Resumen de la Ponencia:
No cenário pandêmico a noção de risco voltou a estar no centro de atenção em diversos esfera da sociedade. As questões da teoria de sociedade de risco, de Ulrich Beck (2010), como riscos globais e invisíveis, bem como noções de conhecimento e saber científico tornaram-se presente no contexto da pandemia da Covid-19, influenciando decisões, coletivas e individuais, políticas públicas e controle e organização social. Isolamento social, higienização e vacinação passaram a permear a vida social. Um caloroso e difícil debate suscitado foi o da confiança no conhecimento científica. Houve embates, desde a existência ou não da pandemia, como também de sua origem, gravidade, precaução e tratamento. Setores da sociedade passaram a negar e combater o saber científica. Este cenário levantou discussões sobre liberdade individual e direitos coletivos, tema caro que remete ao debate clássico e recorrente nas ciências sociais sobre a dicotomia entre indivíduo e sociedade. Nos estudos sobre riscos, esta questão é bem elaborada sob a perspectiva do saber perito e o reconhecimento ou não desse conhecimento pelos leigos. A aceitação, o questionamento e até a negação da ciência se traduziram no período pandêmico na adesão ou não de práticas e ações, recomendadas por especialistas da área de saúde, como lockdown, uso de máscaras e vacinação. A crença ou a descrença, a confiança ou a desconfiança e a aceitação ou negação estão relacionadas à percepção de riscos de cada grupo ou segmento social. Esta percepção, por sua vez, está relación ao contexto social vivido. As configurações políticas, econômicas, religiosas e ideológicas influem na percepção de risco, conforme a afiliação e o modo de inserção no meio social em que se vive, ou seja, é fruto das particularidades culturais de diferentes formações sociais. A teoria cultural do risco formulada por Mary Douglas e Aaron Wildavsky (2012) refuta uma noção de que uma percepção de risco é o resultado exclusivamente de dois modelos matemáticos. Nessa perspectiva teórica, não há separação entre riscos físicos objetivamente calculados e a percepção subjetiva das pessoas. Nesta comunicação, além da referência à teoria da sociedade risco de Beck (2010), a análise se guiará também pela contribuição culturalista de percepção de risco de Douglas e Wildavsky (2012), em especial sobre a contribuição desses autores para se pensar riscos voluntários e riscos involuntários e riscos desconhecidos e irreversíveis. A proposta é refletir, no cenário pandêmico, até que ponto os riscos aceitos voluntaria por uns, em nome da liberdade individual de escolhas, terminam contribuindo na difusão de riscos que atingem todo um coletivo. Ou seja, analisar até que ponto a percepção e aceitação de riscos de uns interfere nos riscos que afetam outros.
Introducción:
No cenário pandêmico da Covid 19, a noção de risco voltou a estar no centro de atenção em diversos esfera da sociedade. As questões da teoria de sociedade de risco, de Ulrich Beck (2010), como riscos globais e invisíveis, bem como noções de conhecimento e saber científica, tornaram-se presente nesse contexto, influenciando decisões, coletivas e individuais, políticas públicas e controle e organização social.
Um caloroso e difícil debate suscitado foi o da confiança no conhecimento científica. Houve embates, desde a existência ou não da pandemia, como também relativos à sua origem, gravidade, precaução e tratamento. Alguns setores da sociedade passaram a negar e combater o saber científica. Situação que levantou discussões sobre liberdade individual e direitos coletivos, tema caro que remete ao debate clássico e recorrente nas ciências sociais sobre a dicotomia entre indivíduo e sociedade.
Nos estudos sobre riscos, esta questão é bem elaborada sob a perspectiva do saber perito e o reconhecimento ou não da expertise de especialistas pelos leigos. A aceitação, o questionamento e até a negação da ciência se traduziram no período pandêmico na adesão ou não de práticas e ações, recomendadas por agentes da área de saúde. Questões como isolamento social, higienização, uso de máscaras protetivas e vacinação passaram a permear a vida social, mesmo daqueles que desacreditavam ou desejavam se alijar da nova realidade que se impunha. A crença ou a descrença, a confiança ou a desconfiança e a aceitação ou a negação estão relacionadas à percepção de riscos de cada grupo ou segmento social. Essa percepção, para o seu tempo, é um contexto social vivido. As configurações políticas, econômicas, religiosas e ideológicas influem, em grande medida, na percepção de risco, conforme a afiliação e o modo de inserção no meio social em que se vive, ou seja, é fruto das particularidades culturais de diferentes formações sociais.
