Resumen de la Ponencia:
Este trabalho é um recorte do projeto intitulado “Os (des)sentidos da loucura: experiência de sofrimento de pessoas com problemas de saúde mental em João Pessoa, Paraíba, Brasil”. O objetivo geral é compreender a experiência de sofrimento de pessoas com problemas de saúde mental que utilizam os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Para atender a esse objetivo, foram utilizadas diferentes metodologias de pesquisa, tais como: pesquisa bibliográfica, pesquisa documental e entrevistas com base na história oral. No entanto, este trabalho é uma síntese teórica produzida por meio de uma revisão narrativa da literatura. O objetivo da revisão foi colocar em suspensão a narrativa que captura a vivência da loucura como patologia. Assim, procedeu-se à análise de algumas categorias que surgiram ao longo do processo de investigação, a saber: as diferentes compreensões para o sofrimento, sobretudo, a complexidade em torno do sofrimento psíquico; o debate sobre a subjetividade e a constituição da psiquiatria como saber dominante sobre a saúde mental. Buscou-se aporte teórico para a compreensão dessas categorias nos clássicos da sociologia como Durkheim, Marx e Weber e nos contemporâneos representados, especialmente por Michel Foucault. Autores considerados expoentes da crítica ao modelo da psiquiatria e desenvolvimento do processo de reformas psiquiátricas, como Franco Basaglia e Frantz Fanon foram incorporados às leituras. No Brasil buscou-se aporte nos escritos de Paulo Amarante, por ser a grande referência brasileira, e defensor do processo de despatologização. Com base nas indicações teórico-metodológicas dos autores e dentre as diversas publicações consultadas que tratam direta e indiretamente do tema sofrimento, criamos esquemas de análise que orientaram o processo de sistematização e permitiram levantar as primeiras respostas aos problemas de pesquisa. Sugere-se que a construção sócio-histórica da experiência da loucura é complexa e atravessada por múltiplas concepções e intervenções, pois é construída a partir de um envolvimento de exclusão e patologia. As leituras também permitiram perceber que a experiência da loucura é uma construção social, ou melhor, ela só existe na sociedade e é fortemente determinada pela cultura. À medida que os dois movimentos de reforma avançavam, iniciaram-se processos de desconstrução e mudança, buscando romper com a noção patológica de loucura e manifestações de sofrimento. No Brasil, a reforma psiquiátrica em curso vem incorporando diferentes elementos na construção das ações e dos sentidos atribuídos ao cuidado na rede de saúde mental. Contudo, o saber psiquiátrico ainda é a narrativa dominante que coloca a noção de doença nas manifestações do sofrimento. Para avançar, a reforma psiquiátrica precisa despatologizar a loucura e o sofrimento humano, compreendendo-os como vivências singulares dos indivíduos determinadas pelo contexto social.
Introducción:
Este trabalho é um recorte do projeto de tese intitulado “Os (des)sentidos da loucura: experiência do sofrimento das pessoas com problemas de saúde mental em João Pessoa, Paraíba, Brasil”. O objetivo geral da tese é compreender a experiência do sofrimento das pessoas com problemas de saúde mental que utilizam os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS). Na perspectiva de atender este objetivo, utilizaram-se metodologias de pesquisa, quais sejam: pesquisa bibliográfica, pesquisa documental e pesquisa de campo, com base na história oral. No entanto, este trabalho trata-se de uma síntese teórica produzida por meio de uma revisão narrativa da literatura. A revisão teve por objetivo colocar em suspensão a narrativa que captura a experiência da loucura como patologia. E evidencia a loucura enquanto experiência singular do sofrimento humano, cujos sentidos e significados associados a esta são construções socioculturais, o que nos permite apostar em uma nova imagem social da loucura. Com esse entendimento, pode-se romper com a visão da loucura enquanto doença mental e todo seu processo biologizante, reducionista, excludente, incapacitante e estigmatizante.
