Resumen de la Ponencia:
O capitalismo, na sua etapa de dominância do capital fictício, acentuado pelas dimensões de sua crise pandêmica, econômica e ecológica tem intensificado a superexploração da força de trabalho no mundo e, particularmente, no Brasil. Nessa perspectiva, o presente artigo tem como objetivo analisar as manifestações da superexploração da força de trabalho entre trabalhadores(as) da saúde num contexto de pandemia de Covid-19 no Brasil. O artigo está estruturado em três partes. A primeira discute os mecanismos de superexploração da força de trabalho. A segunda discorre acerca das manifestações da superexploração entre os/as trabalhadores(as) da saúde, nos últimos anos. A terceira parte apresenta dados de como tem se dado a superexploração no cenário atual da pandemia de Covid-19 no Brasil. Atualmente, num cenário de pandemia de Covid-19 observa-se um percentual significativo de profissionais da saúde com sobrecarga de trabalho, com jornadas para além das 40 horas semanais, alguns tendo que recorrer a mais de um vínculo de trabalho para poder sobreviver. Tais manifestações representam as péssimas condições de trabalho dessa categoria de trabalhadores, além de contribuir para o adoecimento e o elevado número de acidentes de trabalho.
Introducción:
Ao analisar concretamente a história do capitalismo do ponto de vista da sua totalidade é possível identificar a existência de elementos constitutivos desse sistema. Entre tais elementos estão as formas de exploração da força de trabalho, que determinam as relações de produção na sociedade moderna. Para que se mantenham os padrões globais de acumulação, no modo de produção capitalista, a produção da riqueza social implica, necessariamente, a ampliação do grau de superexploração da força de trabalho.
A classe trabalhadora vivencia desde sempre formas intensas de exploração da força de trabalho e de precarização ilimitada, no Brasil não é diferente. O capitalismo na sua atual fase (com a predominância do capital fictício) e sua crise na inter-relação com as crises pandêmica, econômica de “longa depressão” e a ecológica (Mendes, 2022) tem intensificado uma massiva desigualdade de classe, raça, etnia e gênero na sociedade como um todo e demonstrado a incapacidade do sistema de metabolismo antissocial do capital de suprir as necessidades básicas da humanidade.
Para almejarmos compreender como tem se dado a superexploração da força de trabalho entre trabalhadores(as) da saúde, no atual cenário de crise do capitalismo e de pandemia de Covid-19, se faz necessário empreender uma análise da estrutura e dinâmica do capitalismo dependente brasileiro, que permeie a sua consolidação, o seu desenvolvimento e as condições que determinam suas crises. Nesta perspectiva, o objetivo deste artigo é analisar as manifestações da superexploração da força de trabalho entre trabalhadores(as) da saúde num contexto de pandemia de Covid-19 no Brasil.
Deste modo, o artigo se ampara em pesquisa bibliográfica tendo como unidade de análise os trabalhadores da saúde. Para tanto, o artigo encontra-se dividido em quatro seções. Na primeira, apresentamos uma discussão sobre as dimensões do valor da força de trabalho. Na segunda, discorremos sobre os mecanismos de superexploração da força de trabalho. Na terceira, expomos as manifestações da superexploração entre os/as trabalhadores(as) da saúde, nos últimos anos. Por fim, na quarta seção apresentamos como tem se dado a superexploração no cenário atual da pandemia de Covid-19, que aprofundou a crise contemporânea do capitalismo, intensificando a exploração, a miséria e o sofrimento da classe trabalhadora brasileira, e evidenciamos as repercussões da superexploração nas condições de vida e saúde dos trabalhadores da saúde.
Desarrollo:
1. Os mecanismos de superexploração da força de trabalho
É possível identificar quatro mecanismos principais de superexploração da força de trabalho (que atuam de forma isolada ou combinada) que possibilitam a continuidade do processo de acumulação na periferia, são eles: a) o prolongamento da jornada de trabalho; b) o aumento da intensidade do trabalho; c) a apropriação, por parte do capitalista, de parcela do fundo de consumo dos (as) trabalhadores (as) - então convertido em fundo de acumulação capitalista -, sendo que esse mecanismo atua no sentido de criar as condições pelas quais o capital viola o valor da força de trabalho; e d) a ampliação do valor da força de trabalho sem que seja pago o montante necessário para tal (Amaral; Carcanholo, 2012).
Para que possamos entender o mecanismo de prolongamento da jornada de trabalho, analisaremos, inicialmente, as formas de existência de mais-valia do ponto de vista da totalidade e da reprodução. Afinal, é “a partir do conceito de mais-valia que se chega ao conceito de exploração, de exploração do trabalho pelo capital”, afirma Carcanholo e Sabadini (2011, p. 131).
O primeiro passo significa entender que o dinheiro recebido pelo trabalhador na forma de salário, é um título (um papel ou papéis) que lhe dá direito para comprar, para se apropriar de um conjunto limitado de bens. Tais bens foram produzidos anteriormente por outros (as) trabalhadores (as), ou seja, os próprios trabalhadores (as) produziram antes o que vão se apropriar agora. Importante ter em mente que os trabalhadores só se apropriam de uma parte do produto do seu trabalho (Carcanholo; Sabadini, 2011).
Logo, é presumível que o dinheiro que inicialmente saiu do bolso dos capitalistas, no fim das contas volta para eles, uma vez que os/as trabalhadores (as) vão gastar seus salários comprando bens essenciais. Isso significa que os capitalistas se apropriam da mais-valia sem dar nada em troca; só permitem que os trabalhadores se apropriem de parte de algo que já produziram (Carcanholo; Sabadini, 2011).
Assim, para Carcanholo e Sabadini:
a relação salarial (que produz mais-valia) é e não é ao mesmo tempo uma relação de exploração. Do ponto de vista da essência, é exploração; na aparência, pode ou não ser exploração. Com certeza, mesmo na aparência, será exploração quando os salários são baixos e/ou quando as condições de trabalho são insatisfatórias para a reprodução dos trabalhadores (Carcanholo; Sabadini, 2011, p. 136).
Mais-valia é o valor produzido pelo trabalho que supera o valor da força de trabalho, ela é um produto da exploração do trabalho (Marx, 2013). A mais-valia absoluta, por sua vez, é a forma que o capital utiliza para incrementar a massa de mais-valia produzida pelos (as) trabalhadores (as). Por exemplo, no prolongamento da jornada de trabalho, mantém-se constante a parte que é destinada ao pagamento da força de trabalho sob a forma de salário.
Numa jornada de trabalho de 8 horas diárias, por exemplo, suponhamos que 2 horas sejam destinadas à reprodução da força de trabalho, e as demais 6 horas caracterizem a mais-valia que é apropriada pelo capitalista. Se a jornada é ampliada para 10 horas, então está se produzindo um excedente. Tal prolongamento da jornada de trabalho sem alterar o tempo de trabalho necessário (o salário), ou mesmo aumentando-o, exigindo, portanto, maior esforço dos (as) trabalhadores (as). Aqui está uma das formas de se alcançar a mais-valia absoluta.
O segundo mecanismo consiste na intensificação da jornada de trabalho. “Dada uma quantidade determinada de horas de trabalho por dia, a intensificação consiste em elevar o ritmo de trabalho dos trabalhadores, de maneira que se produza um volume maior de valores de uso, no mesmo tempo”, nos lembra Carcanholo e Sabadini (2011, p. 138).
A produção da mais-valia absoluta, por um lado, implica um esforço adicional do trabalhador, por outro, a decisão de ampliar ou intensificar a jornada em certa magnitude tende a ser tomada pelo capitalista. “O fato de que o salário do trabalhador seja elevado em certa medida não impede que a massa de mais-valia produzida cresça com a mais-valia absoluta”, acrescenta Carcanholo e Sabadini (2011, p. 138).
Outra maneira que o capital encontra para aumentar a massa de mais-valia sem que para isso tenha que ampliar a jornada de trabalho para além dos limites estabelecidos e nem intensificá-la, é diminuindo a parte da jornada de trabalho que é paga ao trabalhador sob a forma de salário, aumentando consequentemente a parte do trabalho excedente. A massa de mais-valia produzida através desse mecanismo é denominada mais-valia relativa (Marx, 2013).
Nesse processo o trabalhador não recebe necessariamente um salário real menor, pois continuará a receber uma remuneração que lhe permite adquirir os meios de subsistência básicos para a reprodução. A redução do valor da cesta de consumo dos (as) trabalhadores (as), permitindo que estes a comprem (mesmo tendo seu tempo de trabalho socialmente necessário reduzido) só é possível com o aumento da força produtiva do trabalho (produtividade) nos setores que produzem os bens de consumo dos trabalhadores ou os insumos e os meios de produção necessários.
Existem outros métodos que, aplicados de maneira conjunta com os anteriores, contribuem para que os capitalistas aumentem o volume total de lucro obtido do trabalho: diminuição do salário real e a remuneração abaixo do mínimo necessário à subsistência do trabalhador. Logo, o pagamento de um salário insuficiente para que trabalhadores (as) e suas famílias consigam reproduzir adequadamente a sua força de trabalho, ou seja, uma remuneração abaixo do valor da força de trabalho correspondente a superexploração da força de trabalho.
2. Superexploração e saúde
A “saúde” no modo de produção capitalista é uma mercadoria (meio de subsistência) que contribui para a reprodução da força de trabalho, ou seja, o valor (ou magnitude do valor) da mercadoria saúde se incorpora ao valor da força de trabalho.
Se o trabalhador é privado de “saúde”, ele acaba sendo privado de uma condição fundamental para sua reprodução e isso diminui a sua vida útil, consequentemente diminuindo o valor total da força de trabalho, já que este é mensurado com base no tempo total de vida útil do trabalhador ou no total de dias em que o possuidor da força de trabalho vende sua mercadoria no mercado, em boas condições.
Em nota técnica publicada em setembro de 2019, intitulada “Reforma trabalhista e os trabalhadores da saúde”, o Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (DIEESE) argumenta que existem algumas especificidades relacionadas ao mundo do trabalho na saúde, que precisam ser consideradas ao analisar o mercado de trabalho neste setor específico. Em primeiro lugar, verifica-se que o capital constante no setor saúde não é necessariamente substitutivo da força de trabalho. A partir desta constatação decorrem duas considerações: (1) sendo o trabalho na saúde uma atividade-fim (diferente de uma atividade desenvolvida no setor industrial, por exemplo, que é uma atividade-meio), os investimentos no setor saúde (ou seja, a destinação de maiores gastos em capital constante, desta forma, elevando a produtividade) são geradores de novos postos de trabalho, ao contrário de outros setores da economia, em que o aumento da massa de capital constante em relação a força de trabalho (capital variável) leva à formação de um exército industrial de reserva (EIR); e (2) o aumento de produtividade no setor saúde é mais limitado (DIEESE, 2019).
A mesma nota técnica defende ainda que as atividades na área da saúde são suscetíveis a ‘falhas de mercado’, dada a elevada incerteza quanto à qualidade do produto ou serviço prestado, já que, ao contrário de outros produtos e setores de atividade, não pode ser testado antes de sua aquisição. Ao se acrescentar mais à frente que “diante disto, a melhor maneira de se garantir a qualidade do serviço prestado não é tão somente o padrão tecnológico, mas, sobretudo, o processo de trabalho que deveria ser a base de orientação para ações de gestão do trabalho em saúde” (DIEESE, 2019, p. 5).
O Anuário dos Trabalhadores da Saúde, publicado pelo DIEESE em 2018, apresenta uma série de indicadores da situação de trabalho dos profissionais do Sistema Único de Saúde (SUS), no período de 2012 a 2016, que permitem analisar, em alguma medida, dados (por exemplo: vínculos de trabalho; estabilidade no emprego; jornada de trabalho etc.) sobre a força de trabalho na saúde naqueles anos e constatar (ainda que de maneira superficial) o grau de exploração com os quais trabalhadores e trabalhadoras da saúde estão submetidos no Brasil (DIEESE, 2018).
Por exemplo, entre os anos de 2012-2016 observa-se uma variação percentual positiva para os vínculos CLT (16%) e estatutários (5%) e negativa para outros vínculos (-2%). Contudo, ao segregar o período 2012-2016 em dois outros períodos, 2012-2014 e 2014-2016, observa-se para o segundo período uma variação percentual negativa nos vínculos estatutários (-0,7%) e outros (-14,1%). Para o DIESSE esta é uma constatação que revela como tem crescido no SUS as ocupações cuja natureza do vínculo é mais flexível e menos protegida. “Tanto no governo federal como nos estados e municípios, cresceram as contratações por CLT, cooperativas de trabalho, além da terceirização e dos contratos com organizações sociais”, destaca a nota técnica (DIEESE, 2019, p. 9).
Outra característica de grande expressão é a rotatividade do trabalho nos estabelecimentos vinculados ao SUS. O DIEESE estima que em 2016, 20% dos contratos de trabalho ativos foram encerrados no mesmo ano. Ainda neste ano, a taxa de rotatividade global para estatutários foi de 11,1%, para celetistas foi de 29,5% e, para os demais tipos de contrato foi de 83,3%. Técnicos (as) e auxiliares de enfermagem estiveram entre as categorias com o maior número (32,6% do total, ou 872 mil vínculos, sendo que, destes, 65,7% eram celetistas e 32,7% estatutários) de vínculos profissionais no SUS, em 2016. Em segundo, terceiro e quarto lugares estão os trabalhadores (as) nos serviços de promoção e apoio à saúde (12,9% do total, ou 345 mil vínculos, sendo 69,7% estatutários e 26,5% celetistas), as/os enfermeiras(os) (10,4% do total, ou 279 mil vínculos, sendo 60,3% celetistas) e as/os médicas(os) clínicas(os) (8,7% do total, ou 234 mil vínculos), respectivamente (DIEESE, 2019).
Os vínculos adicionais são outra modalidade de prolongamento da jornada de trabalho que se tornou usual no âmbito da saúde, na qual, muitas vezes, a uma jornada diária de 8 horas em algum estabelecimento público ou privado, é agregado horas extras (seja naquele mesmo estabelecimento ou em outro) com o intuito de complementar os rendimentos, uma vez que são baixas as remunerações pagas e limitadas às políticas de valorização da carreira. O DIEESE constatou um aumento, entre 1998-2008, no número de pessoas ocupadas, em algum trabalho principal, mas que mantinham trabalho adicional, em cinco (Belo Horizonte, Distrito Federal, Porto Alegre, Recife e Salvador) das seis regiões analisadas, a exceção foi a região de São Paulo, cuja variação negativa foi de 5,9% (DIEESE, 2009).
Ao se analisar um período mais recente, o mesmo DIEESE encontrou que quase um quarto dos (as) trabalhadores (as) do SUS tem mais de um vínculo de trabalho, ou seja, trabalhavam em mais de um estabelecimento de saúde, no ano de 2016. Entre as categorias com maior número de vínculos adicionais, destacam-se os/as técnicos(as) e auxiliares de enfermagem (218 mil), médicas(os) (121 mil), enfermeiras(os) (75 mil) e farmacêuticas(os) (32 mil), totalizando 596 mil trabalhadores da saúde, de um total de 2,68 milhões de trabalhadores(as) no SUS, ou seja, 22% do total (DIEESE, 2019).
Sobre os limites que assinalam a duração possível de uma jornada de trabalho, Osorio expõe:
[...] o prolongamento da jornada tem como consequência uma elevação do valor da força de trabalho, ao requerer maior quantidade de bens necessários para repor o desgaste das horas extras. Porém quando ultrapassado certo ponto, a partir do qual o desgaste físico e mental não pode ser reposto, o aumento de horas diárias não consegue ser compensado pelo aumento do salário. Nesses casos, o capital está se apropriando hoje de anos futuros de trabalho, o que não só viola o valor da força de trabalho, mas implica a redução da vida útil do trabalhador e de sua expectativa de vida de acordo com as condições normais dominantes (Osorio, 2012, pp. 71-72).
Ainda que se tenha observado um aumento no contingente de trabalhadores (as) da saúde – segundo o DIEESE – entre os anos de 1998-2008, isso não refletiu na valorização destes (as) trabalhadores(as), pelo contrário, constatou-se naquele período uma redução na magnitude das remunerações. Ao se comparar os rendimentos médios reais pagos por hora aos ocupados do setor saúde em 2008, com aqueles auferidos em 1998, evidenciou-se a acentuada redução observada em praticamente todas as regiões analisadas, com destaque para a variações percentuais negativas identificadas na região metropolitana de São Paulo (-32,9%), de Recife (-25,0%) e de Salvador (-21,3%) (DIEESE, 2009).
A diminuição dos rendimentos na saúde, na maioria das regiões, reflete a retração dos salários em estabelecimentos privados que registraram reduções entre 32,0% em São Paulo, e 4,5% em Recife. Na esfera pública da saúde, houve queda do rendimento apenas em duas regiões: Recife (-23,3%) e Belo Horizonte (-3,4%). Nesta última região, identificou-se ainda uma variação percentual positiva (10,2%) no salário-hora de trabalhadores(as) vinculados a estabelecimentos de saúde privada (DIEESE, 2009).