Nesta comunicação, além da referência à teoria da sociedade de risco de Beck (2010), sobre riscos globais e invisíveis, a análise se guiará também pela contribuição culturalista de percepção de risco de Douglas e Wildavsky (2012), em especial sobre a contribuição desses autores para se pensar riscos voluntários e riscos involuntários e riscos desconhecidos e irreversíveis. A teoria cultural do risco formulada por esses autores refuta a noção que a percepção de risco seja fruto exclusivamente de modelos matemáticos. Nessa perspectiva teórica, diferentemente da perspectiva objectivista que predomina nas ciências exatas, não há separação entre riscos fisicamente calculados e a percepção subjetiva das pessoas.
A proposta deste trabalho, portanto, é refletir, no cenário pandêmico, até que ponto os riscos aceitos voluntaria por uns, em nome da liberdade individual de escolhas, terminam contribuindo na difusão de riscos que atingem todo um coletivo. Ou seja, analisar até que ponto a percepção e a aceitação de riscos de uns interfere nos riscos que afetam outros.
Desarrollo:
Sociedade de risco e pandemia
O sociólogo alemão Ulrich Beck, em seu livro Sociedade de Risco, escrito em 1986, apresenta uma teoria social sobre a modernidade reflexiva que tem grande repercussão no meio acadêmico. Beck propõe, contrariando a perspectiva positiva e utópica da modernização, uma visão um tanto sombria da modernidade. Para o autor, o desenvolvimento científico e industrial não trouxe apenas benefícios para a sociedade, mas também males de grande proporção espacial e temporalmente. second, a modernidade é um momento de rupture histórica. Essa ruptura, contudo, não significa que estamos na pós-modernidade, mas sim que há a reconfiguração da própria modernidade, em que ocorre a transformação de uma sociedade industrial clássica, caracterizada pela produção e distribuição de riquezas, para uma sociedade de produção e distribuição de riscos.
Nessa nova fase da modernidade, a reflexiva ou modernidade tardia, segundo Beck, os riscos passaram a ser globais e de grandes dimensões espacialmente e no tempo. São globais porque, independentemente dos lugares onde os riscos são produzidos, eles atravessam fronteiras e interligam diferentes espaços e alcança a todos, independentemente de onde, como e em que situação se vive, embora, conforme o próprio autor reconhece, para as populações economicamente desfavored, a gravidade dos riscos é maior e com mais consequências. Ou seja, apesar de ser equânime, os mais pobres são mais vulneráveis e com menor capacidade de resiliência que os ricos. Além da abrangência espacial, a repercussão dos riscos da modernidade avança na linha temporal, podendo se manifestar e ecoar por muito tempo, demonstrando imprevisibilidade e incerteza, até mesmo por conta de seu caráter de invisibilidade, desfazendo certezas e driblando cálculos probabilísticos.
Em relação à pandemia do Covid 19, pode se afirmar que o processo de modernização tem uma relação estreita com esse fenômeno. Isto porque a pandemia pode estar ligada a certas transformações ocorridas na contemporaneidade, como a degradação ambiental e o desenvolvimento dos meios de transportes. A degradação ambiental, como desmatamento das floresta e a urbanização acelerada, pode ter propiciado a ocorrência de spillover, que é um processo de transformação ecológica em que um vírus ou micróbio consegue migrar e se adaptar de um hospedeiro para outros, situação apontada por especialistas como uma das fortes possibilidade de transmissão do vírus SARS-CoV-2.
Por sua vez, os avanços tecnológicos possibilitaram a modernização do sistema de transporte, o que ocasionou um intenso e rápido fluxo de pessoas. Com a advento da modernidade, o mundo se tornou relativamente menor, pois as distâncias se encurtaram por conta da ampliação e maior velocidade dos meios de transportes, facilitando os deslocamentos espaciais, a maior circulação de pessoas e mais contatos entre elas. Em contrapartida, a propagação de vírus em uma sociedade moderna e globalizada ficou mais rápida, atingindo várias localidades e contagiando grande parte da população em curto prazo de tempo, em comparação com outros períodos históricos, quando os meios de transporte eram mais lentos e de menor acessibilidade. Por sua vez, o rápido contágio facilita ainda a formação de novas cepas de vírus e ocasiona a rápida disseminação em sucessivas ondas de transmissão, gerando um quadro pandêmico, que é o termo utilizado para se referir a uma epidemia, que é o surto que afeta uma determinada locale e se espalha rapidamente por diferentes continentes com transmissão sustentada entre pessoas.