É fato que o campo da saúde mental foi marcado historicamente pela hegemonia do modelo biomédico e pelo surgimento de práticas e aparatos institucionais de controle e exclusão, cuja construção está expressa na forma como a loucura foi transformada, enquanto expressão da experiência humana, em patologia, devendo ser tratada em ambientes fechados. Nesses ambientes, oportunamente, a psiquiatria assume um lugar que lhe garantirá a apropriação da loucura como seu objeto de conhecimento. Ou seja, desde que a loucura foi apropriada conceitualmente pelo discurso da psiquiatria, que a reduziu e a categorizou como doença, as práticas em saúde mental, mesmo sob a justificativa de função terapêutica, já apresentavam um caráter desumano e excludente, desenvolvidas nos hospitais psiquiátricos.
No entanto, essa realidade começa a mudar mais precisamente após a Segunda Guerra Mundial, quando a sociedade questiona a situação de privação de liberdade e de uma infinidade de desrespeito aos direitos humanos a que eram submetidas as pessoas internadas em instituições psiquiátricas, desencadeando uma erosão do saber psiquiátrico. Assim, começaram a surgir as propostas de reformas psiquiátricas que questionam as formas tradicionais de assistência, evocando uma atenção psicossocial e o processo de desinstitucionalização. Esta não deve ficar restrito a mudanças institucionais, administrativas e/ou técnicas dos serviços de saúde mental, mas, em especial, como processo que contribui para construção da imagem e da autonomia das pessoas com problemas de saúde mental como sujeito político e social. Para Amarante (2009), a saúde mental não se restringe apenas à psicopatologia ou à semiologia e não pode ser reduzida ao estudo e tratamento das doenças mentais. Com a reforma psiquiátrica, a saúde mental é entendida como campo social, político e do conhecimento, sendo a psiquiatria mais uma área que faz parte da complexa rede de saberes que envolve a temática da saúde mental.
Na particularidade brasileira, o campo da saúde mental vivencia um contexto de mudanças com o processo de reforma psiquiátrica em curso; no entanto, não significa uma ruptura com os valores da biomedicina, mas, por outro lado, aponta para a necessidade de uma valorização da experiência narrada por indivíduos que experienciam o sofrimento, entendendo que tais experiências não se resumem à patologia definida, como é compreendido pelo paradigma biomédico.
Corroborando com os preceitos da reforma psiquiátrica, defendemos a superação do diagnóstico de doença mental, associado ao sofrimento vivenciado pelas pessoas, tendo em vista a perspectiva de lidar com o sujeito e não com uma doença, a qual é a raiz do modelo psiquiátrico, institucionalizado e disciplinador, sustentada pela relação de poder-saber que a psiquiatria formou em torno da loucura. Com isso, não queremos secundarizar a complexidade em torno do fenômeno da loucura e de seu processo saúde-doença, mas entender o sofrimento como doença aponta para a busca de um tratamento e de uma cura, mecanismos amplamente questionáveis quando se trata de saúde mental. “Novas tecnologias científicas, que se destinem à cura da doença mental, continuam apenas apresentando um problema que não pode ser resolvido” (Torre & Amarante, 2001, p. 80). Ainda para os autores,
. . . o dispositivo da clínica é o mecanismo que permite lançar visibilidade sobre o processo de saúde-doença, e que traz consigo táticas fundamentais como a internação, justificada pela crise e pela periculosidade do indivíduo em relação a si e aos outros, como o ato terapêutico que busca a cura, como sua objetivação na forma de corpo doente. Formas que precisam ser desmontadas (Torre & Amarante, 2001, p. 80).
Nesse sentido, enfatizamos a necessidade de duas questões fundamentais no campo da saúde mental: uma relacionada à busca de efetivo desmonte das bases do modelo psiquiátrico, que coloca o indivíduo na condição de sujeito-objeto. E a outra da transformação para sujeito-ator-político, que compreende, luta e conquista sua autonomia e, consequentemente, sua cidadania e de seu “grupo”, protagonizando sua própria história.