Dando um salto no tempo e alcançando o ano de 2016, observa-se que entre as categorias ocupacionais na saúde, os médicos clínicos recebiam naquele ano a maior remuneração (R$ 9.913,00, com crescimento real, descontada a inflação, de 8,8% em relação a 2012), ao passo que cuidadores (as) recebiam a menor (R$ 1.377,00). Enfermeiras (os) tinham uma remuneração média de R$ 4.713,00 e crescimento de 3,4% em relação a 2012, já os técnicos de enfermagem recebiam uma remuneração média de R$ 2.203,00, com aumento real de 7,1% em relação a 2012. Técnicos (as) de enfermagem ganhavam 46,7% do recebido por Enfermeiros (as), que, por sua vez, auferiam 47,5% da remuneração de médicos(as). A distância entre a maior e a menor remuneração no SUS, em 2016, era de sete vezes (DIEESE, 2019).
Outra característica bastante expressiva quando se analisa o componente da remuneração entre trabalhadores celetistas vinculados a estabelecimentos do SUS é a desigualdade de gênero e raça, por exemplo, as mulheres recebiam, em 2016, 75% da remuneração dos homens (R$ 2.878,00 contra R$ 3.828,00). As mulheres negras (pretas e pardas) recebiam 60% da remuneração dos homens não negros (brancos, amarelos e indígenas): R$ 2.561,00 contra R$ 4.302,00. Os (as) trabalhadores (as) negros (as) têm remuneração equivalente a 80% da remuneração dos (as) não negros(as): R$ 2.711,00 contra R$ 3.396,00 (DIEESE, 2019).
As diferenças de remuneração que, por um lado, podem ser explicadas pela natureza dos postos de trabalho, como por exemplo, a constatação de que existem menos mulheres negras médicas (DIEESE, 2019), por outro lado, tem sua origem atrelada a formação do proletariado brasileiro, que foi profundamente marcada pelos fenômenos históricos, econômicos e sociais no Brasil, a exemplo da sua trajetória enquanto resultado de uma colonização predatória, na qual o país funcionou como espaço de apropriação de recursos naturais e financeiros para a metrópole portuguesa, com o trabalho escravo se estendendo por mais de 300 anos, ou mesmo depois da abolição da escravatura com a transição para o trabalho assalariado, não tendo sido proporcionado aos/às ex-escravizados(as) garantias de assistência social ou qualquer amparo estatal que lhes permitissem melhores condições de vida.
Mesmo numa comparação entre pessoas com escolaridade de ensino superior similares, os dados indicam que trabalhadores (as) negros (as) recebiam 12,5% menos que os/as brancos (as): R$ 3.981,00 ante R$ 4.549,00 (DIEESE, 2019). “Assim, foi em grande parte sobre a escravidão africana e indígena que se constituiu o proletariado brasileiro, e as contradições que residem na atualidade em relação a empregabilidade, taxas de mortalidade e natalidade, escolaridade dessa população resultam, essencialmente, desta origem” (PCB, 2021, p. 5).
Para o DIEESE, “faltam perspectivas de carreiras mais atrativas no SUS, inclusive para o reconhecimento da experiência tácita no trabalho, pois os dados indicam que a remuneração aumenta, na medida em que aumenta o grau de instrução” (DIEESE, 2019, p. 15). Contudo, de acordo com Martins (2011), a elevação da qualificação do trabalhador sem a remuneração equivalente ao incremento de valor da formação de trabalho é um dos mecanismos pelos quais se desenvolve a superexploração da força de trabalho, que se caracteriza pela queda dos preços da força de trabalho por baixo do seu valor.
3. Crise pandêmica, superexploração e os rebatimentos na saúde dos trabalhadores
No cenário atual de crise pandêmica temos visto um contingente considerável de trabalhadores(as) da saúde adoecidos física e psiquicamente. Ou seja, são trabalhadores(as) que apresentam alguma dificuldade na reposição de sua energia e saúde para voltar a trabalhar na jornada seguinte. Estes trabalhadores não têm os meios de subsistência suficientes para reproduzir a sua força de trabalho. Essa situação se configura enquanto sendo uma superexploração da força de trabalho.
Se somarmos a esse cenário a precarização histórica dos trabalhadores(as) do Sistema Único de Saúde (SUS), que através da sua assistência à saúde e serviços (mas não somente isso) confere o aporte de saúde necessário para que a classe trabalhadora reproduza a sua força de trabalho e continue trabalhando com melhores condições de vida, é possível conceber o quanto essa precariedade da saúde pública brasileira contribui para o rebaixamento do valor da força de trabalho, logo para superexploração da força de trabalho, para extração de excedente do trabalho, a mais-valia.
É o sistema capitalista se beneficiando de diversas formas e maneiras do campo da saúde. Seja através da privatização, desfinanciamento e desmonte do SUS (Mendes, 2022), seja por meio da superexploração da sua principal engrenagem (quem movimenta e constrói o SUS) que é a força de trabalho na saúde.
A pandemia de Covid-19 aprofundou as mazelas sociais manifestadas pelo capitalismo, impactando diretamente nas condições de vida e trabalho da população, ampliando os índices globais de mortalidade, de desemprego, de pobreza, de fome etc., além de aumentar o grau de exploração de trabalhadores(as) e intensificar as desigualdades de classe, raça e gênero na sociedade como um todo.
Nesse cenário de crise pandêmica, as pessoas que trabalham direta ou indiretamente na área da saúde foram especialmente afetadas. Projetos como o Observa Covid e Rede CoVida mostram em algumas de suas publicações e estudos, a situação particularmente preocupante daqueles que atuam nos estabelecimentos do SUS ou cuidam de pessoas com Covid-19, principalmente os que se encontram na linha de frente do combate à pandemia, garantindo o funcionamento dos leitos, além dos atendimentos ambulatoriais na rede de atenção básica e especializada (OBSERVA COVID, 2021; REDE COVIDA, 2020).
Silva et al. (2021) ao analisarem registros de inspeções sanitárias realizadas no estado da Bahia, no período de abril a novembro de 2020, verificaram, por exemplo, um maior número de casos no setor de serviços (n = 39), com destaque para os serviços de saúde com metade das inspeções (n = 20).
Já Mendes et al. (2021) ao analisarem casos de trabalhadores(as) da saúde contaminados com a Covid-19, na cidade de Salvador-Bahia, no período de abril a agosto de 2020, verificaram uma predominância feminina (75,9%), sendo maior na faixa etária de 20 a 39 anos (54,5%), além de uma predominância de casos entre pessoas autodeclaradas pretas/pardas (76,8%), bem como entre trabalhadores(as) que apresentam jornada de trabalho entre 40 e 60 horas semanais (88,4%). As autoras argumentam que a “multiplicidade de vínculos, encontrada em cerca de um terço dos trabalhadores investigados, e a extensão da jornada de trabalho são primordiais nesta análise, pois são fatores que aumentam a exposição do trabalhador” à Covid-19 (Mendes et al., 2021). No entanto, vale acrescentar que são estes procedimentos (prolongamento da jornada de trabalho e multiplicidade de vínculos) que caracterizam o modo de produção fundado na superexploração da força de trabalho e se apresentam enquanto elementos constitutivos do capitalismo dependente (Marini, 2011), como mencionado nas seções anteriores deste artigo
De acordo com “Carta aberta dos trabalhadores da saúde atuantes nas UBS do município de São Paulo”, publicada em janeiro de 2022, são muitos os problemas vivenciados por trabalhadores(as) no curso da emergência sanitária de Covid-19, entre os quais pode-se citar: a sobrecarga de trabalho; o número reduzido de profissionais; o aumento exponencial do número de atendimentos; a ampliação da jornada de trabalho (sem a devida remuneração das horas extras); o acúmulo de funções; a adição de atividades extras nas rotinas de alguns profissionais, com manutenção da cobrança de metas (de maneira truculenta) de atividades habituais; a realocação de profissionais, deixando setores específicos com sobrecarga e a população sem atendimento adequado (SIMESP, 2022).
Além disso, questiona-se também a falta de insumos mínimos para o atendimento da população (por exemplo: medicamentos essenciais para o tratamento das infecções; lençol para maca hospitalar; oxigênio; luvas; testes de gravidez e espéculos vaginais etc.).
De acordo com o Observatório de Segurança e Saúde no Trabalho (SmartLab), ao tratar e analisar os dados do INSS/CATWEB e INSS/BENEFÍCIOS, o setor econômico com mais acidentes de trabalho (2012 a 2021) é o de atividades de atendimento hospitalar, sendo que a ocupação de técnico de enfermagem foi a que apresentou o maior número de acidentes de trabalho para o mesmo período, no Brasil (Smartlab, 2022).
Estes e outros aspectos acabam por comprometer a segurança e a saúde nos ambientes de trabalho, gerando adoecimento e mortes, bem como problemas de saúde mental associados às condições de trabalho, ao medo de contaminar-se e contaminar familiares e amigos, ansiedade, distúrbios de sono e/ou alimentares e depressão vinculada ao estresse decorrente do trabalho cotidiano, especialmente da atenção e do cuidado dispensado a pessoas com Covid-19.
Os fatores que contribuem para o desenvolvimento e piora do sofrimento mental (mas também das condições de vida e saúde de trabalhadores/as como um todo) perpassam as dimensões econômicas, sociais, ambientais, culturais, fisiológicas etc. Afinal, são fatores historicamente determinados pelo modo de produção capitalista.
Conclusiones:
O Brasil tem vivenciado uma ampliação de ocupações cuja natureza é mais flexível e menos protegida, situação que se reflete também no mercado de trabalho da saúde. Tem-se identificado ao longo dos anos uma diminuição dos vínculos estatutários, além de uma expressiva rotatividade no trabalho em estabelecimentos vinculados ao SUS. Outra grande expressão da superexploração da força de trabalho da saúde é o aumento dos múltiplos vínculos, por meio dos quais trabalhadores e trabalhadoras da saúde se submetem afim de alcançar uma remuneração que lhes permita a reprodução e manutenção da sua força de trabalho, e o mínimo para sua sobrevivência.
O cenário de exploração se completa com a constatação da redução na magnitude das remunerações dos trabalhadores da saúde ao longo dos anos, além da discrepância salarial entre as categorias profissionais na saúde, sobretudo na comparação salarial sob a dimensão do gênero e da raça. Para a apropriação do excedente-valor pelo capital, a força de trabalho da saúde é submetida jornadas extensas e intensas de trabalho, que em última análise só amplia o adoecimento da classe que vive do trabalho, além de o aumento de acidentes de trabalho.
Uma das consequências decorrentes da superexploração da força de trabalho é o aumento de acidentes, do adoecimento (físico e psíquico) e dos óbitos relacionados ao trabalho. É o sistema do capital mostrando suas garras e utilizando-se de todos os mecanismos possíveis e os aparentemente impossíveis, na extração e apropriação dos valores produzidos por trabalhadores e trabalhadoras da saúde.
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Palabras clave:
Superexploração da força de trabalho; trabalhadores da saúde; teoria marxista da dependência (TMD); crise do capitalismo; Covid-19.
Resumen de la Ponencia:
O atual cenário global de crise, chama a atenção para as dinâmicas anticíclicas que caracterizam o sistema capitalista, bem como seu sociometabolismo. O trabalho de consumo de novas formas de valor, reforça o caráter flexível do trabalho, tornando a classe trabalhadora mais complexa e fragmentada. O início do processo de precarização estrutural do trabalho acentuou-se ao longo do século XX com o advento do Taylorismo/Fordismo e logo em seguida a partir dos anos 1970 com o desenvolvimento do Toyotismo e das formas de empresa flexível. Em um contexto no qual a economia é comandada hegemônicamente pelo capital financeiro, as empresas buscam garantir seus altos rendimentos a todo custo, o que acaba por sua vez, exigindo e transferindo para os trabalhadores a pressão pela otimização de tempo, máxima performance, redução de custos com mão de obra e a hiper flexibilização dos contratos de trabalho. É nesse contexto que a terceirização vem ganhando espaço e centralidade na chamada gestão e estratégia empresarial, uma vez que as relações sociais estabelecidas baseiam-se na simbiose entre capital e trabalho que incorrem nos contratos de trabalho por tempo indeterminado e flexíveis, que acabam em consequências profundas que desestruturam a classe trabalhadora. A pandemia que vem assolando o Brasil e o mundo é mais uma expressão do capitalismo, que esbarra em uma crise exacerbada do próprio capital. A pandemia do COVID-19, não diz respeito a uma situação de crise claramente contraposta a uma situação de normalidade, ao contrário, desde a década de 1980, à medida que o neoliberalismo se impunha como a versão dominante do capitalismo, e este sujeitava-se mais e mais à sua lógica, o mundo passara a viver em permanente estado de crise Esta pesquisa se fundamenta na perspectiva do materialismo histórico dialético, pois o mesmo nos permite uma análise sobre a precarização do trabalho a partir da dinâmica do modo de produção capitalista, incorporando elementos da reestruturação produtiva, bem como do ideário neoliberal e das tendências atuais no mundo do trabalho. Desta forma, foi realizada uma revisão de literatura que busca compreender como a nova precarização do trabalho no Brasil se comporta ante o contexto pandêmico, incorrendo diretamente sobre a classe que vive do trabalho bem como seus reflexos na sua reprodução social. Dessa forma, compreendemos que o trabalho mais flexível, e a nova precariedade salarial, tornam-se elementos cruciais da ofensiva do capital na produção, visando desvalorizar o capital variável como meio de reduzir a composição orgânica do capital para aumentar ainda mais sua lucratividade. Tais elementos juntos contribuem para uma compreensão de que a subsunção e exploração da força de trabalho pelo capital, incorre na fragmentação da classe trabalhadora e suas lutas.Resumen de la Ponencia:
Esta ponencia tiene por objetivo dar a conocer las experiencias de conciliación de la vida laboral y familiar de la población de microemprendedora de Chile, en un contexto de pandemia mundial y de crisis socioeconómica nacional. Esta crisis ha derivado no solo del aumento del desempleo y del cierre coyuntural de empresas por el confinamiento obligatorio de la población, sino también por la revuelta social de octubre de 2019 que se mantiene actualmente en estado de latencia. Recogeré el desarrollo de estrategias y recursos individuales, sociofamiliares e institucionales provistos por el mercado y el mercado, que confluyen en las experiencias de conciliación, las que serán interpretadas desde la presencia (o no) de tensiones y paradojas que emergen de los discursos de estos actores sociales. La evidencia muestra para el caso chileno que el microemprendimiento tiene efectos duales en el empleo y la familia. Por un lado, se asocia a peores condiciones laborales y, por otro lado, a una mayor disponibilidad de horas de trabajo doméstico y de cuidado en el hogar y a una mayor satisfacción con el equilibrio de la vida laboral y familiar en comparación al trabajo dependiente. Además, la conformación del mercado laboral indica un incremento paulatino del microemprendimiento para ambos sexos, que acorta la brecha y plantea, a su vez, interrogantes acerca de la tendencia actual de los patrones culturales de género y las condiciones y oportunidades que provee un mercado laboral flexible. En base a un estudio cualitativo a microemprendedoras/es que tienen responsabilidades familiares (domésticas y de cuidado a dependientes), de distintos tramos etarios (entre 35-65 años y más), pertenecientes a dos categorías ocupacionales (empleadores” y “trabajadores por cuenta propia”) y residentes de la Región Metropolitana del país, muestro que la conciliación trabajo y familia está condicionada por el desarrollo de estrategias y recursos socio-familiares, la flexibilidad del mercado laboral y la dominación de género.Resumen de la Ponencia:
Es muy sabido ya que las condiciones laborales han deteriorado considerablemente en las últimas dos o tres décadas. Una muestra de ello está contenida en informe reciente de la Organización Mundial de la Salud y de la Organización Internacional del Trabajo (OMS/OIT, 2021) que reporta, para el periodo que va del 2000 al 2016, cerca de dos millones de muertes y un sinnúmero de enfermedades y trastornos de diversa índole vinculadas a las condiciones de trabajo a nivel mundial. La situación parece tal que una expresión como “el trabajo mata” (le travail tue) usada en diversos video-reportajes franceses y el título del libro de Pfeffer (2017), Muriendo por un cheque (Dying for a paycheck) suenan triviales. De lo que se trata es que el trabajo se ha vuelto contrario a la vida de los individuos; eso lo confirman numerosas situaciones cotidianas, además de los casos paroxísticos contenidos en el informe y libro citados. En esta ponencia, propongo un ensayo de análisis de ese lado oscuro de la realidad del trabajo (asalariado) en nuestros tiempos haciendo uso de las nociones de “cercamiento” (enclosure) (Polanyi, 2011; Béaur, 2021) y de “abaratamiento” (cheapening) (Patel y Moore, 2017). En la Inglaterra del siglo XVI (después en Francia), los “cercamientos” consistieron en la privatización de las tierras rurales comunales expulsando a los campesinos de donde, por tradición, acostumbraban pastorear su ganado, cazar, cultivar alimentos y abastecerse de agua. Para Béaur, “Los cercamientos fueron una catástrofe social” que, a la postre, se volvió uno de los principales impulsos de la revolución industrial. Patel y Moore, por su parte, establecen que la historia del capitalismo se resume en el abaratamiento, para y mediante su explotación, de siete cosas, algunas de las cuales, como la vida, el cuidado y el trabajo, son el cemento mismo de la humanidad. Sin ceder a las facilidades de la amalgama incauta, sugiero un uso analógico de la la noción de “cercamiento” que combino con el de “abaratamiento” para intentar dar cuenta de lo que hace al trabajo mismo y a la vida de los individuos la actual organización del trabajo (asalariado). Así mismo, usaré datos extraídos de las narrativas de los participantes de una investigación empírica en proceso de análisis como testimonios de situaciones laborales que pusieron en peligro la vida de estos y expondré sus intentos de salida de esas condiciones de trabajo deletéreas.Resumen de la Ponencia:
En esta ponencia analizamos las formas de subjetividad que promueven la política pública de emprendimiento en Colombia y los Espacios de Formación en Emprendimiento -EFE- de las Instituciones de Educación Superior -IES- y las fuerzas que intervienen en los procesos de subjetivación de los “emprendedores”. Para esto llevamos a cabo tres estudios empíricos: un análisis de los documentos de política pública en Colombia, entrevistas a directores de los EFE de las IES y entrevistas a “emprendedores”. Como hallazgos podemos resaltar que los discursos que circulan tanto en los documentos de la política pública de emprendimiento como en los EFE de las IES promueven unas formas de subjetividad que pueden leerse en términos del empresario de sí, no obstante, las formas de subjetividad de los emprendedores/empresarios no pueden leerse exclusivamente en términos de una tensión entre sujeción y resistencia al emprendimiento como forma de gubernamentalidad neoliberal. Estudiar el emprendimiento como forma de gubernamentalidad a partir del análisis de los documentos de política pública, los discursos que circulan en los EFE y los “emprendedores”, permite dar cuenta de que el diseño de una política pública, en este caso, la de emprendimiento en Colombia, no se corresponde con su implementación. Aproximarse a los beneficiarios de esta política, los “emprendedores”, permite también acercarse a otras fuerzas distintas a los discursos del emprendimiento que han intervenido en sus procesos de subjetivación y que incluso han sido más potentes que éstos: los propios de la creación de empresa y el trabajo independiente que circulan en la familia y que se entrecruzan con un mundo del trabajo caracterizado por la flexibilidad y la informalidad, y los discursos y las prácticas propios de la espiritualidad y la religiosidad.Resumen de la Ponencia:
O desenvolvimento das tecnologias da informação e da comunicação que acompanhamos nas últimas décadas contribuiu com as metamorfoses do trabalho e tais mudanças incidiram sobre a saúde dos indivíduos. Neste sentido, sob a égide do capitalismo contemporâneo, a saúde dos trabalhadores que realizam trabalho mediado por plataformas digitais se mostra um objeto de estudo necessário. Este artigo tem como objetivo discutir a inter-relação entre as condições de trabalho e a saúde de motoristas e entregadores por aplicativos no contexto da plataformização do trabalho. Nossa proposta de investigação considera o trabalho informal e flexível relacionado à precariedade e às condições de trabalho que se constituíram numa conjuntura política e econômica neoliberal, que se favorece de estruturas legais e de novas tecnologias digitais para explorar, ao máximo, o trabalho humano. A discussão proposta tem como principais métodos de investigação: pesquisa bibliográfica relacionada ao tema e os resultados de pesquisas empíricas recentes que foram desenvolvidas pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e pelo Projeto Fairwork Brasil, as quais obtiveram resultados provenientes de levantamentos de dados de diversos estados do país. As autoras deste artigo, inclusive, fazem parte da equipe de pesquisadores do Projeto Fairwork no Brasil. Por fim, a partir das formas de regulação e de gestão deste modelo de trabalho plataformizado, foram identificados aspectos que acentuam o desgaste do trabalho como a intensificação da jornada de trabalho, a insegurança e violência urbana, a exposição aos riscos biológicos das atividades, riscos de acidentes de trabalho, a ausência de proteções e seguros sociais, entre outros.
