Justificación del Panel:
Este painel pretende ser um contributo para dar visibilidade à “militância no feminino” no sul da Europa e no sul global. Pretende contribuir igualmente para acabar com uma outra lacuna, que se refere à ausência de trabalhos sobre a participação das mulheres numa das expressões organizativas do movimento operário, as mutualidades.A diversidade constitui a sua matriz. Diversidade dada a participação de investigadores/as da América Latina e do sul da Europa com formações académicas e perspetivas teórico-metodológicas diferenciadas; porque não nos cingiremos à análise da militância das mulheres nos sindicatos, mas também nas mutualidades e, nos sindicatos, não nos confinaremos às macroestruturas organizacionais (confederações); diversidade por fim, porque as várias contribuições remetem para análises da participação das mulheres nas estruturas de trabalhadores em contextos políticos e socio-históricos muito distintos. Procuramos, em primeiro lugar, encontrar semelhanças e diferenças entre os diferentes países e, em segundo, compreender como é que as mulheres participam nestas esferas públicas de domínio masculino. Serão apresentadas cinco comunicações. A de Paulo Marques Alves analisará o caso dos sindicatos de enfermeiros atualmente existentes em Portugal. Uma verdadeira lei de ferro de sub-representação das mulheres abate-se sobre estes sindicatos. Acrescente-se ainda que uma elevada taxa de feminização de uma direção sindical não constitui garantia de que a liderança máxima da organização seja feminina.Ainda em Portugal, para um outro contexto socio-histórico, Virgínia Baptista analisará a participação das mulheres no associativismo mutualista entre 1867 e 1935. Evidenciar-se-á, por um lado, que as mulheres foram discriminadas nas mutualidades, mas, por outro, também participaram nesse movimento, quer fundando associações integralmente femininas quer lutando por ter voz nas associações mistas.A contribuição de Eva Bermúdez Figueroa analisa para o sul de Espanha os obstáculos à participação, as experiências e representações das mulheres sobre as dinâmicas sindicais e os fenómenos que perpetuam a desigualdade na vida quotidiana das organizações sindicais, sob o prisma dos sindicatos como regimes de desigualdade (Acker, 2006) caracterizados por traços de masculinidade hegemónica (Connell, 2005). A comunicação de Lucinéia Scremin Martins centra-se sobre a incorporação das mulheres em cargos de liderança e de tomada de decisão nas centrais sindicais brasileiras atuando no estado de Goiás; na verificação da criação de secretarias especializadas dedicadas à integração de género; e, por fim, na identificação das ações orientadas à militância das mulheres no âmbito das bases sindicais.A comunicação de Raquel Rocha, centrando-se nas organizações sindicais do sector da eletrónica no estado de Jalisco, evidencia que uma situação de paridade entre homens e mulheres nas organizações sindicais e nos comités de empresa é praticamente inexistente, concluindo que a reforma laboral que procura regular e aumentar a participação das mulheres nas organizações sindicais não é suficiente.
Introducción:
1. Introdução
A história do sindicalismo revela-nos a existência de uma sua relação problemática com as mulheres. Nascido andro-centrado, cedo nele emergiu uma atitude sexista que rapidamente se tornou dominante e que enformou durante décadas as estratégias sindicais face às mulheres.
Contudo, dada a sua crescente inserção no mercado de trabalho, sobretudo após o final da IIª Guerra Mundial, não restou ao movimento sindical outra alternativa a não ser alterar a sua posição. Um novo ciclo se iniciava. Nele, os sindicatos criam estruturas específicas para o trabalho sindical com as mulheres, assumindo o objetivo de as organizar, o que resultou no aumento da sua proporção nos efetivos sindicais, sem que tal tenha tido tradução numa correspondente ascensão aos lugares de decisão, pelo que, muito frequentemente, o sindicalismo continua a não as representar de forma adequada
Como sucede noutros países, em Portugal, esta sub-representação – entendida como uma menor representação das mulheres nas estruturas dirigentes por comparação com a sua proporção na população sindicalizável e/ou nos efetivos sindicais – constitui-se como uma tendência estrutural e atinge inclusivamente organizações com jurisdição em profissões ou ramos de atividade altamente feminizados, como é o caso dos profissionais de enfermagem, objeto deste estudo. Com ele procuramos avaliar a situação existente nos sindicatos que organizam estes profissionais.
Desarrollo:
2. Da lógica de exclusão à lógica de organização
No século XVIII, no contexto das Friendly Societies, chegaram a ser constituídas associações mistas, de que a mais conhecida é a Worsted Small-ware Weaver’s Association, fundada em 1747.
Porém, rapidamente emergiu no seio do movimento operário nascente uma atitude sexista relativa ao papel da mulher na sociedade e, em particular, à sua inserção no mercado de trabalho e nos sindicatos, a qual, segundo Pasture (1997), derivou de uma contaminação deste movimento pela cultura burguesa e sua representação da sociedade e dos papéis que nela deveriam ser desempenhados por homens e mulheres: a estas a esfera privada cuidando da família e da educação dos filhos; àqueles a esfera pública, garantindo o sustento da família.