É nesse contexto que o vírus da Covid 19 adquiriu um caráter pandêmico, pois em pouco tempo deixou de ser uma doença restrita a uma localidade e se globalizou. No day 31 of dezembro of 2019 to WHO (Organização Mundial da Saúde) foi alertada da ocorrência de vários casos de doença de tipo respiratório, na cidade de Wuhan, na China. No início de janeiro de 2020, as autoridades de saúde chinesa anunciaram a identificação de um novo tipo de coronavírus. Tratava-se de uma nova cepa que não havia sido identificada antes em seres humanos. Esse novo coronavírus é responsável por causa a doença que foi denominada de COVID-19. Em 30 de janeiro de 2020, a OMS declarou que o surto desse coronavírus se constituaba como emergência de Saúde Pública de importância internacional, em razão de ser um evento que pode se constitute como um risco para a população de diversos países devido a sua capacidade de se espraiar espacialmente, ganhando contorno globalizante. A alta transmissibilidade e a rapidez que chegou a diversos locais fez com que, em 11 de março de 2020, a OMS caracteriza-se a COVID-19 como uma pandemia.
Por seu turno, em relação à origem do novo coronavírus, tal investigação ainda continua em curso. Em março de 2021, a OMS divulgou um relatório com algumas suposições, considerando que geralmente é preciso tempo para identificar a origem de um vírus. Entre as hipóteses consideradas mais prováveis está a que sugere que o vírus primeiramente se apresentou em um animal (morcego, visom ou pangolim) que entrou em contato com humanos, que infectados, passaram a transmitir o novo coronavírus a outros humanos. Supõem-se, nessa hipótese, que a mutação ocorrida tenha origem um processo natural, embora essa modificação tenha sido provocada, provavelmente, pelos efeitos da modernidade no meio ambiente. Mas há também hipóteses, atreladas a teorias de biopolítica e geopolítica, que consideram que o vírus tenha sido manipulado pelo homem em laboratório, seja por acidente ou intencional, neste caso por interesse econômico e político, argumentação que, por sua vez, é considerada como pertencente a correntes de teorias da conspiração. Contudo, é importante frisar que somente o rigoroso e metódico exercício científico poderá responder sobre a gênese desse vírus. Entretanto. Se a origem do novo coronavírus não pode ser creditada de forma contundente aos efeitos da modernidade, a sua alta transmissibilidade de característica pandêmica é, de certa forma, fruto da modernidade da sociedade globalizada e de riscos.
Ciência
Um debate gerado incessantemente no contexto pandêmico do coronavírus é relativo ao conhecimento científico e à negação desse conhecimento. Esse debate, todavia, não é novo e nem é exclusivo a esse cenário. Já fez parte de outros contextos históricos. O desenvolvimento científico ao se orientar e buscar explicações não teológicas para fenômenos físicos, químicas, biológicas e sociais gerou descontentamentos e perseguições por parte da sociedade que tinha o poder político, ideológico e econômico. A condenação à morte na fogueira de Giordano Bruno e a perseguição sofrida por Galileu Galilei por autoridades religiosas na Idade Moderna são emblemáticas das consequências do negacionismo científica.