De acordo com Rotelli (1990 como citado em Torre e Amarante, 2001), “. . . no lugar do objeto doença mental, o objeto existência-sofrimento do sujeito em sua relação com o corpo social” (p. 79). Assim, temos uma contraposição de duas noções em torno do entendimento do sofrimento psíquico, uma defendida pela psiquiatria como doença e a outra entendida enquanto dimensão do sujeito-ator-político que sofre.
Dito isso, apresentamos o estudo da seguinte forma: a metodologia com as indicações da revisão de literatura, os resultados com as nossas análises e as conclusões, seguidas das bibliografias utilizadas.
Desarrollo:
A revisão de literatura nos apresentou conceitos essenciais a partir da pesquisa bibliográfica, cuja abordagem possibilitou o aprofundamento conceitual e teórico sobre a temática, uma vez que busca “. . . realizar um movimento incansável de apreensão dos objetivos, de observância das etapas, de leitura, de questionamentos e de interlocução crítica com o material bibliográfico. . .” (Lima & Mioto, 2007, p. 37).
Para Lima e Mioto (2007), a principal técnica de apreensão da pesquisa bibliográfica é a leitura, que deve estar atenta para identificar as informações consistentes para o objeto de estudo. Daí a necessidade de realizar “. . . leituras sucessivas do material para obter as informações e/ou dados necessários em cada momento da pesquisa . . .” (Salvador, 1986 como citado em Mioto & Lima, 2007, p. 41).
Assim, a partir das indicações metodológicas apontadas por esses autores, em torno do processo de leitura, e dentre as inúmeras publicações que tratam direta e indiretamente da temática, selecionamos obras e autores, os quais foram as lentes que guiaram o processo de sistematização e abordagem analítica para delinear as categorias teóricas do nosso estudo.
Desta feita, procedeu-se com análise de algumas categorias que surgiram durante o processo da pesquisa bibliográfica, a saber: as diferentes compreensões para o sofrimento, sobretudo, a complexidade em torno do sofrimento psíquico; o debate sobre a subjetividade e a constituição da psiquiatria como saber dominante sobre a saúde mental. Buscou-se aporte teórico para a compreensão dessas categorias nos clássicos da sociologia como Durkheim, Marx e Weber e nos contemporâneos representados, especialmente por Michel Foucault. Autores considerados expoentes da crítica ao modelo da psiquiatria e desenvolvimento do processo de reformas psiquiátricas, como Franco Basaglia e Frantz Fanon foram incorporados às leituras. No Brasil buscou-se aporte nos escritos de Paulo Amarante, por ser a grande referência brasileira, e defensor do processo de despatologização.
Nesse sentido, acreditamos que as contribuições dos clássicos e contemporâneos abrem o caminho para fundamentar, de forma geral, a temática sofrimento e, de modo mais específico, o sofrimento social e psíquico.
. . . genericamente, sofrimento é um estado de aflição severa, associado a acontecimentos que ameaçam a integridade (manter-se intacto) de uma pessoa. Sofrimento exige consciência de si, envolve as emoções, tem efeitos nas relações pessoais da pessoa, e tem um impacto no corpo. Essa situação existencial de aflição grave verifica-se naquilo que a pessoa identifica com seu interior, usualmente associado a emoções, como ansiedade, e a sentimentos, como tristeza, frustração, impotência etc. O fato de tratar-se de vivência interior torna possível que não seja sempre detectável por um observador (Cassell, 2004, como citado em Oliveira, 2016, p. 228).
Para tanto, de modo geral, podemos dizer que o sofrimento pode ser caracterizado como sendo um estado da pessoa que sofre, cujo processo de sentir e vivenciar situações de isolamento, estresse, luto, tristeza, insônia, culpa, humilhação, ansiedade etc. é incorporado e se expressa de forma distinta. Esse sofrimento, na maioria das vezes, pode estar relacionado a acontecimentos externos ao indivíduo, vivenciados na esfera social, podendo se apresentar de forma transitória ou permanente e ser superado ou não. Entende-se, ainda, que a intensidade do sofrimento pode ser determinada pela percepção de risco à integridade do indivíduo, considerando as dimensões de sua vida.
