Resumen de la Ponencia:
O trabalho de campo é uma etapa fundamental para a pesquisa. É ele que dá vida às reflexões inicialmente pensadas e possibilita as respostas das questões anteriormente formuladas. Esse texto se dedica a refletir sobre essa realidade em tempos de pandemia da Covid-19, decretada em março de 2020 pela Organização Mundial da Saúde (OMS). Nossa pesquisa objetiva resgatar a memória de professoras pioneiras no Serviço Social brasileiro na discussão de gênero e feminismos, no estado do Rio de Janeiro. Nesse sentido, o aprofundamento bibliográfico comum a toda pesquisa sempre fez parte de nosso percurso metodológico. Entretanto, uma pesquisa como essa pressupõe necessariamente um mergulho em fontes documentais, bem como a realização de entrevistas com essas pioneiras. É nesse momento que se inserem as preocupações e aprendizados que narramos a seguir.O período abrangido por nosso projeto de pesquisa são os anos de 1980 e 1990 quando os estudos de gênero surgem no Brasil, bem como existe uma intensificação dos movimentos feministas, possibilitados pelo período de abertura política que se iniciava então. Esses são tempos em que o papel ocupava um lugar de destaque e a existência de redes sociais era uma realidade distante. Nosso primeiro passo foi buscar conhecer o que se escrevia naqueles anos, quem escrevia, o que liam essas pioneiras. Para isso, realizamos uma pesquisa junto das principais revistas e encontros da categoria. E quase todas essas fontes estavam impressas. Assim, a pesquisa em bibliotecas se iniciou. A pandemia nos atingiu na parte final dessa etapa e nos levou a busca em acervos particulares.A realização de entrevistas, mesmo para nós, pesquisadoras, sempre significou um momento de encontro, de contatos face a face e pensar em realizar isso via a face de um computador, não se pode negar, causou estranhamento. E se pensarmos em nossas entrevistadas, hoje na faixa entre 60 e 80 anos de idade, esse estranhamento era ainda maior. Era a preocupação com a rede, o aprendizado de acessar esse instrumental, ensinar como acessar o microfone, o ícone da imagem – tudo isso significou problemas técnicos para a realização desses encontros. Por outro lado, foi um mecanismo fundamental para nossa pesquisa não parar depois de um primeiro momento onde todas nós (e o mundo) ficaram paradas frente à realidade da Covid-19. Continuar era preciso. E se a máquina “mecanizou” esse processo, por outro lado possibilitou a continuidade e o acesso a essas mulheres, a suas casas e jardins, a possibilidade de nos olharmos. Não temos dúvida da importância do contato face a face e que isso fez/faz falta. Mas não podemos negar o aprendizado – que acreditamos veio para ficar. Assim, esse texto busca pensar os efeitos, positivos e negativos decorrentes desse processo.
Introducción:
O trabalho de campo é uma etapa fundamental para a pesquisa. É ele que dá vida às reflexões inicialmente pensadas e possibilita as respostas das questões anteriormente formuladas. Esse texto se dedica a refletir sobre essa realidade em tempos de pandemia da Covid-19, decretada em março de 2020 pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Nossa pesquisa objetiva resgatar a memória de professoras pioneiras no Serviço Social brasileiro na discussão de gênero e feminismos, no estado do Rio de Janeiro. Uma pesquisa como essa pressupõe, necessariamente, um mergulho em fontes documentais, bem como a realização de entrevistas com essas pioneiras. Foi nesse momento que fomos surpreendidas com a pandemia da Covid-19 e daí surgem as preocupações e aprendizados que narramos a seguir.
Num primeiro momento, apresentamos rapidamente a pesquisa, seus objetivos e pressupostos epistemológicos. No segundo momento, refletimos mais especificamente sobre o tema dessa apresentação, ou seja, pensar a realização da pesquisa em tempos de pandemia e os efeitos que os limites trazidos por essa pandemia trouxe para o nosso dia-a-dia. Concluímos com algumas considerações que longe de serem conclusivas, querem pensar caminhos futuros.
