Resumen de la Ponencia:
O objetivo desta pesquisa foi analisar como estão estruturadas as políticas de atenção à criança e ao adolescente no Brasil, compreender a história da infância e do abandono no Brasil no século XX, bem como analisar como estão estruturadas as políticas de atenção à criança e ao adolescente adolescente. Utilizamos como método de pesquisa uma pesquisa histórica baseada na concepção histórica da criação e infância no Brasil no século XX, analisando como objeto de estudo, a Doutrina da Proteção Integral e sua efetividade no Brasil e, para a construção do trabalho , utilizamos como base a metodologia bibliográfica. Buscamos compreender, no decorrer da investigação, o contexto histórico, social e cultural do que acontece com crianças e adolescentes em situação de abandono, e qual é o papel do Estado brasileiro diante do abandono como grande instituição . Estudei a possibilidade de compreender a concepção de educação infantil e como se organizavam as políticas de atenção à criança e ao adolescente. , pois não havia políticas voltadas para as demandas das crianças. Com muitas lutas e movimentos sociais de crianças e adolescentes, eles são reconhecidos como sujeitos em formação, e a partir da Constituição Federal e do Estatuto da Criança e do Adolescente, os direitos dos indivíduos são garantidos por lei, com base no princípio da Prática de Proteção Integral . A pesquisa permitiu estabelecer as relações do abandono com o papel do Estado brasileiro como principal instituição na promoção de direitos. Foi possível identificar que, Muitas vezes, esse abandono é realizado pelo próprio Estado quando, de alguma forma, não garante ou atende crianças e adolescentes, quando a Rede de Proteção Integral não é capaz de proteger essas crianças, por exemplo. Entendemos que, quando há falta de intervenção em situações de vulnerabilidade social, essa falta de responsabilidade por parte do Estado brasileiro pode ser analisada como um abandono institucional, em última análise, uma vez que o Estado nacional também é responsável pela dignidade da pessoa humana. vida. seus cidadãos. Foi possível identificar que, muitas vezes, esse abandono é realizado pelo próprio Estado quando, de alguma forma, não garante ou atende crianças e adolescentes, quando a Rede de Proteção Integral não é capaz de proteger essas crianças, por exemplo . Nós finalmente entendemos
Introducción:
Esta pesquisa teve como objetivo o de analisar a ação do Estado brasileiro frente às políticas públicas de atendimento à infância, com a intenção de compreender como estão estruturadas as políticas sociais para crianças em situação de abandono. De acordo com o Conselho Nacional de Justiça - CNJ (2021), 29.213 (vinte e nove mil e duzentos e treze) crianças estão cadastradas no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), as circunstâncias que levaram essas crianças e adolescentes até essa situação de acolhidas foram diversas como: pobreza, desemprego, exclusão social, as desigualdades sociais, entre outras.
Essas crianças, em algum momento, foram abandonadas seja por suas famílias ou pelo Estado que não impediu que essas famílias estivessem nessas condições, esta pesquisa busca compreender qual o papel do Estado brasileiro perante essas situações, partindo do pressuposto que o Estado é a maior instituição e do seu dever de assegurar políticas que atenda esses grupos.
Para analisarmos a problemática de pesquisa aqui apresentada nos pautaremos em uma pesquisa histórica que se caracteriza segundo as estudiosas (Lakatos & Marconi, 2003, p. 182) por uma investigação dos acontecimentos, processos e instituições passadas para compreendermos e analisarmos a sua influência até o ano de 2021. Com a consciência de que a história está em constante mudança, visto que em cada tempo histórico temos uma concepção cultural, social e política, cabe ao investigador olhar para o seu objeto de estudo inserido nessas esferas e nunca de forma isolada. Com base na pesquisa bibliográfica que parte da análise de livros, dissertações, matérias jornalísticas, revistas, artigos entre outros materiais que foram publicados e, com esse levantamento de conteúdo, o pesquisador tenha possibilidade de definir, compreender e chegar a outras conclusões sobre o tema.
Para alcançarmos os objetivos aqui traçados, tentaremos compreender os seguintes aspectos: históricos e políticos das práticas de abandono infantil no Brasil, com o intuito de compreender como o país lidava com estas questões no decorrer do século XX. Em um segundo momento analisaremos o Estatuto da Criança e do Adolescente e a adesão à doutrina de proteção integral no contexto nacional. E por fim, analisaremos, a partir da doutrina de proteção integral, quais ações e políticas o Brasil tem assumido para o atendimento às crianças em situação de abandono, a fim de compreender como está estabelecido o compromisso do Estado Brasileiro em relação à vulnerabilidade infantil.
