Resumen de la Ponencia:
En el México de los 90s no sólo aconteció una transición política clave, asimismo, sobrevino una transición teórica, un cambio de paradigma dentro de la Ciencia y la Sociología Políticas. Tanto la transición teórica como la política son trascendentes, puesto que el paradigma democrático orientó investigaciones, sirvió para el diseño de políticas públicas, influyó en la creación de instituciones, reelaboró programas de estudios y sentó las bases para el debate político-intelectual dentro del espacio público. Este trabajo propone una historia conceptual e intelectual de la “transición a la democracia” que explique cómo el establecimiento del paradigma estructurante de la perspectiva democrática modificó la forma en la que se estudió e interpretó la realidad mexicana a finales del siglo XX. Los objetivos principales son: 1) Reconstruir el contexto de producción intelectual, las redes académico-intelectuales, publicaciones e instituciones que convergieron en la producción de la idea de transición, 2) analizar qué cambios paradigmáticos acontecieron, sus implicaciones para la investigación social y su huella en las ciencias sociales en México, 3) explorar teórica-metodológicamente los límites del marco interpretativo de las transiciones para abordar la complejidad de fenómenos políticos que parecieran escapar a sus presupuestos analíticos.Para determinar los efectos específicos que tuvo la adopción del paradigma de la transición a la democracia en México en la forma y contenidos de los marcos teóricos de la Ciencia y Sociología Políticas en los 90, me apoyo en el análisis documental y la prosopografía. Dado que uno de los pilares es el análisis documental, las fuentes primarias son bibliográficas. La prosopografía, como segundo pilar, implica una biografía colectiva de los actores que participaron en la aplicación del modelo teórico transicional en México. Una historia intelectual y conceptual de la transición a la democracia en México permite indagar sobre cómo se forman y operacionalizan los conceptos y se inscriben en la trama social, conocer las dinámicas y tensiones (epistémicas, científicas, ideológicas) de producción del conocimiento, reconstruye contextos de debate, de gestación de teorías y modelos de explicación.Finalmente, se concluye la existencia de un desequilibrio ideológico, normativo y conceptual en los análisis sobre la transición democrática que se reproduce en los actuales diagnósticos sobre esta materia. El trabajo invita a debatir las paradojas de la teoría democrática y aporta una reflexión metateórica y de historia conceptual.Resumen de la Ponencia:
A produção acadêmica das Ciências Humanas e Sociais a respeito da ditadura militar no Brasil (1964-1985) a partir dos arquivos do SNI (Brasil-PR), do projeto Opening the Archives e documentos desclassificados da CIA (EUA) é restrita devido ao recorte temporal em que as respectivas fontes se tornaram públicas no século XXI, bem como, é uma demanda epistemológica compreender como os agentes de informação brasileiros e representantes estadunidenses vigiaram, investigaram e colaboraram com o silenciamento (repressão) das pessoas (civis e religiosas) envolvidas: com o movimento estudantil, movimentos em defesa da educação pública, dos Direitos Humanos (ONU 1948), em favor da reforma agrária, da cultura popular e democracia no Brasil e, mais especificamente, no estado do Paraná. Destacamos que há grande quantidade de documentos norte-americanos disponíveis para consulta pública em formato digital, no entanto, dentre outros aspectos o registro em inglês tem condicionado a baixa taxa de realização de pesquisas sobre eles no Brasil, demandando assim uma sistematização temática dos documentos que podem fomentar e subsidiar novas análises e investigações em outras instituições brasileiras. A principal metodologia de pesquisa é a investigação documental, que contará com apoio de pesquisadores especialistas nacionais e internacionais. A hipótese que norteia o desenvolvimento desta pesquisa é de que os agentes nacionais e internacionais atuavam sob a matriz ideológica que estrategicamente estava vinculada aos interesses estado-unidenses na América Latina, disseminavam e colaboravam com a Doutrina de Segurança Nacional em favor da manutenção das estruturas sócio-históricas brasileiras com a perpetuação de representantes das elites nacionais agrárias e urbanas. A presente pesquisa visa contribuir tanto com novos prismas de investigação acerca das relações estabelecidas entre os serviços de inteligência, do Brasil e dos Estados Unidos, no direcionamento das tomadas de posições destes governos no período, quanto com a organização e sistematização de Repositórios Temáticos digitais abertos, que serão disponibilizados em site institucional para estimular a realização de futuras pesquisas acerca da temática.
Introducción:
As pesquisas produzidas a partir dos arquivos do SNI (Serviço Nacional de Informação), por meio do projeto Opening the Archives e dos documentos desclassificados da CIA (EUA), são restritas e a maioria dos trabalhos realizada por pesquisadores da área de História, de maneira que a produção em Ciências Sociais se constitui como demanda epistemológica emergente. A pesquisa realizada contou com o apoio financeiro e as bolsas de iniciação científica do CNPq e da Fundação Araucária, vinculada ao Laboratório de Estudos sobre as Religiões e Religiosidades - LERR da Universidade Estadual de Londrina - UEL.
Assim, o problema sociológico busca compreender como os agentes de informação brasileiros e representantes estadunidenses vigiaram, investigaram e colaboraram com o silenciamento (repressão) das pessoas (civis e religiosas) que fizeram oposição à ditadura militar.
Os documentos desclassificados constituem-se enquanto fontes provenientes das investigações realizadas pela Central Intelligence Agency (CIA) que foram revisados, por vezes com corte de conteúdo, e selecionados para publicização, no endereço eletrônico da própria agencia estadunidense, objetivando contribuir com a consolidação de um projeto mais transparente de atuação dos serviços de inteligência – mantendo, contudo, o sigilo de conteúdo e investigações que são consideradas essenciais para a manutenção dos interesses de segurança nacional dos Estados Unidos da América (EUA).
No Brasil, a Lei de Acesso à Informação (Lei n° 12.527) de 2011 possibilitou que novos arquivos ficassem disponíveis para a consulta pública. O incremento de acervos permitiu que os documentos referentes às atividades dos antigos órgãos de segurança e informação viessem à tona. A disponibilidade de novas fontes documentais produzidas pelos órgãos de segurança e informação abre, como aponta Carlos Fico (2001), novos desafios para os pesquisadores nas Ciências Humanas e Sociais, porque constitui-se oportunidades emergentes e inéditas para compreender o período ditatorial.
Outro marco importante que levou à disponibilidade de novos documentos foi a implementação da Comissão Nacional da Verdade (CNV), que estudou as graves violações aos Direitos Humanos (ONU, 1948) ocorridos durante o período de 1946 a 1988. Os trabalhos da CNV estimularam a criação de comissões estaduais, municipais e até institucionais que, também, visavam garantir o direito à memória, verdade e justiça (BUARQUE DE HOLLANDA, 2018).
Nesse contexto, o Núcleo de Documentação e Pesquisa Histórica da Universidade Estadual de Londrina (NDPH – UEL) recebeu 7.559 páginas digitalizadas provenientes do Arquivo Nacional, material produzido originalmente pelo Serviço Nacional de Informação (SNI) da secção de Curitiba, que era responsável pela vigilância no Paraná e em Santa Catarina.
Além da oportunidade listada, o recorte internacional da pesquisa é possibilitado graças aos esforços de projetos como o Opening the Archives, esforço conjunto da Universidade Brown com a Universidade Estadual de Maringá que reúne documentações importantes relativas ao período ditatorial brasileiro, disponibilizados online. Tais arquivos, produzidos por órgãos diplomáticos e de informação estadunidenses tornam-se públicos graças ao Freedom of Information Act, legislação que regula quando documentos sigilosos devem ser disponibilizados para acesso público nos Estados Unidos.
A investigação proposta parte de uma fundamentação teórico-metodológica que permitirá identificar as matrizes ideológicas que subsidiaram a ação dos agentes nacionais e dos representantes estadunidenses ao longo da ditadura militar brasileira (1964-1985). E, que, a partir da compreensão histórica e processual, deixou aspectos que marcam a estrutura social e, por consequência, a conjuntura nacional brasileira no século XXI com a emergência de movimentos políticos conservadores pautados na defesa de valores e ações autoritárias e/ou negacionistas das mazelas oriundas do período em que o Estado foi administrado pelas Forças Armadas.
Desarrollo:
Os serviços de inteligência apresentam processos históricos e processuais de formação e de aperfeiçoamento diretamente relacionados com as particularidades dos Estados Nações, em que se consolidam e com as conjunturas específicas que demandam suas transformações, questões muito bem trabalhadas por Charles Tilly na obra “Coerção, Capital e Estados Europeus” (1996). Segundo o autor, os serviços de inteligência começam a tomar as formas precisas que assumem na contemporaneidade a partir da segunda metade do século XIX, quando o gradual processo de complexificação dos Estados Nações passou a demandar novas formas de articulações das instituições estatais para garantir a manutenção, a reprodução da ordem social e dos interesses políticos e econômicos das elites dirigentes.
É necessário distinguir os processos entre o caso brasileiro e o dos EUA, que decorrem justamente da forma como esses modelos são concebidos e postos em prática na dinâmica de transformação, sendo que: “no sistema formado de cima para baixo, vamos encontrar a lógica espacial da coerção. No sistema construído de baixo para cima, a lógica espacial do capital” (TILLY, 1996, p. 197). Indica-se, assim, o caráter amplamente coercitivo que os serviços de inteligência dos Estados modernos tendem a assumir nas distintas conjunturas.
Após o golpe militar de 1964, foi implementado um modelo político-ideológico de sociedade e de Estado. Este projeto societário foi elaborado pelos militares ao longo da história republicana brasileira, com marcos históricos especiais entre 1945 e 1964. A ditadura militar que se impôs no país executou um processo de modernização conservadora e, no campo político, visava construir uma democracia tutelada pelos militares (NAPOLITANO, 2014). Logo no início da ditadura, durante o governo Castelo Branco (1964-1967), criou-se um órgão especializado em reunir informações sobre indivíduos e grupos considerados uma ameaça em potencial. Denominada Serviço Nacional de Informações (SNI), a organização foi idealizada pelo general Golbery do Couto e Silva, seguindo as ideias anticomunistas, propagadas pelo governo estadunidense e sob forte influência das teorias francesas sobre Guerra Revolucionária, que pregavam sobre a necessidade de combater um inimigo interno (SAMWAYS, 2014).
Em um período curto ramificou-se, abrindo agências regionais em diversos pontos do país. Ademais, a partir de 1967, passou a recolher informações por meio das Divisões de Segurança e Informações (DSI’s), que atuavam nos ministérios civis e pelas Assessorias de Segurança e Informações (ASI’s) , que agiam junto às universidades e empresas estatais (JOFFILY, 2014).
Segundo Carlos Fico (2003), a chamada “linha dura” exigia meios e modos para efetuar a perseguição política no início da ditadura. Obtidos esses meios, em decorrência dos Atos Institucionais (AI) números 2 e 5, os representantes dessa corrente passaram a constituir a “comunidade” ou “sistema” de informação. De acordo com Ridenti (2014), o AI-2 acabou com os partidos políticos que atuavam no Brasil entre 1945 e 1964. Enquanto o AI-5 dava poderes quase ilimitados para a Presidência da República, como a capacidade de legislar por decreto, suspender direitos políticos dos cidadãos, cassar mandatos eletivos, suspender o habeas corpus, julgar crimes políticos em tribunais militares, demitir ou aposentar juízes e outros funcionários públicos.
O recrudescimento da política repressiva, com a imposição do AI-5, levou a criação de uma vasta rede de vigilância. O Sistema Nacional de Informações (SISNI) englobava todos os órgãos de segurança e informação existentes (como o Centro de Informações da Marinha-CENIMAR, Centro de Informações e Segurança da Aeronáutica-CISA, Destacamento de Operações de Informação – Centro de Operações de Defesa Interna- DOI-CODI , entre outros). O SNI era o principal órgão desse sistema, mas é importante destacar que não subordinou as outras instituições repressivas (BRASIL, Relatório da Comissão Nacional da Verdade vl. 1, 2014).