Desarrollo:
A PESQUISA: UM TRABALHO DE MULHERES FEITO POR MULHERES
É importante destacar desde o início a referência à epistemologia feminista que caracteriza nossos estudos e esse texto. A epistemologia feminista[1] se caracteriza pelo compromisso com uma ciência não neutra. Ao contrário, o posicionamento político é assumido ao nos dedicarmos explicitamente a ouvir as mulheres, a resgatar suas falas, compreendendo as mulheres como sujeito político, resistindo a uma ciência que se quer neutra, mas que é androcêntrica, dominante, branca, hetero e europeizante.
Por isso, nossa vontade de ouvir essas mulheres, regatar suas falas. Não se tratava de falar por essas mulheres, mas de ouvi-las. Partilhar uma história da qual nós também fazemos parte, hoje como professoras, antes como alunas.
Partimos da ideia de que nos anos de 1980 e 1990, ao vivermos a efervescência dos movimentos e lutas sociais, um dos movimentos importantes foi o feminista, e as assistentes sociais não estavam alheias a esse fenômeno[2]. Não se pode negar que o serviço social no Brasil a partir desses anos avançou muito no reconhecimento de si mesmo enquanto profissão e de seu lugar na sociedade. Mas esse avanço, que reconhecemos, também trouxe ausências. Adotar uma perspectiva de analise a partir da luta de classes se é positivo, por um lado, por outro, corre o risco de colocar outros sujeitos em segundo plano. Tal como aconteceu em vários lugares do mundo, sair de uma ditadura nos levou a adoção de uma leitura macro da profissão e da importância dos sujeitos coletivos, mas deixou em segunda mão outros sujeitos e suas especificidades, como as mulheres.
Sem desmerecer essa leitura, consideramos que os estudos feministas e de gênero ou de mulheres insuflam vida na história. A história do serviço social muitas vezes é contada numa espécie de samba de uma nota só onde as classes aparecem, mas os sujeitos que dão vida a essas classes não ocupam lugar de destaque. Uma profissão composta majoritariamente por mulheres que atende também majoritariamente mulheres e que não consegue inserir as mulheres nessa história como sujeitos. O século XXI trouxe o aprofundamento da perspectiva crítica no Serviço Social onde gênero e raça ganham outro estatuto. Ana Lole (2014) localiza o início desse processo na profissão na década de 2010, mas as vezes parece que essa história começou ontem. Queremos com nossa pesquisa resgatar e dar visibilidade a essas mulheres que iniciaram essa história. Pensar o serviço social como uma história de mulheres foi o caminho que imaginamos. A pesquisa “Por uma história do gênero/feminismo no Serviço Social” tem por objetivo resgatar a memória das mulheres pioneiras na discussão do gênero/feminismos no Serviço Social brasileiro, contribuindo, assim “para uma produção da história do gênero e feminismos no Serviço Social no Brasil, em especial no Rio de Janeiro, tendo como marco temporal os anos1980 e 1990” – anos em que os estudos de gênero chegam ao Brasil, bem como temos um renascimento dos movimentos feministas e o serviço social vive o chamado Movimento de Reconceituação[3].
Joan Scott (1992, p. 144) afirma que “reivindicar a importância das mulheres na história significa necessariamente ir contra definições de história e seus agentes já estabelecidos como ‘verdadeiros’, ou pelo menos, como reflexões acuradas sobre o que aconteceu (ou teve importância no passado)”. O Serviço Social tem sua história feita a partir de mãos femininas. Partir de uma análise macro nos permite compreender a conjuntura onde essa história acontece. É uma perspectiva fundamental em nossa compreensão, mas entendemos que precisa ser complexificada. A perspectiva feminista nos ajuda nesse processo ao possibilitar a inserção de importantes marcadores sociais, como gênero, raça, geração, sexualidades, territorialidades – entre outros. Não podemos pensar a história do serviço social desconsiderando as mulheres que são sujeitos nessa história. Por isso, a perspectiva feminista nos mostrou um importante olhar, um caminho para nossas análises.
Como afirma Ketzer (2014), não há uma metodologia especificamente feminista, mas a construção de um enfoque a partir do qual podemos utilizar diversos métodos, como entrevistas, grupo focal, análise documental e etnografia. Ao partir do enfoque feminista, trabalhamos na perspectiva de enfatizar as mulheres como sujeitos históricos, negando uma ciência neutra, objetiva e racional, normalmente escrita por homens, brancos, heterossexuais, ocidentais e ricos (Pereira; Santos, 2014; Freitas; Medeiros, 2021).
