Resumen de la Ponencia:
A presente pesquisa buscou analisar a história da educação nas prisões do Estado do Rio de Janeiro a partir de concepções sociológicas. Pretendeu-se ainda, propor reflexões a respeito do papel da educação em prisões, considerando as especificidades de seus sujeitos, suas histórias de vida e o contexto em que estão inseridos. A forma de organização da educação nas prisões cariocas foi analisada com base nos estudos de Paulo Freire (1987), dialogando com as teorias de Gramsci (1975) e de Goffman (1961). Trata-se de uma pesquisa teórica de natureza bibliográfica e qualitativa. No Estado do Rio de Janeiro, as pesquisas na área da educação em prisões são encontradas em cursos de especialização, mestrado e doutorado, sendo bem limitado o debate no âmbito dos cursos de graduação. É devido a tal escassez que esse estudo se justifica. Como resultado foram identificados alguns elementos históricos do passado que possibilitaram a compreensão das relações entre as prisões do Estado do Rio de Janeiro e a sociedade atual, concluindo que existe um longo caminho a ser percorrido no sentido de viabilizar uma educação que atinja a todos os que se encontram nas prisões cariocas.
Introducción:
Segundo o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias do Departamento Penitenciário Nacional (2019), o Brasil é o terceiro país com maior número de pessoas privadas de liberdade no mundo, com 755.274 detentos, incluindo os condenados de todos os regimes (aberto, semiaberto e fechado) e os presos provisórios que aguardam decisão judicial. O sistema prisional brasileiro tem capacidade para 442.349 pessoas, portanto o déficit nacional é de 312.925 vagas. Deste montante, 51.029 estão encarceradas nas 50 unidades prisionais do Estado do Rio de Janeiro, cuja capacidade é de 31.485 detentos. Desta forma, o déficit estadual é de 19.544 vagas. O levantamento do DEPEN (BRASIL, 2019) também destaca que o Rio de Janeiro é o terceiro Estado que mais encarcera no Brasil, ficando abaixo somente dos estados de São Paulo, com 233.089 pessoas privadas de liberdade, e de Minas Gerais, com 74.844.
A assistência educacional, prevista na Lei de Execução Penal (LEP – Lei nº 7.210, de 11 de julho de 1984), compreende a instrução escolar e a formação profissional para todas as pessoas privadas de liberdade, entretanto, somente 63.707 pessoas estão matriculadas em cursos da educação básica, técnica e superior. Destas 63.707 pessoas, 3.348 se encontram no Estado do Rio de Janeiro (BRASIL, 2019), sendo 2.877 matriculadas no ensino presencial e 471 no ensino à distância.
Com isso surgem alguns questionamentos: Historicamente, como a educação nas prisões cariocas foi configurada? Por que o Estado do Rio de Janeiro não consegue assegurar o direito à educação para todas as pessoas privadas de liberdade? Como é a relação entre as prisões do Estado do Rio de Janeiro e a sociedade?
Esta pesquisa pretende analisar a história da educação nas prisões do Estado do Rio de Janeiro a partir de concepções sociológicas. Trata, entre outras questões, das dificuldades que as pessoas privadas de liberdade possuem em exercer o direito humano à educação nas prisões diante da deficiência presente na política criminal e penitenciária do Estado do Rio de Janeiro.
O estudo foi desenvolvido no ano de 2022 e se delimita pelo viés de uma abordagem diagnóstica atrelada aos campos da Educação e da Sociologia, compreendendo a revisão documental e bibliográfica no que se refere à história e à avaliação da educação em prisões no Estado do Rio de Janeiro.
Trata-se de uma pesquisa teórica de natureza bibliográfica e qualitativa. Desta forma, o delineamento metodológico escolhido para a elaboração desta pesquisa foi a coleta de dados a partir de uma análise documental e bibliográfica do tema em questão. A pesquisa qualitativa pretende entender um fenômeno específico com profundidade. Segundo Minayo (1999) nessa abordagem não encontramos a verdade dos fatos como certo ou errado, ou seja, precisamos ter a compreensão da lógica que cerceia a prática que se desenvolve na realidade.