Introducción:
No decorrer da história, as formas de acumulação de capital passaram por diversas transformações. O capitalismo mantém-se vivo por meio da competitividade e da concorrência e, principalmente, do controle sobre o trabalho e de trabalhadores (Antunes, 2009). Do industrialismo manufatureiro ao padrão de acumulação taylorista/fordista, da consequente crise da forma de organização e gestão da produção e do trabalho taylorista/fordista ao toyotismo. A partir da década de 1970, acompanhamos um processo de reestruturação produtiva que inaugurou o modelo de acumulação flexível constituído por processos de produção voltados à demanda e à flexibilização das relações e condições de trabalho.
Hoje, diante da dinâmica concorrencial capitalista, se constituiu uma articulação que possibilita um formato novo e mais atualizado do toyotismo por meio das plataformas digitais. As plataformas digitais têm abrigado inúmeros trabalhadores e trabalhadoras, porém elas operam como mediadoras e não como empregadoras. Desta forma,identificamos a constituição de um novo modo de trabalho no contexto das recentes transformações tecnológicas, que chamaremos aqui de trabalho mediado por plataforma digital (ou por meio de plataformas digitais).
É sabido que em todos os modelos de organização e gestão do trabalho encontram-se formas de controle sobre o trabalho que impactam as condições de trabalho e o processo de trabalho. A partir da reestruturação produtiva ficaram evidenciados os sinais de mal-estar dentro e fora dos locais de trabalho em razão da flexibilização de contratos e do processo de trabalho, do aumento da intensidade e do ritmo de trabalho, etc. Os crescentes índices de doenças relacionadas ao trabalho, como doenças osteomusculares e transtornos mentais, denotam a precariedade que assola o mundo do trabalho e saúde dos trabalhadores (Praun, 2016; OIT, 2013).
Ainda, pesquisas recentes demonstram que por meio do controle e do gerenciamento do trabalho e da ausência da relação de trabalho, tornou-se possível expropriar ainda mais força de trabalho e elevar a lucratividade a níveis altos (Srnicek, 2017; Slee, 2017; Abílio, 2020; Antunes, 2018). Partindo do ponto de vista que as transformações nos sistemas produtivos tendem a também reconfigurar as formas de acidentes e de adoecimento recorrentes do trabalho (Uchôa-de-Oliveira, 2020), entendemos que existe uma relação entre o trabalho mediado por plataformas digitais e o adoecimento dos trabalhadores.
Tendo tudo isso em vista, este artigo tem como objetivo discutir a inter-relação entre as condições de trabalho e a saúde de motoristas e entregadores por aplicativos no contexto da plataformização do trabalho. A discussão proposta tem como principais métodos de investigação: pesquisa bibliográfica relacionada ao tema e os resultados de pesquisas empíricas recentes que foram desenvolvidas pela Central Única dos Trabalhadores (CUT) e pelo Projeto Fairwork Brasil, as quais obtiveram resultados provenientes de levantamentos de dados de diversos estados do país. As autoras deste artigo, inclusive, fazem parte da equipe de pesquisadores do Projeto Fairwork no Brasil. Por fim, a partir das formas de regulação e de gestão deste modelo de trabalho plataformizado, serão apresentados aspectos que acentuam o desgaste do trabalho como a intensificação da jornada de trabalho, a insegurança e violência urbana, a exposição aos riscos biológicos das atividades, riscos de acidentes de trabalho, a ausência de proteções e seguros sociais, entre outros.
Desarrollo:
O trabalho mediado por plataformas digitais
Nos últimos anos acompanhamos uma crescente adesão de consumidores, usuários e trabalhadores às plataformas digitais, porém existem diferentes modalidades e formas de atuação das plataformas. A Organização Internacional do Trabalho [OIT] (2021) apresentou em relatório duas grandes categorias que as plataformas digitais podem ser enquadradas: as de location-based, cuja a determinação da atuação e das atividades depende da localização geográfica e das dinâmicas territoriais; e as web-based, plataformas que concentram suas atividades apenas de modo on-line, na internet. As atividades de ambas as modalidades perpassam por serviços digitais e produtos para usuários individuais, facilitação e mediação entre diferentes usuários e plataformas de mão de obra. Algumas plataformas podem ser consideradas “híbridas”, possuem mais de uma dessas características. Nick Srnicek (2017) distingue tipos mais específicos de plataformas: plataformas de publicidade, plataformas de produtos, plataformas de nuvem, plataformas industriais e plataformas enxutas. As plataformas de publicidade extraem e analisam informações de usuários com intuito de vender ao espaço publicitário. As plataformas de produtos oferecem bens e serviços acessíveis para assinantes. Plataformas industriais transformam a fabricação de produtos tradicionais em processos baseados na internet. Plataformas de nuvens alugam armazenamento de dados. E, por fim, as plataformas enxutas são caracterizadas por não possuírem os bens materiais dos quais lucram.
A Uber e 99Pop no ramo de transporte de passageiros, iFood e Rappi no setor de entregas, entre outras, que destacam-se no mercado nacional, podem ser consideradas plataformas de mediação, location-based (OIT, 2021), bem como enquadradas por plataformas enxutas (Srnicek, 2017). Esses modelos de plataformas digitais as quais nos referimos possuem três partes de execução importantes: quem realiza o trabalho; quem solicita o trabalho; e a plataforma que intermedeia a oferta e a demanda (Schmidt, 2017). Desta forma, a plataforma como “intermediária” é capaz de transferir a maioria dos custos, riscos e responsabilidades para as duas outras partes. Porém, quem presta os serviços, ou melhor, a parte que trabalha significa também a parte mais prejudicada desse triângulo (usuário-plataforma-trabalhador).
É evidente nesse modelo de plataforma que o trabalho é central para a realização do serviço final e ele, mesmo essencial, não é diretamente reconhecido. Por isso o trabalho é mediado pelas plataformas. O trabalhador constitui uma parte em desvantagem nesta relação, pois uma vez que a plataforma possui total acesso e controle dos dados, processos e regulamentos, fica evidenciada a assimetria de poder (Schmidt, 2017). Esta disparidade constitui uma das bases desse modelo de negócio.
Assim como se evidenciou nas últimas décadas, os aspectos gerenciais e organizacionais herdados da reestruturação produtiva aumentaram a precarização das condições de trabalho. O trabalho mediado por plataformas pode ser considerado, portanto, mais uma dessas formas e meios para a exploração da força de trabalho.
O cenário do mercado de trabalho brasileiro se construiu historicamente de maneira instável. Os trabalhadores oscilam entre ocupações formais, informais, contratos temporários e pequenos negócios familiares. O trabalho subordinado às plataformas aparece hoje como uma novidade, tendo em vista também a conjuntura recente do período de pandemia e pós-pandemia, estes setores de serviços intermediados por canais de tecnologia cresceram em número de usuários, trabalhadores e mercado.
O exercício do controle do processo de trabalho pelas plataformas demonstra que os mecanismos de gerenciamento algorítmico, dataficação e gamificação, além das novas configurações do trabalho, tornam os trabalhadores cada vez mais dependentes das plataformas para obter recursos para a sobrevivência.
Neste setor, os trabalhadores são considerados autônomos pelas empresas de plataforma porque não possuem qualquer vínculo empregatício reconhecido. No entanto, consideramos que o caráter de autonomia é fictício, pois os trabalhadores são subordinados às regras e às demandas previstas e impostas pelas plataformas. De um lado a plataforma propõe flexibilidade de trabalho, e, de outro, o trabalhador encontra na flexibilidade uma forma de ampliar a renda e conciliar o trabalho com outras tarefas do cotidiano. A forma como o trabalhador mediado por plataformas organiza o seu próprio processo de trabalho, o qual também está sujeito às interferências das plataformas, é chamada pela socióloga Ludmila Abílio (2019) de autogerenciamento subordinado.
Estima-se que aproximadamente 1,5 milhão de pessoas trabalharam no setor de transportes no fim de 2021, com entrega de mercadorias ou transporte de passageiros. Diante desse número, 61,2% são representados motoristas de aplicativos ou taxistas. Segundo o Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas (IPEA), os profissionais vinculados às plataformas são em maioria homens, pretos e pardos, com idade inferior a 50 anos, com escolaridade variada. Por exemplo, entre os mototaxistas 60,1% não possuem ensino médio completo. Entregadores de mercadorias com moto e motoristas de aplicativo e taxistas encontram-se mais concentrados na região Sudeste e mototaxistas se concentram nas regiões Nordeste e Norte do país (Goés; Firmino; Martins, 2022).
Saúde do trabalhador no contexto da plataformização do trabalho
Segundo Cristina Laurell (1976), as diferentes formações sociais apresentam perfis patológicos também diversos, as quais dependem do modo particular que se desenvolvem as forças produtivas e as relações sociais de produção. Neste sentido, entendemos que o trabalho mediado por plataformas está inserido no processo de produção capitalista e suas estruturas organizacionais e gerenciais são determinantes para a compreensão do processo saúde-doença dos trabalhadores deste contexto.
Para contribuir à discussão utilizamos duas categorias analíticas de Laurell (1993) para contribuir ao debate: cargas de trabalho e processo de desgaste.
Cargas de trabalho dizem respeito aos elementos do processo de trabalho que podem alterar os processos corporais e psíquicos. Classificados em dois principais grupos de cargas. As que possuem materialidade externa ao corpo (físicas, químicas, biológicas e mecânicas) e as que adquirem materialidade através do corpo humano (fisiológicas e psíquicas). Os dois grupos põem em movimento a capacidade de adaptabilidade do corpo e da psique expressadas pelos seus processos.
O desgaste é entendido pela perda da “capacidade biológica e psíquica, efetiva e/ou potencial” (Laurell, 1993, p. 21). Deste modo, através da apreensão dos processos biopsíquicos, o desgaste da saúde, de modo geral, afeta o desenvolvimento das potencialidades individuais e coletivas de cada um. De maneira analítica, podem ser identificados “padrões de desgaste” dos trabalhadores por meio das formas da utilização da força de trabalho no processo de trabalho.
A partir disso, a seguir exporemos de maneira generalizada aspectos das cargas de trabalho e do processo de desgaste de entregadores e motoristas por aplicativo com base em pesquisas recentemente realizadas por alguns grupos de pesquisas, como o Fairwork Brasil e a Central Única dos Trabalhadores e o Instituto Observatório Social.
Inicialmente, destacaremos alguns resultados da pesquisa mais recente divulgada pelo Fairwork Brasil. O Projeto Fairwork tem como interesse a investigação do trabalho mediado por plataformas digitais. O projeto desenvolve uma pesquisa-ação sobre trabalho decente e condições do trabalho mediado por plataformas digitais. É coordenado pela Universidade de Oxford (UK) e possui uma equipe de pesquisadores de várias universidades do país. Inclusive, as pesquisadoras autores deste artigo integram o projeto.
No início de 2022, foi publicado o primeiro Relatório Anual Fairwork Brasil 2021. O relatório descreve o contexto do trabalho por plataformas no Brasil e elencou, por meio de pontuações, algumas plataformas que atendem aos princípios de trabalho decente elaborados pelo Fairwork (2022). As plataformas digitais deveriam cumprir os cinco princípios para serem consideradas promotoras do “trabalho decente'', que são eles: remuneração justa, condições justas, contratos justos, gestão justa, representação justa. As plataformas poderiam ter sido pontuadas de 0 a 10, sendo que quanto mais evidências sobre o cumprimento dos princípios fossem levantados, maior seria a pontuação.
O objetivo da pesquisa é estimular as plataformas e as instituições do Estado a avaliar e melhorar as condições do trabalho mediado por plataformas. As plataformas Uber e 99Pop na área de transportes e a iFood e UberEats, no ramo de delivery, foram analisadas pelo projeto. A plataforma iFood recebeu 2 pontos ao atender alguns requisitos no que se refere à clareza dos termos e condições aceitos pelos usuários e no âmbito representação, pois apresentou meios de diálogo com trabalhadores e garantia de liberdade de associação.
Dentre as plataformas citadas, apenas a 99Pop evidenciou que os motoristas vinculados à plataforma atingem ao menos um salário mínimo local (R$1.212,00 ao mês em 2021), no qual calcula-se os descontos com custos e recursos para o trabalho que são administrados pelos motoristas.
Diante do resultado da avaliação sobre as condições de trabalho, Uber e 99Pop demonstraram ações voltadas à proteção dos trabalhadores. Durante o período mais ávido da pandemia de Covid-19, as plataformas ofertaram equipamentos de proteção individual e garantias de ganhos proporcionais aos que seriam trabalhados no caso de contaminação e necessidade de afastamento. No entanto, os trabalhadores das plataformas, tanto da área de transporte quanto de delivery, apontaram para aspectos comuns de saúde e segurança, como falta de infraestrutura de acesso à banheiros, água potável e lugares de descanso. Além disso, das queixas mais recorrentes, destacam-se o risco de acidentes de trânsito, a violência, a exposição ao sol, dores e desenvolvimentos de problemas crônicos nas costas, estresse e sofrimento psíquico.