A necessidade apontada por Walter Benjamim (1994) de “escovar a história à contrapelo” sempre nos remete à afirmação de Audre Lorde (2019) de que “as ferramentas do senhor nunca derrubarão a Casa Grande”. A história hegemônica é construída a partir do silenciamento – muitas vezes violento – daqueles que não são os vencedores. Destruir esse silêncio, construir outras ferramentas, narrar outras histórias é uma forma de redimir aquelas e aqueles que foram silenciados.
Muitos desses silenciamentos foram produzidos a partir de perspectivas baseadas no racismo, sexismo, heteronormatividade e elitismo que marca nossa sociedade (e que atravessam mesmo uma profissão que hoje tem o compromisso assumido em seu código de ética com os sujeitos em situação de vulnerabilidade). Contudo, se esse silêncio é imposto, não se pode negar que a história nos mostra, igualmente, que resistências sempre ocorreram. Compreendemos que a existência dos feminismos contribuiu muito para essas resistências e continua contribuindo, a medida em que também o feminismo se repensou, especialmente a partir das contribuições do feminismo negro e latino-americano. Aproximamos nossa análise feminista da perspectiva interseccional por acreditar que essa complexifica o feminismo. Acreditamos que a ideia da interseccionalidade (Crenshaw, 2002; Collins, 2015; Akotirene, 2019) caudatária do feminismo negro é um excelente instrumento para a análise classista; é um potencial instrumento de análise para compreender os sujeitos que compõem essas classes e a complexidade dos processos sociais em que elas e eles estão mergulhados no âmbito da sociedade capitalista.
O que se quer enfatizar é que o feminismo em que acreditamos, como consta no manifesto assinada por Arruza, Bhattacharya e Fraser (2019), tem que ser necessariamente anti-racista, descolonial, anticapitalista, antiliberal, anti LGBTQIAfóbico, anti-heteronormativo e ecossocialista – e, portanto, também interdisciplinar (pois dialoga com os diversos saberes) e indisciplinar, pois vai de encontro aos cânones estabelecidos, trazendo novos temas, novos sujeitos de pesquisa e novas metodologias; ou novas formas de pensar os processos metodológicos (Santos, 2006).
Concluindo, uma pesquisa feminista e ativista deve, neste sentido, partir de indagações feministas, buscando pesquisar e ouvir a voz das mulheres – saber quem fala, quem cala; quem pode falar e quem deve calar nos diz muito acerca daqueles que produzem conhecimento (Lorde, 2019; Kilomba, 2020). Sueli Carneiro (2020) reflete que a epistemologia define não apenas o que falar, mas quem pode falar. Uma profissão como a nossa não pode se furtar a olhar para si mesma e refletir quem são os sujeitos – as mulheres – que dão vida a essa profissão. Não se nega a importância da participação masculina nesse debate, mas não podemos silenciar acerca da experiência dessas que compõem massivamente essa profissão. Por isso, a necessidade metodológica de ouvir essas mulheres. Essa era nossa estratégia metodológica. Mas nem tudo saiu como imaginamos. A epidemia chegou. Vejamos isso no próximo item.
O CAMPO DA PESQUISA E A NECESSIDADE DE SE RE-INVENTAR
Nossa pesquisa tinha caminhos metodológicos muito bem traçados e factíveis. Nosso primeiro passo foi buscar conhecer o que se escrevia naqueles anos, quem escrevia, o que liam essas pioneiras. O segundo momento – e o mais aguardado – era a realização das entrevistas. Esse momento sempre significou, para nós, um momento de encontro, de contatos face a face.
Numa primeira fase, realizamos uma pesquisa junto das principais revistas e anais dos encontros da categoria. Muitas de nossas fontes estavam impressas. A análise documental[4] se debruça sobre os “materiais que não receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os objetos da pesquisa” (Gil, 2008, p. 45). A partir dessa análise buscamos não apenas compreender as conjunturas sociais, econômicas, históricas e políticas daquele momento, mas também extrair novos sentidos, contribuindo para o conhecimento científico.