O negacionismo científico, entretanto, não se restringiu ao momento histórico em que estava criando seus pilares e rigor metodológico, a partir de métodos que envolvem um conjunto de técnicas e procedimentos especializados. Mesmo na contemporaneidade, em que já um acumulo de conhecimentos acquired, desenvolvidos e debatidos rigorosamente, ainda há setores da sociedade que não apenas duvidam e questionam o conhecimento científica, mas que o negam e o combatem, motivados por fatores de diversas ordens, como fundamentos religiosos, questões ideológicas, interesses econômicos e políticos. Duvidar e questionar o conhecimento não é em si um problema. Desconfiar, ficar ressabiado, não ter certeza são práticas do senso comum que podem até contribuir para o aprimoramento do saber científica, especialmente se incentivar o investimento na melhor comunicação do saber perito com o público leigo. Ou seja, o problema não é duvidar, mas sim negar o conhecimento científico baseado puramente em achismos, sem seguir rigorosos critérios de análise e aplicação de metodologia. É necessário ressaltar que a ciência não prescinde da dúvida, pelo contrário, ela tem por princípio o questionamento, mas essa tem que ser amparada pelo rigor metódico, não podendo ser baseada por contestações guiadas meramente pela intuição e por visões preconcebidas apoiadas em opiniões estritamente do senso comum. Em uma pesquisa científica se cria hipóteses, que podem ser confirmadas ou não, com a aplicação de metodologias que comprovem um resultado.
Além disso, não se pode pensar que o conhecimento científico persegue meramente um ponto final. A caminhada é longa e é fruto de um acúmulo de estudos e de experimentações. Uma descoberta cientifica de hoje é herdeira de um legado de outras tanta pesquisas. O conhecimento científica, além de não ser originário do nada, também não se viabiliza sozinho, pois só se sustenta coletivamente, na comunidade acadêmica, passando por critérios rigorosos de avaliação, aprovação e contribuição entre pares e canais de divulgação científica.
Outro ponto a ser destacado, é que o conhecimento científico não pode ser visto como uma a solução de todos os problemas. Não se pode criar a ilusão que a ciência resolve tudo. A fase da ciência como uma crença que elimina todas as incertezas, como no movimento positivista de séculos anteriores, já foi revista, especialmente após as grandes guerras mundiais, em que o uso tecnológico serviu como poderio bélico e demonstrou que o progresso não é necessariamente sinónimo de ordem, mas também gera caos e cria novos problemas. Até porque, a produção do conhecimento científico não é um processo neutro e nem é isolado, descolado de outros aspectos sociais. Há todo um jogo de forças operantes, onde há a participação de diversas instituições e agentes sociais, havendo, na cadeia de desenvolvimento e disseminação da ciência, a representação de vários interesses e escolhas de diferentes ordens, como a econômica e a política.
Contudo, as dúvidas e as incertezas em relação ao conhecimento científico têm que fazer parte de um processo reflexivo e não uma negação sem nexo. Porém, se o negacionismo é efetivamente descabido por carecen de sustentação metodológica, ele não é destituído de interesses em diversas frentes. Há quem desacredita a ciência por interesses econômicos e jogadas políticas. Há, por sua vez, quem não confiam e negam a ciência por terem uma visão que a prática científica é fonte de desequilíbrio e desarmonia na natureza, em razão das transformações e mutações que submetem os corpos humanos e o meio ambiente. Há negacionismo também por fundamentalismo religioso, pois acreditarem que a ciência estaria desconfigurando a criação divina. No atual contexto pandêmico, é perceptível que o negacionismo é fortemente alimentado por questões ideológicas, No Brasil, 0 negacionismo transformou-se inclusive em ação de governo, quando no auge da pandemia, no decorro dos anos de 2020 e 2021, a principal autoridade do poder executivo federal entrou em rota de coalização com cientistas e instituições científicas que alertavam para os graves problemas da pandemia do Covid-19 e recomendavam medidas preventivas, como o isolamento social, o uso de máscaras e a vacinação da população. Lideranças do governo, até onde puderam, ignoraram a advertência, menosprezaram a doença e não apenas não incentivaram esses procedimentos, como fizeram campanha contra essas medidas, se valendo da propagação de desinformação. O que ocorreu foi um embate, por um lado a comunidade cientifica alertando e recomendado cuidados em relação a pandemia e por outro lado uma forte campanha contra as argumentações científicas.
A propagação de notícias falsas se vale de um processo de aceleração e abundância de notícias. Em uma sociedade cada vez mais imediatista, a reflexão mais apurada é dificultada pela proliferação de notícias duvidosas e por opiniões muitas vezes baseadas em visões preconceituosas e fundamentalistas. Há o uso de preconcepções inviabilizadoras da reflexão, que tem que ser concebida por processos de desconstruções para possibilitar reconstruções. Ou seja, o ritmo acelerado de informação em uma sociedade pode impedir a ponderação e a reflexão e, nesse sentido, a informação não significa necessariamente mais conhecimento.