Desarrollo:
Aspectos históricos e políticos das práticas de abandono infantil no Brasil no decorrer do século XX
Iniciamos esta investigação identificando que, de acordo com as estatísticas do Observatório Terceiro Setor (2019) o caso de crianças abandonadas, que vivem em instituições de acolhimento no Brasil, cresce a cada dia, com um número expressivo de aproximadamente 47 mil crianças que se encontram longe de suas famílias. Sendo o abandono um problema social, se faz importante essa pesquisa, a fim de analisarmos como as políticas públicas atuam sobre esse problema social, como também identificarmos as possíveis causas e quais medidas o Estado adota para minimizar as práticas de abandono.
Durante muito tempo a criança e o adolescente não eram reconhecidos como uma pessoa em sua plenitude, mas sim como um sujeito inacabado. Como afirma Ariès (1978) ao indicar que não havia preocupação com as crianças e não se respeitavam suas particularidades: as de um indivíduo que está em desenvolvimento.
De acordo com Perez e Passone (2010), não houve leis que amparassem e protegessem essas crianças e adolescentes, até o ano de 1990 no Brasil. “Entre os estudos realizados no campo das políticas sociais no Brasil, há um conjunto de trabalhos que propala a inexistência de um efetivo sistema de proteção social até 1990” (Perez & Passone, 2010, p. 650).
Como discute Arantes (2004) a prática do abandono infantil sempre esteve presente na história do Brasil, desde o período Colonial, porém os motivos para abandonarem essas crianças e as medidas tomadas contra tal fenômeno, são diferentes em cada momento histórico. Segundo Arantes (2004), no período Colonial no Brasil, o destino das crianças abandonadas eram as Casas da Roda ou Casas dos Expostos, onde eram deixadas anonimamente. Estes espaços eram de cunho caritativo e, alguns dos motivos que levavam os pais a fazerem isso, era para manterem a honra da família, pois muitas vezes, as crianças eram frutos de relações extraconjugais. Como explana Silva (2019, p. 57) “[...] “Rodas” eram as casas que, inicialmente, servindo para manter no anonimato aqueles que contribuíam com a caridade, mais tarde passou a ser utilizada para acolher recém-nascidos abandonados”.
Silva (2019), aponta em sua obra que as Casas da Roda se mantiveram do século XVIII até o século XIX, essas casas ficavam sob responsabilidade da Igreja, sendo filantrópicas e com um caráter assistencialista, neste período eram a única assistência prestada às crianças abandonadas. No entanto, segundo Lima (2013) esse cunho assistencialista perde o seu sentido quando interiorizam a ideia de que as crianças são o futuro do país.
Contudo, as orientações emanadas do Estado a respeito do pátrio poder não se aplicavam a todas as infâncias e adolescências, elas eram destinadas às crianças pobres e pretas. Estas sim necessitavam agir de acordo com os comportamentos impostos pelo Estado, pois eram estes sujeitos que estavam em situação de vulnerabilidade social e, quando não agiam da maneira esperada pelo Estado, eram coagidos para não afetarem a moral da sociedade e manterem o controle social.
Posteriormente, como relata Silva (2019, p. 57), “[...] O problema do abandono de crianças no Brasil se intensifica, a partir da revolução industrial. Conquanto, a revolução industrial tenha se originado na Inglaterra, entre 1780 e 1860, seus efeitos chegaram ao Brasil logo no início do século XX”. Em decorrência da mudança de cenário, modifica-se também a visão de infância.