Assim, a pesquisa em bibliotecas se iniciou. Como o período abrangido por nossa pesquisa eram os anos de 1980 e 1990, o papel ocupava um lugar de destaque e a existência de redes sociais era uma realidade distante. Iniciamos, assim, a busca dessas revistas e anais. A pandemia nos atingiu na parte final dessa etapa e nos levou a busca em acervos particulares – junto à núcleos de pesquisa e ao acervo nossos e de professores amigos que disponibilizaram esse material, muitas vezes digitalizando-os para nos enviar.
Foi o fato de recorrermos a esses acervos particulares e ao processo de digitalizar esses documentos que fez com que pudéssemos concluir essa primeira fase[5]. A pesquisa evidenciou a existência dos estudos de gênero/mulheres e feministas nas décadas de 1980-1990 na profissão, assim como as características desses estudos e importância para o início de uma tradição que, historicamente, teve pouca visibilidade no Serviço Social. Ainda que o tema das mulheres não figurasse entre as principais questões que norteavam debates e orientações para os rumos profissionais, surgiram relatos e reflexões nas principais produções do período.
Em seguida, era necessário avançarmos na pesquisa. O outro caminho que percorremos envolveu a escuta daquelas que intitulamos como pioneiras do serviço social nos estudos de mulheres, gênero e feminismos. Construímos um roteiro de questões e com ele nos aproximamos dessas mulheres. Como também integrantes dessa história, partimos do nosso próprio conhecimento ao mapear algumas docentes que a partir dos anos de 1980 participaram intensamente da militância feminista. Importante refletir um pouco mais sobre essa questão. Ou seja, o modo como nós, pesquisadoras, estamos implicadas no processo que buscamos investigar. É também a nossa história que investigamos ao analisar nossa história profissional. Nossas entrevistadas não partilham conosco apenas a escolha de uma profissão, ou o gênero e a classe social. Compartilham de muitos de nossos sonhos, partilhamos muitos cafés e risadas, assim como nos aproximamos em algumas questões e nos afastamos em outras ao discutir o serviço social. Mais do que nunca a necessidade de uma vigilância epistemológica se fez necessária. Estranhar o próximo, o familiar (Velho, 1994) foi um caminho fundamental para garantir os caminhos da pesquisa. Essa experiência nos trouxe desafios e aprendizados. E, não podemos negar, trouxe também momentos de prazer ao relembrar acontecimentos e momentos de tristeza quando percebemos as ausências. Mas foi um exercício que garantiu um caminhar promissor para os estudos. De certa maneira, a técnica de bola de neve esteve presente, pois uma professora entrevistada lembrava de outras e assim, íamos tecendo uma rede envolvendo essas mulheres[6].
A entrevista é entendida enquanto uma técnica de coleta de informações/dados a partir dos objetivos dos pesquisadores, que envolve um processo de interação/comunicação entre dois ou mais sujeitos[7] (Bauer; Gaskell, 2003). A história nunca é um processo encerrado. É sempre a partir do hoje que nos voltamos sobre o passado. Como afirma Ecléa Bosi (1995, p. 59), “os deslocamentos que realizamos em nossas vidas e o pertencimento a diferentes grupos faz com que evoquemos nossas lembranças mais significativas sob a ótica desse presente e os expliquemos à luz de nossa posição atual”. Por isso, foi e está sendo necessário ouvir estas mulheres que compreendemos como precursoras da discussão de gênero no Serviço Social.
Como já enfatizamos, a chegada da pandemia mundial do Covid trouxe impactos também para nossa pesquisa. Por um momento, um efeito paralisante em relação as entrevistas e a espera de que em breve conseguiríamos fazê-las. Depois, percebemos que aquela situação iria perdurar e tivemos que rever nossa metodologia e pensar alternativas. Relatos nesse sentido podem ser vistos em várias pesquisas desse período, como em Rafaella Musmanno Gonçalvex (2021) que utilizou como mecanismo de “escuta” a realização de “entrevistas” via email. Essa autora, também partindo de uma perspectiva feminista buscava conhecer o olhar das assistentes sociais sobre o tema famílias. A utilização de entrevistas via what zap e a participação em grupos de discussão na internet foram outras estratégias utilizadas.