Conforme os estudos de Sousa, Oliveira e Alves (2021), a pesquisa científica é iniciada por meio de pesquisa bibliográfica. Assim, para que uma pesquisa bibliográfica obtenha êxito e atinja os objetivos, primeiramente é necessário buscar trabalhos publicados relacionados à compreensão e à análise de dados sobre o tema investigado. Segundo os autores, a pesquisa bibliográfica é a base para uma iniciação científica, uma vez que permite o aprofundamento do fenômeno no campo de estudo pretendido. Ela atua, portanto, como um instrumento de execução.
Com base nisto, faremos análises de fontes para a coleta de dados e informações sobre o Sistema Prisional do Estado do Rio de Janeiro, que são documentos disponibilizados publicamente pela Secretaria do Estado de Educação (SEEDUC) e pela Secretaria do Estado de Administração Penitenciária (SEAP). Também estudaremos os relatórios do Sistema de Informações Penitenciárias (INFOPEN), vinculado ao Departamento Penitenciário Nacional do Ministério da Justiça (DEPEN/MJ); e os documentos do Conselho Nacional de Justiça, por meio de seus relatórios periódicos – estes dois últimos são instrumentos oficiais de coleta e organização de dados do sistema penitenciário brasileiro.
Outras fontes são constituídas por artigos, livros, teses e dissertações de caráter analítico e interpretativo da realidade das prisões produzidas por uma variedade de autores e instituições, mas capazes de aportar a este estudo o estado da arte em relação ao objeto da pesquisa.
Na primeira seção do trabalho, levando em consideração a escassa bibliografia sobre esta temática, apresentamos uma reflexão com base nos principais estudos que tratam acerca das prisões na sociedade e sobre a educação no sistema prisional brasileiro, lançando assim, as bases teóricas para o desenvolvimento do conteúdo que será discutido ao longo de todo o texto.
Na segunda seção foi traçado um panorama histórico sobre a educação nas prisões do Brasil e do Estado do Rio de Janeiro na sociedade contemporânea, considerando os rumos que a política de privação de liberdade tomou ao longo dos anos.
Na terceira seção foi feita uma análise sociológica no sentido de compreender o impacto da Educação nas pessoas privadas de liberdade, tomando como base os estudos de Paulo Freire (1987), Gramsci (1975) e de Goffman (1961). Também serão analisados os limites e desafios para os professores no contexto prisional.
Por fim, a partir dos dados coletados através da análise documental e bibliográfica que serviu de base para este estudo, apresentamos os resultados e a discussão da presente pesquisa.
Desarrollo:
BREVES CONCEPÇÕES SOBRE A POLÍTICA DE PRIVAÇÃO DE LIBERDADE NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA E A HISTÓRIA DAS PRISÕES DO RIO DE JANEIRO
A superlotação no sistema prisional mundial é um fator preocupante na contemporaneidade. Ao estudarmos a história das prisões nos deparamos com experiências esquecidas ou ocultadas, e retomá-las significa compreender melhor a sociedade em que vivemos. Analisar a origem das prisões e o seu desenvolvimento no Brasil e no Estado do Rio de Janeiro, nos dará as bases para a construção de uma visão crítica sobre a educação no contexto prisional – principal objeto deste estudo.
Esta primeira seção tem o objetivo de apresentar um panorama histórico sobre a construção da política de privação de liberdade no Estado do Rio de Janeiro, o que significa voltar o olhar para diversas trajetórias políticas e distintos padrões econômicos e sociais que foram constituídos ao longo do tempo. Apresentaremos uma reflexão com base nos principais estudos que tratam acerca das prisões na sociedade contemporânea e sobre a história das prisões no sistema prisional carioca.
Desde o ano de 1967 o Estado do Rio de Janeiro desenvolve ações na área da educação nas prisões quando a então Superintendência do Sistema Penitenciário (SUSIPE) firmou uma parceria com a Secretaria de Estado de Educação (SEEDUC) para oferecer apenas o ensino da Alfabetização à 4ª série (atualmente do 1º ao 5º ano). No mesmo ano foi inaugurado o primeiro colégio formal dentro de uma unidade prisional no Brasil: o Colégio Estadual Mario Quintana, localizado na antiga Penitenciária Lemos Brito, no Complexo da Frei Caneca. (JULIÃO, 2003)
Somente em 1975 a SEEDUC consegue instalar 6 (seis) novas escolas estaduais de ensino supletivo que ofereciam o ensino da 5ª série à 8ª serie (atualmente do 6º ao 9º ano). Em 2003, 28 anos depois, as “escolas” passaram a se chamar “colégios”, quando foi concedida autorização para oferecer o Ensino Médio. A troca do termo “escola” por “colégio” se deu porque, na época, se compreendia que “escola” era uma instituição que oferecia turmas até o Ensino Fundamental, já “colégio” era uma nomenclatura utilizada para as instituições que ofereciam também o Ensino Médio.