Outro elemento que complexifica a situação da criança brasileira, como afirma Lima (2013), foi o êxodo rural que, intensificou a concentração de famílias nas grandes metrópoles a tal ponto que as cidades não estavam preparadas para tal acontecimento. Este fenômeno ocasionou muita miséria o que acentuou, a desigualdade que está presente na sociabilidade capitalista e, consequentemente, a distinção entre classe dominante e classe trabalhadora. Com isso temos dois tipos de infância:
Portanto, se era uma criança livre e filha da elite, certamente teria a oportunidade de ter uma infância identificada como aquela que designamos hoje, de brincadeiras, lar harmônico e educação. Relatando, ainda a vida da criança negra e escrava, no período colonial, fica ainda mais nítido essa complexidade de diferenciação e descriminalização que estavam submetidas à infância. Se a criança era negra ou filha de agricultores pobres, por assim dizer, ela necessariamente já estava condenada ao mundo do trabalho. (Lima, 2013, p. 19)
Como visto anteriormente, em nosso país, temos duas representações de infância, com encaminhamentos distintos para cada uma delas. Se por um lado, as crianças das famílias abastadas, pudessem usufruir de uma ideia de infância que priorizasse a educação e um lar harmônico, por outro, as crianças oriundas de famílias que estavam em situação de pobreza, sofriam intervenção do Estado por meio do Código de Menores destinado às crianças e adolescentes pobres, o Estado não tinha a preocupação de melhorar as condições de vida dessas famílias e viam como solução retirar a criança do seio familiar.
Como explana Lima (2013) a primeira legislação destinada às crianças no Brasil foi o Código de Menores em 1927, porém carregada de preconceitos, colocavam o indivíduo como culpado da situação, utilizavam de termos pejorativos para se referirem a essa criança e adolescente como: delinquentes, marginais, abandonados, menor infrator, entre outras nomenclaturas. “[...] O Código de Menores atribui ao Estado o papel de tutelar o órfão, ou seja, aqueles que se encontrava em situação irregular [...]” (Lima, 2013, p.43).
O atendimento proporcionado era de um caráter punitivo e coercitivo, com o intuito de repreenderem os comportamentos que eram vistos como inadequados para a moral da sociedade, essa criança não era vista como um sujeito de direitos e sim como um indivíduo perigoso para a ordem da comunidade. Visão que, legalmente, somente seria alterada com a publicação da Constituição da República Federativa do Brasil (CF) em 1988 com a incorporação da doutrina de proteção integral de crianças e adolescentes.
Com todo esse cenário de repressão e omissão de direitos, surgem diversos movimentos sociais que foram fundamentais na história pela luta dos direitos de crianças e adolescentes. Segundo Souza (2012) o Movimento Nacional dos Meninos e Meninas de Rua de 1980 não aconteceu fora de contexto, assim como outros movimentos ocorridos durante a Ditadura Militar. O movimento buscava reverter a atual situação da década de 1980 frente as políticas públicas destinadas às crianças e aos adolescentes. De acordo com Lima (2013) todos os movimentos sociais, lutas e reinvindicações foram de grande valia para a incorporação de inúmeros direitos na Constituição Federal (CF) de 1988, documento que assegura sobre a Doutrina da Proteção Integral.
A Doutrina de Proteção Integral é um grande marco para a luta dos direitos das crianças e adolescente, com essa conquista tem-se um olhar individualizado para as crianças, respeitando-a como um sujeito em desenvolvimento e responsabilizando pais, sociedade e Estado, para a promoção de todos os direitos da criança e do adolescente. Importante salientar que a luta pela doutrina de proteção integral para a criança não acontece de forma isolada apenas no Brasil, mas também ocorre na esfera internacional com dois documentos importantíssimos para os direitos das crianças. Segundo Cavichioli (2019), são eles: a Declaração Universal dos Direitos da Criança (1959) e a Convenção internacional sobre os direitos da criança (1989).
No Brasil, a Constituição Federal de 1988 dispôs sobre a doutrina de proteção integral em seu Art. 227 ao aprovar que:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (Redação dada Pela Emenda Constitucional nº 65, de 2010)
A Constituição Federal (CF) é um documento fundamental para a regularização de uma vida digna para as crianças e adolescentes. Visto que são sujeitos em pleno desenvolvimento e precisam de aparatos para que esse desenvolvimento ocorra de maneira íntegra, como também é dever de todos que promovam os direitos assegurados pela lei.