A entrevista on line surgiu como uma necessidade e nos fez rever nossos instrumentos. E aprender a improvisar. Foi isso que fizemos. Tivemos que aprender a lidar com as plataformas que possibilitavam as entrevistas por meio virtual. Criar um ambiente acolhedor tendo como instrumento o computador não foi uma tarefa fácil. Acreditamos que estes tempos que estamos vivendo trouxeram para a maioria dos projetos uma ampliação em relação aos instrumentos utilizados.
A entrevista é normalmente vista como um instrumento de grande aproximação entre pesquisadoras e entrevistadas. A aproximação aconteceu, mas foi com uma câmera a nos separar. Ainda acreditamos que a presença física seja uma coisa importante, mas não podemos negar que nossa pesquisa só avançou graças ao desenvolvimento tecnológico que nos possibilitou encontrar as entrevistadas nos mais diferentes lugares.
Dessa forma, fomos obrigadas a conhecer as Plataforma Zoom, Meet, etc.. Nossas entrevistas foram realizadas a partir dessas plataformas sem o encontro pessoal que tanto nos acostumamos, sem tomarmos o tradicional cafezinho, e sem o lanchinho ao final. Foi um aprendizado para nós e um desafio. Também o foi para nossas entrevistadas. Poucas de nós estavam totalmente adaptadas para esse estranho mundo novo digital. E muitas dessas pioneiras estão na faixa dos 80 anos e dominar essas ferramentas não era fácil. Mas não podemos negar que o desejo e a disponibilidade que todas demonstraram fez esse momento ficar mais leve. O fato de contarmos na equipe com uma pesquisadora mais jovem, “antenada” e competente nessa tecnologia foi um outro fator determinante. Todas as entrevistas foram gravadas com o consentimento das entrevistadas e se torna também um modo de preservar suas memórias, falas e imagens
Frases/fatos como “a rede caiu”; “ela não nos ouve” ou “nós não estamos te ouvindo” ou “não estamos vendo” fez muitas vezes o início das entrevistas ser muito tenso. Mas depois, sanadas todas as complicações, conseguimos avançar para o encontro e a escuta dessas mulheres – o fato que para nós diferencia nosso projeto. Conhecemos de certa maneira, suas casas, jardins, esconderijos para onde foram para fugir da pandemia.
É importante destacar também a receptividade delas para nossa pesquisa e como destacaram a possibilidade de revisitar essas memórias. As entrevistadas em Freitas et al. (2018) também destacaram essa mesma dimensão. Isso ratifica a importância dessa escuta. Estamos agora na fase de análise dessas entrevistas, embora ainda não tenhamos terminado todas. A partir dos descritores utilizados para analisar a produção das revistas, estamos também analisando suas falas buscando conhecer o momento histórico em estudo e o modo como essas pioneiras a partir da inserção em movimentos sociais (especialmente o feminista), a participação em sala de aula, bem como em projetos de pesquisa e extensão foram, pouco a pouco, possibilitando a construção de um diálogo fecundo entre os feminismos e o serviço social.
O feminismo tem sido nosso fio condutor ao buscarmos trazer a tona a voz dessas mulheres. Se hoje, o gênero e a perspectiva feminista se faz mais presente no cotidiano do serviço social, isso se deve a essas pioneiras. Acreditamos que a história é feita por sujeitos, dentro das condições socialmente existentes. Mas esses sujeitos têm uma vida, inserção de classe, gênero, cor, geração, necessidades específicas, territorialidades e tantas outras dimensões que poderíamos considerar. É a história dessas mulheres que buscamos analisar.
Por fim, é importante atentar que a devolução dos dados é entendida enquanto uma necessidade de toda produção acadêmica e entende-se a devolução não apenas na participação de eventos científicos (fundamentais para a divulgação e o estabelecimento de diálogos), mas também na construção de disciplinas e na organização de seminários para debater a temática em questão.
[1] Ver Freitas e Medeiros (2021), Ketzer (2014), Louro (1997) entre outras.
[2] Utilizamos assistentes sociais no feminino porque consideramos que a profissão é majoritariamente composta por mulheres. Nada mais justo, considerando que partimos de um olhar feminista, destacar essa dimensão. Não se quer invisibilizar os homens assistentes sociais, mas reconhecer o protagonismo das mulheres nessa profissão.