Entregadores
Os entregadores atuam no transporte de mercadoria, frete de produtos ou de alimentos. O ramo de delivery de alimentos possui uma grande expressão no mercado e de adesão de trabalhadores, sendo que as principais plataformas deste setor no Brasil são: iFood, Rappi, ZéDelivery, James, entre outras. Essa atividade é realizada com moto ou bicicleta, por isso também os trabalhadores podem ser identificados como bikeboys ou motofretistas.
Com incentivo da OIT, a Central Única de Trabalhadores e o Instituto Observatório Social desenvolveram uma pesquisa (CUT, 2021) sobre as condições de trabalho de entregadores da cidade de Brasília (Distrito Federal) e Recife (Pernambuco). Esta pesquisa teve também o intuito de compreender os impactos das recentes reformas previdenciária e trabalhista sobre a atividade dos trabalhadores mediados por plataformas.
O processo de trabalho de bikeboys e motofretistas possui inúmeras nuances sobre saúde e segurança que precisam ser levadas em consideração. Inicialmente, foi possível identificar cargas materializadas externamente ao corpo, como o excesso de exposição ao sol e às chuvas; vulnerabilidade a acidentes de trânsito, assaltos e violência; e também a inalação de pós e gases presentes nas ruas das grandes cidades.
Uma característica muito importante do trabalho de entrega é o tempo e a gestão do tempo. Segundo a pesquisa, há um caráter heterogêneo dos arranjos adotados por cada trabalhador em relação à jornada de trabalho. O tempo de trabalho e a forma de organização do tempo por dia e por semana são variáveis, pois uma das principais características desta atividade é a flexibilidade de horário e isto constitui um dos fatores que torna o trabalho atrativo para os interessados em ingressar no ramo.
Na pesquisa, constatou-se que há uma despadronização da jornada de trabalho, notada pela perda de referência no modelo antes convencional de 8 horas por dia, 5 dias na semana, e 40 a 44 horas semanais de trabalho. Neste sentido, há inúmeros relatos de extensão dos horários de trabalho, pois mesmo que o entregador trabalhe e fique disponível a plataformas durante 8 horas diárias, muitas vezes estas horas estão espaçadas por longos períodos em que não há demanda. Por exemplo, um entregador que trabalha das 12h às 15h, durante o horário de almoço com maior demanda e das 18h às 23h, seguindo a mesma lógica de maior número de pedidos. Às vezes, as 3 horas entre os períodos de maior atividade não necessariamente são destinadas ao descanso. Entende-se que esta extensão da atividade, podendo ser chamada de invasão, se sobrepõe aos tempos dedicados ao descanso e a outras atividades, até alcançar situações-limite e que, praticamente, consomem todo o dia e todos os dias da semana (CUT, 2021). Ademais, a dinâmica de trabalho prescrita à atividade resulta, segundo a pesquisa, em certa tensão constante do tempo de entrega. Este tempo é determinado algoritmicamente através da avaliação, metas, até mesmo através da sugestão de um tempo máximo para entrega que algumas plataformas propõem.
É importante salientar que a relação prolongada do indivíduo com o trabalho e seu envolvimento revela processos de tensionamento fisiológicos e psicológicos que podem estar vinculados ao processo de desgaste da saúde do trabalhador (Laurell & Noriega, 1989). Neste caso, o desgaste não fica tão visivelmente compreendido, porque depende das características e mobilizações subjetivas dos indivíduos aliadas ao prolongamento da exposição às cargas fisiológicas e psicológicas. Como por exemplo a tensão e a apreensão que são acometidos entregadores pela possibilidade de serem lesados fisicamente por um acidente, pelo risco de perda do trabalho, pelo medo e risco de assaltos, violência ou assédio.
As condições precárias dos lugares de uso para pausa e descanso (calçadas, praças, postos de gasolina e shoppings) também se enquadram como cargas do âmbito fisiológico e psíquico que prejudicam a viabilidade do desenvolvimento das capacidades biopsíquicas dos indivíduos. Muitas vezes, eles não encontram água, nem banheiros, ou tomadas para recarga da bateria de energia do celular.
Especificamente sobre a saúde mental destes trabalhadores relaciona-se ao medo de bloqueios, pois as plataformas utilizam das regras de avaliação e punições de restrição ao trabalho nas plataformas que confere certa pressão sobre qualidade do trabalho e cumprimento das regras prescritas pelas plataformas. A intenção do trabalhador sempre será de não ser atingido por bloqueios para não prejudicá-lo financeiramente e emocionalmente.
Os relatos dos trabalhadores demonstram também que no momento da entrega do produto, os entregadores podem passar por situações preconceituosas, discriminatórias e humilhantes, tanto de usuários do serviço quanto por outros indivíduos envolvidos no processo, como os porteiros, seguranças, etc.
Consideramos que todas as cargas descritas se relacionam ao processo de desgaste vivenciado pelos entregadores.
Motoristas
No caso do serviço ofertado pelas plataformas do setor de transporte de passageiros, o valor das viagens corresponde a um preço baseado no tempo e na distância, a um custo fixo variável dependendo da região e um valor dinâmico que é determinado pela oferta e demanda. Quando finalizada uma viagem, uma parcela é destinada à empresa de plataforma e o restante ao motorista. Assim como é feito com as entregas de mercadorias. Embora o valor de uma viagem, mesmo com os aspectos já citados, seja determinado pela plataforma e não pelo motorista, tais empresas se abstém da possibilidade de haver um vínculo empregatício na relação entre o motorista e a empresa. A empresa Uber defende que “não emprega nenhum motorista e não é dona de nenhum carro” (Uber, 2020), pois oferece “uma plataforma tecnológica para que motoristas parceiros aumentem seus rendimentos e para que usuários encontrem uma opção de mobilidade” (Uber, 2020).
O processo de trabalho dos motoristas indica cargas de trabalho muito parecidas com os bikeboys e motofretistas, principalmente na relação com as plataformas, as características da gestão e autogerenciamento do trabalho. Contudo, as características da atividade se modifica dependendo do meio de transporte, motoristas possuem uma exposição menor ao sol, frio e chuvas porque se protegem em seus carros. Mas possuem os mesmos problemas para paradas para descanso, acesso a banheiros públicos, alimentação, etc. O que se repete também é a extensão da jornada de trabalho, que chegam até 16 horas por dia ou mais.
Os trabalhadores motoristas por aplicativos no Brasil submetem-se a longas, exaustivas e inseguras jornadas de trabalho. Muitas vezes esta atividade de trabalho possibilita a obtenção única ou complementar de fonte de renda, acessar bens de consumo e cumprir com questões básicas para a reprodução da vida. Desta forma acabam ficando expostos a acidentes e ao adoecimento (Fairwork, 2022).
O Relatório do Projeto Fairwork divulgou o seguinte relato de um motorista por aplicativo:
Pedro tem ensino médio completo, se declara pardo, tem uma filha e mora em Porto Alegre (RS). O trabalho como motorista por meio da plataforma é a sua principal fonte de renda: “é uma coisa que eu preciso pra sobreviver”, conta. As jornadas intensas de trabalho de 8 a 12 horas contínuas por dia não são prazerosas, mas necessárias. Ele diz que a atividade muitas vezes não permite pausas para ir ao banheiro, nem conversar com colegas. “Tenho metas se eu não trabalhar eu não recebo. A Uber cria um vínculo querendo ou não”. Pedro reconhece que não é o próprio patrão e compreende que os algoritmos são uma forma de controle da plataforma sobre o trabalho. “O próprio sistema te manipula”. Cita como exemplos os bloqueios feitos pela plataforma ou a não autorização a participar de promoções que a plataforma organiza. “A Uber se comporta como se o carro fosse dela, mas é meu”. Não é possível cancelar uma corrida por escolha, mesmo com os motivos, de falta de segurança na região, passageiros sem máscaras, crianças sem cadeirinhas de viagens (Fairwork, 2022, p. 20).
Várias camadas do processo de trabalho de inúmeros motoristas destacam-se neste relato. Primeiro, o excesso de horas trabalhadas pela necessidade de alcançar metas pré-estabelecidas, mas que também são calculadas de acordo com as necessidades. Essas necessidades podem ter relação com possíveis dívidas, uma renda ideal a ser alcançada, também a necessidade de arcar com os altos custos do próprio trabalho como carro, combustível, manutenção e etc.
Outra afirmação importante é que, no caso dos motoristas, eles possuem pouca interação com colegas, pois não possuem ponto de encontro e também o encontro um com os outros não faz parte da atividade (entregadores tem locais de espera para retirada de pedidos em restaurantes e cozinha de delivery que acabam compartilhando da rotina com outros trabalhadores). Embora haja a interação com passageiros, o trabalho como motorista pode ser solitário. Aliás, há o fato de que os usuários das plataformas de transporte possuem autonomia nas avaliações sobre os motoristas, as quais podem acabar gerando banimentos se não estiverem no nível de qualidade exigido pela plataforma. Isso faz com que os motoristas estejam sempre em estado de atenção para atender as demandas da plataforma, além da atenção necessária no trânsito.
As plataformas também não têm controle sobre o comportamento dos passageiros; por mais que demonstrem “educar” seus usuários, é de responsabilidade dos motoristas alertar ao uso de máscaras (quando obrigatório) e até a necessidade de cadeirinha de viagem para crianças e o uso do cinto de segurança. O atrito ou conflito com passageiros também pode acarretar em bloqueios e penalidades, impedindo a atividade de trabalho de motoristas. Isso pode ser muito preocupante se a única fonte de renda possível ao trabalhador é a plataforma. Muitas vezes não há comunicação, nem direitos ou garantias com as plataformas (Fairwork, 2022).
Conclusiones:
A Câmara de vereadores da cidade de São Paulo divulgou no início de dezembro de 2022 um relatório com dados, questionamentos e recomendações referentes à atuação das plataformas digitais de transporte de passageiros e delivery na cidade, além de destacar as condições de saúde e segurança que os trabalhadores vêm enfrentando. Segundo a investigação da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que deu origem ao relatório, a iFood afirma que 49% dos entregadores trabalham mais de 10 horas por dia. Além disso, destaca-se o relato da Companhia de Engenharia de Tráfego (CET), cuja o dado diz que ao menos 28% dos motociclistas que morreram em 2021 envolvidos em acidentes de trânsito atuavam como motofretistas. Muito relevante também se mostrou o dado do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, que diz que 70% das pessoas em estado grave que entraram ou estiveram internadas no Instituto de Ortopedia e Traumatologia do Hospital das Clínicas nos últimos anos são vítimas de acidentes de moto (São Paulo, 2022).
O que se percebe é um mesmo Estado atingido pelos prejuízos dos casos de acidente e de sua ausência, e evidentemente, contraditoriamente, responsável. A atuação das instituições públicas é essencial para a promoção de melhores condições de trabalho por plataformas. É preciso implementar e ampliar legislações de trânsito que diminuam casos de acidentes, controlar as atuações das plataformas, voltar-se à segurança e às condições de trabalho, e atender as demais garantias que escorrem entre os dedos daqueles que de fato necessitam.
Ainda assim, são inúmeros os relatos e evidências de resistência da classe trabalhadora. A exemplo, há o projeto e manifesto também coordenado pela CUT e pelo Observatório Social com apoio da OIT: A gente não se entrega. Esta iniciativa tem como objetivo ampliar o debate sobre as pautas da classe, dar voz às lutas por direitos e fortalecer a organização dos trabalhadores. A própria pesquisa apresentada neste artigo é divulgada e constitui uma ferramenta de contestação às empresas e ao Estado (CUT, 2021). Além disso, outros modelos de trabalho no campo crescente das plataformas digitais possuem meios alternativos como o cooperativismo de plataforma, cuja a proposta se baseia na autogestão, na horizontalidade e na copropriedade entre trabalhadores (Grohmann, 2018; Scholz, 2016).
Por fim, a partir dos aspectos levantados, entendemos que as atividades exercidas por entregadores e motoristas apresentam aspectos de insegurança, não somente em relação ao controle do trabalho, mas também porque estão expostos à violência urbana, aos acidentes de trânsito, e às doenças de longa exposição e infectocontagiosas. Além disso, os trabalhadores estão sujeitos a danos fisiológicos e psíquicos que não se materializam no corpo, mas afetam diretamente os “modos de andar a vida” (Laurell & Noriega, 1989). As cargas psíquicas e as cargas de trabalho de modo geral apresentam relação com os crescentes números de transtornos mentais relacionados ao trabalho. É urgente, portanto, problematizar a relação entre o modelo de gestão e organização do trabalho de entregadores e motoristas de modo a contribuir com a discussão sobre o processo saúde-doença e as condições de trabalho no contexto do trabalho mediado por plataformas.
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Palabras clave:
Condições de trabalho; Entregadores; Motoristas de aplicativo; Plataformas digitais; Saúde do trabalhador.
Resumen de la Ponencia:
La pandemia por COVID-19 asestó un golpe sin precedentes a la economía mundial y a los mercados laborales. La mayoría de los países paralizaron, en distinta medida, las actividades económicas y establecieron una restricción de la movilidad de las personas. En este contexto, diferentes organismos internacionales comenzaron la tarea de monitoreo de políticas públicas implementadas en los países. En el presente trabajo se toma como fuente principal informes y documentos elaborados por la Organización Internacional del Trabajo (OIT) durante 2020, a fin de analizar las programáticas políticas en torno a las condiciones de trabajo, seguridad social, apoyo y estímulo al empleo, y los ingresos en países de América Latina y G-20 en el primer año de pandemia. La OIT promovió la adopción de medidas basadas en tres pilares: proteger a los/as trabajadores/as en el lugar de trabajo, estimular la economía y el empleo, y sostener los puestos de trabajo y los ingresos. Estas propuestas se orientaron fundamentalmente a trabajadores/as asalariados/as formales e informales. Por su parte, el sitio web de este Organismo brinda información sobre cuáles fueron las medidas adoptadas por los diferentes países. Son destacables aquellas vinculadas a indemnizaciones por despidos y seguros de desempleo, a los cambios en la protección de la salud de los/as trabajadores/as, condiciones de higiene y seguridad en el espacio de trabajo, y la implementación del teletrabajo. Si bien la OIT no desarrolló particularmente orientaciones en torno al trabajo autónomo e informal, dentro de las medidas relevadas, se observan políticas cuya población objetivo fue esta parte sustanciosa de la población trabajadora. En este trabajo se presentan, por un lado, los principales hallazgos para los países de América Latina y por otro, los del resto de los países del G-20. Con esta ponencia se busca realizar una síntesis donde se tipifiquen, en términos generales, diferentes tendencias respecto a las medidas adoptadas en los países analizados y en particular, se ponderan las medidas adoptadas en Argentina. En síntesis, se identifica una tendencia general a tomar medidas tendientes a garantizar la supervivencia de la población y aminorar el impacto económico de la crisis, con particularidades. Cada país y región lo hizo a partir de las condiciones socioeconómicas preexistentes y las capacidades propias de los Estados, en donde incluyeron, además, las negociaciones y disputas entre las organizaciones del trabajo y el capital. En términos esquemáticos, es posible distinguir entre países en los que las políticas se centraron en la protección del empleo y las personas, frente a otros en los que se modificaron sustancialmente las legislaciones laborales, tendiendo a una flexibilización para garantizar los niveles de empleo, a favor de las empresas. En el medio de estos dos polos, hay situaciones intermedias que combinan ambos tipos de medidas.Resumen de la Ponencia:
O objetivo deste artigo é analisar a transição do trabalho escravo para o trabalho livre assalariado no Brasil. Para isso, é preciso problematizar e analisar as determinações do complexo colonial brasileiro, com sua dinâmica interna de reprodução circunscrita às determinações do mercado mundial. A investigação é de cunho teórico-bibliográfico e documental, uma perspectiva que busca considerar a relação intrínseca entre o exame teórico, documental e a formação sócio histórica. Nas análises da formação socioeconômica brasileira destacamos o período que vai da extinção do tráfico internacional de escravos (1850) à abolição da escravatura (1888).
Obs: o texto original sofreu ajustes para adequar-se ao número de palavras da plataforma.
Introducción:
O desenvolvimento do mercado de trabalho assalariado no Brasil remonta historicamente aos complexos de determinações que conformam os ordenamentos da sociedade capitalista brasileira e das suas relações de produção. Perquirir as vicissitudes que se manifestam no modo de operacionalização do capital, seja em sua escala nacional ou internacional, são passos necessários para compreender como se fundamentam as relações de produção nessa formação sócio-histórica.
Buscaremos, portanto, analisar os elementos decisivos que contribuíram para a conformação do trabalho assalariado no Brasil, circunscrito na sua própria particularidade histórica, que estruturam características próprias determinantes ao mercado de trabalho e à forma de trabalho. Entre os elementos significativos configuram-se aí a acumulação originária de capital, o mercado mundial, as formas de organização do trabalho, as expressões das lutas travadas entre as classes existentes, o processo imigratório e o tráfico negreiro. São nesses elementos – que não são os únicos que concorreram para o modo de conformação do trabalho na realidade brasileira – que propomos alicerçar nosso esforço expositivo.