Como vimos foram diversos encaminhamentos para a criança e ao adolescente implantados ao longo da história. Até aqui compreendemos o contexto histórico e social da infância e da criança no Brasil, visto que em cada momento se tem uma concepção de criança. Portanto, se fez pertinente essa pesquisa histórica sobre o abandono no Brasil, nesse momento será preciso nos debruçarmos sobre os direitos promovidos pela doutrina de proteção integral e como isso se refletiu no documento de política que foi efetivado com o ECA.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e a Doutrina de Proteção Integral
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei n. 8.069 de 13 de julho de 1990 sistematiza a proteção integral de crianças e adolescentes no país. O documento foi resultado de muita luta e Movimentos Sociais e, se fundamenta em documentos internacionais como a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1959 e a Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança de 1989.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos promulgada em 1948 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, trata-se de um documento expresso em 30 artigos, que asseguram os direitos humanos em diversas categorias, todas de suma importância para uma vida digna e de qualidade, sem hierarquia entre os direitos, visto que cada direito tem sua relevância na vida do cidadão.
Outro documento no âmbito internacional que segundo Mendes (2006), influenciou a elaboração do ECA, foi a Declaração Universal dos Direitos da Criança de 1959, regulamentada em 10 princípios que norteiam os direitos das crianças e adolescentes, estabelece a criança como prioridade, sendo reconhecida a necessidade de políticas destinadas as crianças e adolescentes, visto que esses são seres em desenvolvimento.
O mais recente documento que também atuou sobre o ECA é a Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989.
A Convenção sobre os Direitos da Criança, adotada em Assembleia Geral das Nações Unidas em 20 de novembro de 1989, constituiu-se em um documento orientador para a elaboração do ECA. Nele, estão contemplados os direitos à vida, à saúde, segurança, liberdade de expressão, educação, lazer, independente da nacionalidade, etnia, sexo, idioma, posição social de seus pais ou representantes legais. (Rosa & Wille, 2012, p.142)
Ao analisarmos a história da infância no Brasil e as práticas de abandono como também as medidas tomadas no século XX, compreendemos que o ECA e as demais legislações no decorrer do século XX não se consolidam de forma isolada, mas são impactadas pelo contexto nacional e internacional.
O ECA, legislação construída no início da década de 1990, é marco regulador para as políticas sociais de atendimento à adolescência e à infância, com a lei a criança passa a ser vista como um sujeito de direito e prioridade em todas as políticas públicas, e sem distinção entre os indivíduos. Com a plena consciência de que a situação irregular não é do sujeito, mas sim das condições em que ele vive, conforme Costa (2000, p. 55) “[...] considerava-se em situação irregular os menores abandonados, vítimas de maus-tratos, miseráveis, além dos infratores.” Esse trecho expressa o período de vigência do Código de Menores, em que colocavam sob tutela apenas os indivíduos que se encontravam nessa situação irregular. Hoje com o Estatuto o termo utilizado é do sujeito que está em situação de vulnerabilidade social, e todas as crianças e adolescentes independente da situação econômica em que se encontram, possuem seus direitos assegurados, assim, esses indivíduos estando em situação de vulnerabilidade ou não, são amparados por Lei, pois o direito é da criança e do adolescente em si, e não está ligado diretamente à sua condição financeira.
Entretanto, nem sempre os direitos assegurados pelo ECA são efetivados, como por exemplo o princípio de prevalência do melhor interesse, por esse princípio compreende-se que devem levar em conta os interesses da criança e do adolescente em sua condição peculiar de sujeitos em desenvolvimento. Independentemente de sua a condição social, porém nem sempre esses direitos são respeitados, quando são crianças de uma condição de vulnerabilidade há uma lacuna na prevalência de seus direitos por diversos motivos como a falta de direitos básicos como saúde, educação, moradia, alimentação, lazer. Ainda assim há um acompanhamento por meio dos mecanismos de prevenção dessas situações, como o Centro de Referência de Assistência Social - CRAS, Centro de Referência Especializado de Assistência Social - CREAS e Conselho Tutelar que são acionados pela escola e comunidade quando, de algum modo, esse indivíduo sofre uma violação de direito.
Ainda assim, o Brasil é considerado um dos países mais promissores em relação as políticas destinadas às crianças e adolescentes, como indicado por Faraj, Siqueira e Arpini, (2016). As legislações garantem a promoção dos direitos das crianças, porém as situações irregulares e a vulnerabilidade social continuam presentes no cenário brasileiro. Assegurar os direitos das crianças e adolescentes é dever de todos conforme o Art. 227 da CF (1988) que respalda a rede de proteção integral segundo Cavichioli (2019). Ademais o conceito de proteção integral também se faz presente no ECA, como relata Cavichioli (2019).