Sendo assim, não podemos compreender o sofrimento psíquico como forma de doença ou adoecimento mental, com diagnóstico e, em sua maioria, é classificado enquanto doença crônica, mas,
. . . compreendemos sobremaneira que o sofrimento psíquico não é reservado àqueles que receberam algum diagnóstico específico, mas sim algo presente na vida de todos, que adquirirá manifestações particulares a cada um, e nenhum cuidado será possível se não procurarmos entender como se dão as causas do sofrimento em cada situação e para cada pessoa, singularmente. Além disso, compreendemos as doenças mentais – nos casos em que possam receber tal denominação – muitas vezes caracterizam-se como doenças crônicas, ou seja, como algo com que o sujeito precisará conviver ao longo da vida, como é o caso de diabetes ou doenças degenerativas (Brasil, 2013, p. 15).
A partir disso, concordamos com Cassell (2004 como citado em Brasil, 2013, p. 14), quando afirma que: “Corpos não sofrem, pessoas sofrem”.
Não há dúvidas que, na contemporaneidade, crescem assombrosamente diagnósticos pautados em um agrupamento de sintomatologias e o uso de antidepressivos e outros medicamentos psicoativos. Criam-se concepções padronizadas de linguagem comum e de critérios para classificar o sofrimento, a exemplo do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5), representando uma das maiores fontes de controle psicossocial e de manutenção de patologias na atualidade (Ceccarelli, 2010 como citado em Portela, 2019). O referido manual é uma das constatações de que:
. . . as pessoas estão sendo convencidas de que qualquer problema, qualquer contrariedade é insuportável, o que transformou o sofrimento psíquico em uma doença mental, para a qual existe um medicamento apropriado para a emoção que o sujeito não deveria sentir (Ceccarelli, 2010 como citado em Portela, 2019, p. 11).
Nessa perspectiva, revela-se a ideia de enquadramento do sofrimento psíquico às doenças mentais a serem conduzidas por meio do modelo biomédico, excluindo a vivência da pessoa.
Compreender a vivência da pessoa nos remetem a entender, delimitar e ampliar nossa compreensão que a vida e suas nuances existem e influenciam o sofrimento psíquico, e que este não necessariamente deve ser identificado como um “adoecimento mental” que, muitas vezes, é identificado como doença crônica, com indicação de tratamento e a rotulação permanente de incapacidade para vida.
Desta feita, concordamos com o pensamento de Sampaio (1993 como citado em Souza; Pontes & Jorge, 2018, p. 37), quando conceitua sofrimento psíquico como:
O conjunto de mal-estares e dificuldades de conviver com a multiplicidade contraditória de significados, oriundo do antagonismo subjetividade/objetividade. Caracteriza-se por dificuldade de operar planos e por definir o sentido da vida, aliado ao sentimento de impotência e de vazio, o eu experimentado como coisa alheia (Sampaio, 1993, como citado em Souza; Pontes & Jorge, 2018, p. 37).
Esse conjunto de mal-estares, de dificuldades e de desafios constantes sinalizam para a complexidade em torno de um cuidado e de uma atenção que dê conta de compreender o indivíduo que sofre de forma integral.
Para Perrusi (2015), o sofrimento psíquico é um fato social por estar imbricado na sociedade por meio da cultura e, assim, tornou-se universal, pois além de ser corriqueiro, lhe é dada a mesma importância de uma dor somática, ocupando todas as esferas sociais, mobilizando um conjunto de atores sociais na perspectiva de amenizá-lo.
O sofrimento psíquico é uma construção social, embora sua expressão seja individualizada. É individualizado, porque é socializado dessa forma. Por isso, é de ninguém e de todos – empiricamente infinito e sociologicamente limitado (Otero, 2005 como citado em Perrusi, 2015, p. 9).