Apesar da Constituição Federal de 1988 garantir, em seu artigo 205, a educação como um direito de todos, oferecer o Ensino Médio nas prisões passou a ser obrigatório pelos Estados somente em 2015, quando a presidente Dilma Rousseff sancionou novas mudanças na Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84). Essa nova legislação determinou também, a inclusão do sistema de educação a distância e a utilização de novas tecnologias de ensino no atendimento aos presos.
No ano de 2008 o Estado do Rio de Janeiro criou a Coordenadoria Especial de Unidades Escolares Prisionais e Socioeducativas (COESP) que, mais tarde, em 2010, passou a se chamar Diretoria Especial das Escolas Socioeducativas e Prisionais (DIESP), ficando subordinada à Superintendência de Gestão de Ensino da SEEDUC.
Mesmo diante de tais avanços, o atual cenário da educação nas prisões do Estado do Rio de Janeiro se distancia muito dos objetivos propostos pelo Decreto 8.897, de 1986, que regulamenta o sistema penal estadual até hoje. O ensino de primeiro grau (agora Ensino Fundamental I), aparentemente obrigatório conforme o artigo 32 do referido decreto, não está disponível em todas as unidades prisionais.
Uma situação que também nos preocupa é o formação de professores voltada para a educação nas prisões. Silva & Moreira (2011), em estudo sobre a realidade do Estado de São Paulo, denunciam que os cursos de formação de professores ainda não estão sensibilizados com a necessidade de se formar docentes para a atuação em espaços como as prisões. Segundo os autores, lecionar nas prisões tem sido opção apenas para os profissionais em início de carreira ou àqueles que não encontram lugar na rede regular de ensino. Neste sentido, a realidade do Estado do Rio de Janeiro muito se assemelha ao que ocorre em São Paulo, apesar da existência da DIESP.
É preciso analisar então, o porquê da falta de uma formação acadêmica específica para professores que desenvolvem suas atividades nas prisões. Tal trabalho, exercido pelos professores no ambiente prisional, se difere da forma pela qual o ensino regular é estabelecido, pois possui características próprias, muitas vezes não se enquadrando no modelo tradicional da Educação de Jovens e Adultos (EJA).
A história da educação nas prisões no Rio de Janeiro também foi marcada por um importante normativo: o Plano Estadual de Educação em Prisões (PEEP/RJ), elaborado no ano de 2012, em atendimento às Diretrizes Nacionais para a Oferta da Educação em Estabelecimentos Penais.
O PEEP estabelece como uma das meta da SEEDUC/RJ a ampliação a cada cinco anos, de pelo menos 20% da oferta de vagas da educação em todo o Sistema Prisional. No entanto, em 2018 apenas 3.142 pessoas privadas de liberdade estavam envolvidas em atividades educacionais, o que correspondia a 6% da população prisional do Estado do Rio de Janeiro.
O Plano Estadual de Educação em Prisões atualizado no ano de 2018, informava que o sistema prisional do Estado do Rio de Janeiro contava com 19 espaços educacionais, dentro de 21 unidades prisionais. Já no ano de 2021, a nova versão do PEEP apresenta como um dos seus objetivos “aumentar os espaços destinados às atividades educacionais”, entretanto, informa que o quantitativo de espaços educacionais subiu de 19 para 22, enquanto o número de unidades prisionais já está em 52.
Outro fator relevante é o fato de que, mesmo com a obrigatoriedade da assistência educacional nas prisões, as 31 novas unidades prisionais cariocas, construídas entre os anos de 2018 a 2021, foram feitas sem escolas. Isso se deu porque o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária - CNPCP, através da Resolução nº 6, de 7 de dezembro de 2017, estabeleceu uma flexibilização nas Diretrizes Básicas para Arquitetura Penal, excluindo os módulos de educação e de trabalho.