Assim, com a promulgação do ECA (1990), cria-se uma rede de proteção como com políticas de atendimento que visam a garantia de todos os direitos e que os órgãos governamentais e não governamentais estejam articulados. Faraj, Siqueira e Arpini (2016) indicam, nesse contexto, que há um rompimento de práticas assistencialistas e filantrópicas para as crianças e há o estabelecimento do Sistema de Garantia de Direitos.
Essa nova concepção de promoção dos direitos das crianças e adolescentes, atua em rede em um trabalho intersetorial, presente em diversos segmentos, para uma melhor efetivação dos direitos. O trabalho em rede está diretamente ligado à assistência social, nesse sentido temos a implementação de leis e programas.
Em dezembro de 1993 é promulgada a Lei Orgânica da Assistência social – LOAS, que segundo Yasbek (2003) com a nova lei a assistência social tem um novo significado. Com um novo sentido, de responsabilização do Estado na garantia de direitos a quem necessita, reconhecendo a assistência social como política pública. Conforme relata Moreira, Muller e Cruz (2012), o Sistema Único de Assistência Social - SUAS promulgado no ano de 2005, materializa as diretrizes do LOAS sendo uma política pública, rompendo com a visão de assistência filantrópica e como caridade, afinal é uma política que deve ser organizada e efetivada pelo Estado.
Ainda sobre os instrumentos na garantia dos direitos das crianças e adolescentes, o ECA (1990), em seu Art. 131 dispõe que “O Conselho Tutelar é órgão permanente e autônomo, não jurisdicional, encarregado pela sociedade de zelar pelo cumprimento dos direitos da criança e do adolescente, definidos nesta Lei”, para que todas as crianças sejam assistidas e que nenhum direito seja negligenciado,
O Art. 136 do ECA (1990) dispõe sobre as atribuições do Conselho Tutelar, o conselheiro deve amparar sua prática no ECA e nas demais legislações, para assim, buscar os encaminhamentos para cada situação que aparecerá no exercício de sua prática. Estes são alguns dos mecanismos originados a partir da CF (1988), o ECA (1990) no âmbito nacional que, como visto anteriormente, não são consolidados de forma isolada e recebem influências na esfera internacional. A partir do ECA origina-se a rede de proteção integral para a criança e o adolescente, por isso tais legislações são de suma importância para a efetivação dos direitos individuais, mas a existência da Lei por si só não garante que, de fato, esses indivíduos serão assistidos, a necessidade da criação desses mecanismos demonstra como os direitos vem sendo desrespeitados, esses sujeitos negligenciados e abandonados.
Com base nas estatísticas do Observatório Terceiro Setor (2021) no ano de 2019 foram registrados 32.647 casos de crianças agredidas, quase quatro por hora ou um a cada 15 minutos. Também foram registradas 26.494 situações de abandono e negligência. Diante desse número alarmante de crianças em situação de abandono, qual o papel do Estado frente a essas ocorrências? Vale ressaltar que esse não é o número real de casos, pois, em muitos como já vimos, a rede não é capaz de identificá-los por diversos fatores, além disso com a pandemia e as crianças e adolescentes em casa, é impossível saber com exatidão quantas crianças deixaram de ser ouvidas e vistas, por não frequentarem as escolas visto que, na maioria das vezes, é a instituição escolar, seus professores e agentes quem identificam e encaminham situações de abusos, violências e abandono para a rede de proteção.
Com base nas leituras realizadas compreendemos que os documentos oficiais, leis, declarações, estatutos entre outros documentos que balizam e garantem direitos e deveres dos cidadãos não são fatores isolados, mas sim fruto do cenário histórico e social que estão inseridos, seja no âmbito nacional ou internacional. A partir do ECA, é criada uma rede de proteção integral, adiante veremos o papel do Estado e de seus órgãos na efetivação das políticas de atendimento.