Ainda nessa esteira, tem-se o pensamento de Brant e Minayo-Gomez (2003 como citado em Souza; Pontes & Jorge, 2018), sinalizando que, de modo geral, podemos dizer que a vivência do sofrimento psíquico é subjetiva, no entanto, acrescentam revelando “. . . que as manifestações e reações se agravam conforme o ambiente desfavorável, no qual o indivíduo encontra-se inserido. . .” (p. 38), ou seja, assume uma significação individual, mas que mantém uma inter-relação com a esfera social. Sendo assim, para a obtenção de mais elementos que caracterizem o sofrimento psíquico, podemos dizer que este se constitui como um fenômeno com múltiplas expressões, que pode estar presente em qualquer fase da vida humana, momentaneamente ou não, tendo como eixo principal o entendimento do intrincado processo de subjetividade e de objetividade.
No esforço de entender esse intrincado processo, compreende-se que o sofrimento psíquico é composto por um duplo e indissociável complexo de relações que participam do processo social em sua totalidade. Trata-se de um processo unitário, no qual se desdobram dois movimentos ontologicamente reais e interligados, um que está no plano interno do indivíduo em si e o outro no plano externo-social. Para tanto, não pode existir sofrimento humano singular fora de uma totalidade social.
Estas indicações nos permitem o entendimento de que o sofrimento psíquico apresenta duas dimensões fundamentais. A primeira como uma vivência subjetiva ou pessoal, compreendida a partir de uma subjetividade individual, que também é coletiva, considerando que a subjetividade produz e é produto social. E a segunda como um fato social e uma construção social decorrente da inter-relação produzida pelos indivíduos, que podemos denominar de inter-relação societária, pois ocorre a partir de uma mediação inevitável, em que a objetividade (sociedade) opera sobre a subjetividade (indivíduos) e vice-versa. Desse processo resulta a multiplicidade e heterogeneidade dos modos de expressões do sofrimento psíquico que, ao longo da história da humanidade, é objeto de estudos e de enfrentamentos.
No tocante à compreensão de que o sofrimento psíquico se apresenta enquanto uma vivência que é subjetiva, esta é justificada pelo fato daquele que experiencia o sofrer ser um sujeito individual (o sofrer é uma experiência pessoal) e, assim, não se tem uma manifestação padronizada para todos os indivíduos; isto é, um determinado fato pode causar sofrimento intenso para um e pode não ser para outro, mesmo estando inseridos no mesmo contexto social. Desse modo, “. . . É importante reconhecer que o sofrimento não tem uma manifestação única para todos os indivíduos de uma mesma família, cultura ou período histórico . . .” (Brant & Minayo-Gomez, 2004, p. 214).
No entanto, não podemos subtrair do indivíduo sua essência social, haja vista ser o indivíduo um produto histórico. Ou seja: “O ser humano só se individualiza pelo processo histórico” (Marx, 2011, p. 407). Aos modos de Marx, podemos inferir que a subjetividade não deve ser pensada como instância autônoma, própria, independente e abstrata, bem como não pode ser posta naturalmente, dada imediatamente ao indivíduo.
Seguindo as reflexões de Marx, pode-se dizer que a subjetividade é produzida socialmente em um determinado contexto e tempo histórico, não significando que a subjetividade está reduzida aos reflexos do processo histórico da vida econômica, mas ela é um componente indissociável, inerente, sendo uma produção que se dá em conjunto e, assim, imprescindível nos processos de formação da vida humana.
Entendendo que a subjetividade é essencialmente produto do processo social, sendo também expressão do processo singular da condição humana, traduz-se que a experiência do sofrimento psíquico é individual, podendo também ser coletiva, haja vista que o sentido do sofrimento individual pode ser partilhado. Assim, estamos diante de paradigmas que representam a complexidade em compreender como se dá a produção da subjetividade e a experiência do sofrimento psíquico no campo da saúde mental.
Lembrando que no campo da saúde mental, a subjetividade coletiva da pessoa em sofrimento psíquico sempre esteve atrelada aquele tido como alienado, incapaz, irracional etc., imagem que começa seu processo de erosão a partir da reforma psiquiátrica, invocando a participação desse sujeito enquanto protagonista, construtor de projetos, de cidadania, de subjetividade (Torre & Amarante, 2001).
