevê a oferta de 131.102 vagas na graduação e especialização, abrangendo, prioritariamente, a formação de professores da Educação Básica.
Tais ofertas são pouco representativas em termos de quantidade de vagas no tocante ao Ensino Superior atualmente. De acordo com o último Resumo técnico do Censo da Educação Superior (INEP, 2022), com dados referentes a 2021, foram ofertadas mais de 22,6 milhões de vagas em cursos de graduação, sendo 74,5 % novas vagas e 25,2% vagas remanescentes. As IES privadas totalizaram 96,4% do total de vagas ofertadas e a rede pública apenas 3,6%.
Na comparação com os dados de 2020, o relatório aponta crescimento do número de vagas de 3,5%, provocado principalmente pelo aumento de ingressantes em cursos na modalidade a distância (INEP, 2022). Em 2021, a EaD obteve uma variação positiva de 23,3%, enquanto o ingresso em cursos de graduação presenciais teve redução de 16,5%. Impulsionada ainda mais pelos impactos do contexto [pós]pandêmico, observa-se que o número de ingressantes na EaD aumentou 474%, totalizando 62,8%, enquanto o ingresso em cursos presenciais diminuiu 23,4%, atingindo 37,2% dos ingressantes (INEP, 2022).
O relatório destaca, ainda, que em 2021 foram ofertados 43.085 cursos de graduação e 17 cursos sequenciais. As ofertas foram realizadas por 2.574 IES, sendo 87,6% da rede privada, totalizando 2.261 instituições, enquanto apenas 12,4% se referem à rede pública, totalizando 313 instituições (42,8% estaduais, 38,0% federais e 19,2% municipais). Em relação ao número de matrículas, as IES privadas obtiveram 76,9% do total de 8.986.554 de estudantes, enquanto a rede pública participou com 23,1%. Desse total, os estudantes de graduação EaD totalizam 41,4%, ou seja, 3,7 milhões. Se observarmos os cursos de licenciatura, o percentual de estudantes EaD atinge 61% (INEP, 2022).
Este mapeamento contribuiu para identificar a restrita expansão e interiorização do Ensino Superior no âmbito das IES públicas no contexto brasileiro, na comparação com os números das redes privadas. Observa-se, ainda, na rede pública, ao estar associada às vagas oferecidas pelos editais do Sistema UAB, sua influência para além dos recursos financeiros, atingindo a configuração organizacional-pedagógica. Ao prever, por exemplo, que professores e tutorias (a distância e presencial) serão contratados via pagamento de bolsas, acabam interferindo na configuração pedagógica dos Projetos Pedagógicos de Cursos ao fragmentar, descaracterizar e precarizar o trabalho docente. (RIPA, 2015a e 2015b). Além disso, a substituição da abertura/ampliação de campus universitários para interiorizar e democratizar a oferta de cursos, por polos de apoio presencial, geralmente utilizando as mesmas estruturas de escolas públicas da Educação Básica, tende a restringir as possibilidades de formação de acordo com o princípio da indissociabilidade entre Ensino, Extensão e Pesquisa prevista na Constituição Federal Brasileira (1988).
Outro exemplo que podemos destacar aqui refere-se à concentração de vagas em cursos EaD para atender a necessidade de formação inicial para docência na Educação Básica, principalmente nos cursos de Pedagogia, acompanhada de poucas discussões (ANFOPE, 2008) sobre suas potencialidades, limites e contradições. Estas ofertas acabaram impulsionando cursos aligeirados e improvisados, disseminando como “inovação” as supostas “novas” metodologias educacionais, que pretendem ir além do Ensino Superior e “[...] levar para a escola pública toda a contribuição que os métodos, técnicas e tecnologias de educação a distância podem prestar à construção de um novo paradigma para a educação brasileira”. (SEED apud Souza et. al., 2010, p. 07).
Já no âmbito privado, que abocanha o maior número de matrículas na EaD, a oferta é garantida por meio de “capital privado” para atender as demandas “do cliente”, tais como: oferta de currículos flexíveis, divulgados como inovadores e antenados à formação que a sociedade digitalmente administrada exige, ou seja, rápidos, com baixo custo, limitada mediação docente, com materiais didáticos/recursos tecnológicos apresentados como “infalíveis”, proporcionando um “ótimo benefício” sob a perspectiva da lógica mercadológica.