Em 2010, o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) publicou as Diretrizes Nacionais para a oferta de educação para jovens e adultos em situação de privação de liberdade nos estabelecimentos penais, onde estabelecem que os estados devem garantir às pessoas privadas de liberdade, condições de acesso e permanência na Educação Superior. No Estado do Rio de Janeiro somente os presos em regime semiaberto conseguem ter acesso às universidades pois nenhuma unidade prisional do Estado possui esta modalidade de ensino.
Como podemos perceber, o Brasil tem avançado no sentido de construir um arcabouço legislativo, normativo e documental visando garantir a educação nas prisões, entretanto, a maioria dessas leis não são aplicadas pelos estados. Segundo Pereira (2018), um dos maiores avanços no âmbito estadual foi a criação dos Planos Estaduais de Educação em Prisões. O PEEP/RJ, apesar de suas limitações, se constitui em um instrumento de suma importância para a garantia do direito a educação no sistema prisional carioca, mas carece de melhor aplicabilidade.
UMA ANÁLISE SOCIOLÓGICAS SOBRE A EDUCAÇÃO NAS PRISÕES CARIOCAS: LIMITES E DESAFIOS PARA OS PROFESSORES NO CONTEXTO PRISIONAL
Pretende-se, nesta seção, construir uma análise sociológica no sentido de compreender o impacto da Educação nas pessoas privadas de liberdade, tomando como base os estudos de Paulo Freire (1987), Gramsci (1975) e de Goffman (1961). Para isto, consideraremos os estudos de Mesquida (2012) sobre Paulo Freire e Antonio Gramsci, traçando um olhar sobre a importância das histórias de vida no processo educativo; além da pesquisa de Godinho, Julião e Onofre (2020) que relata sobre os desafios da educação popular em contextos de privação de liberdade. Também faremos um contraponto com as teorias de Goffman (2013) sobre o processo de mortificação do “eu” presentes nas “instituições totais” como as prisões.
Mesquida (2012), no artigo “Paulo Freire e Antonio Gramsci: a filosofia da práxis na ação pedagógica e na educação de educadores” busca apresentar e relacionar os pensamentos de dois autores renomados no campo acadêmico: Antonio Gramsci e Paulo Freire. Na análise do autor, Gramsci entende que as ligações afetivas que os indivíduos constroem ao longo da vida pertencem ao processo de educação, e por isso o docente, durante o processo de educação, deve considerar esses fatores como essenciais para a formação daquele sujeito. Da mesma forma torna-se essencial que o meio passe a ouvir o educador, acontecendo assim o processo da educação. Paulo Freire entende que a participação do meio onde o educando está inserido é o ponto de partida da análise pedagógica. Ou seja, Paulo Freire apresenta a ideia de que com as convivências dentro da sociedade onde um sujeito está presente, esse adquire ao longo da vida experiências que o ajudam a compreender o mundo onde vive, e a formar o seu caráter, e é sobre isso que o educador deve desenvolver o seu trabalho pedagógico, utilizando de elementos que se aproximem da realidade apresentada, sentida e experienciada pelo educando.
Sobre isto, para Onofre (2015), a Educação de Jovens e Adultos em contexto de privação de liberdade deve ter como ponto de partida as histórias de vida dos educandos, dos seus conhecimentos prévios e dos seus saberes. Desta forma os conteúdos trabalhados em sala de aula terão proximidade com as realidades dos sujeitos envolvidos.
Compreender que as experiências vivenciadas pelos educandos são responsáveis por formar o caráter desses, ajuda a analisar o processo de educação de uma maneira diferente do habitual, de uma maneira mais positiva, mais ampla e mais natural; o que resultará em uma experiência de aprendizagem mais fluida e significativa.
Cabe considerar também que todo o processo de ingresso nas prisões deixa marcas na história de vida dos indivíduos privados de liberdade. Goffman (2013) chama esse processo de “mortificação do eu”, onde os novatos chegam às “instituições totais” com uma concepção de si mesmos, criada devido a algumas disposições presentes no meio social. Ao ingressarem na prisão (instituição total), se despem do apoio dado por tais disposições e recebem uma série de rebaixamentos, humilhações e degradações do “eu”, que se mortifica.