Para Fico, “a ‘comunidade’ amparava-se naquilo que podemos chamar de ‘pilares básicos’ de qualquer ditadura: a espionagem, a polícia política e a censura.” (FICO, 2003, p. 175). A linha ideológica seguida pelos agentes da comunidade de segurança e informações foi a Doutrina de Segurança Nacional (DSN) formulada na Escola Superior de Guerra (ESG). Esse modo de pensar, fortemente anticomunista, determinou a atuação dos órgãos de segurança e inteligência, além do próprio governo ditatorial. A DSN, cujo principal ideólogo foi o gal. Golbery do Couto e Silva, estabeleceu que havia uma “guerra total” aberta entre ocidente democrático-cristão e o oriente comunista-ateu. Segundo esse pensamento, o Brasil tinha que se posicionar claramente e lutar contra as “ideologias estrangeiras” que “subvertem” os valores ocidentais supostamente presentes na sociedade brasileira (NEVES JR, 2019a, p. 47).
A formulação da DSN também foi inspirada pelo conceito de guerra revolucionária francesa, no qual se afirmava que havia uma guerra aberta entre o Ocidente cristão e o Oriente ateu. Devido a isso, era preciso estar em alerta e preparado para o conflito em diversas esferas, incluindo o campo ideológico (MARTINS FILHO, 2008).
Tais correntes de pensamento orientavam a atuação dos agentes de segurança e de informação. Esse modo de pensar acabou por gerar uma “paranoia” nos órgãos repressivos, que acabaram acusando cada indivíduo ou ato contrário à ditadura vigente como movimentações do “comunismo internacional”. Esta “paranoia” é concebida enquanto fenômeno que caracteriza a concepção de um grupo social, ou indivíduo, da existência de um iminente perigo que se estende em todos os níveis da sociedade, cabendo somente a este grupo, ou indivíduo, a tarefa de combatê-lo (SAMWAYS, 2014).
Diante do exposto, aponta-se a relevância da análise sociológica a fim de elucidar a problemática que versa a presente proposta de investigação, compreender a matriz ideológica dos agentes de informação (brasileiros e estadunidenses) e como atuavam frente à sociedade paranaense.
Já no final da década de 1980, o então diretor de Inteligência Central estadunidense, William Casey, declarou publicamente o comprometimento em instituir um Programa de Revisão Histórica (HRP), que tinha como meta disponibilizar para acesso público os arquivos da Central Intelligence Agency (CIA) – o que teve início no ano de 1989, quando foram liberadas as primeiras mil páginas de documentos da agência. O HRP formalizou-se de maneira mais explícita em 1992, sob a coordenação de Robert Gates, que não deixou de salientar que a liberação dos mencionados arquivos seria restringida aos interesses de segurança nacional dos EUA. A partir de 2001, em ocasião de uma conferência sobre a antiga União Soviética realizada na Universidade de Princeton, os arquivos temáticos da CIA começaram a ser disponibilizados para acesso no endereço eletrônico oficial da agência.
O acervo digital da CIA conta, atualmente, com cerca de 70 (setenta) arquivos temáticos desclassificados que perpassam uma multiplicidade de assuntos que permearam os objetos de análise da agência estadunidense de inteligência, entre a década de 1940 e início dos anos 2000. Pode-se citar a consolidação de uma rede cooperativa global de inteligência e avaliação da cultura política de seus integrantes; crimes nazistas cometidos durante a Segunda Guerra Mundial; investigações sobre a União Soviética, China e demais países vinculados ao comunismo durante a Guerra Fria; relações políticas e culturais latino-americanas; estudos de treinamento de animais aquáticos e aves para integração no sistema de segurança nacional; objetos voadores não identificados; investigações sobre o atentado de 11 de setembro de 2001; entre outros.
Em uma análise primária, o que se busca evidenciar no decorrer das proposições do agente de inteligência estadunidense é o papel desempenhado pela CIA acerca do delineamento de estratégias culturais, políticas e, principalmente, econômicas que visassem orientar as decisões oficiais do governo dos EUA para garantia da manutenção de sua hegemonia nas Américas, situação na qual - dadas as dimensões complexas destas configurações - o Brasil é tomado como peça central no desenvolvimento das tramas estratégicas para a manutenção do poder político e econômico.
Dentro dessa problemática, a CIA, assim como as agências de inteligência congêneres que passaram a se formar e se reestruturar no contexto de Guerra Fria, exerceu papel fundamental na construção, orientação e difusão dos princípios anticomunistas que condicionaram a ascensão das Ditaduras de Segurança Nacional na América Latina e, subsequentemente, ocupou-se de acompanhar e nortear os processos de redemocratização do Continente (BOZZA, 2009; FIGUEIREDO, 2005). Assim, no que tange ao papel desempenhado pela CIA, em âmbito nacional e internacional, enquanto peça integrante do aparelho de coerção e repressão estatal estadunidense, deve-se levar em conta que, sendo criada em 1947, a agência de inteligência tinha por premissa recolher e produzir informações que viabilizassem a garantia e manutenção da segurança nacional e disponibilizassem conteúdo para fundamentar as tomadas de decisões oficiais do governo dos EUA (KORYBKO, 2018; PRASHAD, 2020).
A presente proposta considera que a conjuntura de disputas entre os EUA e a URSS favoreceram e, ao mesmo tempo, intensificaram a especialização de serviços de inteligência a partir da premissa de influir, de distintas maneiras, no cerceamento da capacidade de agência tanto de organizações quanto dos próprios Estados Nações. Nessa perspectiva, apropriando-se do pavor à ameaça comunista, a CIA desenvolveu estratégias de direcionamento, a partir de decisões oficiais de Washington, para favorecer o alinhamento da lógica de dependência dos países americanos, fosse por meio dos boicotes econômicos ou pelos incentivos de desencadeamento de operações persecutórias internas aos grupos que ameaçassem a reprodução da dominação estadunidense.
Nesse sentido, ressalta-se que as fontes documentais desclassificadas da CIA evidenciam a construção e a manutenção de um projeto de poder e, ao mesmo tempo, de subpoder para a América do Sul, delineado a partir dos interesses políticos e econômicos dos EUA. Reforçando que, em meio ao contexto de Guerra Fria, o anticomunismo e suas derivantes serviram de núcleo comum organizativo para viabilizar a conquista e a implementação do projeto de poder político e econômico ambicionado e compartilhado pelos agentes de inteligência estadunidenses.
Assim, destaca-se o arquivo específico intitulado Weekly Review Special Report que, inicialmente, apresenta-se como potencial fonte de análise para a proposta em questão e expressa de forma exemplar os documentos que poderão ser analisados e interpretados no desenvolvimento da pesquisa proposta, sendo constituído por relatórios semanais elaborados com a premissa de coletar informações e disponibilizar análises que viabilizassem a tomada de decisões estadunidenses frente aos problemas relativos às relações internacionais e que, durante a década de 1970, passou a dedicar especial atenção para os direcionamentos políticos e econômicos do Brasil.
Dessa forma, o recorte temporal associado com a ditadura militar brasileira justifica-se por dois motivos. Em primeiro lugar, leva-se em consideração que a década de 1970 foi marcada pelo recrudescimento das estratégias anticomunistas na América do Sul (RIBEIRO, 2018), gerando uma extensa produção documental da CIA para o estabelecimento de medidas de contenção e direcionamento do desenvolvimento brasileiro. Em segundo lugar, toma-se a década de 1980 como um período crucial para os EUA no que tange aos direcionamentos de consolidações dos modelos de democracia que substituiriam os regimes ditatoriais de Segurança Nacional que estavam vigentes no Conesul (SCHOULTZ, 2000; AYERBE, 2002; SALAZAR; LORENZO, 2008; VIDIGAL, 2014).
Acerca das relações que se estabeleceram entre os grupos anticomunistas latino-americanos e o governo dos EUA, a transição da década de 1970 para 1980 foi, incialmente, marcada pelas instabilidades decorrentes das tomadas de decisão do presidente democrata James Carter (1977-1981), em favor da defesa dos Direitos Humanos, e o subsequente relativo realinhamento político e ideológico que acompanhou a ascensão do republicano Ronald Reagan (1981-1985) à presidência estadunidense.
Nessa problemática pertinente à difusão do anticomunismo em território latino-americano como estratégia de alinhamento com os interesses estadunidenses, é pertinente reconhecer as retomadas contemporâneas de posicionamentos políticos e ideológicos fundamentados em perspectivas anticomunistas exacerbadas, como forma de reorganização dos setores da extrema direita no Brasil. Aspecto que explicita a relevância da apreensão dos métodos de direcionamento internos utilizados pelas agências de coerção e repressão para consolidação do consenso que ainda se reproduz no cenário atual.
O exame de documentos formulados pelos órgãos de vigilância e repressão tem como objetivo efetuar um exercício de memória, isto é, relembrar os horrores do passado para assim evitar que tornem a ocorrer (ADORNO, 1995). Tal ação é de fundamental importância, tendo em vista que o governo eleito em 2018 apoia correntes do negacionismo histórico e afirma que “não houve ditadura” no Brasil. O discurso defendido pela atual administração do Executivo Federal é alinhado com os setores castrenses, que visam defender o legado da “revolução de 1964”.
A corrente negacionista projeta elementos políticos e ideológicos, manipula a realidade mediante a aceitação de falsificações no debate público. Além disso, tal movimento desvaloriza os trabalhos de pesquisa historiográfica e a própria ciência, ao questionar fatos estabelecidos e comprovados. O negacionismo, por ser utilizado como manobra política, passa a ser um objeto de análise da sociologia histórica (ALMEIDA, 2021). Um ato do atual presidente, que se enquadra nessa vertente, é a fala que deslegitima a CNV por considerá-la obra do governo Dilma Rousseff (2011-2016), questionando a imparcialidade da Comissão.
A implementação da CNV foi resultado de lutas dos familiares de mortos e desaparecidos políticos e de movimentos sociais, como o grupo Tortura Nunca Mais, que ainda atuam como atores políticos e gestores de memória. A Comissão serviu para complementar as políticas de reparação do período democrático, que não garantiam o direito à memória e à verdade. Porém, a despeito dos esforços, ela pouco avançou na recuperação factual ou no acesso à justiça para os atingidos (TELES, 2016). Portanto, mesmo com os trabalhos de grupos e de governos anteriores, a memória da ditadura continua sendo um campo conflitivo.
O trabalho de análise e de sistematização dos arquivos disponíveis nas fontes do SNI (PR), do projeto Opening the Archives e do acervo de documentos desclassificados da CIA (EUA), e a posterior disponibilização dessas fontes para consulta online nos diferentes Repositórios Temáticos, fomentarão e facilitarão futuras pesquisas. Novas investigações sobre o período da ditadura militar são de fundamental importância para fazer frente a políticas de esquecimento, que tentam ocultar memórias incômodas; é preciso pesquisar para desvendar as memórias subterrâneas (POLLAK, 1989). Além disso, torna-se uma atividade de suma importância produzir conhecimento científico frente às disputas conjunturais e a emergência de narrativas que são marcadas pelo negacionismo e pelo anticientificismo.
Ao tratar do objeto matrizes ideológicas e as características da atuação dos agentes de informação (nacionais e internacionais), tomamos como conceito de matriz ideológica a base do “discurso que revela a ação [e] revela também o sujeito”. Por isso, a matriz ideológica permite “a atribuição de sentido às coisas”, ela é expressa no discurso oral e escrito (SADER, 1988, p. 57).
Dessa forma, a partir dos documentos das respectivas fontes associados ao recorte territorial paranaense, fundamentamos que a linguagem adotada pelos agentes do sistema de informação “não é um mero instrumento neutro que serve para comunicar alguma coisa que já existisse independente dela” (SADER, 1988, p. 57). Há um reforço do conceito de matriz ideológica expressa nos discursos, ao afirmar não ser possível que
todos os discursos sejam iguais nem mesmo que derivem de uma mesma matriz discursiva. Mas, tendo de interpelar um dado público, todo discurso é obrigado a lançar mão de um sistema de referências compartido - pelo que fala e por seus ouvintes. Constitui-se um novo sujeito político quando emerge uma matriz discursiva capaz de reordenar os enunciados, nomear aspirações difusas ou articulá-las de outro modo, logrando que indivíduos se reconheçam nesses novos significados. É assim que, formados no campo comum do imaginário de uma sociedade, emergem matrizes discursivas que expressam as divisões e os antagonismos dessa sociedade (SADER, 1988, p. 59-60).