Riscos voluntários e involuntários e a liberdade individual e o direito coletivo
No livro Risco e Cultura, by Mary Douglas and Aaron Wildavsky (2012), é apresentado o pressuposto que os riscos são construções sócio-culturais, não podendo ser interpretados como um conceito objetivo e mensurável, mas sim como algo construído social, cultural e politicamente. As opções de quais riscos são monitorados, aceitos, tolerados, temidos ou ignorados fazem parte da forma como a sociedade e grupos sociais se constituem e vivenciam sua realidade e visão de mundo. Há opções culturais por determinadas estilos de vida que influenciam nas percepções de riscos. Por sua vez, a forma como as pessoas estão inseridas e posicionadas socialmente faz com que certos riscos estejam mais presente ou distantes do que outros no universo social vivido. Por seu turno, as decisões políticas, que estão envoltas em relações de poder em uma esfera, mas ampla de uma sociedade, são responsáveis pelo debate e definição sobre políticas públicas e sua relação com gestão de riscos, pois tais práticas, ações ou omissões contém graus possíveis de riscos. Nesse aspecto , há uma outra dimensão do risco a destacar: a responsabilidade sobre sua gestão. A forma como cada governo se envolveu e atuou na pandemia é um exemplo de decisão política e as relações de poder em jogo. Nesse quadro de gestão de risco, ele é pensado, calculado e administrado conforme os pressupostos políticos adotados. Dessa forma, o sucesso ou o fracasso do modelo de gestão de risco implementado é de responsabilidade do poder público.
As ações de políticas públicas ou a falta delas influenciaram a forma como os grupos sociais se envolveram no cenário pandêmico. O primeiro ponto a ser destacado está no reconhecimento ou não da pandemia por parte dos responsáveis pela gestão pública. No caso brasileiro, além da demora em reconhecer a situação pandêmica, por inclusive se duvidar de sua existência ou de sua potencialidade e gravidade, houve o menosprezo e o descaso, por parte do governo federal, em tomar medidas preventivas, o que contribuiu para que parte significativa da população continuasse ignorante a condição pandêmica. A incredulidade foi apoiada deliberadamente por ações de desinformação, como a prática de desacreditar o saber científico e pelo argumento investido. Um exemplo disso é a argumentação de que estava havendo um alarde midiático, em relação ao surto da doença, com o suposto objetivo de desestabilizar o governo. Narrativa que fez com que parte da população ignorasse os padrões preventivas recomendados pelos agentes de saúde e sanitaristas.
Outros poderes do Estado da sociedade brasileira, como o judiciário e governos locais, apoiados por instituições científicas e parte da mídia, foram os entes que tomaram deliberações visando o controle sanitário, como campanhas de higienização, uso de máscaras e isolamento social. Foi utilizado ainda o recurso, amparado nas leis, de se estabelecer regras de funcionamento de serviços, com a classificação daqueles que seriam essenciais ou não para a população, estabelecendo aqueles que poderiam ou não funcionar e de que forma, com delimitação de horários e com quais condições.
Foi estabelecido também regras gerais para a população, como a obrigatoriedade do uso de máscaras e delimitação em filas da distância mínima necessária entre as pessoas. As regras, bem como a adesão a essas determinações variaram muito em cada município e unidade da federação e conforme as posições e condições sociais dos grupos sociais e dos indivíduos. Pela necessidade de trabalhar, alguns tiveram que correr o risco de se infectar. Casos de isolamento social para quem precisava utilizar transporte público como ônibus, trem e metrô não foram possível, pois os transportes estavam geralmente lotados de trabalhadores, situação ainda potencializada pela diminuição da quantidade dos meios de transporte.
A dita escolha por correr este risco, evidenciada por questões econômicas, foi ainda reforçada pela campanha do governo federal contrária ao isolamento social. Passeatas e afrontas as leis de isolamento foram even incentivadas. O argumento era que o risco do colapso econômico era mais grave do que o risco de se contaminar com o vírus.
A questão econômica, entretanto, não era a única a balizar os embates de negacionistas com as diretrizes e recomendações científicas. Muitos se valeram da questão da liberdade individual para se contraporem ao isolamento social, ao uso de máscara e posteriormente à vacinação. Em nome da liberdade de ir e vir, da individualidade de seus corpos e de se poder escolher e assumir riscos, muitos recusaram a usar máscara e se vacinar, comprometendo uma política de saúde pública que necessitava de ampla adesão da população.