O Estado e o abandono
Até o momento analisamos a questão histórica de como a criança era vista, e como é vista nos dias de hoje, como também os documentos e legislações que visam assegurar os direitos de crianças e adolescentes, indivíduos que estão em desenvolvimento. Como já citado a CF de 19880 em seu Art. 227, é dever da família, da sociedade e do Estado garantir que seus direitos sejam efetivados. Porém há uma contradição por parte do Estado, quanto ao seu papel é de assegurar os direitos previstos no ECA, mas que de fato a efetivação dos direitos das crianças e adolescentes, em sua grande maioria, não é garantida, uma vez que o Estado colabora para a atual situação de vulnerabilidade social de diversas crianças. Tal colaboração é evidenciada com a não efetivação de seus direitos, quando não há oferta de vagas nos Centros Municipais de Educação Infantil (CMEI), ao não proporcionar condições dignas de moradia, acesso ao transporte público, alimentação, falta de emprego, entre outros direitos deixam de ser promovidos, que colocam essas famílias em situação de vulnerabilidade social, e o Estado não cumpre com seu papel de instituição maior na seguridade dos direitos e a promoção das políticas públicas para com esse grupo.
Importante pontuarmos qual a função do Estado, segundo Saes (1988)
[...] Um conceito de Estado em geral: o Estado, em todas as sociedades divididas em classes (escravista, feudal ou capitalista), é a organização especializada (=o “poder especial de repressão”) na função de moderar a luta entre as classes antagônicas, garantindo por esse modo a conservação da dominação de classe; ou, por outra, o conjunto das instituições (mais ou menos diferenciadas, mais ou menos especializadas) que conservam a dominação de uma classe por outra. (Saes, 1998, p. 19)
Com a municipalização em que ocorre com os recursos e a rede de proteção citada anteriormente, ocasiona uma descentralização, transferida de uma esfera de governo para outra. O Estado, ao descentralizar sua função para os municípios, retira sua responsabilidade estatal. Não promove o financiamento das políticas públicas e atua como um Estado regulador, propõe uma ação, não executa e não financia, e posteriormente avalia os resultados do que foi proposto, e responsabiliza a esfera municipal pelo fracasso, ao alegar que o município não soube administrar. Segundo Peroni (2003, p.69) “[...] a descentralização, gradualmente, tenta retirar responsabilidades do Estado, o qual quer transferir para a sociedade tarefas que eram suas no que se refere às políticas públicas e, principalmente, às políticas sociais [...]”.
Höfling (2001) retrata de outra maneira como o Estado se desresponsabiliza e não cumpre sua função.
Em um Estado de inspiração neoliberal as ações e estratégias sociais governamentais incidem essencialmente em políticas compensatórias, em programas focalizados, voltados àqueles que, em função de sua “capacidade e escolhas individuais”, não usufruem do progresso social. Tais ações não têm o poder – e freqüentemente, não se propõem a – de alterar as relações estabelecidas na sociedade. (Höfling, 2001, p.39)
A não alteração nas relações estabelecidas na sociedade, de fato não se concretizará, visto que o Estado é mantenedor do atual sistema. Essa concepção, culpabiliza o indivíduo da sua condição, retira a responsabilidade estatal ignorando que à essa forma de sociabilidade, está inerente as desigualdades sociais. Vale explicitar que a não intervenção do Estado brasileiro frente aos problemas sociais e todas as ações que não são exercidas por essa instituição, é a uma forma de abandono.
De acordo com o Fundo das Nações Unidas para a Infância - UNICEF (2018)
No Brasil, 20,3% das crianças e dos adolescentes de 4 a 17 anos têm o direito à educação violado. 13,8% estão na escola, mas são analfabetos ou estão em atraso escolar, estando em privação intermediária. E 6,5% estão fora da escola, em privação extrema. (UNICEF, 2018, p. 10)
Esses números trazidos pelo UNICEF (2018), confirmam o abandono do Estado com as crianças e adolescentes, os dados são sobre a educação, mas o texto analisa outros direitos que estão sendo privados às crianças e adolescentes do país. Com a pandemia, as desigualdades sociais ficaram ainda mais evidentes, vale ressaltar que a pandemia não é a maior responsável pela falta de efetivação desses direitos, visto que antes desse contexto já ocorria a violação e negligência dos direitos. Porém, com a pandemia e o desmonte das políticas públicas, temos uma intensificação das desigualdades e situações de vulnerabilidade social já existentes.
Ainda conforme as estatísticas do Observatório do Terceiro Setor (2021) o Brasil registra 14,8 milhões de desempregados, o maior número já apresentado desde o início do registro pelo IBGE no ano de 2012 e, com o fim do auxílio emergencial, muitas famílias estão sendo negligenciadas e abandonadas. Consequentemente, com a baixa renda instalada pelo desemprego de pais e responsáveis, muitas vezes crianças e adolescente se veem obrigados a ajudar no sustento das famílias. Essas crianças, expostas ao trabalho infantil, com seus direitos violados, com uma infância negligenciada e abandonada pelo Estado que mais uma vez, por não promover políticas públicas efetivas, contribuiu para a situação de vulnerabilidade social da família brasileira.