Desarrollo:
Nas pesquisas acerca da formação do mercado de trabalho livre no Brasil é inconteste a referência ao processo imigratório como política de Estado que deu o corpo vívido da resolução à transformação de uma sociabilidade escravista a uma sociabilidade burguesa. É notável a influência e peso que a política imigratória teve como rumo a novas formas de relação de produção internas. Neste sentido, observa Maffei (1979, p. 93) que, “desde o descobrimento, entraram imigrantes no Brasil”. É evidente que essa primeira imigração destoa em muito do sentido adotado a partir do século XIX no país, mas essa afirmação de Maffei não deixa de ser significativa. Isso porque o processo de colonização do século XVI é o ponto de referência dos futuros desdobramentos das formas que iriam adquirir o trabalho no Brasil e, sobretudo, é no ano de 1500 que se inicia a luta de classes no país. (REIS, 1981, p. 13)
Marx, ao analisar o desenvolvimento do modo de produção capitalista salientou que “embora os primórdios da produção capitalista já se nos apresentem esporadicamente, nos séculos XIV e XV, [...], a era capitalista só tem início no século XVI” (MARX, 2017, p. 787). O motivo de tal afirmação é que o século XVI constitui o mercado mundial, que lançam as bases de existência para a expansão do capital. São precisamente “as formas antediluvianas do capital” (MARX, 2017a, p. 653) que inferem a existência do complexo colonial e conformam a futura divisão internacional do trabalho. Consequentemente, as formas que são dotadas a ordenação do trabalho nas colônias são explicadas a partir do modo de existência do capital, pois é ele que coloca as determinações que exercem influência sobre as relações de produção que daí são organizadas.
Do que denota tal inferência do capital sobre as maneiras específicas de organização do trabalho, sobretudo o capital comercial que alçava seus passos decisivos para tornar-se a forma dominante do capital, o comprovam os apontamentos de Genovese (1989), que colocou em primeiro plano a interferência do capital comercial para o processo de escravização na África. Para o marxista estadunidense, o desenvolvimento da mineração de ouro e metais na África Ocidental, durante o século XIV, provocou olhares lusitanos para o continente que culminaram numa investida exploratória, ao mesmo tempo em que se apropriava da forma de desenvolvimento do processo de trabalho dos países africanos. Essa primeira dominação territorial foi o impulso necessário para o capital comercial auferir volumosas fontes de matéria-prima e força de trabalho. Ademais, foi o ensejo favorável do papel que, conjuntamente ao capital usurário, iria ganhar o capital comercial no auxílio para as corridas ultramarinas.
É colocado sob essa perspectiva que, com a dominação colonial das Américas no século XVI, o globo terrestre vira o palco de interesses para o capital, formando o mercado mundial e estabelecendo os alicerces da história moderna. A vinda luso-ibérica para as Américas, isto é, os primeiros imigrantes a pisarem na costa, tiveram logo que apropriar-se do trabalho que aqui estava ordenado em seus propósitos. Seguramente, o papel do capital comercial e seu movimento antes do desenvolvimento e ocorrência da Revolução Industrial sobreleva-se em mediar os campos em que ele se insere. Por isso que “depois da conquista de um país, o passo seguinte para os conquistadores foi sempre o de se apropriar também dos homens” (MARX, 2017a, p. 851). Pois, à mesma maneira que se sucedeu na África, os passos de dominação colonial não tiveram grandes alterações. Primava-se por um enquadramento das formas de organização do trabalho já existentes, buscando nelas a inserção do capital comercial enquanto esbulho colonial.
Em suma, é sobre a base do trabalho escravo que o capital se desenvolve a âmbito mundial e, posteriormente, na forma de capital industrial para as futuras potências colonizadoras que não luso-ibérica. É por isso que Sergio Bágu (2021, p. 80), ao analisar o nascimento da escravidão moderna nas Américas, sob a perspectiva do capital em âmbito mundial, lhe cunhe como uma instituição capitalista. Os primeiros imigrantes, como bem notou Maffei, nessa perspectiva, trouxeram para o Novo Mundo não o trabalho assalariado, mas o trabalho escravizado, de que criou as futuras bases para o trabalho assalariado europeu.
Ainda que o café e os produtos agrícolas dos complexos coloniais – tirando o caso da mineração de pedras e metais preciosos – não servissem diretamente ao consumo produtivo europeu que entraria para o desenvolvimento do capital industrial, é singular o apontamento de Blackburn (2003) de que esses produtos agrícolas coloniais correspondiam a um certo autocontrole cotidiano que necessitava a sociabilidade capitalista. O abandono da sesta foi comportamento prático exigido pelo capital industrial que precisava apropriar-se cada vez mais do tempo livre para sua valorização. Foi aí que foram encontrados no tabaco, chá, café e cacau estimulantes que “não confundia nem amortecia os sentidos” (BLACKBURN, 2003, p. 34). O café em especial, “era a bebida por excelência da racionalidade burguesa” (BLACKBURN, 2003, p. 327), pois era a bebida daqueles que “se preocupavam com cálculos” (BLACKBURN, 2003, p. 326), atributo imperioso para a racionalidade formal da contabilidade dos lucros e investimentos.
Conforme desenvolvia-se o capital industrial desenvolvia-se, igualmente e a todo vapor, a produção de mercadorias em grande escala que precisava ser absorvida. Embora o Brasil importasse as mercadorias provenientes do capital industrial, sob a égide do trabalho escravizado tem-se um mercado interno reduzido, ainda mais quando grande parcela dos meios de subsistência eram produzidos e consumidos internamente. O modo de produção capitalista, ao inaugurar o sistema de trabalho assalariado, coloca pela primeira vez a forma de subsistência e reprodução de toda sociedade no mercado, pois este absorve a totalidade da produção social, que precisa ser adquirida por meio de trocas entre indivíduos privados. O aumento da produção colocava a imperiosidade simultânea de expansão do mercado. Foi neste sentido que a Inglaterra exerceu forte pressão mundial para a abolição do tráfico negreiro, considerando-a prática ilegal. Tal pressão tinha intuitos nitidamente comerciais quando se considera o monopólio do tráfico negreiro legado dos lusitanos pelos ingleses a partir do século XVIII, como também a constante prática de contrabando comercial realizada pela Inglaterra durante a época do exclusivismo metropolitano.
A Inglaterra tinha interesse na promoção de um mercado interno que pudesse absorver suas mercadorias. Não é por acaso que da proibição da lei regencial de 1831 o tráfico negreiro só viria a ser abolido de fato em 1850 no Brasil. Dos 19 anos decorridos mais de 500.000 africanos adentraram o Brasil, a preços cada vez mais elevados. Essa corrida em busca de braços para a lavoura certamente estimulou o comércio escravagista que tinha por base certos comerciantes ingleses. O caso só começa a tomar seriedade às vésperas de 1850, próximo mesmo da crise inglesa de 1847, que estourou as casas emissoras de letras de câmbio, e da Primavera dos Povos que impediu um escoamento de mercadorias no continente europeu pela Inglaterra e provocou grande entesouramento. Buscar pressionar o ordenamento interno dos países que praticavam o tráfico negreiro como forma de viabilizar uma maior expansão do capital inglês foi a saída lucrativa que o capital industrial sobrepôs ao capital comercial no mercado mundial. Se as crises acimas descritas remontam anteriores à lei Bill Aberdeen, é somente porque a crise foi o fator prático que impulsionou a pressão política a outro nível para a extinção do tráfico negreiro por parte da Inglaterra.
Com o tráfico negreiro extinto cortou-se o principal fornecedor de força de trabalho para o Brasil. Entretanto, a supressão do tráfico internacional de escravos não foi suficiente para inflexionar a economia brasileira a uma economia capitalista de trabalho assalariado, a abolição da escravidão ainda tardaria a ocorrer. Genovese (1989, p. 292, tradução nossa) assinala que, embora a escravidão represente um sistema ineficiente, é inconteste que ela pode apresentar grandes margens de lucro, e existem três condições inegáveis para isso: “terra fresca, um suprimento constante de mão de obra barata, e um alto nível de demanda no mercado mundial”. Ora, com o tráfico negreiro suprimido como pôde, então, a escravidão ter dado continuidade na sociedade brasileira? As terras férteis e frescas, bem como a alta demanda no mercado mundial continuavam a existir. A questão é que após a supressão do tráfico negreiro iniciou-se no Brasil, até o momento da abolição final da escravatura, o tráfico interprovincial. Este deu prosseguimento ao regime escravocrata e, por conseguinte, alimentava as disparidades econômicas regionais. O motivo dessa desigualdade foram os altos preços colocados nos escravos pela sua alta demanda, fazendo com que apenas o setor mais dinâmico da época conseguisse absorver a força de trabalho existente em território nacional, isto é, a cafeicultura. A supressão do tráfico negreiro minou a entrada de novos contingentes escravos para a economia brasileira. O máximo que o seu substituto, o tráfico interprovincial, conseguia fazer era reordenar essa população escrava territorialmente. A consequência, inevitavelmente, seria a alta do preço no mercado de escravizados dando vantagem para a esfera econômica regional que mais auferia lucro com a produção e exportação.
Daí sobrevêm o avanço da cafeicultura na segunda metade do século XIX em diante, em contraste com as outras áreas econômicas que iniciam sua decadência. Se o café irrompia pujantemente no mercado mundial, a mineração tinha esgotado sua fase de auge no século anterior e o açúcar não conseguia concorrer com a produção nas colônias antilhanas. Resultou-se deste cenário uma concentração avultosa do contingente escravo existente dentro das regiões cafeeiras.
O movimento abolicionista atuou na sociedade brasileira a partir da década de 1870 para dar sentido às reestruturações, mesmo que elas ocorreram a despeito dele. Frente ao fato da diminuição da população escravizada, internamente recorreu-se a formas de desenvolvimento que pudessem conciliar-se com este obstáculo. Não é à toa que dentre os anos 1869 a 1884 a malha ferroviária das regiões cafeeiras expande-se em 3.380km. Tinha-se por objetivo viabilizar uma maior rotação de capital para o setor cafeeiro para suprir a constante diminuição da força de trabalho escravizada. Essa saída encontrada não contava com o seu revés: apesar do desenvolvimento das forças produtivas conseguir expulsar a necessidade de um investimento maior em força de trabalho – aqui manifesta no escravizado – ele coloca, também, a necessidade de um aumento absoluto desse corpo trabalhador para materializar um trabalho vivo que impulsione o trabalho morto.
Infere-se uma situação ainda mais particular quando considerado que esse desenvolvimento das forças produtivas focalizou-se quase restritamente na expansão ferroviária, pois a produção agrícola na base escravagista fomentava à nível da produção aquele “trabalho manual mais rudimentar”. Ademais, este desenvolvimento ferroviário tem seu impacto mais diretamente sobre a rotação do que os processos de produção em si. Mesmo considerada a sazonalidade do produto cafeeiro, a diminuição no tempo de rotação influía, sobretudo, no tempo de curso. Como o tempo de produção tem aqui limites naturais determinados, até certo ponto, pelo próprio produto, depreende-se, contudo, a vantagem da agricultura extensiva posta na expressão dos latifúndios. São esses elementos que provocam o adensamento para o Oeste paulista. Além do exaurimento do solo das antigas terras cafeicultoras que incentivaram a busca por novas terras, considerada a produção cafeeira em âmbito geral, a expansão colocada na agricultura extensiva funcionava como maneira de preencher as lacunas do tempo de produção – em vista de uma diminuição do tempo de curso que a introdução ferroviária legou – através do estoque. Mais tarde, esse aumento de produção deflagraria a primeira crise de superprodução cafeeira, em 1882.
São sob essas condições, e o preço de mercado vantajoso que o café contava nos circuitos mundiais de intercâmbio, que a produção cafeeira tornou-se uma produção lucrativa. O aumento de produtividade ainda enfrentava o dilema da crescente escassez do trabalho escravizado, que com a crescente produtividade que demandava cada vez mais braços para a produção extensiva pululava como escassez ainda mais fortemente. O vicissitude que ocasionou este aumento produtivo exigia respostas imediatas para a reprodução ininterrupta do ciclo cafeeiro. Ao tempo, crescia-se o efervescer político internamente em torno da questão abolicionista, que viria a aprofundar-se na década de 1880, e que à medida que crescia só aumentava o preço da força de trabalho escravizada. A solução para tal impasse pode ser visto na resolução final saída do Congresso Agrícola de 1878, que imputou na imigração a panaceia para todos os conflitos.
A saída era a imigração. A resolução do Congresso Agrícola de 1878 apoiou-se no trabalhador chinês, que trabalharia a salários baixos e que facilmente se disciplinaria as relações de produção já postas. Entretanto, a imigração chinesa não conseguiu acalentar os desejos senhoriais: o governo chinês e inglês impuseram fortes restrições ao tráfico de coolies – com exceção da própria Inglaterra para suas colônias – devido ao tratamento dado aos trabalhadores em Cuba e Peru. (LAMOUNIER, 1986, p. 133). As circunstâncias fizeram a faustosa classe senhorial voltar ao interesse do trabalho escravizado da mesma maneira que haviam depositados seus desejos à imigração chinesa. A escolha optada pelos fazendeiros não poderia ignorar a materialidade que os circuncidava expressa no decréscimo de escravizados simultaneamente com o aumento produtivo e o crescente movimento abolicionista.
Entretanto, numa sociedade ordenada sob o trabalho escravizado, a abolição não conseguiria trazer as determinações fundamentais para fundamentar um sistema apoiado no trabalho assalariado. A dificuldade da abolição constituía-se de duas ordens: transformar o futuro liberto em trabalhador assalariado e, se isso ocorresse, a necessidade de um mercado interno que oferecesse condições da reprodução da força de trabalho estruturada na forma-salário. Da primeira está colocada o óbice de transformar um ex-escravizado em trabalhador assalariado numa sociedade que a vilipendiava; da segunda, a impossibilidade de suprir a reprodução de uma potencial futura força de trabalho assalariada através do mercado, tendo em vista que grande parte da reprodução da força de trabalho escravizada estava dada dentro da esfera da fazenda que fugia de qualquer relação comercial, ainda que essa reprodução fosse dada para o sentido comercial que essa força de trabalho adquiria. As dificuldades residem, simplesmente, no fato de que faltam as condições objetivas para se operacionalizar uma transição ao modo de produção capitalista. Além disso, como a produção cafeeira, a despeito destes problemas, ainda conseguia auferir grandiosos lucros, o trabalho escravizado ainda mostrava-se rentável para ela.
Conclusiones:
Durante o Congresso Agrícola de 1878 tornava-se evidente que os interesses sobre o trabalho escravizado estavam minados, ainda que nele os fazendeiros insistiam durante longo período após a realização do evento. Foi neste sentido que, de um ano decorrido o Congresso Agrícola entra em vigor a lei de locação de serviços de 1879, que estipulava os termos de contrato entre trabalhadores que alugassem seus serviços a outrem. A lei, detidamente analisada por Lamounier (1986), condensava os interesses de senhores preocupados com os obstáculos que sobrevinham aos seus intentos. O debate em torno do parlamento que culminou na lei de locação de serviços matiza as problemáticas presentes para os interesses comerciais, que tem seu início na década de 1860.
Com a entrada do Brasil na Guerra do Paraguai, a escassez de braços era uma preocupação para a lavoura. Surgia, então, na Câmara dos Deputados discussões sobre a necessidade de se regular uma legislação contra a vadiagem, com a finalidade de aproveitamento dos nacionais. Fora isso, as duas leis de locação anteriores existentes, não eram adequadas aos intuitos que se prezavam. A lei de locação de serviços de 1830 apesar de ser firmada entre nacionais e estrangeiros por escrito, permitia sua execução apenas em território nacional, e não estipulava o tempo de contrato, apenas prescrevia a necessidade de seu cumprimento. Já a lei de locação de serviços de 1837, ainda que, igualmente, não estipulasse o tempo de contrato, poderia ter sua execução no território nacional ou fora dele. Ambas as leis estipulavam que se não cumprida o contrato por parte do trabalhador que alugou seus serviços, haveria ordem de prisão, e pagamento com juros em 50% do valor, este último não constando nos termos do contrato. As cláusulas penais das duas leis restringiam-se a questões de caráter individual, sendo os casos resolvidos singularmente por cada trabalhador que infringisse o contrato. Ademais, as leis permitiam transferir o contrato a outro fazendeiro a despeito da permissão ou não do contratado. As leis de locação de serviços precedentes a de 1879 representavam o verdadeiro despotismo do contratante, manifesto no fazendeiro.
As cláusulas penais manifestas nas leis anteriores tornava-se mais anacrônica para os interesses produtivos quando a partir de fins da metade do século XIX começam a estourar as greves de trabalhadores parceiros, de que a penalidade individual tinha dificuldades de se materializar. A falta de clareza das leis de locação de serviços pré-1879 levava a preferência por contratos estabelecidos internamente por regulamento das fazendas, de que se deveu a proliferação de 1850 a 1870 do sistema de parceria, mas à medida que favoreciam os interesses senhoriais recorria-se às leis como forma de disciplinamento, quando mais os termos das cláusulas penais.