Nesse sentido, propõe-se identificar as matrizes ideológicas adotadas nos registros produzidos pelos agentes de informação nos diferentes documentos e fontes (já citadas). Destaca-se que há grande quantidade de documentos norte-americanos disponíveis para consulta pública em formato digital. No entanto, dentre outros aspectos o registro em inglês e o grande número de documentos que compõem estes acervos tem condicionado a baixa taxa de realização de pesquisas, demandando assim uma sistematização temática dos documentos que possa facilitar, fomentar e subsidiar novas análises e investigações em outras instituições brasileiras.
Conclusiones:
A principal hipótese é que os agentes nacionais e internacionais atuavam sob a matriz ideológica que estrategicamente estava vinculada aos interesses norte-americanos na América Latina, disseminavam e colaboravam com a Doutrina de Segurança Nacional em favor da manutenção das estruturas sócio-históricas brasileiras com a perpetuação de representantes das elites nacionais agrárias e urbanas.
Espera-se, dessa forma, contribuir com análises qualitativas, realizadas sobre documentos inéditos de uma organização de inteligência internacional, acerca de uma temática de grande relevância para os campos do conhecimento das Ciências Humanas e Sociais, entre outras áreas afins.
Ao organizar o Repositório Temático (digital e de livre acesso) junto ao NDPH UEL, com documentos selecionados a partir dos objetivos propostos das fontes documentais (SNI-PR, Opening the Archives e desclassificados da CIA) será possível subsidiar os estudos sobre a ditadura militar brasileira e, por consequência, acerca da emergência de movimentos políticos conservadores pautados na defesa de valores e ações autoritárias e ou negacionistas na conjuntura contemporânea nacional.
É importante reforçar que as fontes documentais desclassificadas da CIA e os arquivos do Projeto Opening the Archives possibilitam às Ciências Humanas e Sociais novas abordagens para a compreensão das dimensões que os serviços de inteligência exercem no direcionamento das tomadas de decisão dos agentes sociais e coletivos. Mais especificamente, espera-se contribuir com resultados qualitativos de análise das formas como a CIA e o governo dos EUA interviram nas dinâmicas internas do Estado brasileiro sob o comando das Forças Armadas.
Determinadas contribuições visam aquecer novos debates e disponibilizar outros horizontes para o entendimento do paradoxo que perpassa a existência dos serviços de inteligência nas sociedades democráticas contemporâneas – tendo em vista que, se por um lado esses órgãos se mostram essenciais na conjuntura de disputas de guerras não convencionais, por outro costumam exercer um papel de cerceamento da capacidade de agência dos sujeitos e organizações sociais (TILLY, 1996).
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Palabras clave:
Dictadura; Vigilancia; Seguridad Nacional; Guerra Fría; Represión.
Resumen de la Ponencia:
Tras el golpe militar de 1973 las instituciones desde donde se habían desplegado las ciencias sociales en Chile fueron intervenidas por los militares, persiguiendo y expulsando a profesores, estudiantes y personal no académico, cerrando sus carreras y reduciendo significativamente sus presupuestos. La Sociología en particular, fue estigmatizada y sometida a estricta vigilancia, transformando radicalmente su práctica y ejercicio. Además, junto a estos procesos, se impuso un nuevo modelo, de carácter neoliberal, a la educación superior que hasta el presente supedita su desarrollo a las exigencias y posibilidades del mercado. Frente a ese proceso de intervención y desmantelamiento de la disciplina, se generaron espacios de resistencia académica, como el Instituto Superior de Arte y Ciencias Sociales, que alentaron debates y perspectivas contrahegemónicas. Estas iniciativas precisan ser atendidas en el marco de un trabajo de historización y reflexividad de la sociología chilena y latinoamericana, que dé cuenta de la complejidad de su construcción y permita comprender mejor la relación entre la producción de conocimiento científico en la región y sus condiciones de producción. En esta ponencia se exhiben los resultados preliminares del ejercicio de reconstrucción histórica y análisis sociológico del desarrollo de la sociología en el Instituto Superior de Arte y Ciencias Sociales —predecesor de la Universidad de Arte y Ciencias Sociales (ARCIS)— entre los años 1985 y 1991; examinando también el rol del Centro de Investigaciones Sociopolíticas (CISPO), espacio de investigación crítica alojado en el Instituto, vinculado estrechamente al Partido Comunista Chileno. La investigación se llevó a cabo por medio del trabajo de archivo y de entrevistas semi-estructuradas a actores claves del proceso. A través del análisis de contenido y haciendo uso de algunas de las herramientas teóricas de Bourdieu, los resultados sugieren que, en plena dictadura, en dicho Instituto se congregó una intelectualidad y militancia crítica que desarrolló una forma alternativa de enseñanza en el campo de la sociología y desplegó una serie de discursos críticos para las transformaciones políticas y sociales. En la ponencia se expone que una parte de la sociología que era crítica de la dictadura encontró lugar para el desarrollo de su actividad intelectual en un instituto que se presentó como respuesta activa al régimen dominante. Estudiantes y académicos/as expulsados/as de las universidades se congregaron junto a opositores a la dictadura, participantes de Organizaciones No Gubernamentales e intelectuales formados/as en el extranjero para dar vida al Instituto Superior de Arte y Ciencias Sociales y su carrera de Sociología. Se sostiene que la sociología allí enseñada favoreció la formación de profesionales atentos/as a los procesos políticos nacionales, distanciándose del reclamo por la “autonomía” del campo de la sociología voceado por parte de la intelectualidad orgánica de las clases dominantes chilenas.Resumen de la Ponencia:
Transcurridas más de tres décadas desde el término de la Dictadura, son contados los estudios que hacen un socio-análisis del despliegue de la sociología en el Chile posdictatorial; esta situación contrasta con etapas anteriores de la disciplina, caracterizadas por una mayor reflexividad. En esta ponencia presentamos los resultados parciales de una investigación en curso sobre el proceso de reinstitucionalización de la sociología en la postdictadura, cuyo propósito es examinar la estructura del campo, la producción de saberes sociológicos, y las tendencias y giros que se observan en el devenir de la sociología chilena. La intervención militar de las universidades durante la Dictadura, la persecución de profesores y estudiantes, y el cierre de Escuelas, departamentos y centros de estudio colocó a la sociología universitaria en una situación de virtual extinción. Durante los años noventa, la proliferación de universidades privadas amplió las posibilidades de ejercer la docencia; no obstante, en las universidades públicas, la reapertura de espacios para la sociología ha sido lenta, compleja y limitada. Ese proceso ha sido más dificultoso aún en las universidades de provincia. Aquí analizamos el proceso de reinstitucionalización de la Sociología en la Universidad de Valparaíso, desde la fundación de la Carrera (2003), la creación del Instituto de Sociología (2011) y, más recientemente, la refundación de la Facultad de Ciencias Sociales, en la que se integra el Instituto, ahora reconvertido en Escuela de Sociología (2019). En este proceso identificamos y examinamos el rol de algunas figuras que han sido fundamentales en el proceso de reconstrucción de la disciplina, damos cuenta de las orientaciones teóricas y profesionales que caracterizan el quehacer de las y los sociólogos en este tiempo y ponemos en relación el devenir de la sociología en Valparaíso y en Chile con los procesos sociales y políticos que ha experimentado el país en las últimas décadas. Este último punto resulta fundamental para evaluar críticamente la situación de la disciplina y comprender los cambios, las crisis, y las rupturas y/o continuidades en su devenir. Este ha estado marcado por el largo ciclo de movilización social contra el neoliberalismo: la irrupción de los estudiantes secundarios (desde el 2001) y universitarios (a partir del 2011), la resistencia del pueblo mapuche, el “mayo feminista” (2018) y la revuelta popular (2019), entre otras. La sociología chilena ha contribuido a explicar estos fenómenos y, a la vez, se ha visto fuertemente interpelada y tensionada por ellos. La contextualización es fundamental para el análisis de la producción del saber sociológico, pues permite detectar los giros disciplinares, las tensiones subyacentes, las temáticas que concitan el interés de las nuevas generaciones de estudiantes y de los cultivadores de esta disciplina profesional. Los resultados de este estudio de caso se proponen contribuir a esa tarea.Resumen de la Ponencia:
Dentro de la literatura sociológica que se produjo en Chile a fines de la década del ochenta, el interés por ahondar en el devenir de la disciplina ocupa un lugar relevante. Dicha preocupación puso especial atención en las repercusiones que la dictadura civil-militar (1973-1989) y la universidad intervenida estaba teniendo en el desarrollo de la sociología. Hasta el día de hoy, estos estudios se han constituido en el relato consagrado sobre el periodo. Así, al tiempo que este relato se centró en la ‘jibarización’ de la disciplina en las universidades, en la acción centrífuga de la universidad y en el devenir extra-universitario de la sociología, lo cual es identificado como el polo dinámico del desarrollo de la sociología durante el régimen dictatorial que, pese a las restricciones del contexto socio-político, habría permitido recomponer el ejercicio académico e intelectual, relevándose los alcances en la apertura de nuevos derroteros y sentidos para el quehacer de la disciplina. Sin embargo, transcurridos poco más de treinta años del fin de la dictadura, prácticamente no existen investigaciones que aborden la imbricación entre el desarrollo de la disciplina sociológica y el contexto de universidad intervenida, donde las formas en las que se transmitió la sociología en esta institución constituyen una de las dimensiones relevantes para el proceso de institucionalización. Efectivamente, si se asume que para la continuidad de una comunidad disciplinar, de sus orientaciones y expectativas, la cadena intergeneracional es un componente importante, independiente de la relación que se establezca con ese legado, interrogarse sobre la transmisión de la sociología en la universidad intervenida cobra importancia para el estudio de sus efectos en el devenir de la disciplina postdictadura.Esta ponencia busca hacer una reconstrucción de la historia de la carrera de sociología en la Universidad de Chile entre 1973 y 1989, dado que esta escuela fue la única -de las cuatro existentes hasta 1973- que continuó impartiendo la disciplina a nivel de pregrado. Se plantea que, en relación con la sociología universitaria, las preocupaciones, los problemas y los intereses planteados por los investigadores que estudiaron esta problemática propiciaron la construcción de un discurso homogéneo sobre los efectos de la intervención universitaria en la práctica y enseñanza de la sociología que impidió visualizar ciertos aspectos relevantes para el futuro de la disciplina posdictadura. En cuanto al abordaje teórico-metodológico, se propone articular el enfoque de la historia del pasado reciente, los estudios sociales de la ciencia y la perspectiva reflexiva de Pierre Bourdieu. Aparejado a esto, se plantea una aproximación de dos vías: una etnográfica (historias de vida y entrevistas) y una historiográfica (trabajo con fuentes documentales).Resumen de la Ponencia:
O artigo aborda em um primeiro plano o debate acerca das teorias e temáticas do Pensamento Político e Social Latino-Americano e suas interpretações sobre Estado, capitalismo e desenvolvimento na América Latina. Dessa maneira trata da literatura pertinente ao desenvolvimento, subdesenvolvimento e economia social e política latino-americana. Destacando alguns dos equívocos teóricos e metodológicos sobre o problema do subdesenvolvimento dos territórios latino-americanos. Descreve em linhas gerais a história econômica e social desses espaços considerados subdesenvolvidos. Assim, o tema central gira em torno do desenvolvimento econômico e social e como estes pilares possuem um caráter duplo promovendo de um lado o progresso para determinadas regiões globais enquanto por outro lado produz o atraso econômico e social às populações do sul global, mais em específico da América Latina. Em um segundo momento, aborda como a burguesia nacional brasileira optou por se associar ao capital internacional para se manter no poder político e econômico, se valendo das Forças Armadas par a realização do golpe militar de 1964. Aproveita-se do ensejo para apresenta alguns dos resultados preliminares da pesquisa acerca da participação do empresariado brasileiro tanto no apoio ao golpe militar bem como sua participação intensiva nos governos militares. Como o empresariado brasileiro obteve, durante todo o regime ditatorial, vantagens econômicas e políticas por meio de financiamento de órgãos públicos, principalmente os bancos estatais como o BNDE(S) durante a ditadura empresarial-militar.