A instituição total pode ser definida como um local de residência e trabalho onde um grande número de indivíduos com situação semelhante, separados da sociedade mais ampla por considerável período de tempo, levam uma vida fechada e formalmente administrada. (GOFFMAN, 2013, p.11)
A partir disto, podemos refletir sobre o papel da educação no sistema prisional como uma tentativa de contribuir para o resgate do “eu” mortificado, possibilitando a construção de sujeitos autônomos e capazes de identificar novas alternativas de vida após a prisão.
Outro fator importante analisado por Mesquida (2012) está no fato de que, para Gramsci, existe uma relação entre a escola com a vida, ou seja, Gramsci entende que tanto a vida do docente quanto a vida do educando estão ligadas por uma conexão que se estabelece na escola, sendo assim: “Na medida em que a prática pedagógica é uma ação baseada fundamentalmente na palavra, a escola e a vida não podem estar separadas” (MESQUIDA, 2012, p. 34). Já Paulo Freire entendia que, assim que o educando passasse a compreender a construção política da palavra, ele seria capaz de tornar-se livre de toda opressão da sociedade, pois a partir do momento em que o sujeito tivesse a consciência de si, compreendendo os fatores políticos e sociais da sociedade, ele estaria moldando uma visão libertadora, transformadora.
Gramsci entendia que a escola poderia moldar um cidadão político capacitado a governar, enquanto Paulo Freire compreende que a educação pode ser o caminho para que um sujeito, oprimido pelo sistema possa alcançar a sua liberdade. Visando superar o que Paulo Freire chama de educação bancária, ele mesmo propõe a utilização do diálogo como uma peça principal para a educação, levando em consideração toda a experiência de vida do educando, reformulando a relação hierárquica entre o docente sobre o discente, possibilitando a síntese cultural, processo onde o sujeito se integra, com participação ativa na sociedade, a fim de superar as opressões vivenciadas nela e a partir dela, tornando-se capaz de governar (MESQUIDA, 2012, pp. 34-35).
Conforme visto anteriormente, uma ideia central dos estudos de Paulo Freire (1979) se volta para o conceito de educação libertadora. Para ele, a partir da educação, os sujeitos que são oprimidos dentro da sociedade desenvolveriam uma consciência crítica e então seriam capazes de se libertar da opressão capitalista, passando a ter um papel na construção de uma nova sociedade. Neste sentido, Godinho, Julião e Onofre (2020), com base nas concepções de educação para liberdade escritas por Freire (1979), defendem a ideia de uma proposta político pedagógica para a educação nas prisões que se alicerce nos preceitos da educação popular.
Na Pedagogia do oprimido (1987), Paulo Freire aborda a educação como exercício de diálogo, autonomia e exercício de conscientização sobre o mundo e sobre o próprio sujeito, que o liberta da visão fatalista da sociedade e da história; educação que requer relações e interações humanas horizontais, pautadas pelo respeito e pelo reconhecimento do outro como sujeito da história, da cultura e da política. A privação de liberdade, por sua vez, em outra direção, remete à prisão, instituição constituída historicamente para privar a liberdade individual de quem é condenado por crime ou ato infracional, retirando-o do convívio com o restante da sociedade. Esta é uma contradição – não a única – da educação em contextos de privação de liberdade. Entendemos as contradições não como impeditivas à reflexão sobre a articulação entre o pensamento freiriano e a educação em contextos de privação de liberdade. Ao contrário, a categoria contradição remete aos desafios que impulsionam a busca ontológica permanente por saber mais para ser mais, como nos ensinou Freire, em Educação e mudança (1979). (GODINHO, JULIÃO e ONOFRE, 2020, p. 02).
Para pôr em prática as ideias de Godinho, Julião e Onofre (2020) é necessário, primeiramente, que se invista na formação de professores/educadores populares. Silva e Moreira (2011), ao realizarem uma pesquisa no Estado de São Paulo, perceberam que os cursos de formação de professores ainda não estão sensibilizados com a necessidade de se formar docentes para a atuação em espaços como as prisões. Para os autores, a atuação de educadores nas prisões tem sido opção apenas para os que estão em início de carreira ou para os que não conseguem emprego na rede regular de ensino.