A lei de locação de serviços de 1879 aparece em cena para corrigir as lacunas proveniente das leis anteriores e consolidar os interesses senhoriais. Frente a desesperadora urgência de mão de obra não se tratava mais de apenas legislar, mas de enquadrar qualquer corpo humano existente à conscrição ao trabalho. Por isso que a lei de locação de serviços de 1879 versa em seus termos sobre o nacional, estrangeiro e liberto. Contava-se, agora, com prazo de contrato bem estipulados: para o nacional o máximo era de seis anos, para o estrangeiro cinco anos, e para o liberto oito anos. Todos esses contratos poderiam ser renovados. Ora, os termos dos prazos estipulados contavam com larga experiência passada, do que o comprova o tempo de amortização do preço de compra do escravo que, em 1884, era para as regiões cafeicultoras fluminenses de 6 a 7 anos, e para os cafezais paulistas de 2 a 4 anos]. As experiências de amortização do preço de compra do escravo certamente serviram de embasamento para estipular os prazos dos contratos. No que se refere aos libertos, os oito anos estipulados eram o mesmo estabelecido na Lei do Ventre Livre. Na lei de 1879 as transferências de contrato não poderiam ocorrer sem o consentimento do contratado, salvo se o imóvel fosse vendido. Impedia, também, cobrança de juros sobre as dívidas contraídas pelo contratado e reduzia as dívidas de transporte para a deslocação em menos de 50%, não podendo ultrapassar essa cifra. As cláusulas penais continuavam, mas acrescidas: a prisão além de constar nos termos da lei poderia ser outorgada de maneira coletiva, livrando os fazendeiros dos embaraços da greve, e abria margens para arrastar até mesmo aqueles que denunciassem práticas abusivas[33].
A lei de locação de 1879 não foge do despotismo de suas antecessoras, ela coloca os termos necessários de enquadramento do contratado para fomentar um disciplinamento ao trabalho. Não foi sem motivo que em suas formulações eram constantes os debates em torno da abolição final vinculada com a vadiagem. A lei conseguiria materializar em forma a superação do problema do ex-escravo pós-abolição. Entretanto, ela estava longe de ser uma lei com caráter imigratório, como bem denota Lamounier (1989, p. 122) e comprovam as denúncias da Sociedade Central de Imigração em seus boletins[34]. Segundo esta última, tratava-se mesmo de uma “nova escravatura; a escravatura branca”[35]. Os contratados eram constantemente assaltados por dívidas, ainda que não se pudesse mais cobrar juros em cima delas[36]. Insatisfeitos com o trabalho comandado por dívidas, em 1884, debatia-se na Câmara dos Deputados o incremento de nova cláusula à lei que fazia com que o contratado pagasse 2/3 do valor da passagem com 6% de juros ao ano, podendo ser aumentada em 12% no caso de não cumprimento de contrato, ao passo que na lei original de 1879 este pagava apenas a metade do valor[37]. Da sagacidade por trás de seus intentos está o fato de que os imigrantes que adentravam o Brasil sob a lei de locação de serviços assinavam seu contrato na Europa sem saber exatamente seus termos, sendo surpreendidos em terras tropicais quando lhes eram decretados ordem de prisão[38].
A imigração ainda não irrompia como solução final até o ano de 1885, quando a província paulista passa a subsidiar a imigração europeia para as lavouras cafeeiras. A medida foi tomada às vésperas da abolição final não por acaso. O movimento abolicionista iniciava sua fase mais radical, expurgando das lavouras o contingente escravo através de fugas e insurreições. Com a cafeicultura ainda estando no posto de setor produtivo mais importante à época, localizado sobretudo no oeste paulista, a subvenção estatal foi medida lucrativa e que entregava os braços necessários para a produção. A subvenção tirava de campo o entrave de investimento em imigração, impondo uma oferta de força de trabalho sem contrapartida por parte dos fazendeiros. As ferrovias instaladas anteriormente foram grandes auxiliares para a entrega dessa força de trabalho exógena. Tratava-se, agora, do que acertadamente cunhou Moura (2019, p. 123) de “segundo tráfico”. O problema colocado com o fim do tráfico negreiro, que jorrava uma constante força de trabalho, fora suprido pelo imigrante subvencionado para a economia cafeeira, o objetivo mesmo era “fazer do immigrante indefezo uma simples mercadoria lucrativa para emprehendedores sem escrupulos”.
Apesar disso, a lei de locação de serviços tornou-se letra morta (LAMOUNIER, 1986, p. 154). Os fazendeiros preferiam celebrar contratos internos, à mesma maneira das leis anteriores e utilizarem a lei de locação de serviços apenas para intuitos disciplinares, que se traduziam na ameaça e execução de aprisionamento. Os contratos internos tinham intuitos tão draconianos quanto a lei de locação de serviços de 1879 (COSTA, 2010, p. 263-267). Já as condições de pagamento não diferiam tanto do colocado para o sistema escravo. Se, em 1875, na fazenda modelo de Nova Lousã, que primeiro implementou o sistema assalariado para a agricultura, e onde o salário dos imigrantes portugueses era considerado “elevado para a maioria dos fazendeiros” (COSTA, 2010, p. 150), a cifra mensal atingia 18$000 a partir do segundo ano, fora alimentação, cuidados, casa e roupas. Em 1883, Laerne avaliava somente a alimentação do escravo – abstraído das roupas, cuidados médicos, manutenção da habitação e etc. – em 18$000 mensais (COSTA, 2010, p. 292). No mesmo ano considerado os dados de Nova Lousã e as avalições de Laerne, isto é, de 1875 a 1883, o preço da saca do café diminuiu em 70% no mercado mundial[40]. Denota-se, entretanto, a afirmação de Saes (1985, p. 160-161) quando aponta que o imigrante alocado no eito tinha intuitos suplementares e não substitutivos do trabalho escravo. Mesmo que a partir de 1885 inicia-se a política imigratória, a produção cafeeira ainda se estabelece sob as diretrizes do trabalho escravizado. Somente dois meses antes da abolição final da escravatura a cafeicultura paulista estava liberta dos escravos, mas não mediante libertação e sim fugas incentivadas pelo movimento abolicionista[41].
O abolicionismo tomado por alguns cafeicultores de última hora representa mais uma consciência prática do que um espírito consciente. O ato formal final da abolição só veio confirmar um fato já dado na sociedade brasileira. Ademais, os figurantes do capital interno conseguiram passar sem problemas à questão da abolição da escravatura, estabelecendo os requisitos formais necessários: a questão da possessão de terras já estivera postulado desde 1850 com a Lei de Terras, que impossibilitava uma apropriação do solo sem pagamento, requisito este primário para criar barragens ao recém-imigrado; os trabalhadores em geral estiveram enquadrados no disciplinamento da lei de locação de serviços de 1879; se até o ano de 1895 a província paulista subsidiou a imigração, daí em diante seria o Estado brasileiro que assumiria tal posto[42]; fora isso, ao mesmo tempo que se elaboravam os termos da abolição da escravatura a princesa Isabel arregimentava os termos que resultariam na Lei da Vadiagem de 1890, solvendo a velha problemática de libertação dos ex-escravos. Criou-se, portanto, o cenário ideal para submissão forçada ao trabalho mesmo após sua extinção.
Sob o regime republicano fluía a autocracia cafeeira, enquadrando toda e qualquer manifestação que pudesse ferir suas ânsias lucrativas. Mas todo esse impulso inflexível só está envolto no caráter histórico-processual que esse capital adquire na divisão internacional do trabalho. As leis de locação de serviços, a Lei de Terras, a imigração subvencionada, a Lei da Vadiagem e a Lei Adolfo Gordo, todas elas escondem por trás de si a necessidade de submeter forçosamente as relações de trabalho sob uma forma particular que é dotado este capital no mercado mundial. Daí advém o disciplinamento ao trabalho como medida compulsória. Este traço está subscrito desde o movimento da abolição à imigração, será ele o catalisador de ordenamento interno às exigências postas pela universalidade do capital em âmbito global. De acordo com Ribeiro (2007, p. 99): “a disciplina do trabalho, em regime escravo ou servil, mais que a aculturação ou a conversão religiosa, é que amalgamaria e integraria esses povos na sociedade nascente, como seu proletariado”.
É evidente que o assalariamento já imputa a obrigatoriedade ao trabalho para os despossuídos de capital, mas na nascente realidade brasileira do trabalho assalariado a compulsão desmedida ao trabalho apresenta a matriz despótica. Esta rearranja o quadro e reestrutura as formas de relação de produção aos ditames e ordenamentos exigidos do circuito comercial mundial, transformando o trabalho numa máquina de “gastar gente” (RIBEIRO, 1995). O disciplinamento e o enquadramento são medidas políticas para configurar as determinações econômicas presentes na lógica capitalista desde sua gênese à contemporaneidade.
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Palabras clave:
Brasil; trabalho escravo. trabalho assalariado.
Resumen de la Ponencia:
A finales de la década de 1960 y principios de 1970 emergieron claros signos de un cambio en la División Internacional del Trabajo. Se implementaron nuevas formas de organización de la producción basadas en la robotización de la línea de montaje que revolucionaron las condiciones de acumulación de capital. El capital re localizó la producción en espacios nacionales de acuerdo con las cualidades de su clase obrera, buscando abaratar la fuerza de trabajo. Se abrió paso la acumulación de capital asentada en la baratura de la fuerza de trabajo y en el crédito (que permitió la realización de las mercancías y la renovación del ciclo). La expansión del capital ficticio se tradujo en créditos baratos para América Latina, y acto siguiente en una suba espectacular de sus deudas externas y su consecuente imposibilidad de pago. Asimismo, el crecimiento de la producción industrial se tradujo en un aumento de la demanda de materias primas impactando en las economías latinoamericanas con la suba de precios primero y luego con su debacle. En este trabajo nos interesa analizar cómo se comportaron los capitalistas industriales en Argentina y México ante esta nueva configuración mundial. Dado que se trata de países con peculiaridades diferentes, nos preguntamos qué acción encararon frente a los cambios en el mercado mundial. Argentina gozó de la bonanza producto de la suba de los precios de las mercancías agropecuarias y a raíz de su descenso fue arrastrada a una profunda crisis económica y política que culminó con la sangrienta dictadura militar iniciada en 1976 y el viraje de la política económica. México, por su parte, pudo sostener el régimen priista y profundizar la sustitución de importaciones debido al descubrimiento de reservas petroleras en medio del alza de precios, además de contraer ingentes sumas de deuda externa. La particularidad de estos dos capitalismos latinoamericanos hace que los cambios y la crisis hayan impactado de forma diferenciada, y por eso nos parece interesante indagar en cómo actuaron los empresarios industriales, especialmente qué demandas realizaron a sus Estados nacionales.Nos acercaremos al problema a través del examen de la crisis internacional, sus síntomas en México y Argentina, las políticas y las reacciones que despertaron en los capitalistas industriales. Utilizaremos bibliografía especializada, y aplicaremos técnicas de análisis documental a la lectura de fuentes institucionales de las entidades (en caso de estar disponibles), periódicos y revistas de circulación masiva. Nuestro objeto de estudio se delinea a partir de los movimientos internos de la UIA para Argentina y las corporaciones mexicanas CMHN, CEE, COPARMEX, CONCAMIN y CONCANACO.Esperamos poder aportar con nuestro abordaje a la historia política de la clase capitalista en América Latina, en una época de profundas y duraderas transformaciones.Resumen de la Ponencia:
El quehacer artístico generalmente es considerado como una actividad no productiva que se inserta en una dimensión estética/emocional y otra ética/social que, en su conjunto, lo dotan de significados, intereses y expectativas en ámbitos que parecen opuestos a los llamados trabajos estándar, lo cual lo involucra también en los debates del trabajo y el no-trabajo, en sus dimensiones productivas y reproductivas; materiales y simbólicas.El mercado de trabajo se nutre de distintas relaciones donde las personas plantean intereses básicos en común, persiguiéndose el encuentro eficaz y exitoso entre la oferta y la demanda. Sin embargo, los intereses y las relaciones existentes no se pueden limitar a lo más elemental. El mercado laboral representa una serie de relaciones sociales complejas en las que intervienen diversas personas, interacciones, estructuras, subjetividades y potencialidades para la acción, que ocurren en tiempos y espacios específicos. En este contexto, algunos trabajos informales y algunas actividades que, para muchos, no son valoradas como trabajo, implican retos en el análisis y admiten variadas posibilidades metodológicas para proponer una visión ampliada de mercado laboral y del propio trabajo.Por eso, se opta por estudiar la realidad laboral como una construcción social dinámica que se origina a través de la interacción con diferentes agentes, en medio de procesos de objetivación y subjetivación. La ocupación es analizada como una construcción social en la que se generan diversos significados de acuerdo con la situación específica que se experimenta; además, constreñida por estructuras que pueden facultar o dificultar el actuar de las personas. De ahí la importancia de atender las experiencias laborales de actividades sui géneris que, muchas veces, no son consideradas trabajos por la sociedad y, en ocasiones, ni siquiera por las propias personas que las realizan.Enrique De la Garza (2007), la incorporación de los servicios y de los trabajos no clásicos al análisis de las ocupaciones, las regulaciones y los procesos productivos introduce especificidades que complejizan el problema de las relaciones sociales y de control dentro del proceso productivo. Desde el Trabajo no Clásico propone un análisis ampliado sobre: la emergencia de otros actores que tienen injerencia en el proceso productivo, como los clientes, y otros que, indirectamente, intervienen según la situación concreta; el análisis de la producción inmaterial, pues existen trabajos eminentemente de producción de símbolos, como la generación de espectáculos públicos, en la que se origina una compactación entre la producción y el consumo; la producción vista también como parte de la reproducción social. Lo cual se complementa con la visión configuracionista que plantea la importancia de las estructuras, la subjetividad y la acción. Por ende, esta ponencia se proponga plantear cómo este marco teórico metodológico es propicio, además de necesario, para los estudios del quehacer artístico.Resumen de la Ponencia:
La ponencia aborda el tema de la apropiación del discurso de emprendedurismo en el ámbito empresarial a partir de entrevistas realizadas a trabajadores de la compañía Barcel, perteneciente al grupo mexicano Bimbo. Por medio del análisis del discurso, específicamente bajo la línea de la estructuración social del lenguaje desarrollada por Mijaíl Bajtin, se analizan cuatro lenguajes específicos en el discurso empresarial: lenguaje religioso, lenguaje económico productivo, lenguaje de liderazgo y lenguaje humano. Igualmente se discuten las implicaciones que el discurso tiene sobre las dinámicas de la empresa en términos de la subjetividad de los trabajadores.
Introducción:
“Hay que relacionarse con el personal, no son un instrumento de trabajo son personas que van a la empresa a ganarse la vida y dejan ahí su vida”. (Servitje, 2021)
La empresa es un problema sobre la vida, un asunto que involucra percepciones del mundo, universos de sentido y formas de ver la vida. Estas últimas se conjugan en un incesante movimiento que juega entre lo universal y lo situado. Es así, que si bien el neoliberalismo como corriente de pensamiento, ideología y gubernamentalidad se ha establecido como un elemento predominante para explicar la forma empresa en la sociedad (Foucault, 2012), la mirada sobre sus adaptaciones y desarrollos locales cobra relevancia para poder pensar la empresa en una forma más tangible y coherente en sus realidades particulares.
Una faceta que ha tomado un peso significativo en la literatura neoliberal ha sido aquella que se basa en la idea de un individuo emprendedor. Sobre ella se han construido discursos que exaltan el individualismo como el camino prometido hacia el éxito, e incluso se han producido manuales que venden los secretos para lograr el sueño emprendedor. Este idea de realización individual se dirige con mayor impetu a aquel publico que desea romper los vínculos organizacionales de la dependencia laboral, para emprender su propio camino en el mercado y ser dueños de sí mismos. De acuerdo con ello, es interesante ver, precisamente, ¿cómo se apropia un discurso emprendedurista en un contexto organizacional donde existen estos lazos de dependencia?, es decir, ¿cómo se adapta el neoliberalismo a un contexto empresarial tradicional como el de la producción de alimentos?
Algunas problematicas asociadas a la emergencia de estos discursos tienen que ver con la forma en que las altas demandas de productividad son legitimadas por los trabajadores bajo discursos, fachadas y disciplinas que exigen del trabajador satisfacción, compromiso, pasión y arraigo por el trabajo, ello lleva a la discusión de las prácticas de autoexplotación y las condiciones de precariedad derivadas de la alta productividad.