A partir das indicações teórico-metodológicas acima descritas e entre as inúmeras publicações consultadas que tratam direta e indiretamente da temática loucura e sofrimento, foi possível identificar a possibilidade de um processo, em curso, de despatologização da loucura, cujas indicações a seguir fundamentaram nossas análises, vejamos: >> Aponta-se que a construção sócio-histórica da experiência da loucura é complexa e atravessada por múltiplas concepções e intervenções as quais se inscrevem a partir de um invólucro de desrazão, exclusão e da patologia; >> As leituras possibilitaram perceber também que a experiência da loucura, apesar de ser uma experiência subjetiva, é uma construção social, ou seja, só existe em sociedade e é fortemente determinada por uma determinada cultura, e assim, com os avanços dos movimentos reformadores são iniciados processos de desconstrução e mudança que buscam romper com a noção patológica sobre a loucura e sobre as manifestações do sofrimento.
Lembrando que no Brasil, a reforma psiquiátrica em desenvolvimento vem incorporando diferentes elementos na construção de ações e dos sentidos atribuídos ao cuidado na rede de saúde mental, e assim segue defendendo a criação de novos saberes e práticas pautadas no respeito à diversidade dos diferentes modos de existir, no tratamento digno e ao abandono de práticas coercitivas. Contudo, o saber psiquiátrico ainda é a narrativa dominante que coloca a noção de doença às manifestações do sofrimento.
Conclusiones:
A reforma psiquiátrica para avançar precisa despatologizar a loucura e o sofrimento humano, compreendendo-os como vivências singulares dos indivíduos determinadas pelo contexto social.
Pensar sob este prisma, nos indica que toda a humanidade estar suscetível ao sofrimento, em algum momento da vida, e que este sofrimento pode tornar-se mais intenso. De acordo com Freitas (2021), apesar de esse entendimento configurar-se enquanto uma dimensão universal, o sofrimento, inclusive o mais intenso, pode ser entendido como comportamento inerente à condição humana, que deve ser compreendido mediante as experiências difíceis de nossas vidas, não necessariamente significa alguma doença.
Ademais, quando se trata de saúde mental, percebe-se que a psiquiatria transforma sofrimentos, como ansiedade, medo, pânico, em uma dor, mesmo que esta seja denominada de psíquica, comparada e sendo uma variação de qualquer outra dor física, que necessita de medicamentos para saná-la. Conquanto, apesar da predominância dos preceitos da psiquiatria, deve-se atentar que a dor psíquica tem uma especificidade, ela remete mais à subjetividade do indivíduo do que ao corpo biológico propriamente dito (Perrusi, 2015). Esse autor apresenta uma distinção analítica importante, afirmando que a dor é, no máximo, própria do corpo físico; enquanto o sofrimento pode ser considerado uma manifestação da subjetividade que envolve os aspectos culturais, as representações, a rede de sentidos e significados compartilhada pelo grupo social do indivíduo. A esse propósito, necessita-se de um olhar diferenciado, um olhar que não separa o sofrimento das dimensões físicas, psicológicas, mentais e espirituais, nem dos impactos do conjunto de forças sociais, econômicas, políticas, culturais, enfim, do reconhecimento da indissociabilidade das esferas da vida de cada indivíduo.
Assim, a grande questão é: compreender a loucura como experiência do sofrimento singular humano, e não mais como uma experiência patológica.
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Freitas, F. (2021). Reforma psiquiátrica Brasileira: alternativas ao diagnóstico psiquiátrico (1) | Mad In Brasil: Ciência, psiquiatria e justiça social, 3 jun. 2021. https://madinbrasil.org/2021/06/reforma-psiquiatrica-brasileira-a-problematica-do-diagnostico-1/ Acesso em: 05 out. 2021.
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Palabras clave:
Loucura; Reforma Psiquiátrica; Sofrimento Psíquico; Despatologização.