Não é mera coincidência que em 2017 diversas reportagens que circularam no Brasil relatavam que, apesar da crise que assolapava o país no contexto do golpe de 2016, a maioria das empresas educacionais que atendia/atende a Educação Básica e/ou Superior, mediante pagamento de mensalidades, fez investimentos, intensificou os processos de consolidação de cursos e, assim, elevou “[...] a indústria acadêmica ao topo do ranking dos mercados mais promissores e rentáveis do país” [iv]. Tais ações consolidaram os grandes grupos de empresas da Educação e suas redes de ensino no país, tais como Kroton, Estácio, Laureate, Anima, dentre outras citadas na reportagem: Conheça as empresas da área de educação que ensinam e dão lucro (Segalla; Mendes, 2017).
A seguir, destacamos alguns trechos desta matéria para ilustrar a perspectiva [de lucro] da mercantilização da educação por tais grupos:
“O setor de educação, historicamente gerido por famílias, se transformou em um campo altamente profissionalizado e eficiente” [...]
“Junto com os aportes vieram novos modelos de gestão e melhores práticas administrativas e financeiras.” [...]
“Um dos fatores que despertaram o interesse dos investidores na educação é exatamente o baixo percentual de brasileiros que chegaram ao ensino superior: 14%. Entre os países da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), que compila dados de 40 nações, incluindo o Brasil, a média é de 35%. Ou seja, a indústria do ensino particular tem potencial para dobrar de tamanho se o número de adultos nas universidades brasileiras se nivelar ao de outros países.” (Segalla; Mendes, 2017, s/p).
Importante mencionar, mesmo não sendo o recorte deste trabalho, os objetivos que tais grupos têm de adentrar proposições para a Educação Básica: “O mercado enxerga que ocorrerá uma explosão no ensino básico, como aconteceu no superior nos últimos anos”. A reportagem termina com a preocupante afirmação: “O Brasil é o grande mercado a ser explorado para a educação.”
No caso do Ensino Superior, parte destas perspectivas se ancora nas últimas alterações da legislação que regulamenta a EaD. Com o objetivo de atender as demandas do setor privado, o Ministério da Educação (MEC) publicou, em 2017, o Decreto nº 9235, que passa a regulamentar o Art. 80 da LDB e revoga o Decreto de 2005 já citado no início desta seção. O mote desta nova regulamentação é a flexibilização para facilitar a implantação de cursos superiores EaD, principalmente nos seguintes aspectos: novas regras de credenciamento que desassociam a modalidade a distância de uma efetiva oferta do mesmo curso presencial pela IES, o que até então era obrigatório; facilidade de abertura de polos sem obrigatoriedade de aprovação prévia do MEC, que passa a ter como balizador o Conceito Institucional das IES; previsão de parcerias entre a instituição de ensino credenciada para educação a distância e outras pessoas jurídicas; avaliação in loco passaram a ser restritas à sede da instituição, sem a necessidade de verificação dos polos.
Sendo assim, tendo como base este cenário de como se configurou a EaD no contexto brasileiro, cuja oferta se associa ao Sistema UAB no caso das IES públicas e à lógica da mercantilização da Educação no caso das IES privadas, passaremos para a próxima seção.
A INCLUSÃO [DIGITAL] EXCLUDENTE E A EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA
O atual Decreto Nº 9.057, que regulamenta o art. 80 da LDB, assim define a EaD:
[...] modalidade educacional na qual a mediação didático-pedagógica […] ocorre com a utilização de meios e tecnologias de informação e comunicação […] de modo que se propicie, ainda, maior articulação e efetiva interação e complementaridade entre a presencialidade e a virtualidade “real”, o local e o global, a subjetividade e a participação democrática nos processos de ensino e aprendizagem em rede […] em lugares e/ou tempos diversos. (Brasil, 2017).