Essa situação é exemplar da análise teórica de Mary Douglas sobre riscos voluntários e involuntários. Na sociedade, alguns aceitam correr certos riscos e outros não. O risco de praticar esportes radicais por alguns é uma opção, que está relacionada a forma de vida desejada, como se aventurar e sentir certas emoções. O risco de investir no mercado de ações, com perdas ou ganhos financeiros, está tanto na capacidade de recursos para se investir, o que não é para todos já que depende da condição de classe social, como na vontade de um possível enriquecimento mais fácil. Ao se integrar a certas categorias profissionais consideras de alto risco, como policial ou bombeiro, há o aspecto da escolha voluntária por tais riscos, todavia isto acontece pelo leque de opções disponível para alguns, devido a sua condição social. Por sua vez, a escolha em ser piloto de corrida automobilística não é para todos, já que demanda alto recursos econômicos para se poder na pista correr tal risco. Por seu turno, a opção por se morar em uma área de risco, como em encostas, faz parte de um leque estreito de escolhas de quem vive com pouco recursos econômicos. Ou seja, a classificação de riscos voluntários apresenta elementos complexos atrelados a escolhas pessoais e ao leque disponível de escolhas conforme à condição e posição social de classe.
Ainda em relação à noção de risco voluntário, a visão culturalista de risco aponta que qualquer situação de risco voluntário traz consigo também riscos adicionais e riscos desconhecidos. Isto porque o risco voluntário não pode ser objetivamente identificado, existindo inúmeros fatores que extrapolam os cálculos objetivos. Ou seja, em diversas situações há riscos adicionais por serem desconhecidos.
Uma complexidade ainda mais relevante dos riscos voluntários é que o risco voluntário de uns pode significa o risco involuntário de outros. Dirigir em alta velocidade para alguns pode ser um prazer, sendo um risco voluntário para o motorista, todavia tal atitude pode colocar em risco outras pessoas, como pedestres ou outros motoristas. Fumar é uma opção de cada um, mesmo sabendo os riscos para a saúde que pode acarretar, mas fumar perto de outros é colocar em risco a saúde de pessoas que sequer fumam, ou por não sentirem prazer em fumar ou por pretenderem uma vida saudável.
No cenário pandêmico, a linha tênue entre risco voluntário e risco involuntários ficou mais evidenciada. Enquanto algumas pessoas colocam máscaras para se proteger da contaminação do vírus, outros se negaram a usar, mesmo em lugares em que o uso era obrigatório. Enquanto alguns ficaram em isolamento social, alguns se aglomeraram em eventos e festas. Muitos que seguiram as orientações da comunidade científica acabaram mesmo assim contaminados e isso ocorreu em muitos casos por conta da liberdade individual reivindicada por aqueles que negavam o conhecimento científico e, assim, desrespeitavam o direito coletivo. Ou seja, em nome da liberdade individual, embora esta não seja esta a única questão, pois há viés ideológicos e interesses políticos e econômicos, a percepção e a aceitação de riscos de uns interferiram nos riscos que afetam e prejudicam todo um coletivo.
Conclusiones:
Este trabalho objetivou analisar o debate sobre riscos suscitado no cenário pandêmico. A reflexão levou em conta a concepção de sociedade de risco, em que a contaminação se alastrou rapidamente graças a uma sociedade cada vez mais globalizada e interligada. Foi analisado também o caloroso embate gerado sobre conhecimento científico e a negação da ciência por certos atores sociais, inclusive de autoridades governamentais. Na análise foi apresentada a noção culturalista de riscos, que concebe a percepção de riscos como construções sociais, havendo até mesmo interferência de cunho político na gestão de riscos. Por fim, foi analisado até que ponto os riscos aceitos voluntariamente por uns, em nome da liberdade individual, terminam contribuindo na difusão de riscos que atingem todo um coletivo.
Bibliografía:
BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Editora 34, 2010
DOUGLAS, Maria. WILDAVSKY, Arão. Risco e cultura: Um ensaio sobre a seleção de riscos tecnológicos e ambientais. Rio de Janeiro: Elsevier, 2012.
Palabras clave:
DESASTRE
Pandemia