Igualmente, el estudio de la apropiación de estos dicursos ocurre en un contexto con una herencia católica derivada del proceso de colonización, como lo es el caso mexicano. De esta manera, pensar la introducción del neoliberalismo como ideología y gubernamentalidad en este territorio implica enfocar la mirada en los sincretismos, entramados, mixturas y distanciamentos que este puede tener con la racionalidad religiosa como forma de entender los fenómenos empresariales y la subjetivación laboral en las organizaciones. Es por esta razón que esta ponencia se inscribe en el estudio de un especifico caso de apropiación de discursos de emprendedurismo en el sector empresarial tradicional de alimentos, el grupo Bimbo, cuyos fundadores profesan un sistema de creencias religiosas católicas. Teniendo como antesala este contexto, la pregunta central que se plantea es ¿qué forma toman y cómo se apropian los discursos de emprendedurismo en un contexto laboral industrial tradicional? Dicho esto, el objetivo que direcciona el presente documento es analizar el discurso empresarial de la organización Bimbo, a partir de un análisis semiótico, con el fin de aproximarse a la comprensión del emprendedurismo en contextos laborales industriales tradicionales. Para cumplir con este objetivo, se consideran cuatro entrevistas de trabajadores en distintas posiciones de la estructura organizacional de una de las marcas pertenecientes al Grupo Bimbo: CEO, gerente de ventas, supervisora de ventas y vendedor.
Desarrollo:
El Caso Bimbo: Análisis Semiótico del Discurso Empresarial1. La estratificación del lenguaje
1.1. Lenguaje religioso
El problema de cómo y desde dónde abordar la temática aquí propuesta tiene una de sus más fuertes influencias en la propuesta teórico metodológica de Mijail Bajtin (1991). Bajo su perspectica semiótica se entiende que el lenguaje responde a dinámicas y prácticas sociales a la vez que informa sobre ellas, este enfoque es conocido como la estratificación social del lenguaje y del discurso (Bajtin, 1991). Desde esta mirada la construcción de los datos de la investigación son pensados desde los lenguajes del discurso empresarial y las voces inscritas en personajes, considerando que el lenguaje se personifica en figuras individuales (Bajtin, 1991). Esta perspectiva permite entender que el estudio de las narrativas, las palabras, los vocabularios, los sentidos, los significados y las de formas de expresión están ancladas a la comprensión de los distintos lenguajes del discurso. Es así que los personajes están en una continua dialectica entre la palabra propia y la ajena, permitiendo observar los límites y mixturas que existen entre ellas.
Uno de los componentes más fuertes del discurso empresarial del grupo Bimbo es el lenguaje religioso, el cual contiene los fundamentos morales del mismo. Este lenguaje se puede rastrear desde los orígenes de la compañía, específicamente en las creencias y valores de su fundador, Lorenzo Servitje quien se caracteriza por ser practicante de la fe cristiana: “Si hacemos que esta empresa haga también el bien al mundo, si no hacemos que esta empresa nazca para ser buena y parte de la “force of good” del mundo, no sirve de nada, no sirve como empresa si no cumple su rol social” (Lorenzo Servitje en CEO, 2020).
A través de este lenguaje se constituye la figura de un trabajdor de servicio, el cual se hace observable en el desplazamiento subjetivo que, por ejemplo, realiza un líder en el grupo Bimbo a lo largo de su trayectoria profesional en la compañía, este se constituye en tres etapas: una fase egoísta, con interés de crecimiento laboral individual; una fase en donde el interés individual se fusiona con el interés por el crecimiento del equipo de trabajo; y una tercera fase, de madurez, en donde ya no hay interés personal sino solamente por el del equipo de trabajo (Gerente de ventas, 2020). Este desplazamiento de la subjetividad parte de una concepción de hombre empresa (Foucault, 2012) en su primera etapa a un sujeto de servicio en la última, distanciándose así del emprendedurismo ideal, en cuanto a que más que buscar un proceso de desarrollo para sí mismo, se encamina a uno de desarrollo colectivo basado en la solidaridad, el servicio y a la ayuda al otro.
Finalmente, es importante señalar cómo la constitución de este lenguaje religioso del discurso es una construcción de sucesos del pasado que son cargados moralmente. Este lenguaje responde a una plantilla discursiva previamente elaborada, que de hecho puede ser encontrada en los medios de comunicación de la empresa. Su función es dotar a esta de una legitimidad de carácter moral, dado que destaca los aspectos positivos de la bondad cristiana para producir un sentimiento de admiración hacia la organización.
1.2. Lenguaje humano.
Muy cercano al lenguaje religioso, y prácticamente derivado de él, se estructura en el discurso de la compañía un lenguaje humanista que “se centra en la persona” (Supervisora de ventas, 2020). Este lenguaje se sostiene en vocabularios derivados del lenguaje religioso del discurso como “servicio”, “humildad” y “ayudar al otro”. Desde este lenguaje se dice que las personas son “el destino de todos los esfuerzos” (CEO, 2020) y “es lo más importante del grupo Bimbo” (Supervisora de ventas, 2020), esto es lo que se conoce como “filosofía Bimbo”. Ser humanista implica que la organización se plantee a sí misma, en su discurso, estar más allá de un interés económico: “como que no es solo negocio (…) no solo por lo económico (…) que no se vea que es solo dinero pues (…) eso es ser humanista” (Vendedor, 2020). En esta misma línea, la filosofía Bimbo señala que “las personas no son ningún recurso” (Gerente de ventas, 2020).
Sobre este lenguaje se puede decir que plantear una articulación entre lo económico y las personas tiene una función persuasiva, su intención es lograr que el locutor pueda convencer al receptor de que la acumulación de capital puede ser amigable con el ser humano. Sin embargo, justamente evocar este discurso implica afirmar que en la práctica si existe una tensión en donde lo económico está por encima del bienestar humano.
1.3. Lenguaje económico-productivo
A través del mito fundacional de la empresa se observa la contradicción inmanente entre el interés económico y la convicción religiosa del servicio. Por ejemplo, las voces de los primos al fundar la compañía con Lorenzo Servitje representan este interés económico, “va adelante mientras hagamos plata vale, va” (CEO, 2020). La productividad se articula al lenguaje religioso al ser entendida como una fuerza del bien por los efectos que se derivan de ella. El lengua humanista frente al productivo, puede ser visto como un manto que cobija y “aliviana” los efectos adversos que puede tener esta visión productiva del bien sobre el bienestar humano.
Pese a que el discurso plantea una humanización en el sistema de acumulación de capital en la organización, este solo se plantea desde los procesos comunicacionales, pese a ello, se podría hablar aquí de una deshumanización del trabajo por la vía de la autoexplotación. Esta última toma un camino distinto al bienestar humano al cortar su tiempo de ocio. Sumado a ello es una afrenta para el bienestar humano en cuanto de allí pueden derivar estados psicológicos y emocionales que afecten las condiciones de vida de los trabajadores. Finalmente, este lenguaje tiene una función legitimadora de un sistema de acumulación que demanda a los trabajadores altas horas de trabajo.
1.4. Lenguaje de liderazgo.
El lenguaje de liderazgo se relaciona con el lenguaje humanista en un primer momento, al ser este último una capacidad que deben tener los líderes en la organización para poder guiar a sus dirigidos de una manera blanda y asertiva, por ejemplo, en sus formas de hablar y preocuparse por los trabajadores, en un contexto donde pueden surgir los efectos de un lenguaje de alta productividad, como el estrés y el agotamiento mental, entre otros. Igualmente, el lenguaje productivo tiene un rol importante en el desarrollo del lenguaje de liderazgo, especialmente en la necesidad de generar desde este último, procesos de motivación y arraigo. Respecto a la motivación, se puede decir que el liderazgo es entendido como la “capacidad”, que tiene el líder de lograr despertar en “la gente ese ánimo para dar lo máximo de él o de ella hacia hacer las cosas bien” (CEO, 2020) y el “poder de hacer que tu equipo te pueda seguir (…) de convencerlos [a los trabajadores] de subirse al barco y ponerse la camiseta” (Supervisotra de ventas, 2020).
La función que cumple este lenguaje dentro del discurso es enfocarse más hacia los trabajadores y al gobierno de ellos. Igualmente, tiene la función de desarrollar las respectivas disciplinas necesarias para que los trabajadores regulen sus emociones ante el lenguaje productivo. En últimas, este lenguaje pretende ser un promotor positivo de la alta productividad demandada por el sistema de acumulación capitalista de la organización.
2. La instrumentalización del trabajo
2.1. El trabajo como medio y el trabajo como fin (la metáfora de sisifo)
De acuerdo con Thomson, Gill y Goodson (2020), la metafora del mito de sisifo es interesante si se le observa de una manera distinta a la convencional. Usualmente sobre este personaje mitológico se ha construido una historia en la cual se destaca el objetivo de Sisifo de llegar a la cima, uno que por castigo de los dioses nunca puede cumplir y en cambio es arrastrado infinitamente a arrastrar una piedra con dolor y sufrimiento. Sin embargo, nos señalan los autores que si se le diera un giro a este mito y Sisifo disfrutara el arrastre de la piedras, no se estaría hablando efectivamente de ningún castigo sino más bien de una acción de deleite en esta tarea infinita, la cual incluso agradecería a los dioses. A partir de esta lectura los autores ponen sobre la mesa el problema de la valoración del trabajo como medio y el trabajo como fin.
Partiendo de esta reflexión construida en torno al mito de Sisifo, se puede establecer una crítica a lo que se conoce como la racionalidad instrumental en el mundo del trabajo (Thomson, Gill, & Goodson, 2020), desde la cual se valora en mayor medida los objetivos de las actividades. Desde esta racionalidad, estas últimas son tratadas de manera instrumental, es decir, se les niega el valor que tienen en sí mismas y en cambio se les valora como medios, entendiendo estos como algo que es causalmente necesario para lograr un fin (Thomson, Gill, & Goodson, 2020). De esta manera se dice que las actividades tienen un valor instrumental que niega su valor intrinseco (Thomson, Gill, & Goodson, 2020). En esta forma de valoración, las actividades laborales son evaluadas por medio de concepciones instrumentales como la eficiencia, el ahorrro y la utilidad que estas tienen para lograr los objetivos consignados en el trabajo (Thomson, Gill, & Goodson, 2020). En otras palabras, los fines del trabajo solo son establecidos sobre la rentabilidad de la concepción instrumental del trabajo (Thomson, Gill, & Goodson, 2020). Para el caso aquí estudiado, el grupo empresarial Bimbo, esta concepción del trabajo como medio puede ser identificado a partir de su discurso empresarial que especificamente reza “ser altamente productiva y plenamente humana” (CEO, 2020), sentencia que se establece como el “el motivo y propósito de la empresa” (CEO, 2020).
Esta alta productividad cobra legitimidad dentro del discurso oficial por medio del lenguaje religioso y humanista, de tal forma que una alta productividad es justificada porque por medio de ella se lograría: “pagar impuestos (…) alimentar lo más barato posible (…) pagar buenos sueldos (…) vender más barato (…) sirviendo a los de afuera (…) [tener] salarios completos, justos y oportunos” (CEO, 2020). Por otro lado, los bajos niveles de productividad van en contravía de hacer el bien, la poca productividad “tira recursos del mundo [y] el mundo no tiene por qué pagar” (CEO, 2020). Pese a que para algunos trabajadores el humanismo y la productividad no son cosas compatibles: “Don Lorenzo como que estamos hablando de dos cosas diferentes la productividad y ser humano” (Gerente de ventas, 2020), desde el discurso oficial se insiste en su articulación, siendo este humanismo una forma de llegar a los resultados a traves de un gobierno “blando” del trabajo: “no, uno tiene que ser firme al exigir los indicadores, pero lo tiene que hacer de un modo blando" (Lorenzo Servitje en Gerente de ventas, 2020). Es de esta manera que la alta productividad eufemizada con una cara humana de la actividad laboral se constituye desde el discurso oficial como un valor intrínseco y por lo tanto se da la posibilidad de ver un fenómeno de instrumentalización del trabajo, es decir, uno que se configura en esta meta productiva.
2.2. Autoexplotación o autoinstrumentalización
Hasta el momento se ha observado como desde el discurso empresarial el trabajo en la compañía Bimbo toma formas instrumentales al colocar como objetivo misional la alta productividad, en lo que sigue se analizarán las implicaciones que tiene para las personas esta alta productividad, es decir cómo a través de fenómenos de autoexplotación se puede hablar de la autoinstrumentalización del trabajador de Bimbo.
Partiendo de la idea de que la racionalidad instrumental plantea que debemos solamente ser eficientes (Thomson, Gill, & Goodson, 2020), se puede discutir como la ideología de la alta productividad inscrita en el discurso empresarial configura el valor del trabajador como persona, específicamente en la manera en como ella se valora a sí misma en función de sus resultados productivos (Thomson, Gill, & Goodson, 2020). Es así, que al apropiar esta ideología el trabajador cae en prácticas de autoexplotación, entendiendo esta última como una condición en la que las personas crean exigencias excesivas por sí mismas para poder cumplir con las demandas de los empleadores, mantener y mejorar su desempeño o terminar el trabajo en los tiempo establecidos (Schaurich y Perrone en Góngora, 2018), lo cual puede llevar a efectos nocivos como por ejemplo la adicción al trabajo (Fougère, 2010) (Prichard, 2002) o la compulsiva presencia en el lugar que se labora (Prichard, 2002). Lo cual, claramente lleva a que el trabajador sea un sujeto solo instrumentalmente valioso (Thomson, Gill, & Goodson, 2020). Este tipo de prácticas se hacen evidentes en las narrativas del CEO de la compañía al crear exigencias a sí mismo relacionadas con su jornada laboral, de tal manera que reconoce ciertas actitudes y hábitos en el trabajo, como por ejemplo “que se note que fui yo el que fue a trabajar y no otro (…) y cuando me fui en la noche que yo fui el que la cerré, y que no fue mi compadre y que se note que fui yo el que puso la huella digital ese día” (CEO, 2020).
2.3. Placer y trabajo: un camino a la instrumentalización
Una vez se ha analizado como desde el discurso empresarial del grupo Bimbo se da vía a la instrumentalización del trabajo y la autoinstrumentalización del trabajador, en las siguientes líneas se desarrolla la relación que existe entre el placer y el trabajo. En el pensamiento de los utopistas, especificamente en la figura de Ruth Levitas (2011), se discute la centralidad que tiene el placer en el trabajo, frente a esta relación se ha planteado la idea de ver al trabajo como una fuente de placer que aporta a la autorrealización, en la medida en que permite superar la instrumentalización (alienación) del trabajo (Levitas, 2011). El placer por el trabajo, siguiendo la metafora de Sisifo, lleva a pensar la alegria que puede producir la actividad laboral (Levitas, 2011), por ejemplo, si Sisifo gustará de rodar piedras gosaría de este sentimiento atractivo y positivo hacia el trabajo, y tumbaría aquel desencanto y vacio que la actividad productiva podría generar (Damian, 2007) cuando esta no es un fin en sí mismo. Sin embargo, que el trabajo sea una fuente de placer no necesariamente es una condición suficiente para que el trabajo y el sujeto superen la instrumentalización. Se argumenta aquí que el placer por el trabajo puede llegar a ser una forma de instrumentalización de este último y del trabajador, como se puede observar en el caso del discurso y prácticas del trabajo emprendedurista.
Al estudiar la industria creativa y artística en jovenes profesionales de clase media en el reino unido (McRobbie, 2016), se ha problematizado la relación entre el trabajo y las emociones, por ejemplo, se ha mostrado como su influencia y su gestión son parte de una nueva ciencia del management frente al gobierno del trabajo (Zangaro, 2011). Desde allí se constituye lo que es una demanda dentro del pensamiento neoliberal de carácter emprendedursista, esto es, una apego afectivo al trabajo en la figura de una trabajador apasionado (McRobbie, 2016). La demanda de esta apego afectivo en un contexto de alta productividad como lo es el caso del Grupo Bimbo. En donde como ya se ha mencionado se instrumentaliza el trabajo y el trabajador por la vía de una autoexplotación, la figura de este trabajo apasionado puede operar como una fuerza coactiva que enmascara la desilusión, el agotamiento o la desmotivación que genera la alta productividad, su lado oscuro (McRobbie, 2016). En otras palabras, se estaría hablando de una pasión por la alta productividad.
El trabajo sobre las emociones desarrollado desde el discurso empresarial y sus prácticas formativas en el grupo Bimbo, hace que estas se constituyan en un medio más que en un fin, pues el efecto motivacional generado tiene como objetivo la productividad, ya que una vez “comprado el boleto [apropiada la creencia y la pasión] de lo que vamos a hacer (…) es que van a hacer las cosas que nos toca hacer económicamente, hacer pan, distribuirlo y cobrarlo” (CEO, 2020). Estas expresiones de trabajo apasionado son expresadas por los altos directivos de la compañía, que pese a haber señalado, como se vio anteriormente, la carga pesada que puede ser esta alta productividad, señalan que “hay gente que disfrutamos eso [refiriéndose a la demanda laboral]” (CEO, 2020).