Esta definição é bastante ilustrativa do papel que é atribuído à EaD no contexto da educação brasileira. A ampliação da oferta da modalidade a distância tem sido justificada pela extensão territorial do país e concentração das IES em grandes centros urbanos, de forma a atender propósitos de interiorização e democratização do Ensino Superior, que ainda exclui cerca de 80% da população.
Gomes (2010) é um dos autores que destaca a falta de consenso sobre a necessidade de usar a EaD como principal estratégia para garantir o acesso à educação no Brasil. Importante mencionar que a busca pela ampliação de cursos EaD é também mobilizada pela histórica limitação de recursos financeiros destinados à educação, o que fica ainda mais acentuado a partir do golpe de 2016.
Nesse sentido, a consolidação da EaD tem contribuído para propagar o entendimento de que o acesso ao conhecimento necessariamente deve se dar, atualmente, por meio da flexibilização do tempo e da organização curricular dos cursos. Além disso, deve ter um projeto fundamentado no protagonismo “ativo” do estudante, que se torna responsável pelo seu “aprender a aprender”, em detrimento dos conteúdos e da mediação pedagógica docente (Malaggi; Silva; Teixeira, 2018). Se neste contexto poderíamos, em alguma medida, reconhecer algum potencial democrático que as tecnologias poderiam possuir, é a massificação que tem se efetivado e provocado o questionamento: está sendo proposto “[...] um saber que emancipa ou um saber que aliena e escraviza ainda mais?”. (Gomes, 2010, p.110).
Feenberg (2010) tece reflexões sobre como a lógica da produção moderna - e a exigência de eficiência via mecanização e gerenciamento - impactam a educação por meio de sua automatização no ambiente online, “[...] vista como aquela que promove virtudes pós-industriais, tais como flexibilidade espaço-temporal, oferta de produtos individualizados e controle pessoal”. (Feenberg, 2010, p. 162). Ainda, ressalta Feenberg (2020, 162), tendo como principal e óbvia razão a “redução de custos”, a automatização na educação online se desenvolve via cursos “[...] empacotados e introduzidos no mercado, gerando um fluxo contínuo de rendimentos sem mais investimentos adicionais”. (Feenberg, 2010, p. 162). Os materiais tornam-se reutilizáveis ao mesmo tempo em que os professores tendem a ser descartáveis. Corta-se os custos e acelera-se o tempo (Feenberg, 2010), imperando a lógica da automatização.
Souza et. al. (2010) apontam que a expansão da EaD é acompanhada de um “novo” paradigma instrumental para a esfera educacional, automatizado, tal como denomina Feenberg (2020) e ajustado à tendência pedagógica neoprodutivista, conforme Saviani (2013). Esta discussão se tornou ainda mais urgente no contexto pandêmico, com a oferta do ensino remoto emergencial, juntamente com todas as controvérsias em termos de denominação e diferencial de “modalidade a distância” em termos legais e teóricos.
Nossas pesquisas têm buscado discutir as contradições da EaD e sua oferta baseada na instrumentalização dos processos de ensino-aprendizagem, perpetuando a semiformação (Adorno, 2010), por meio da sua organização pedagógica fundamentada no neotecnicismo educacional (Saviani, 2013), que é propagado e defendido em nome do “lúdico”, da “gameficação”, do “ativo”, das “competências necessárias ao cidadão do futuro”, dentre outros estereótipos do que significa ensinar e aprender de forma, supostamente, inovadora. Porém, é um discurso que não se efetiva na práxis pedagógica. Apesar de conclamar a autonomia, a participação, a interação e a inovação, tendem a se efetivar por meio da fragmentação e esvaziamento dos conteúdos (em sua dimensão teórica, prática e política, principalmente).
Kuenzer (2004, p. 5) nos provoca a refletir que tais propostas formativas – instrumentais – estão alinhadas à “[...] substituição do trabalhador especializado do taylorismo/fordismo pelo trabalhador multitarefa, e nem sempre criativo e autônomo, mas simples tarefeireiro em ações esvaziadas de conhecimento técnico e de compromisso político com a transformação [...]”. Neste contexto das novas relações entre capital e trabalho, o que se consolida é uma “exclusão includente”, ou seja, “[...] no mercado identificam-se várias estratégias de exclusão do mercado formal, onde o trabalhador tinha direitos assegurados e melhores condições de trabalho, acompanhadas de estratégias de inclusão no mundo do trabalho através de formas precárias”. (Kuenzer, 2004, p. 14). Efetiva-se a competitividade pela precarização do trabalho, por meio da lógica do re-emprego de trabalhadores desempregados com menores salários, ou da re-integração em empresas terceirizadas de prestação dos mesmos serviços, ou, ainda, da informalidade. (Kuenzer, 2004).