Sobre esse assunto, Mesquida (2012) nos mostra um ponto importante na análise teórica sobre Freire e Gramsci, apresentando uma definição de Marx no que diz respeito à educação: “o educador precisa ser educado”. Seguindo o conceito de Marx compreende-se que a práxis revolucionária tem a função de educar o educador, tendo em vista que esse está comprometido com a luta para construir uma nova sociedade. Desta forma, o autor destaca que Gramsci pensava a educação como um caminho para desenvolver o homem a fim de torná-lo um sujeito politizado capaz de governar. Esse processo seria resultado da práxis pedagógica e esse resultado se mostraria presente a partir do momento em que esse sujeito deixasse a sua visão de mundo fundada no senso comum e passasse a observar o mundo com uma perspectiva filosófica. Complementando as ideias de Gramsci, Paulo Freire entende que o papel de transformar a consciência de um sujeito que está conformado com a sociedade, para um sujeito que apresenta uma consciência crítica, é do educador.
Neste sentido, destacamos então, a importância da formação de educadores para atuar no contexto prisional. O trabalho desenvolvido pelos professores nas prisões é diferente da forma pela qual o ensino regular é estabelecido e, por sua vez, diferente do que é ensinado nos cursos de Licenciatura. A educação prisional possui características próprias que exigem maior atenção por parte dos professores, muitas vezes não se enquadrando no modelo tradicional da Educação de Jovens e Adultos (EJA), conforme citam Silva e Moreira (2011).
Conclusiones:
Esta pesquisa pretendeu, como objetivo geral, analisar a educação nas prisões do Estado do Rio de Janeiro a partir da leitura crítica de Gramsci. Neste sentido, com base nos questionamentos iniciais, foi possível confirmar que a educação nas prisões do estado do Rio de Janeiro convive com problemas como o descaso do poder público, a falta de estrutura e o preconceito da sociedade.
A população prisional brasileira possui um perfil de escolarização preocupante. Os dados estatísticos nos mostram que 75% das pessoas privadas de liberdade não teve acesso ao Ensino Médio, 51% deste montante não concluiu o Ensino Fundamental e 4% da população prisional brasileira é analfabeta. Quando se trata do Ensino Superior, o índice é, ainda, mais alarmante não atingindo nem 1%. Desta forma, ao que nos parece nos limites dessa pesquisa, que quanto maior a escolarização menor o índice de privação da liberdade. Ou seja, se considerarmos que a maior parte da população escolarizada é oriunda das camadas mais abastadas da sociedade, conforme nos aponta Salvato, Ferreira e Duarte (2010), logo, majoritariamente, a população encarcerada pertence às esferas menos favorecidas economicamente. A relação de escolarização e renda é proporcional à escolarização e encarceramento.
No Estado do Rio de Janeiro a realidade não está muito distante dos índices nacionais. O Estado possui 603 analfabetos, 2432 pessoas privadas de liberdade que foram somente alfabetizadas e 96 que apenas sabem assinar. A maioria dos presos – 31.106 pessoal – possuem apenas o ensino fundamental incompleto, ou seja, não tiveram acesso ao Ensino Médio.
Diversos aspectos limitam a implementação de leis e normas voltadas para a educação nas prisões, e de um processo educacional que esteja mais conectado com uma visão emancipadora que considere a educação como um direito humano. Existe um longo e árduo caminho a ser percorrido pelo Estado do Rio de Janeiro no sentido de disponibilizar uma educação que atinja todos os níveis de ensino (inclusive o nível superior) e seja acessada por todos os que se encontram privados de liberdade.
Bibliografía:
BRASIL. Lei 7.210, de 11.06.1984. Lei de Execução Penal (LEP, 1984). Disponível em: http://www.planalto.gov.br. Acesso em: 10 ago. 2017.
BRASIL. Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (Cnpcp). Resolução nº 3, de 11 de março de 2009. Dispõe sobre as Diretrizes Nacionais para a Oferta de Educação nos Estabelecimentos penais. Diário Oficial da União, Brasília, Seção 1, p. 22, 25 mar. 2009. Brasília, v. 24, n. 86, p. 89-103, nov. 2011. Disponível em <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_docman&view=download&alias=5142-rceb002-10&category_slug=maio-2010-pdf&Itemid=30192> Acesso em: 27 mai. 2019.