[3] O movimento de Reconceituação significou um momento repensar os caminhos da profissão de forma crítica. Percorre a América Latina nos anos de 1960, chegando ao Brasil tardiamente em virtude da ditadura militar que o país viveu a partir de 1964.
[4] Compreende-se como documento tudo aquilo que serve como prova, textos escritos, fotos, filmes, documentários, registro governamentais, leis, entrevistas, anotações, documentos públicos e privados, entre outros (Cellard, 2008).
[5] Nosso inventário considerou os seguintes descritores: gênero; feminismo; história do Serviço Social; mulheres; identidade feminina; movimentos de mulheres e feminista; divisão sexual do trabalho; trabalho e gênero; trabalho feminino.
[6] Como se pode ver, o trabalho com fontes orais foi fundamental em nossa pesquisa. Acerca da história oral, ver: Bosi (1995); Alberti (2005); Ferreira & Amado (1996); Bourdieu (1997) e Portelli (1996 e 2010). O trabalho com a oralidade nos permitiu o resgate de uma história contada a partir das próprias experiências vividas pelas pessoas, nos permitindo captar as diferentes falas, recuperar os acontecimentos vividos a partir do olhar das próprias mulheres.
[7] Bourdieu enfatiza a necessidade de compreender a entrevista enquanto uma relação social que (necessariamente) exerce efeitos sobre os resultados obtidos: “o sonho positivista de uma perfeita inocência epistemológica oculta na verdade que a diferença não é entre a ciência que realiza uma construção e aquela que não o faz, mas entre aquela que o faz sem o saber e aquela que, sabendo, se esforça para conhecer e dominar o mais completamente possível seus atos, inevitáveis, de construção e os efeitos que eles produzem também inevitavelmente.” (Bourdieu, 1997, p. 694-695).
Conclusiones:
CONCLUSÕES
Refletir sobre o Serviço Social a partir dessas lembranças nos leva, necessariamente, a uma reflexão sobre a história das mulheres, de seus poderes, de suas conquistas, seus dilemas e de suas resistências. Não podemos negar que realizar isso via a face de um computador, nos causou estranhamento. E se pensarmos em nossas entrevistadas, hoje na faixa entre 60 e 80 anos de idade, esse estranhamento era ainda maior. Era a preocupação com a rede, o aprendizado de acessar esse instrumental, ensinar como acessar o microfone, o ícone da imagem – tudo isso significou problemas técnicos para a realização desses encontros.
Mas a tecnologia não proporcionou apenas o encontro com essas mulheres. Manter remotamente reuniões mensais com todas as pesquisadoras e bolsistas foi um momento de relaxamento nesses tempos, mas ajudou também a “não deixar a bola cair”. Foi importante para nos aproximarmos e nos fortalecer. E isso fez também a pesquisa continuar.
A utilização de entrevistas remotamente foi um mecanismo fundamental para nossa pesquisa não parar depois de um primeiro momento em que todas nós (e o mundo) ficaram paradas frente à realidade da Covid-19. Continuar era preciso. E se a máquina “mecanizou” esse processo, por outro lado possibilitou a continuidade e o acesso a essas mulheres, a suas casas e jardins, a possibilidade de nos olharmos.
Por fim, queremos também a importância do cruzamento dessas metodologias porque suas histórias nem sempre se expressam em textos e publicações. Algumas dessas mulheres podem não ter tido uma grande publicação, mas tinham uma militância feminista intensa, assim como uma presença em sala de aula e atividades de pesquisa e extensão envolvendo – e formando – diversas alunas e alunos.
Não temos dúvida da importância do contato face a face e que isso fez/faz falta. Esse é um aspecto profundamente negativo dessa metodologia. Assim como as dificuldades tecnológicas que também são geracionais, causando dificuldades até mesmo para nós pesquisadoras e professoras em atividade. Ter um equipamento bom não está ao alcance de todas as pesquisadoras e também não nas casas e cotidianos onde adentramos. A questão geracional, afinal entrevistamos mulheres velhas, impacta diretamente aqui. Mas não podemos negar o aprendizado – que acreditamos veio para ficar. Assim, esse texto buscou pensar os efeitos, positivos e negativos decorrentes desse processo.
Bibliografía:
REFERÊNCIAS
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Palabras clave:
Pandemia da Covid-19. Epistemologia feminista. Serviço Social.