Para atender a lógica da “exclusão includente”, a autora apresenta uma lógica correspondente, “[...] equivalente e em direção contrária, do ponto de vista da educação, ou seja, a ela dialeticamente relacionada: a inclusão excludente”. (Kuenzer, 2004, p. 14). A autora explica que as estratégias de inclusão escolar, nos diversos níveis e modalidades, acabam não correspondendo aos
[...] necessários padrões de qualidade que permitam a formação de identidades autônomas intelectual e eticamente, capazes de responder e superar as demandas do capitalismo; ou, na linguagem toyotista, homens e mulheres flexíveis, capazes de resolver problemas novos com rapidez e eficiência, acompanhando as mudanças e educando-se permanentemente. (Kuenzer, 2004, p. 14)
Se tomarmos como referência a modalidade a distância, em sua consolidação histórica, podemos refletir sobre a sua “inclusão [digital] excludente” quando sua oferta se baseia na lógica da mercantilização e automatização, tal como destacamos ao longo do trabalho. Seja quando a lógica de oferta das IES públicas atende de forma irrestrita às configurações do Sistema UAB. Seja quando a lógica de oferta das IES privadas é flexibilizar para ampliar os lucros. Na EaD o estudante tende a se “sentir” incluído na flexibilização – de tempo e espaço – que lhe é oferecida, mesmo quando lhe faltam as condições estruturais mínimas para dar continuidade ao curso, tal como o contexto pandêmico desmascarou, mesmo quando sua formação é esvaziada em nome da inovação tecnológica.
Conclusiones:
Este trabalho teve como propósito, por meio de duas seções, apresentar reflexões críticas sobre a modalidade a distância no contexto brasileiro. Ao retomar sua configuração desde a publicação da LDB Nº 9394-96, evidenciamos que discutir a EaD e a virtualização do Ensino Superior, no Brasil, ultrapassa os questionamentos didáticos-metodológicos envolvendo o uso das tecnologias da informação e comunicação na educação, suas potencialidades e limites. A reflexão crítica em torno da modalidade a distância, que se amplia no contexto [pós]pandêmico, tem se apresentado como relevante e urgente diante do seu alinhamento ao paradigma instrumental que vem sendo instituído e imposto no âmbito da educação brasileira, apesar de camuflado pelo discurso da flexibilidade, interatividade, adequação às necessidades atuais, inovação, democratização e interiorização.
Assim, no contexto brasileiro, a EaD foi se configurando como uma modalidade que tende a influenciar, de um lado, as concepções de ensinar e aprender desde a Educação Básica, e de outro, as políticas de promoção de cursos e implantação de projetos educacionais diversos. Ao se apoiar no seu potencial inclusivo, revela as contradições de uma inclusão [digital] excludente.
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Notas:
[i] Disponível em: http://portal.mec.gov.br/uab Acesso em 19 dez. 2022.
[ii] Disponível em: http://portal.mec.gov.br/politica-de-educacao-inclusiva?id=12265 Acesso em 19 dez. 2022
[iii] Disponível em: https://www.gov.br/capes/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/educacao-a-distancia/editais-uab/edital-no-09-2022-chamada-para-articulacao-de-cursos-superiores-na-modalidade-ead-no-ambito-do-programa-universidade-aberta-do-brasil-uab Acesso em 23 dez. 2022.
[iv] Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/economia/2017/12/05/internas_economia,921982/conheca-as-empresas-da-area-de-educacao-que-ensinam-e-dao-lucro.shtml Acesso em 19 dez. 2022.
Palabras clave:
Educação a Distância; Ensino Superior; Inclusão [digital] excludente.