Introducción:
O entendimento acerca do desenvolvimento possui múltiplos sentidos, pode-se tomar a ideia de desenvolvimento como pertencente estritamente ao campo econômico ou apenas social. Pode-se ainda, pensar o desenvolvimento, como um conjunto complexo que coaduna diversos aspectos da realidade humana e sem perder de vista a dimensão de ambivalência que o conceito carrega, mas acima de tudo ele modifica todos as esferas da estrutura social, social, histórico, econômico, educacional entre outros.
A questão do desenvolvimento econômico para alguns teóricos se trata de cumprir algumas etapas para assim alcançá-lo, já para outros autores o desenvolvimento e o subdesenvolvimento se trata de duas faces do mesmo processo econômico, que de um lado produz desenvolvimento para uns e subdesenvolvimento e dependência para outros.
As condições econômicas, históricas e sociais pertinentes ao processo de desenvolvimento dos países latino-americanos, não podem ser pensadas da mesma forma que os países centrais do sistema capitalista global que viveram o caso clássico da formação das sociedades modernas. Deve-se levar em consideração o período histórico e a maneira como foi conduzida a industrialização e, desta forma, como a ideia de desenvolvimento se aplica ao caso latino-americano.
O golpe militar de 1964 e todo o período da ditadura empresarial-militar pode ser tratado como um aspecto do desenvolvimento e perpetuação do subdesenvolvimento, (re)produzindo dependência econômica ao capital monopolista, geralmente, associado aos países hegemônicos do sistema capitalista mundial.
Conforme Dreifuss aborda em sua obra “1964: A conquista do Estado, ação política, poder e golpe de classe” de 1981, o golpe de Estado dado pelos militares e mesmo a vigência de todo o período ditatorial não foi um projeto de poder (político e econômico) estritamente das forças armadas. Na verdade, teve a participação da burguesia nacional e internacional. Os empresários não só apoiaram o golpe de 1964, como tiveram participação nos governos dos generais, em muitos casos, participaram da administração pública do regime autoritário e se beneficiaram. (DREIFUSS, 1981)
O golpe teve um forte caráter classista reinserindo o Brasil no sistema capitalista mundial como um país em vias de desenvolvimento ou subdesenvolvimento, subserviente ao capital estrangeiro. Destaca-se também que a vinculação entre empresariado e ditadura tem uma estreita relação com o modo como o Estado brasileiro se inseriu no contexto do capitalismo internacional, de forma dependente e periférica.
Desarrollo:
A primeira ideia que vale a pena colocar no debate acerca da compreensão do desenvolvimento pertence ao professor de economia e filosofia Amartya Sen (2010), que afirma: “o crescimento econômico não pode sensatamente ser considerado um fim em si mesmo.” (SEN, 2010, p.29)
Amartya Sen também faz a discussão problematizando o desenvolvimento como um conceito que “cabe” tudo e, portanto, seria necessário criar uma nova definição do conceito vinculada à determinadas características para garantir com que o desenvolvimento expressasse uma determinada condição material. Para ele, o desenvolvimento deveria estar relacionado, acima de tudo com a melhora da vida que as pessoas levam e de todo tipo de liberdade que podem desfrutar. (SEN, 2010, p.29)
A partir da concepção de que o desenvolvimento deveria gerar mudanças nas esferas a vida social, Amartya Sen pressupõe sua definição compreendendo-o como um espaço deve haver uma ampliação das liberdades substantivas e estas por sua vez possuem distintas variáveis a serem cumpridas, tais como a distribuição de riqueza, liberdade dos indivíduos com relação acesso a emprego em um conjunto de questões para se garantir isso.
Expandir as liberdades que temos razão para valorizar não só torna nossa vida mais rica e mais desimpedida, mas também permite que sejamos seres sociais mais completos, pondo em prática nossas volições, interagindo com o mundo em que vivemos e influenciando esse mundo. (SEN, 2010, p. 29)
Nesse encadeamento de ideia, Costa Pinto (1962) coloca os estudos acerca dos problemas de desenvolvimento econômico passando a ter algum sentido devido a uma realidade humana, um complexo de relações cotidianas concretamente vividas, um estilo de vida (ou melhor colocando, muitos estilos de vida que se coadunam), em suma, uma estrutura social interligada. De acordo como autor, a questão do problema do desenvolvimento econômico diz mais respeito a problemas sociológico, ou melhor, ao campo da sociologia do que exatamente um problema econômico. (COSTA PINTO, 1962, p. 300)
Para Costa Pinto existem três pontos de análise para se estruturar os estudos do problema do desenvolvimento econômico. O primeiro seria, o estudo das condições sociais do desenvolvimento; o segundo, o estudo das implicações sociais do desenvolvimento; por fim o terceiro, possui um caráter mais abstrato e teórico, por ser um estudo que delimita o significado do próprio desenvolvimento em si, enquanto processo histórico e social. (COSTA PINTO, 1962, p. 300)
O primeiro plano, portanto, analisaria os padrões e as formas econômicas e sociais pré-existentes, pois são elas que se transformam. Nesse sentido, o homem enquanto tipo histórico estaria no centro dessa análise, dele deriva questões como suas técnicas e sistema de trabalho, condições de vida, tradições, instituições e valores, estrutura social e suas estratificações. No segundo plano, se concentraria nos efeitos e consequências pertinentes ao processo de desenvolvimento econômico. Esse processo causaria uma mudança de mentalidade social em todos os níveis da estrutura social, educacional, vida cotidiana, trabalho, criaria, enfim um novo padrão de economia e sociedade. O terceiro e último plano, residiria, forçosamente, na esfera da episteme, quer dizer, seria um problema inerente do campo da Sociologia que se incumbe de estudar “uma série de problemas simultâneos, o processo global de gestação de uma nova economia, uma nova sociedade e um novo homem.” (COSTA PINTO, 1962, p. 301)
Dentro dessas três perspectivas trazidas por Costa Pinto, desdobra-se alguns pontos de grande importância para o estudo do desenvolvimento dentro do campo das ciências sociais.
O primeiro seria que o desenvolvimento seria então a chave para superar o subdesenvolvimento, mas não podemos fazer com o desenvolvimento o que foi feito com a ideia de progresso. Isso porque a ideia de ‘progresso’ se tornou ideologia que mascarou a realidade desigual das sociedades globais desde o final do século XIX e na prática pouco contribuiu com a realidade empírica dos estados nações em particular. O desenvolvimento não pode ser essa dimensão ideológica na qual todos os países precisam se tornar desenvolvidos.
De acordo com Amartya existe com frequência, ao longo do tempo, alguns dentro de distintas sociedades que defendem a negação como justificativa para se estimular o desenvolvimento econômico.
Alguns chegaram a defender sistemas políticos mais autoritários — com negação de direitos civis e políticos básicos — alegando a vantagem desses sistemas na promoção do desenvolvimento econômico. (SEN, 2010, p. 30)
É possível traçar paralelos entre o texto “Em Busca de uma Ideologia do Desenvolvimento” de Celso Furtado (1968) com o texto “Desenvolvimento como Liberdade” de Amartya Sen. Isso porque ambos os autores realizam o esforço para compreender a base do desenvolvimento e como este se estrutura no tempo, questionando a aplicabilidade desse ideário para outras nações que não o efetivaram em todas as suas etapas. Levando ainda em consideração questões específicas de cada território, como processos sociais e históricos entre outros.
Para Celso Furtado (1968), o desenvolvimento não poderia ser compreendido enquanto uma condição endógena no qual o país supera determinadas problemas e galga etapas universais, chegando ao nível do desenvolvimento. Aborda que a formação das modernas sociedades industriais é mais facilmente compreendida quando nós a estudamos sob diferentes ângulos dentre os quais ele vai destacar o desenvolvimento das suas próprias forças produtivas o ângulo da própria transformação das estruturas sociais e também o do marco institucional e dentro dos quais dos ângulos essas forças vão operar.
Então, Celso Furtado (1968) aponta que a sua análise capta o problema de subdesenvolvimento como sendo uma realidade histórica, decorrente da técnica moderna no processo de constituição de uma economia considerada de escala mundial. O subdesenvolvimento deve ser compreendido como um fenômeno da história moderna comum dos aspectos da própria propagação da revolução industrial e, nesse sentido, o estudo do subdesenvolvimento não pode se realizar isoladamente. Não deve ser compreendido como sendo uma fase do processo de desenvolvimento que seria necessariamente superada sempre que atuassem alguns fatores conjuntamente.
Outro aspecto marcado por Sen refere-se aos casos nos quais as liberdades individuais e os direitos civis básicos são sistematicamente negados a uma grande parcela da população de países desenvolvidos. Sen mostra com isso que existe uma ambivalência do conceito, no entanto, significa dizer que mesmo os países centrais que tem uma parcela da população vivendo em situação precária não os torna em subdesenvolvidos e, nem as classes que possuem esse bem estar nos países subdesenvolvidos torna esses países desenvolvidos. Então, o conceito para conseguir abarcar essa clivagem deveria ter uma capacidade analítica de apreensão dessas contradições do mundo empírico e real. (SEN,2010)
Outro aspecto interessante que Furtado (1968) nos revela é tanto o desenvolvimento e quanto o subdesenvolvimento são coetâneos. As economias que provocaram e lideraram os processos de formação de um sistema econômico de base mundial provocaram também o subdesenvolvimento em países periféricos do sistema, não podendo estes repetir a experiência das economias desenvolvidas. Somente a partir dessa perspectiva seria possível captar o que é específico do subdesenvolvimento e, assim, aprender onde a experiência dos países desenvolvidos deixaria de apresentar legitimidade para os países subdesenvolvidos cujo avanço pelos caminhos do desenvolvimento passa a depender apenas da sua própria capacidade para criar-se neste ponto uma história. (FURTADO, 1968, p.4)
Nesse entendimento, Furtado (1968) descreve que o desenvolvimento e o subdesenvolvimento devem ser compreendidos dentro de uma mesma chave de interpretação, porque ambos seriam produtos da história moderna. Por ambos serem aspectos da revolução industrial, devem, portanto, ser estudados de maneira interligadas. O subdesenvolvimento só pode ser compreendido a partir do confronto a ideia de desenvolvimento. Sendo assim,
Pelo mesmo fato de que são coetâneos das economias desenvolvidas, isto é, das economias que provocaram e lideraram o processo de formação de um sistema econômico de base mundial, os atuais países subdesenvolvidos não podem repetir a experiências dessas economias. (FURTADO, 1968, p.4)
Contudo, para Florestan Fernandes (2006), não existi uma forma ou modelo único de acumulação capitalista como o pensamento eurocêntrico havia se propagado. Na verdade, o capitalismo tem um caráter plástico no sentido de se moldar a distintas realidades promovendo em maior ou menor grau a exploração da força de trabalho e das distintas situações econômicas, sociais e culturais de onde se instala. (FERNANDES, 2006, p.337)
Mesmo que ocorresse uma forma na qual o desenvolvimento fosse igual em todos os lugares e tempos, esta não conseguiria garantir uma evolução uniforme do capitalismo e nem a consolidação da dominação burguesa. (FERNANDES, 2006, p.339)
Quanto ao que diz respeito aos países latino-americanos, Furtado (1968) destaca que estes tiveram um processo de desenvolvimento com características extremamente diferentes dos países do bloco hegemônico. Tiveram que procurar um caminho da diversificação das estruturas econômicas para alcançar um adequado crescimento. Nessa conformidade, a industrialização dos países da América Latina não teve a intenção de romper com os esquemas de divisão internacional do trabalho. (FURTADO, 1968, p.7)
A industrialização latino-americana constitui um caso típico do que se chama de desenvolvimento mediante um processo de substituição dinâmica das importações. Os investimentos são orientados no sentido de diversificar a estrutura produtiva afim de satisfazer os requerimentos de uma demanda que antes era atendida por meio das importações. Então a natureza substitutiva das importações vai constituir, segundo Furtado (1968) uma das causas básicas da especificidade da própria industrialização latino-americana. (FURTADO, 1968).