BRASIL. Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias - INFOPEN – Dezembro de 2019. Brasília: Ministério da Justiça e Segurança Pública, Departamento Penitenciário Nacional - DEPEN, 2019. Disponível em < https://www.gov.br/depen/pt-br/sisdepen/mais-informacoes/relatorios-infopen/brasil> Acesso em: 20 nov. 2020.
FREIRE, Paulo. Educação como prática de liberdade. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1979.
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 63ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1987.
GAMA, Taíza da Silva. Limites e possibilidade do exercício do direito à educação nas prisões do Estado do Rio de Janeiro: um estudo de caso no Colégio Estadual José Lewgoy. 2019. Tese (Doutorado em Educação) - Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2019. doi:10.11606/T.48.2019.tde-19022020-104100. Acesso em: 2023-01-15.
GODINHO, A., JULIÃO, E., & ONOFRE, E. Desafios da educação popular em contextos de privação de liberdade. EccoS – Revista Científica, 2020. doi: https://doi.org/10.5585/eccos.n52.17100
GOFFMAN, Erwing. Manicômios, Prisões e Conventos (1961). 8ª ed. São Paulo: Editora Perspectiva, 2013.
GRAMSCI, Antonio. Quaderni del carcere. Turim: Einaudi, 1975.
GRAMSCI, Antonio. Os intelectuais e a organização da cultura. 4ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1982.
JULIÃO, E. Política pública de Educação Penitenciária: contribuição para o diagnóstico da experiência do Rio de Janeiro. Dissertação de Mestrado, Faculdade de Educação PUC/RJ, 2003.
MAIA, C.; NETO, F.; COSTA, M & BRETAS, M. L. História das prisões no Brasil. v. 01. Rio de Janeiro: Rocco, 2009.
MAIA, C.; NETO, F.; COSTA, M & BRETAS, M. L. História das prisões no Brasil. v. 02. Rio de Janeiro: Rocco, 2009.
MESQUIDA, P. Paulo Freire e Antonio Gramsci: a filosofia da práxis na ação pedagógica e na educação de educadores. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, SP, v. 11, n. 43, p. 32–41, 2012.
MINAYO, M C S. O Desafio do Conhecimento: Pesquisa Qualitativa em Saúde. São Paulo. Rio de Janeiro, HUCITEC-ABRASCO, 1999.
ONOFRE, E. M. C. Educação escolar para jovens e adultos em situação de privação de liberdade. Cad. Cedes, Campinas, v. 35, n. 96, p. 239-255, maio-ago., 2015
PEREIRA, Antonio. A educação de jovens e adultos no sistema prisional brasileiro: o que dizem os planos estaduais de educação em prisões? Revista Tempos e Espaços em Educação, São Cristóvão, Sergipe, Brasil, v. 11, n. 24, p. 217-252, jan./mar. 2018. Disponível em: <http://dx.doi.org/10.20952/revtee.v11i24.6657> Acesso em: 07 out. 2019.
RIO DE JANEIRO. Plano Estadual de Educação em Prisões. Rio de Janeiro: SEEDUC, 2018.
SALVATO, M.A.; FERREIRA, P.C.G.; DUARTE, A.J.M. O Impacto da Escolaridade Sobre a Distribuição de Renda. Estudos Econômicos. São Paulo, v. 40, n. 4, p. 753-791, outubro-dezembro, 2010. Disponível: https://www.scielo.br/j/ee/a/LKVPvzm7PdJcbqF7PxY5dsq/?lang=pt. Acesso em: 15 abr. 2020.
SILVA, R.; & MOREIRA, F. A. O projeto político-pedagógico para a educação em prisões. In. Revista Em Aberto, INEP, Brasília, v. 24, n. 86, pp. 89-103, nov. 2011.
SOUSA, Angélica Silva de; OLIVEIRA, Guilherme Saramago de; ALVES, Laís Hilário. A pesquisa bibliográfica: princípios e fundamentos. Cadernos da Fucamp, 2021, n.20, n.43, p.64-83.
Palabras clave:
História da Educação nas prisões. Rio de Janeiro. Paulo Freire. Antonio Gramsci. Erving Goffman.