La condición emocional del trabajador al ser un medio para el objetivo productivo, es vigilada y controlada en la organización. Es así que una de las tareas de los directivos en sus interacciones cotidianas con los trabajadores es observar “el estado anímico en el que te encuentras” (Vendedor, 2020) y así, “el líder detecta (…) que algo está pasando” (Supervisora de ventas, 2020), por ejemplo, en casos como “cuando a lo mejor perdió a un ser querido o ve que ya no está rindiendo igual” (Supervisora de ventas, 2020). Para la gestión institucional de las emociones de los trabajadores, la compañía ha dispuesto un Curso de Superación Personal (CUSUPE) el cual opera de manera terapéutica para influenciar la motivación intrínseca por el trabajo y reconstruir esta satisfacción y pasión laboral. En esta operación de vigilancia, a CUSUPE “normalmente mandan a la gente más antigua” (Supervisora de ventas, 2020) ya que esta población “es aquella que ya está como aburrida, ya que nada más viene al trabajo por impulso” (Supervisora de ventas, 2020). Para el caso de la supervisora de ventas, su llegada al curso ocurrió porque “a lo mejor mi supervisor en ese momento detecto algo que estaba pasando (…) como que vio que necesitaba un giro, una motivación o encontrarme conmigo misma” (Supervisora de ventas, 2020).
Sobre este último punto, la motivación intrínseca por el trabajo y conocerse a sí mismo como sujeto en el mundo laboral, implica hacerse preguntas ontológicas sobre el trabajo, que están insertas en CUSUPE: “¿por quién trabajas? o ¿por qué trabajas realmente?” (Supervisora de ventas, 2020). Hasta cierto punto, las respuestas que el trabajador realiza frente a estas preguntas se instrumentalizan, primero porque la respuesta a esta pregunta es orientada y predefinida por la institucionalidad y segundo porque el fin es trabajar bien en un contexto de alta productividad “nosotros deberíamos responder que trabajamos por nosotros mismos, para estar bien nosotros mismos, porque si estamos bien, pues vamos a poder trabajar bien” (Supervisora de ventas, 2020).
Este trabajo sobre el autoconocimiento y el apego afectivo con el trabajo, pese a los estados emocionales de la alta productividad, se establece como en un deber ser del cual puede depender su permanencia, sin embargo, es al mismo trabajador a quién se le persuade de tomar esta decisión, pues CUSUPE permite “orientar al colaborador a decir no, Bimbo no es para mí, yo no estoy a gusto aquí, me voy a ir” (Supervisora de ventas, 2020). Se observa entonces que el conocimiento que el sujeto produce necesariamente debe revelar una sincera emoción de satisfacción laboral, condición necesaria para que él pueda continuar con su trabajo.
Se problematiza en ello la forma en cómo el placer se ha establecido como un ideal del trabajo y una forma de control y de gobierno en el orden de un proyecto de acumulación de capital como el dado en el grupo Bimbo. Esto trae como efecto cierto malestar en el trabajo en cuanto se enmascaran las emociones marginales y los estados psicológicos precarios que la ideología de la alta productividad puede generar en los trabajadores. Dado que el trabajador tiene que mostrarse como un trabajador apasionado, pues de ello depende su trabajo, su fachada (Goffman, 2001) debe lograr comunicar emociones y actitudes que hagan visible este placer, debe expresar esa configuración emocional compuesta de lo placentero y lo productivo, de ahí que el trabajador debe domesticar los gestos corporales indeseados que pudieran derivar de la demanda de alta productividad. El performance del trabajador debe ser capaz de controlar la ambigüedad del trabajo en la tensión entre el placer del trabajo y la carga y la presión que este implica, la balanza de la actuación siempre debe estar del lado del placer, allí se ubica el constreñimiento que el discurso opera sobre el cuerpo, una disciplina “humana” que demanda hacer invisibles los efectos negativos del lenguaje productivo y las condiciones laborales que este implica.
Conclusiones:
Lo expuesto hasta aquí permite concluir que no solo el placer por el trabajo es suficiente para superar su instrumentalización, la alegría y la sensación de satisfacción laboral en una empresa de acumulación de capital con una ideología de alta productividad termina siendo parte de la instrumentalización emocional del ser humano por el capital. Sísifo puede gustar de rodar piedras, pero cuando este gustó no es genuinamente voluntario sino exteriormente imputado, este placer es un agobio, Sisifo, no solo no puede decir que no gusta de rodar piedras, sino que ahora debe rodar piedras insatisfecho, con una sonrisa en su rostro, mientras el producto de su trabajo es apropiado por los Dioses que lo han condenado a trabajar de manera intensa. El placer por el trabajo debe darse en condiciones ajenas a la autoexplotación que el capitalismo actual de tipo emprendedor propone, debe garantizar condiciones de bienestar frente a este placer y no debe ser un placer que instrumentalice al ser humano únicamente por la alta productividad.
Bibliografía:
Bajtin, M. (1991). La palabra en la novela. En M. Bajtin, Teoría y estética de la novela (págs. 77-148). España: Santillana S.A.
Damian, A. (2007). El tiempo necesario para el florecimiento humano. La gran utopía. Desacatos, 125-146.
Foucault, M. (2012). Nacimiento de la biopolítica. Curso en el collége de france (1978-1979). Buenos Aires: Fondo de Cultura Ecnonómica.
Fougère, M. y. (2010). La gubernamentalidad y la clase creativa: aprovechando la bohemia, la diversidad y la libertad para la competitividad. int. J. Conceptos de gestión y filosofía, 41–59.
Goffman, E. (2001). Actuaciones. En E. Goffman, La presentación de la persona en la vida cotidiana. Buenos Aires: Amorrortu.
Góngora, I. (2018). El estado del arte de los estudios sobre la precariedad laboral en México y América Latina. Proyecto de investigación sobre los impactos de la precariedad laboral en las trayectorias de jóvenes profesionistas en Mérida, Yucatán. Ciudad de México: El Colegio de México.
Levitas, R. (2011). The concept of Utopia. Peter Lang.
McRobbie, Á. (2016). Be creative. Making a Living in the New Culture Industries. USA: Polity press.
Prichard, C. (2002). Creative Selves? Critically Reading "Creativity" in Management Discourse. Creativity and innovation Management, 265 276.
Servitje, L. (23 de 04 de 2021). InformaBTL. Obtenido de https://www.informabtl.com/10-frases-inspiradoras-lorenzo-servitje/
Thomson, Gill, & Goodson. (2020). Beyond instrumentalization. En G. &. Thomson, Happiness, Flourishing and the Good Life: A Transformative Vision for Human Well-Being (págs. 21-44). London: Routledge.
Zangaro, M. (2011). Subjetividad y trabajo: el management como dispositivo de gobierno. Trabajo y Sociedad.
Palabras clave:
Emprendedurismo, Trabajo, Discurso.
Resumen de la Ponencia:
Hemos podido observar en México, en estos años de una nueva alternancia en el gobierno, negociaciones en materia laboral con las cámaras empresariales. No sabemos realmente si el empresariado esté prefiriendo negociaciones a traves de los organismos de representación, o bien, estas se hayan dado por ser la única vía que el Ejecutivo les haya permitido. A pesar de esa incognita, nos encontramos a un actor empresarial que se moviliza no solo con la disposición de oponer resistencia ante las propuestas gubernamentales, sino que también busca influir en la configuración de las grandes políticas laborales y económicas del país. Ante ello, nos encontramos con un sujeto social, no solo con intereses económicos sino también con interéses politicos e ideológicos los cuales vemos acentuados en presencia de un gobierno con el que han tenido constantes fricciones.Ante los numerosos cambios que se han presentado en el contexto mundial como la pandemia, recesión económica, sumados al panorama nacional de nueva alternancia partidista en el poder y la llegada de un presidente presuntamente de izquierda, en el sector empresarial esto se ha traducido en una mayor incertidumbre y tensión. Por una parte observamos el enfrentamiento de un sector del empresariado con el presidente en torno a la política laboral y sus reformas lo que se ha manifestado en una lucha sobre quién es el que detenta el poder no solo económico, sino político y social, es decir, existe una pugna por ser Estado y por legitimar quién lo es y quién logra esa hegemonía.El actual presidente ha tomado una política de enfrentamiento con un sector de los empresarios y con otros de negociación, pero al mismo tiempo ha tratado de revivir una vieja forma de relación del Estado con los empresarios a través de las cámaras y sindicatos empresariales. Como lo hemos mencionado, se busca revivir una forma de Estado corporativo.Estos elementos nos permiten plantearnos el siguiente problema:Nos interesa explicar la relación del Estado (a través de la figura del presidente) con el sector empresarial, con el que se está dando una lucha por ostentarse como Estado y poder hegemónico. Además ¿es posible hablar de un nuevo corporativismo de Estado en relación con los empresarios y sus cámaras de representación y sindicatos obreros, o han surgido nuevas formas de representación empresarial por medio de ONGs o asociaciones civiles? En particular, nos interesa reconstruir y explicar el proceso de negociación y enfrentamiento en torno a las reformas laborales ¿cuál ha sido el papel de los empresarios representados por sus cámaras, de los sindicatos obreros y el Estado, no solo en la figura de la Secretaría del Trabajo, sino, en relación directa con la presidencia?Resumen de la Ponencia:
A reforma trabalhista em andamento no Brasil, que teve seu segundo grande ato consubstanciado na Lei de Terceirização, n. 13.429, de 31 de março, e Lei n. 13.467, de 13 de julho, como não poderia deixar de ser, é levada a cabo sob o prisma ideológico da defesa da liberdade de ação dos indivíduos na sociedade. Sob o argumento de elevar as relações de emprego e de trabalho à modernidade, flexibilizam-se normas e amplia-se a discricionaridade do capital em relação ao trabalho, refletindo, em parte, o que Dunlop, ancorado no sistema parsoniano, denominou de contexto da divisão de poder entre os atores, influenciados por determinada ideologia; ou espelhando, em grande medida, interesses resultantes do embate próprio do conflito de classes, análise levada a cabo por Hyman. Com base nas abordagens destes autores, a pesquisa discutiu a influência dos fundamentos da teoria social da utilidade na construção recente do conceito de “empreendedorismo” como um dos elementos primordiais na mola propulsora da reforma trabalhista, apresentando seu conteúdo e seu caráter ideológico, quando associados à defesa das vontades individuais como promotoras do bem estar social. Contrariando o argumento ideológico de que o empreendedorismo conduz à autonomia econômica do indivíduo no longo prazo, pesquisas com séries históricas demonstram que em momentos de crises econômicas no Brasil cresce a busca por trabalhos por conta própria, movimento que se reverte pela ampliação relativa da procura por emprego assalariado em períodos de crescimento pós-crise. O artigo termina demonstrando, através de dados referentes ao período estudado (2016-2022), relações entre aspectos ideológicos observados na pesquisa e o quadro de precariedade que assola o mundo do trabalho no Brasil, caracterizado pelas altas taxas de desemprego; pelo crescimento desenfreado da precarização das atividades laborais, mesmo aquelas disfarçadas, denominadas, em grande parte, de trabalho por conta própria, prestador de serviço, “pejota”, ou, empreendedor; queda da participação dos salários na renda nacional; redução da atividade sindical; ampliação das desigualdades sociais e da informalidade. Os resultados dos trabalhos evidenciaram que a pandemia do Covid-19 potencializou os efeitos danosos do movimento forçado, que levou parte dos trabalhadores, sem opção, a buscar o trabalho por saídas associadas ao empreendedorismo, como revelam o crescimento das atividades de entrega, de higiene e limpeza, de cabeleireiros, “uberizados” em geral. Estes foram mais afetados pelos efeitos da pandemia, dadas as dificuldades de isolamento social e de acesso à rede de saúde privada e pública, sua vulnerabilidade e maior exposição, maiores riscos de contágio, de adoecimento e de morte etc. Os dados foram obtidos a partir de fontes secundárias, como a PNAD/IBGE, a RAIS, o DIEESE e de pesquisas associadas a casos e realidades específicos.Resumen de la Ponencia:
El Programa Nacional de Rescate y Acompañamiento a Personas Damnificadas por el Delito de Trata de Personas (PNR) fue radicado en la Secretaría de Justicia del Ministerio de Justicia y Derechos Humanos de la Nación e instrumentado con el objeto de acompañar con profesionales del derecho, psicólogas y trabajadoras sociales a las víctimas, cualquiera sea el tipo de explotación a que fueran sometidas las mismas, desde el momento de la intervención ordenada por la Justicia y la PROTEX en el ámbito del Ministerio Público Fiscal (MPF). Las intervenciones que se ponen en dialogo en este escrito están orientadas a dirimir y analizar críticamente los procesos institucionales de trabajo del PNR orientados a mujeres damnificadas por el delito de trata con fines de explotación sexual.Como ya se señaló el PNR tiene por objeto producir intervenciones sobre el delito de trata de personas y los sujetos hacia los cuales se orientan son las personas damnificadas. Es un interrogante si sus acciones representan un hiato en el continuum del proceso de producción de la víctima o aportan a su reproducción como tales por otros medios. Ello no es fácil de responder y mucho menos en clave asertiva, ni como afirmación ni en su contrario. Con el objetivo de acercarse mínimamente a una primera resolución de este interrogante se intentará en primer lugar comprender y analizar críticamente los procesos de trabajo que operan en el PNR.En una segunda instancia se avanza en el análisis de esta institucionalidad de la política pública que se constituye como un dispositivo de saber-poder en el cual se entraman tanto prácticas discursivas como no-discursivas. Se toman como ejes de análisis de esta lógica, poder, subjetividad y alienación. En este contexto se ha observado una contrariedad entre las acciones orientadas a operar la subjetivación como sujeto de derecho de las personas damnificadas del delito y al mismo tiempo que estas mujeres logren presentarse ante el estrado judicial como una subjetividad pasiva y tomada objetivamente en su totalidad por las circunstancias del delito, que es lo que requiere el procedimiento penal: una “buena víctima”.Finalmente y en tercer lugar las intervenciones de las profesionales del PNR ponen en juego como obstáculo un doble proceso de enajenación en las personas damnificadas. El primero de ellos - macrosocial - es la ausencia de condiciones materiales objetivas (Políticas públicas) que garanticen el acceso a los derechos económicos, sociales y culturales y el segundo - microsocial - es la reducción de la producción de subjetividades a cuerpos - mercancías por parte del mercado prostibulario, lo que se observa en la falta de reconocimiento de la víctimas como tales.Resumen de la Ponencia:
A invisibilidade do trabalho doméstico remunerado, ou emprego doméstico, é historicamente conferida através da dominação de gênero no mundo do trabalho, desvalorizado por sua relação com o caráter reprodutivo, do cuidado. A escravidão e o emprego doméstico remunerado, no Brasil, estão fortemente associados, de modo que o elemento histórico da dominação de raça da época escravista molda as relações de trabalho doméstico remunerado até o presente. As trabalhadoras domésticas representam pouco mais de 6 milhões de pessoas no Brasil. Desse total, 5,7 milhões são mulheres e 3,9 milhões se declararam mulheres negras (IPEA, 2019). A vulnerabilidade que as trabalhadoras dessa categoria vivem se revela na falta de proteção social, mesmo após a regulamentação da profissão no país. Dados do primeiro trimestre da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua) de 2020 mostram que somente 28% das trabalhadoras domésticas do país possuíam postos de trabalho com carteira assinada (IPEA, 2020). O trabalho doméstico foi a segunda atividade mais impactada com a pandemia, como mostra a PNAD Contínua divulgada em janeiro de 2021. Ao total, foram 1,5 milhões de postos perdidos no último trimestre móvel analisado do ano passado. Para não perderem seus empregos, muitas trabalhadoras aceitaram cumprir o isolamento social na casa de seus empregadores. É válido ressaltar os abusos, assédios morais e sexuais a que essas trabalhadoras estão sujeitas sob essas condições, além das jornadas exaustivas e mal remuneradas. A pandemia, portanto, tornou visíveis as principais tensões da reprodução social, pondo em questão o trabalho essencial para a reprodução da vida e como este se mantém sistematicamente subvalorizado. Desde 2015, o Brasil tem adotado políticas ortodoxas de corte de gastos, principalmente relacionadas à ajustes fiscais. A partir de 2016, foram aprovadas algumas reformas neoliberais, como a Lei do teto de gastos (Emenda Constitucional nº 95), defendidas como as soluções para a recuperação do crescimento econômico. Este estudo argumenta que não há neutralidade nas decisões de políticas públicas do Estado, pois este participa, através das suas políticas macroeconômicas, na determinação da condição social e na manutenção das desigualdades sociais, inclusive as de raça e gênero. Políticas que estabelecem privilégios para grupos sociais dominantes em detrimento de outros mais vulneráveis refletem o racismo enraizado nas estruturas socioeconômicas ao promovem mais desigualdade. Desta forma, é necessário entender qual parcela da população sai ganhando com as políticas de austeridade e quem ganha com uma política fiscal que garanta a proteção da população mais pobre, como foi o Auxílio Emergencial na crise pandêmica. Isto posto, busca-se entender os impactos da pandemia para as trabalhadoras domésticas e como a tendência neoliberal da austeridade conserva as condições da precarização e invisibilidade, especialmente dessas trabalhadoras, no contexto pós-pandêmico.