Nesse cenário, surge a discussão relacionada com a urbanização dos países capitalistas modernos, criando um novo tipo de sociedade que se estruturou a partir de classes sociais, burguesia proletariado. A partir daí, surgem os antagonismos de classe. (FURTADO, 1968)
Assim, a classe capitalista, ao tomar conhecimento da superação, percebe o valor de institucionalizar os conflitos existentes colocando-os na estrutura. Regula-se, portanto, o direito a greve e modificações nas instituições políticas, tentando adaptá-las aos requerimentos de uma sociedade cujo dinamismo vai decorrer do próprio antagonismo das classes.
No caso brasileiro o destaque vale para como se constituiu a burguesia, nacional. Esta pode ser considerada como fruto de estratos da oligarquia rural, de um resquício de elites coloniais bem como novos estratos que surgiram do processo de industrialização. Contudo, a burguesia nacional não surgiu, exatamente, a partir do processo de antagonismos entre as classes, como no caso clássico dos países hegemônicos. Tão pouco foi somente fruto da constituição dos interesses de classe, envolve aí questões da colonialidade e da dependência econômica e associação com o capital externo, ou seja, condições exógenas ao território nacional. (FURTADO,1968, p.9)
Nesse registro, as burguesias nacionais dos países periféricos possuem características peculiares, detém um forte poder de econômico, social e político, de base e com alcance nacional, controlam o Estado e sua máquina burocrática administrativa, contam ainda com o suporte externo para modernizar as formas de socialização, cooptação ou de repressão inerentes à dominação burguesa. (FERNANDES, 2006, p.345)
Torna-se, em vista disso, uma tarefa extremamente difícil retirá-la do poder ou movê-la politicamente utilizando os mecanismos oficiais de confronto ou constrangimento. Isso significa que a classe burguesa nacional periférica, luta não nos mesmos moldes ou pelas mesmas coisas que a burguesia hegemônica, até porque estão em condições distintas. Enquanto a burguesia dos países centrais já tinha atingido um grau de maturação econômica, social e política de dominação, a burguesia nacional periférica luta pela sua sobrevivência e do capitalismo dentro do espaço nacional.
O que Florestan (2006) coloca em pauta é que, geralmente, o pensamento, entre a transformação capitalista e a dominação burguesa nos países de economia capitalista periférica e dependente ou subdesenvolvida, tinha-se em mente duas presunções.
A primeira diz respeito a compreensão de que as economias capitalistas dependentes tenderiam a repetir o ciclo clássico ocorrido nos países centrais, como Inglaterra e França. Não obstante, ao que Rosa Luxemburgo, citada por Florestan, nos mostra que, “a expansão capitalista da parte dependente da periferia estava fadada a ser permanentemente remodelada por dinamismos das economias capitalistas e do mercado capitalista mundial” (LUXEMBURGO, Apud. FERNANDES, 2006, p.339)
Em segundo lugar, para existir a autonomização do desenvolvimento capitalista necessita-se de uma ruptura com a dominação externa e/ou colonial (imperialista e neocolonial). Se a situação colonial ou neocolonial se perpetua, da mesma forma se perpetuará o tipo de capitalismo dependente. Sendo assim, a expropriação capitalista externa e o de subdesenvolvimento relativo continuará como condições e efeitos inelutáveis. (FERNANDES, 2006, p.339)
Para Florestan, a Revolução Burguesa (RB) na periferia do capitalismo perdeu seu caráter revolucionário por ser retardatária, só pode ser considerada como de caráter burguês por se integrar a um processo contínuo ao longo do tempo refletindo as contradições de classes com suas condições históricas e antagônicas.
Período de 1964 a 1985 – A Ditadura Empresarial-militar
Florestan Fernandes nos aponta que as conexões entre a dominação burguesa e as transformações capitalista se modificam de maneira mais ou menos rápida dependendo da consolidação capitalista no Brasil, agudizando-se dentro do capitalismo monopolista. Assim, pode-se afirmar que a industrialização teve papel central para a modificação na organização, dos dinamismos e a posição da economia urbana dentro do sistema capitalista brasileiro. Tal processo não dinamiza apenas os centros urbanos nacionais, mas também tornas as cidades do interior em satélites dos grandes centros urbanos.
De acordo com o autor, existe uma dupla articulação, na qual se engendra a dominação burguesa, nos países periféricos de um modo típico que se “adapta estrutural, funcional e historicamente, a um tempo, tanto às condições e aos efeitos do desenvolvimento desigual interno quanto às condições e aos efeitos da dominação imperialista externa.” (FERNANDES, 2006, p. 349)
Quando a crise de transição atingiu o ápice, aquelas classes definiram não só sua lealdade, mas também suas tarefas políticas e sua missão histórica na direção de um desenvolvimento acelerado e de uma revolução institucional que implicavam a mesma saída: a revolução nacional continuaria a ser dimensionada pela infausta conjugação orgânica de desenvolvimento desigual interno e dominação imperialista externa. (FERNANDES, 2006, p. 349 e 350)
Nessa conformidade, as classes burguesas brasileiras buscaram compatibilizar a revolução nacional com o capitalismo dependente e subdesenvolvimento, assumindo, frente a dupla articulação, uma posição pragmática e realista, demonstrando a devida racionalidade burguesa. Isso, no entanto, não impediu uma revolução nacional, quer dizer, na verdade é ela que constitui o eixo político de dominação burguesa e do controle do Estado pela burguesia. Contudo, esta revolução deve estar dentro da ordem compatível com o capitalismo dependente que tem por interesse consolidar o poder burguês por meio das estruturas e funções de sua dominação de classe. (FERNANDES, 2006, p.350)
É, justamente, neste ponto que vale a pena salientar uma questão pertinente acerca da dominação burguesa, o alcance da dominação em fazer de seus interesses de classe como interesse da nação como um todo, fazendo isso por meio da mediação do Estado. (FERNANDES, 2006, p. 350)
A partir dessa ideia a burguesia por meio da tecnocracia estatal vigente no período da ditadura modificou toda a estrutura burocrática e administrativa para uma lógica empresarial e técnica, aparentemente sem cunho político. Entretanto, isso não é possível, pois toda a forma de gestão ou gerência é uma escolha política, dessa maneira a não escolha política diz muito sobre as gestões militares-empresariais. (IANNI, 2019)
Nesse sentido, é possível notar que a burguesia nacional, estruturalmente se transfigura em uma burguesia pró-imperialista, incapaz de passar mecanismos auto protetivos, mesmo que indiretos, e assumi passivamente ações imperialistas, seja no plano dos negócios, no plano diplomático até no político. (FERNANDES, 2006, p. 355)
Fernandes destaca que a partir,
Desse ângulo, dela provém a opção interna das classes burguesas por um tipo de capitalismo que imola a sociedade brasileira às iniquidades do desenvolvimento desigual interno e da dominação imperialista externa. (FERNANDES,2006, p.353)
Como aponta Dreifuss, (1981), o Estado montou todo um aparato administrativo de financiamento, estabelecendo ‘anel burocrático empresarial’ que forneceu suporte econômico e financeiro estimulando novos e antigos empreendimentos e setores da economia nacional por meio de financiamentos extremamente vantajosos ao empresariado brasileiro e estrangeiro. (DREIFUSS, 1981, p.98)
O planejamento era necessário ao capitalismo monopólico, para servir a dois propósitos. O primeiro selecionar temas, tópicos e diretrizes, em segundo lugar, determinar o acesso de frações de ou setores nos centros burocráticos de tomada de decisão. Era notório que essa rede tinha um comando e um direcionamento, comando das oligarquias ou do bloco modernizante conservador e atuava em detrimento próprio e de interesses do capital monopolístico.
A tecnocracia estatal vigente no período da ditadura modificou toda a estrutura burocrática e administrativa para uma lógica empresarial e técnica, aparentemente sem cunho político. Entretanto, isso não é possível, pois toda a forma de gestão ou gerência é uma escolha política, dessa maneira a não escolha política diz muito sobre as gestões militares-empresariais. Assim, podemos destacar que a ascensão de determinadas parcelas ou figuras dentro das forças armadas brasileiras que tinham por objetivo o desenvolvimento empresarial seguro no país.
Primeiro a burguesia busca, acima de tudo, preservar suas circunstâncias de poder econômico, político e cultural para assim continuar a se manter, impondo seu poder burguês e dando continuidade histórica. Segundo produzir mecanismos que insiram a burguesia brasileira no mercado internacional para, assim, assegurar ao poder burguês meios externos acessíveis de suporte, de renovação e fortalecimento. Em terceiro e último lugar, a burguesia nacional tem por objetivo preservar e unificar controles diretos e indiretos da máquina estatal para assim, conseguir uma fluidez maior entre o poder político estatal e a dominação burguesa. A intenção é fundir ao máximo o poder burguês, fornecendo uma institucionalidade e com alcance nacional. (FERNANDES, 2006, p.354)
Assim, foram introduzidos conceitos do planejamento empresarial na máquina estatal a partir da criação da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos de Desenvolvimento Econômico. As recomendações indicavam a criação de uma série de agências e órgãos públicos, o mais importante deles foi o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico (BNDE). Este teve a função de apoiar financeiramente aos investidores e projetos privados, fornecendo vantagens econômicas às companhias multinacionais. (DREIFUSS, 1981)
As associações de classe compostos por empresário de multinacionais perceberam interesses em comum na necessidade de modernização do país e em estabelecer desse modo canais apropriados para disseminação de seus interesses e o fortalecimento desse anel burocrático empresarial. A existência dessas associações de classe manifestava o alto nível de consciência coletiva atingido pelos interesses do bloco empresarial. A proteção corporativa de seus empreendimentos econômicos deu lugar ao ativismo em prol do avanço político de seus interesses econômicos. (DREIFUSS, 1981, p.93)
Conclusiones:
O Brasil, como os demais países da América Latina, possui muitas particularidades em comum, como por exemplo os agentes que atuam nesse mercado global competitivo e dinâmico. Entre eles, podemos verificar o Banco Mundial, os Bancos Europeu e Nórdico de Investimentos, as agências estatais de seguro e créditos de exportação, finlandesas, suecas, norueguesas, alemães, empresas europeias de maquinário e tecnologia “florestal”, BNDES, Grupos Suzano, Votorantim, Aracruz, Vale do Rio Doce, Klabin, Centros Universitários, notadamente os de formação de engenheiros florestais e agrônomo.
De acordo com Dreifuss (1981) e Ianni (2019), o Estado participou diretamente desses arranjos de interesses. Após o golpe e todo o período do regime ditatorial, verificou-se o estímulo do plantio de eucalipto no norte do Espírito Santo.
Na metade da década 1960, na vigência da ditadura empresarial-militar, quando iniciaram os plantios industriais para celulose e carvão, houve inúmeros investimentos diretos e indiretos e as políticas de fomento ao setor. Assim: 1965, lei 4771, do Novo Código Florestal; 1966, a lei 5106, de incentivos fiscais; 1967 foi criado o Instituto Brasileiro de Desenvolvimento Florestal (IBDF); 1970, decreto-lei 1134, que permite às “pessoas jurídicas” reinvestir 50% no IR em “empreendimentos florestais”, por meio do IBDF; 1974, decreto-lei 1376, e criação do FISET, o Fundo de Investimentos Regionais, operado pelo Banco do Brasil; 1974, o decreto 79046 redesenha o setor, para ganhos em escala e produtividade; 1975, o primeiro PNPF - Plano Nacional de Papel e Celulose. (IANNI, 2019 e DREIFUSS, 1981)
Cabe o destaque para a reformulação do BNDE, que antes da instauração da ditadura empresarial-militar possuía um a função de ser o ator político/econômico que desenvolvia e implantava infraestrutura por todo território nacional, com foco em sua modernização, como no caso da eletrificação. Possuía um caráter de banco público com a dinamização mais global em termos econômicos. Durante o período o banco assume um papel de grande incentivador, tomando para si a tarefa de promover a industrialização e o desenvolvimento econômico nacional.