Conclusiones:
Com a pesquisa conseguimos entender o contexto em que foram formuladas as políticas de atendimento às crianças e aos adolescentes. Compreendemos que antigamente a criança e o adolescente não eram vistos como sujeitos em desenvolvimento. Com essa concepção de criança, não se tinha um olhar de preocupação com essa etapa do desenvolvimento que, desde o período do Brasil Colonial sofreu com a prática de abandono e que, no decorrer do século XX, o problema social persistiu, o que mudou foi a visão que se tem de infância e as ações adotadas acerca do abandono infantil. Com os aspectos históricos e políticos também podemos compreender que, a ocasionadora do abandono infantil, é a desigualdade social. Observamos que há uma distinção entre as infâncias brasileiras, de um lado estavam as crianças de famílias abastadas com condições de viver um padrão de infância, no outro polo estavam as crianças provenientes de famílias em situação de vulnerabilidade social, que sofriam de intervenções estatais, pois poderiam ser "futuros criminosos". Essas intervenções recaiam sobre as crianças e os adolescentes que, em sua maioria, eram negras e pobres. Contudo, com muitas lutas e movimentos sociais, essas crianças e adolescentes passaram a ser reconhecidos como sujeitos em desenvolvimento, e sobre influências de documentos internacionais, conquistaram leis voltadas para o atendimento das crianças e adolescentes a fim de proteger e assegurar os seus direitos.
Uma dessas leis produzidas nacionalmente que respaldam as crianças e adolescentes no Brasil é o Estatuto da Criança e do Adolescentes de 1990, tendo como norteadora a Doutrina de Proteção Integral, o ECA foi capaz de garantir, legalmente, a criação de mecanismos como: o CRAS, CREAS e Conselho Tutelar, que se consolidam como instituições responsáveis pela proteção da infância e da adolescência.
Com a descentralização do Estado, esses mecanismos ficam responsáveis por demandas que deveriam ser financiadas e executadas pelo Estado nacional. Assim, essas instituições são responsabilizadas pela garantia dos direitos previstos pelo Estatuto e na própria Constituição Federal de 1988. Com a necessidade de se ter uma Rede de Proteção, já verificamos que os direitos não são garantidos e assim entram em ação os órgãos dessa rede, CRAS, CREAS e Conselho Tutelar que devem buscar em conjunto, a preservação dos direitos estabelecidos pelo ECA.
Observamos ademais que, no modelo de sociabilidade vigente, o Estado tem a função de mantenedor da ordem, ocorre também uma descentralização em que o Estado se desvincula de papéis e serviços que deveriam ser prestados por ele, assim, se desresponsabiliza e culpabiliza outras esferas pela não efetivação das ações. Podemos afirmar, através de dados o abandono institucional, que o Estado brasileiro, como maior instituição na obrigatoriedade de garantia de direitos as crianças e adolescentes, não cumpre o seu dever. Assim, o maior abandono ainda é o do Estado brasileiro, seja pela descentralização de suas ações, seja pela falta de alcance da Rede de Proteção, seja pelo Estado que não promove meios para que os direitos sejam assegurados ao seu povo. Ressaltamos que, para o sujeito ter uma vida digna e de qualidade, todos os direitos devem estar garantidos, a falta de um direito consequentemente negligenciará outro direito. E como previsto nas leis e documentos nacionais e internacionais é dever do Estado a promoção e a efetivação dos direitos.
Com a análise possibilitada pela pesquisa, podemos concluir, a partir das estatísticas e estudos dos textos, que as situações de abandono infantil, estão diretamente ligadas à forma de sociabilidade vigente, visto que o Estado brasileiro atua como um estado regulador e mantenedor da ordem. Compreendemos que as políticas de atendimento às crianças e adolescentes estão estruturadas seguindo a concepção de Estado neoliberal de desresponsabilização e descentralização de suas funções e responsabilidades para outras esferas assim como para outros órgãos.
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Palabras clave:
Políticas Públicas. Estatuto da Criança e do Adolescente. Abandono.