Ainda na década de 1960, o BNDE cria vários tipos de fundos que apoiavam setores industriais e agroindustriais prevendo a compra de equipamentos e maquinários e incentivando a importação através de subsídios financeiro para esse tipo de operação. Assim, tinha-se os seguintes fundos: o Fundo Agroindustrial de Reconversão (FUNAR), o Fundo de Desenvolvimento Tecnológico e Científico (FUNTEC), o Fundo de Desenvolvimento da Produtividade (FUNDEPRO), o Fundo Especial para Financiamento de Capital de Giro (Fungiro) e o Fundo de Financiamento para Aquisição de Máquinas e Equipamentos Industriais (FINAME). (BNDES, 2012, p.51)
No ano de 1978, Associação Nacional dos Fabricantes de Papel e Celulose (IANFOCI), propôs ao BNDES a realização de um estudo que “diagnosticasse o "estado da arte" da cadeia produtiva de papel no país e a viabilidade de desenvolver uma indústria nacional de celulose e papel”. Assim, o BNDES financiou o estudo quase em sua totalidade. O estudo mostrou caso a implantação da indústria tivesse objetivado o mercado externo, teria sido possível aproveitar as economias de escala com o processo de produção de celulose e papel. (JUVENAL e MATTOS, p.55)
De acordo com os estudos realizados e financiados pelo BNDES, por meio do Conselho de Desenvolvimento Industrial do banco, outorgou a Resolução 11 e a Portaria 78 de outubro, ambos documentos do ano de 1972. Ambos asseguraram a concessão de incentivos fiscais a projetos de instalação de fábricas de celulose e papel desde que estas contemplassem uma produção mínima. (JUVENAL e MATTOS, p.56)
A Aracruz Celulose foi fundada em 1967, dentro desse cenário de subsídios ao setor de celulose e papel, tendo como proprietário o empresário norueguês Erling Lorentzen, com participação de outros acionais inclusive o próprio BNDE, suportado pela Ditadura Brasileira, através da Lei número 5.106/66 que previa abatimentos de até 50% no imposto de renda das empresas que realizassem florestamento e reflorestamento. (Brasil,1966)
Segundo Barcellos (2009), em sua tese de doutorado “Desterritorialização e R-existência Tupiniquim: mulheres indígenas e o complexo agroindustrial da Aracruz Celulose”, a empresa Aracruz Florestal pagou “[...] a quantia simbólica de oito décimos de centésimos de cruzeiro por cada metro quadrado, 30.000 ha. (trinta mil hectares) de terra indígena.” (BARCELLOS, 2009, p. 137)
No mesmo ano da criação, a Aracruz começa o plantio de eucalipto se beneficia dos subsídios ofertados pela Lei 5.106 (BRASIL, 1966) além de financiamentos do BNDES. Em 1968, a empresa conseguiu recursos por meio do Programa de Diversificação do IBC/GERCA que disponibilizou a quantia de NCr$ 1.500.000 (um milhão e quinhentos mil cruzeiros novos), para aquisição de maquinários de plantio. (BARCELLOS, 200, p.217)
Segundo Loureiro, no texto “A instalação da empresa Aracruz Celulose S/A e a “moderna” ocupação das terras indígenas Tupiniquim e Guarani Mbya”, a Aracruz recebeu incialmente dez mil hectares que anteriormente eram explorados pela Companhia Ferro e Aço de Vitória (Cofavi). Iniciou logo o plantio de eucalipto no município com a introdução da monocultura e forte tendencia à concentração fundiária desde sua implantação. (LOUREIRO, 206, p.10)
De acordo com Dalcomuni (1990), em sua dissertação de mestrado “A Implantação da Aracruz Celulose no Espírito Santo – Principais Interesses em Jogo”, a ARACRUZ CELULOSE S.A (ARCEL) é citada na relação de corporações que pediram financiamento para o BNDE nos respectivos anos: 1974, 1975, 1976, 1977, 1978, 1979, 1980, 1988 e 1990.
Houve ainda grande desembolso por meio do Fundo de Financiamento para Aquisição de Máquinas e Equipamentos Industriais (FINAME) atualmente compõe o sistema BNDES, para empresas do setor de celulose e papel.
No objetivo de concluir o presente trabalho, vale retomar a ideia de Amartya Sen, quando da instauração do processo de desenvolvimento, é possível notar que este não se trata de um processo homogêneo, nem justo para a população como globalizante. Sendo possível perceber discrepâncias do exercício dos direitos e liberdades.
Para Florestan Fernandes (2006), a burguesia de países latinoamericanos, em muitos casos, se alia ao capital internacional promovendo para dentro de seu próprio território uma economia imperialista para se manter no poder. (FERNANDES, 2006, p. 355)
Segundo Dreifuss (1981), pode-se afirmar que no período do regime ditatorial, o bloco emergente modernizante-conservador visou a uma acomodação, embora conflitante ideologicamente, com o bloco populista. (DREIFUSS, 1981)
Verifica-se, ainda de acordo com Dreifuss (1981), que o empresariado não só apoiou o golpe militar de 1964, mas se beneficiou em grande medida da ditadura por meio de financiamentos e incentivos fiscais oferecidos, seja por bancos públicos ou suas subsidiárias. Dessa forma, se estabelecer e ampliaram seus negócios calcados no ideário de desenvolvimento econômico. (DREIFUSS 1981)
Bibliografía:
ACSELRAD. Henri. XIII Congresso Brasileiro de Sociologia 29 de maio a 1 de junho de 2007, UFPE, Recife (PE) Grupo de Trabalho: "Globalização da Agricultura e dos Alimentos" Título do trabalho: O movimento de resistência à monocultura do eucalipto no Norte do Espírito Santo e Extremo Sul da Bahia
BARCELLOS, Gilsa Helena. Desterritorialização e R-existência Tupiniquim: mulheres indígenas e o complexo agroindustrial da Aracruz Celulose. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-Graduação do Departamento de Geografia da Universidade Federal de Minas Gerais.
BRASIL, Lei número 5.106. 02 de setembro de 1966. BNDES. Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social. O setor de celulose e papel. 50 anos: Histórias Setoriais.
COSTA PINTO. O Desenvolvimento: seus processos e seus obstáculos. Journal of Inter-American Studies, Vol. 4, No. 3 (Jul., 1962), pp. 297-312.
DALCOMUNI, Sonia Maria. A implantação da Aracruz Celulose no Espírito Santo – Principais interesses em jogo. Dissertação de mestrado apresentada 22 ao Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Agrícola da UFRRJ. Julho de 1990.
DREIFUSS, Renè Armand. 1964: A conquista do Estado, ação política, poder e golpe de classe. 1981. Ed. Vozes. Petrópolis.
FLORESTAN, Fernandes. Cap. 7 O modelo autocrático-burguês de transformação capitalista. In. A revolução burguesa no Brasil: ensaio de interpretação sociológica, Ed. Guanabara, Rio de Janeiro, 1975.
FURTADO, Celso. Da ideologia do progresso à do desenvolvimento. (1968)
IANNI Octavio. A ditadura do grande capital. São Paulo. Expressão Popular. 2019.
JUVENAL, Thaís Linhares e MATTOS, René Luiz Grion. p.49-76. 2002. Org. SÃO PAULO, Elizabeth Maria de e FILHO Jorge Kalache. Rio de Janeiro. In.
LOUREIRO, KLÍTIA. A instalação da empresa Aracruz Celulose S/A e a “moderna” ocupação das terras indígenas Tupiniquim e Guarani Mbya. Revista Ágora, Vitória, n.3, 2006, p. 1-32.
SEN, Amartya. Desenvolvimento como liberdade. São Paulo. Companhia das Letras, 2010
Palabras clave:
Responsabilização empresarial, ditadura brasileira, Desenvolvimento
Resumen de la Ponencia:
A reflexão que segue destaca a “questão social” como categoria que articula elementos “arcaicos e modernos”, definindo, dinamizando e reproduzindo o capitalismo dependente e periférico brasileiro. O processo histórico que funda a nossa formação e modo de produção social que estrutura e organiza a sociedade, se caracteriza pela “modernização conservadora” e a “autocracia burguesa” que assentam a nossa revolução burguesa e o padrão de dominação das elites. “Os Sertões”, referência primordial nas Ciências Sociais no Brasil, inaugura a análise da nossa formação sociohistórica na perspectiva cientifica e conservadora, articulando jornalismo, literatura e debate cientifico, reflete a oposição entre o arcaico e o moderno, civilização e barbárie, sertão e litoral, cultura e messianismo, brancos, negros e mestiços. Retrata o choque brutal entre a sociedade estamental-senhorial-escravocrata e a ordem burgo-capitalista liberal ascendente. Por fim, manifesta os dilemas teóricos, políticos e sociais do seu tempo, fulgurando o século XX republicano, liberal, capitalista, moderno e autoritário, cuja repressão a “questão social” e a luta de classes consagraria a República Oligárquica, culminando com a consolidação do capitalismo brasileiro, a burguesia industrial, a ascensão do proletariado e o surgimento das Ciências Sociais no Brasil. Caio Prado Júnior, Florestan Fernandes, Celso Furtado, Fernando Henrique Cardoso, Octávio Ianni, Oliveira Vianna, José Paulo Netto e György Lukács serão os interlocutores desse debate, na perspectiva do materialismo dialético, considerando a “questão social”[1] inerente ao capitalismo e a sociedade burguesa, em que se evidencia o autoritarismo brasileiro assentado na raiz histórica da ordem senhorial-escravocrata. Entendida como o conjunto de problemas econômicos, sociais e políticos que recaem sobre os trabalhadores e as massas empobrecidas, representa o espaço de reprodução do capitalismo e o campo da luta sociopolítica, ou seja, o campo em que a luta de classes adquire materialidade. Deste modo, a “questão social”, adquire ou assimila características particulares, considerando o processo histórico, as etapas de desenvolvimento do capitalismo e o lugar que cada país ocupa na divisão internacional do trabalho, reproduzindo, renovando e intensificando a acumulação, a dependência e as formas de dominação burguesa na periferia. Palavras chave: “questão social”, modernização conservadora, autocracia burguesa, capitalismo dependente. [1] Segundo Marx, a “questão social”, entendida como o problema dos trabalhadores pobres, miseráveis, sem trabalho, vagabundos, inválidos e impossibilitados de trabalhar é anterior a Revolução Industrial e ao capitalismo, remonta ao século XIV, conforme O Capital, capítulo 24. (Marx, Nova Cultural, 1985).Resumen de la Ponencia:
A sociologia brasileira tem sido influenciada, cada vez mais, por demandas de internacionalização e questionada acerca da condição periférica ocupada por essa tradição no meio internacional. Contudo, cabe mencionar que o país sempre conviveu com uma intensa comunicação com os ambientes acadêmicos de outros países. Um exemplo é a realização de doutorados no exterior, que caracteriza boa parte da formação intelectual dos sociólogos brasileiros. Neste paper, analisam-se condicionantes da realização de doutorados no exterior, por sociólogos, entre 1964 e 1985. A partir da análise dos dados quantitativos, extraídos da plataforma Lattes, focados no período de ida ao exterior, país de destino e agência de financiamento, foi possível analisar o perfil e os condicionantes à circulação destes pesquisadores no exterior. A adoção de dados de natureza qualitativa, a partir de 16 entrevistas com sociólogos brasileiros, viabilizou a composição de um quadro mais aprofundado das intencionalidades e percepções que permearam estes processos de fluxo internacional. Até o ano de 1975, antes da criação do I PNPG (Plano Nacional de Pós-Graduação) e do fortalecimento de agências de financiamento de bolsas de estudo internacionais, é possível notar que o número de sociólogos formados no Brasil e no exterior possui patamares similares, o que passa a se modificar após os anos 1980. O fluxo de sociólogos em busca de formação acadêmica, durante o período da ditadura militar como um todo, correu para os países de maior prestígio acadêmico para as ciências sociais brasileiras contemporâneas: Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Alemanha. Contudo a presença do México mostra-se relevante durante os anos 1970 e 1980. Encontram-se evidências razoáveis para creditar à proeminência dos Estados Unidos enquanto principal destino até 1975 ao papel da Fundação Ford como único financiador razoavelmente contínuo, processo que vem a ser substituído pela liderança francesa na segunda fase da ditadura militar.O papel repressor da ditadura militar foi crucial para explicar o fluxo de sociólogos ao exterior durante a primeira metade do regime. Neste período, o papel de bolsas da Fundação Ford foi central, em complemento a outras fontes dispersas de financiamento, dentre as quais pode-se destacar o Ökumenischen Studienwerk da Igreja Luterana Alemã. Por fim, pode-se mencionar o papel de redes de mediadores para a viabilização da circulação internacional durante este período de baixa institucionalização das agências nacionais de fomento à ciência. Esta fase, que vai até o ano de 1975, distingue-se do intervalo seguinte (1976-1985) com a maior institucionalização da Capes e do CNPq, aumento do fomento do governo brasileiro para a capacitação de cientistas no exterior, e diminuição do papel de redes de contatos para acessar meios de circulação
Introducción:
A internacionalização da sociologia brasileira tem sido, cada vez mais, alvo de debate, o qual é, em geral, permeado por questionamentos acerca da condição periférica ocupada por essa tradição no meio internacional. Indicadores diversos são utilizados para destacar a marginalidade do país nos debates globais, como a baixa quantidade de publicações internacionais, dificuldade das/dos autoras/os em serem citados em artigos ou livros estrangeiros, falta de interesse em tensionar pressupostos teóricos de intelectuais do centro, e a tendência a reproduzir reflexões teóricas de acadêmicos consagrados no Norte Global.
Autores como Dwyer (2013) e Scalon e Miskolci (2018), argumentam que o Brasil está longe de ter uma produção verdadeiramente internacionalizada, tendo em vista que a circulação no exterior, de nossas produções sociológicas, estaria ainda circunscrita a se realizar entre países com proximidades do ponto de vista linguístico e geográfico, mais especificamente as nações latino-americanas - o que se enquadraria como uma “internacionalização estreita” (DWYER, 2013). Segundo um survey produzido pela Sociedade Brasileira de Sociologia (SBS) em 2009, a sociologia brasileira se caracterizaria por ter um debate majoritariamente nacional. Na pesquisa, notou-se que em torno de 70% das/dos associadas/dos haviam publicado artigos em revistas do país e 70% publicaram capítulos de livros, ao passo que apenas 25% o fizeram em revistas internacionais, das quais a maior parte eram latino-americanas (DWYER, 2013).
Contudo, observa-se que no decorrer do intervalo entre 2000-2019 houve um considerável aumento em programas de mobilidade internacional nas pós-graduações brasileiras, como a expansão de pós doutorados, que passaram de 125, em 2005, para 252 em 2015, estágios sêniors no exterior, que cresceram de 53, em 2010, para 259 em 2015, sendo acompanhados de um crescimento no número de bolsas sanduíche, que quintuplicou nos últimos 10 anos, tendo saltado de 244, em 2005, para 1156 em 2015 SCALON E MISKOLCI (2018). Além disso, segundo o estudo de Scalon e Miskolci (2018) o número de coautorias na área de Sociologia e Ciência Política aumentou consideravelmente nos últimos 20 anos, cifras que, todavia, mantêm-se consideravelmente abaixo das de países do Norte Global como França, Alemanha e Estados Unidos, e mesmo de nações que possuem níveis de renda semelhantes, ou inferiores, aos nacionais, como China, índica, Russia e África do Sul.
Isto posto, apesar das baixas cifras em se tratando de índices de internacionalização, sabe-se que parcela considerável das/dos cientistas sociais brasileiras/os formados nos últimos 50 anos, realizaram parte de suas formações em universidades estrangeiras, processo que marcou bastante o campo brasileiro nos anos 70, a partir de formas de financiamento internacionais (CANÊDO, 2018) (MICELI; SMITH, 1993). Seria errôneo dizer que a sociologia brasileira não tem mantido uma considerável troca com o ambiente internacional desde o seu processo de profissionalização em solo nacional. Seja no decorrer da fundação de algumas de nossas primeiras instituições, como o programa de ciências sociais da USP, produto de uma missão francesa (PEIXOTO, 2001) (CARDOSO, 1982), seja pelo acesso a fontes de financiamento e construção de instituições por meio da fundação Ford nos anos 70 - ou pelo recente aprofundamento da demanda por publicação em ambientes internacionais - nossa sociologia sempre esteve em constante contato com o meio intelectual estrangeiro e a literatura sobre a história do campo nacional atesta isto (LIEDKE FILHO, 2005; MAIO, 1999; MICELI, 1989).
Este artigo tem o interesse em contribuir com o campo da história das ciências sociais no Brasil a partir de uma visão focada na circulação internacional de sociólogos. Foca-se em um estudo dos elementos concretos que conformaram historicamente a circulação internacional de sociólogas/os e produções intelectuais brasileiras após o início da ditadura militar brasileira. A pretensão aqui é de ao dar sentido aos mecanismos que influenciaram as formas de circulação internacional de sociólogos nacionais, compreender condições que ajudaram a estruturar a posição periférica do Brasil no campo sociológico até a atualidade. Isto posto, toma-se como principal tarefa deste artigo responder a seguinte pergunta: Quais elementos condicionaram a circulação internacional de sociólogas/os brasileiras/os durante a ditadura militar?
METODOLOGIA
Para realizar esta pesquisa, primeiramente, decidiu-se por buscar meios de levantamento de dados que comportassem informações sobre a realização de mestrados e doutorados no exterior feitos por sociólogos brasileiros.
Posto que a pesquisa tem interesse em compor um quadro geral da história de circulação destes intelectuais, tendo como ponto de partida o contexto da ditadura militar, levantaram-se dificuldades acerca da existência de bases de dados que sistematizassem informações desta natureza. Uma primeira possibilidade de inventário desta natureza seria a partir do estabelecimento de contato com agências de financiamento de cientistas brasileiros, como Capes, CNPq e Fundação Ford, contudo, ao fazê-lo, o pesquisador estaria restringindo sua análise apenas àqueles que foram financiados pelas instituições em questão. Mais do que isso, contar com a existência de bases de dados estruturadas por essas instituições para períodos não tão próximos à contemporaneidade seria uma aposta deveras otimista.
Posta esta dificuldade metodológica, partiu-se para a decisão de trabalhar com dados advindos da Plataforma Lattes. Tendo em vista a forte disseminação deste meio na sistematização de currículos no campo científico brasileiro, tomou-se que este seria o melhor veículo para trabalhar com a busca por informações como local de realização de mestrado e doutorado, instituição de vínculo no exterior e agência de financiamento para mobilidade. Certamente é importante mencionar que o conteúdo que alimenta a plataforma é incluído pelos próprios pesquisadores e pode acabar impondo imprecisões de dados, lembrando que a plataforma foi criada a partir dos anos 1990 e muitos cientistas tiveram que consolidar seus currículos de forma retroativa, o que pode incorrer em erros. Contudo, frente as possibilidades exíguas de dados que permitissem uma montagem de um quadro histórico desta natureza, a plataforma lattes mostrou-se como um meio promissor de coleta de informações.
Todavia, os dados da plataforma Lattes não estão sistematizados e disponibilizados para acesso aberto, nem organizados ou classificados sob áreas claramente definidas que permitissem o download direto das informações de interesse deste trabalho. Posto que desejava-se pesquisar especificamente a partir de currículos de sociólogos brasileiros, decidiu-se por buscar algum tipo de mecanismo que ajudasse a definir as fronteiras do campo, apesar destas não serem tão rígidas nem claramente definidas. Uma saída encontrada foi trabalhar com pesquisadores vinculados a programas que são avaliados pela Capes como pertencentes à Área de Sociologia. Isto posto, foi feita uma busca nas bases de dados de acesso público da Plataforma Sucupira, mais especificamente no ambiente virtual “Dados Abertos – Capes”, de informações sistematizadas sobre professores de programas avaliados na área de sociologia. A partir disto foi possível capturar informações organizadas em formato planilha a partir do ano 2000 até o ano de 2019. Tal levantamento viabilizou a montagem de uma lista de pesquisadores brasileiros vinculados a programas de sociologia que mantiveram relação com suas instituições até, ao menos, o ano 2000.
Esta lista de sociólogos de condições à extração de dados de currículos específicos da Plataforma Lattes. A extração foi realizada por meio do download de todos os currículos da lista citada em formato XML, depois vindo a ser processados no software Base-X, proporcionando a montagem de uma base de dados que consolida informações de todos os currículos. Circunscritos apenas aqueles currículos que compõem a análise deste artigo, pesquisadores que realizaram sua formação no exterior até 1985, totalizam-se 273 sociólogos na base de dados. A existência desta fonte permitiu a construção de tabelas e gráficos com a frequência de realização de estudos no exterior durante o período da ditadura militar, assim como uma observação sobre países de destino e fontes de financiamento.
Visando dar lastro qualitativo a análise destas informações a pesquisa trabalhou com entrevistas que foram realizadas no âmbito do projeto “Memória das Ciências Sociais no Brasil” da FGV/CPDOC. Este projeto realizou 96 entrevistas com cientistas sociais brasileiros, e possui as transcrições e vídeos do material gravado, com acesso aberto no site da FGV/CPDOC. Foram analisadas entrevistas de 16 sociólogos entrevistados por esta iniciativa, os quais realizaram alguma parte de sua formação acadêmica no exterior durante o período que vai de 1964 a 1985. São estes: Anete Ivo, Aspásia Camargo, Carlos Benedito Martins, Clarissa Eckert, Dimas Floriani, Edna Castro, Elias Reis, Glaucia Villas Boas, Gláucio Soares, Josefa Cavalcanti, Licia Valladares, Maria Stela Grossi Porto, Paulo Henrique Albuquerque, Renato Ortiz, Silke Weber e Simon Schwartzman.
A partir da análise dos dados quantitativos sobre ano de ida ao exterior, país de destino e agência de financiamento, foi possível construir algumas análises sobre o perfil e os condicionantes à circulação destes pesquisadores no exterior. A adoção de dados de natureza qualitativa, a partir das entrevistas, viabilizou a composição de um quadro mais aprofundado das intencionalidades e percepções que permearam estes processos de fluxo internacional. Os resultados desta investigação são apresentados no tópico a seguir.
Desarrollo:
IAo se observar o perfil da circulação internacional de sociólogos brasileiros desde a segunda metade do século XX até a contemporaneidade, é possível notar a proeminência que a formação acadêmica no exterior passa a ter durante determinados e períodos em se observando a realização de doutorados. Como pode ser verificado, desde o período mais longínquo em que se tem registro na base de dados, até meados de 1979, a realização de doutorados fora do país operou em cifras bastante próximas à formação em instituições brasileiras. Observa-se que o número de sociólogos que iniciaram seus doutorados no Brasil passa a ter um descolamento considerável da curva referente a pós-graduações no exterior a partir dos anos 1980 e passando por um vertiginoso crescimento na década de 1990 que se estabiliza em patamares altos nos anos 2000. Isto posto, pode-se tomar que a geração formada até meados de 1980 possui um claro equilíbrio entre graduados no exterior e no Brasil.
Os dados comparativos de entrada em cursos de doutorado no exterior e no Brasil apontam claramente para uma correspondência entre o fenômeno da circulação internacional e a institucionalização das ciências sociais brasileiras. É fundamental frisar que o ensino superior brasileiro passa por severas mudanças a partir do final dos anos 60 e durante a década de 70. A promulgação do Parecer Sucupira de 1965, fundamentando a natureza do sistema de pós-graduação brasileiro, acompanhado e associado ao acirramento das demandas sociais por aumento de número de vagas no ensino superior, que culminaram nos movimentos pela reforma do sistema durante os anos de 1967 e 1968, foram pontapés importantes para a construção de um consenso social a cerca de maior expansão e institucionalização do ensino superior no país (MARTINS, 2009). Apesar do consenso sobre a necessidade de abarcar a demanda crescente e criar condições para a expansão do sistema, as formas de fazê-lo e as concepções que o perpassavam destoavam consideravelmente, processo que se faz notar pelo intenso debate político ideológico sobre os rumos do ensino superior no final dos anos 60 (BOMENY, 1994; CUNHA, 2007; MARTINS, 2009). Com o endurecimento do regime autoritário pelo AI-5, no ano de 1968, as concepções críticas desta mudança foram suprimidas, introduzindo-se a concepção do regime militar sobre o sistema de educação e ensino superior. Com o interesse da ditadura militar em coibir ações críticas ao governo e em posicionar o país internacionalmente em alinhamento com os Estados Unidos, no cenário da guerra fria, o modelo de ensino superior foi diretamente moldado pelo ideário da doutrina de segurança nacional, a qual, todavia, enxergava algum espaço de relevância às instituições de ciência e ensino superior em sua concepção de desenvolvimento e modernização (FERREIRA JR; BITTAR, 2008; FORJAZ, 1988). Isto permitiu a estruturação da expansão do sistema de ensino superior e seu aprimoramento a partir do governo Geisel, e tem como marco fundamental o Primeiro Plano Nacional de Pós-Graduação (I PNPG) e, além disso, o fortalecimento orçamentário, ainda que paulatinamente, de instituições de fomento à ciência e ao ensino superior como o CNPq e a CAPES (FERREIRA; MOREIRA, 2002; FORJAZ, 1988).
A menção ao papel crescente das instituições de fomento à pós-graduação como CAPES e CNPq e a criação do I PNPG é crucial para que se compreenda o perfil das formas de financiamento internacional para formação de sociólogos no exterior durante a ditadura militar. Primeiramente é possível notar que a curva de entradas em doutorados no Brasil se descola da de doutorados no exterior a partir de 1980 e passa a operar em um processo contínuo de crescimento desde então. Uma primeira explicação a este fato deve-se à questão do número de programas de pós-graduação no Brasil ser consideravelmente pequeno até meados dos anos 70, fazendo com que a proporção daqueles que buscavam a formação no exterior ser em média a mesma daqueles que o faziam em solo nacional. Neste período, os principais programas de pós graduação em áreas das ciências sociais existentes eram os da USP, UFRJ, UNB, UFPE e UFBA, sendo que os programas de doutorado, propriamente ditos, destes locais foram apenas criados em 1971, 1980, 1984, 1995 e 1999, respectivamente. O papel do I PNPG é, então, central neste processo pois, ao dar condições para a criação de programas de pós-graduação em ciências sociais no Brasil, passa a criar meios para que estudantes completassem todo o seu ciclo acadêmico no país. Os anos 1980 marcam justamente este momento de ruptura de um padrão de formação no exterior com a criação de programas de doutorado em várias instituições, processo que com forte crescimento até os anos 2000 (TRINDADE, 2007).
Algumas características podem ser observadas em se tratando dos países de destino dos mestrados e doutorados realizados pelos sociólogos brasileiros até o fim da ditadura militar. É possível notar a proeminência de Estados Unidos com 94 doutorados e mestrados somados, França com 89, Grã-Bretanha 29, Alemanha 17, México 14 e Bélgica 10, dentro do intervalo até 1985. Fica patente, consequentemente, a concentração do fluxo para os países com as principais tradições intelectuais aos quais a sociologia brasileira é comumente associada, América do Norte e Europa Ocidental. Ainda observando algumas características destes dados de destino observa-se que até o ano de 1976 os Estados Unidos são o principal destino de sociólogos brasileiros buscando formação em pós-graduação, sendo substituído pela França a partir do ano de 1977. A forte presença da França pode conter relação com a criação, em 1978, do Acordo Capes/Cofecub que firma a cooperação entre Brasil e França na formação de estudantes e passa a ser o mais bem estruturado programa de cooperação internacional para cientistas feio pela Capes deste então (AVEIRO, 2016; NUNES, 2006; SCHMIDT; MARTINS, 2005).
O período que compreende a ditadura militar brasileira tem dois padrões claramente identificáveis, no que diz respeito às fontes de financiamento para circulação internacional. É possível notar que do intervalo de 1953 a 1975 a Fundação Ford foi a principal fonte de financiamento de mestrados e doutorados no exterior pelos sociólogos brasileiros que integram a base, sendo a única com alguma frequência contínua neste período. Este primeiro intervalo pode ser caracterizado por uma pulverização de formas de financiamento dispersas e sem continuidade, como é o caso de algumas bolsas da CAPES, CNPQ, OEA, USAID e Ökumenisches Studienwerk. A partir de 1975 observa-se uma mudança de padrão de financiamento, com a emergência continuada de bolsas da CAPES e CNPQ, as quais passam a ser as principais fontes de recursos para financiamento de mestrado e doutorado de forma ininterrupta durante este período.
Destarte, os dados sobre os países de destino de sociólogos brasileiros, em seu processo de formação em nível de doutorado, podem ser explicados, ainda que em parte, pela conexão entre tais números e os tipos de financiamento para preparação de cientistas durante o intervalo analisado. A Fundação Ford tem importância histórica inegável na história das ciências sociais brasileiras, seja na promoção de bolsas ou mesmo no auxílio na construção e manutenção de instituições como o CPDOC na FGV do Rio de Janeiro, o IUPERJ, Museu Nacional do Rio de Janeiro, o PIMES/UFPE e o departamento de Ciência Política da Escola de Administração e Ciências Econômicas da UFMG(CANÊDO, 2018; MICELI; SMITH, 1993). A proeminência da Fundação Ford até meados de 1975 contribuiu diretamente para o fluxo direcionado aos Estados Unidos, ao passo que com a emergência, mais estruturada, das bolsas de agências brasileiras, Capes e CNPq, a quantidade de países destino ficou mais diversa. Neste segundo intervalo, pós 1975, um número maior de nações passa a compor o quadro de destino, apesar deste ficar circunscrito a algumas em regiões da Europa Ocidental que historicamente representam centros hegemônicos para o campo sociológico brasileiro, mais especificamente França, Grã-Bretanha e Alemanha. Contudo, é relevante pontuar a presença contínua do México a partir do ano de 1976, chegando a ser o terceiro principal destino de nossos sociólogos no exterior em anos como 1980. Este dado chama atenção por conta da baixa participação de outros países latino-americanos no intervalo observado.
IIUm dos elementos que complementam a questão do financiamento na conformação da circulação internacional de sociólogos brasileiros no período analisado é o papel repressor da ditadura militar e as trajetórias de fuga de militantes. Das 16 entrevistas com sociólogos analisadas, ao menos 7 apresentam relatos de repressão direta da ditadura sobre a vida dos entrevistados, com experiências que vão desde indiciamentos, atuação na clandestinidade, espionagem por parte do Estado, perda de amigos e a própria fuga. A ditadura certamente definiu as trajetórias de todos os intelectuais que estavam no país durante a vigência do regime, contudo, o estado de exceção influenciou mais diretamente alguns casos de circulação internacional. Entre estas destacam-se as experiências de Silke Weber, Simon Schwartzman, Glaucia Villas Boas, Dimas Floriani.
Ainda em relação com o papel da Ditadura Militar brasileira na diáspora de intelectuais fora do país é possível destacar o papel de bolsas de instituições religiosas como o Ökumenisches Studienwerk. Esta instituição, coordenada por Heinz Dressel, foi criada em 1972 pela Igreja Luterana Alemã, inicialmente com o foco na ajuda ao desenvolvimento de países mais pobres, e depois abarcando a temática da solidariedade a refugiados de regimes de exceção. A Obra Ecumênica de Estudos, como é chamada em português, teve como foco a promoção de bolsas de estudo para a formação de formação de “professores em nível de pós-graduação e permitiu a manutenção financeira e o prosseguimento dos estudos de diversos militantes políticos perseguidos pela ditadura civil-militar brasileira ou de pessoas sem perspectivas profissionais no Brasil” (RIBEIRO, 2020, p. 1). Entre os sociólogos com entrevistas analisadas nesta pesquisa e que fizeram parte do programa, destacam-se Glaucia Villas Boas e Clarissa Eckert.
IIIObservando este primeiro período de circulação internacional de sociólogos brasileiros, demarcado pelo intervalo até 1975 é possível extrair alguns elementos que singularizam o intervalo e suas formas típicas de ida ao exterior. Entre estes destaca-se o padrão de financiamento de baixa estruturação, o papel da repressão durante o período ditatorial e o acesso precário a mediadores pontuais.Primeiramente, este período pode ser caracterizado como um intervalo de proto-institucionalização em se tratando de meios de financiamento para formação no exterior. É possível notar que a pulverização de formas de subsídio a realização de mestrados e doutorados fora expressa em que medida este tipo de intercurso não tinha lastro institucional bem assentado na época, principalmente se pensado do ponto de vista da organização de agências nacionais, as quais, como a Capes e o CNPq, ainda eram bastante pequenas e não possuíam dotação orçamentária vultuosa para garantir a formação de quadros no exterior de modo sistêmico (FERREIRA; MOREIRA, 2002). Isto posto, as formas de financiamento acabam se expressando por meio de fontes pulverizadas do exterior como a Fundação Ford, a OEA e o Ökumenischen Studienwerk, as quais encontram-se entrelaçadas por interesses que envolvem desde a cooperação para o desenvolvimento até projetos filantrópicos ou mesmo em solidariedade a refugiados de regimes autoritários.
Além da segmentação de formas de financiamento escassas, destaca-se a influência direta da repressão do regime ditatorial sobre as trajetórias analisadas de forma a empurrar a busca ao exterior como meio de sobrevivência. Como foi possível observar, ainda que brevemente, nas trajetórias citadas, a repressão a militares, professores, instituições de ensino e pesquisa, por parte da ditadura militar influenciou os sociólogos em questão a buscarem formas de continuação de seus estudos no exterior, seja por fuga do regime, seja para buscar manutenção em países mais seguros enquanto ditadura brasileira endurecia. Por fim, é possível destacar como característica relevante do intervalo analisado o papel que o acesso a contatos mediados teve durante a garantia de bolsas de estudos para os estudantes. Em um cenário de difícil acesso a financiamento, na ausência de uma estrutura consolidada de bolsas para formação no exterior, é possível notar a importância que mediadores pontuais tiveram na garantia do acesso a recursos aos participantes. Nos relatos colhidos nas entrevistas, que muitas vezes beiram situações inesperadas, laços de solidariedade, ou mesmo atos heroicos e de redenção, é possível observar que o acesso a determinadas redes frágeis de contatos permitiu seja a garantia a bolsas para estudos no exterior, ou a permanência neste a partir de redes de solidariedade e ajuda mútua. Isto expressa em que medida é típico da forma de circulação internacional deste período o recurso a redes precárias, de baixa institucionalização, mas fundamentais para a manutenção e realização da carreira.
Conclusiones:
A partir do trabalho realizado neste artigo foi possível traçar em linhas gerais algumas características das formas de circulação internacional de sociólogos brasileiros durante a primeira metade da ditadura militar brasileira. Antes da criação do I PNPG e do fortalecimento de agências de financiamento de bolsas de estudo internacionais é possível notar que o número de sociólogos formados no Brasil e no exterior possui patamares similares, o que passa a se modificar após os anos 1980. Além disso é possível observar que o fluxo de sociólogos em busca de formação acadêmica, durante o período da ditadura militar como um todo, correu para os países de maior prestígio acadêmico para as ciências sociais brasileiras contemporâneas: Estados Unidos, França, Grã-Bretanha e Alemanha. Contudo a presença do México mostra-se relevante durante os anos 1970 e 1980.
Encontram-se evidências razoáveis para creditar à proeminência dos Estados Unidos enquanto principal destino até 1975 ao papel da Fundação Ford como único financiador razoavelmente contínuo, processo que vem a ser substituído pela liderança francesa na segunda fase da ditadura militar, o que é concomitante, e pode ter relação, com a criação do programa Cafes-Cofecub em 1978. Além disso verificou-se que o papel repressor da ditadura militar foi crucial para explicar o fluxo de sociólogos ao exterior, ou a sua permanência neste, durante a primeira metade do regime. Este ponto fica evidente ao se analisar as trajetórias narradas por intelectuais que passaram por trânsito durante este período. Neste contexto, o papel de bolsas da Fundação Ford foi central, em complemento a outras fontes dispersas de financiamento, dentre as quais pode-se destacar o Ökumenischen Studienwerk.
Por fim, pode-se mencionar o papel de redes de mediadores para a viabilização da circulação internacional durante este período de baixa institucionalização das agências nacionais de fomento à ciência. Esta fase, que vai até o ano de 1975, distingue-se do intervalo seguinte (1976-1985) com a maior institucionalização da Capes e do CNPq, aumento do fomento do governo brasileiro para a capacitação de cientistas no exterior, e diminuição do papel de redes de contatos para acessar meios de circulação.
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Palabras clave:
Geopolítica do Conhecimento; Circulação Internacional; Sociologia da Sociologia; História das Ciências Sociais; Ditadura Militar.