Esta atitude em breve se tornou dominante, ao ser assumida pelas suas principais correntes, como sejam as influenciadas por Proudhon, pelo catolicismo ou pelo reformismo, apesar das profundas diferenças doutrinárias existentes entre elas. Só a corrente de filiação marxista, com base nos princípios da igualdade e da emancipação, sempre defendeu o direito das mulheres ao trabalho assalariado, sustentando ao mesmo tempo que elas não constituem um grupo homogéneo, existindo no seu seio interesses diferenciados. A fratura não ocorre entre homens e mulheres, mas entre proletários e capitalistas, entre oprimidos e opressores.
A estratégia seguida visou excluir e/ou segregar as mulheres no mercado de trabalho. Quando muito, aceitava-se o trabalho feminino como transitório ou que ele se confinasse aos ramos de atividade com salários mais baixos. Outras práticas discriminatórias fizeram igualmente o seu curso, como impedir as mulheres de usar da palavra nas reuniões de trabalhadores ou coartar-lhes a possibilidade de ascenderem aos cargos de decisão nos sindicatos a que conseguiam aceder. Ela passou ainda por uma atuação que reforçava as desigualdades salariais em vez de as eliminar.
Esta atitude sexista recorreu fundamentalmente a dois argumentos. Um, eivado de paternalismo, sublinhava que ao não se inserirem no mercado de trabalho, as mulheres libertavam-se das condições desumanas do trabalho industrial. Outro, o mais referido, sustentava que as mulheres eram incapazes por natureza de adquirir as qualificações necessárias ao trabalho industrial e trabalhavam de forma mais imperfeita do que os homens. Mas, o grande problema era o temor do movimento sindical de que o emprego das mulheres conduzisse ao abaixamento dos salários.
Em resultado, as mulheres começaram a criar sindicatos próprios. É o que Briskin (1998) designa por separatismo, significando uma recusa em trabalhar com os homens e a consequente constituição de organizações alternativas. A primeira a surgir terá sido a Sisterhood of Leicestershire Wool Spinners, fundada em 1780. Ainda no Reino Unido, as mais importantes organizações compostas só por mulheres foram a Women’s Protective and Provident League, posteriormente designada Woman’s Trade Union League, e a National Federation of Women Workers, uma organização que não era um sindicato no sentido estrito do termo, pois procurava promover simultaneamente a causa do sindicalismo feminino e a causa feminista. Muitos dos sindicatos femininos do Reino Unido permaneceram ativos até à Iª Guerra Mundial e alguns até depois do conflito.
O mesmo sucedeu na Europa continental. Em França foram constituídos sindicatos exclusivamente femininos quer na CGT[1] sindicalista-revolucionária, ainda que de curta duração, quer na católica CFTC[2], tendo estes permanecido até à ocupação nazi. Na Bélgica, Holanda, Alemanha ou Portugal, neste caso em ramos de atividade como a indústria de conservas de peixe ou o calçado (Alves, 2018), também foram fundados sindicatos compostos exclusivamente por mulheres.
Se a generalidade destes sindicatos desapareceu em poucas décadas, houve um que perdurou até muito recentemente, o KAD[3] dinamarquês, fundado em 1901 a partir da fusão de vários sindicatos femininos que tinham sido criados devido à recusa do direito à filiação sindical das mulheres por parte do SiD[4], um sindicato geral que organizava trabalhadores não qualificados, formado em 1897. Por uma ironia da história, ambos os sindicatos se fundiram em 2004, depois do SiD ter começado a abrir as suas portas às mulheres a partir da década de 70.
A constituição de sindicatos únicos de carácter misto, marca o início de uma passagem gradual de uma “lógica de exclusão” para uma “lógica de organização” (Pasture, 1997). Mas é só com a incorporação em massa das mulheres no mercado de trabalho ao longo das décadas de 60 e 70, que as estratégias e os programas sindicais foram reorientados em definitivo. Pasture caracteriza este movimento como uma “feminine intrusion in a culture of masculinity” (Pasture, 1997, p. 218).
Um longo caminho foi percorrido desde então. Para algumas autoras (Garcia, 2003; Sechi, 2007), a adoção de políticas de reforço da posição das mulheres, como sejam a reserva de lugares, as quotas, a realização de conferências destinadas a discutir os problemas específicos das mulheres, etc., terão tido um papel decisivo. Para outras, como Healy e Kirton (2000), as comissões de mulheres estabelecidas no seio dos sindicatos são muito mais relevantes para o progresso alcançado na sua representação do que as medidas de carácter administrativo.
Mas as debilidades mantêm-se. Como vários estudos têm demonstrado, quer se centrem nas confederações sindicais nacionais quer nas organizações sindicais de primeiro nível em diferentes países, continua a manifestar-se uma não representação adequada das mulheres, que pode ser mais ou menos intensa.
A sub-representação constitui-se assim como uma tendência pesada, ocorrendo mesmo em países onde a participação social e política das mulheres é mais antiga e forte e/ou onde a sua proporção no conjunto dos efetivos sindicais é superior à dos homens.
Esta não é, no entanto, uma questão quantitativa, antes assumindo fundamentalmente um carácter qualitativo, que remete para uma mudança de cultura nas organizações quanto à forma de exercício do poder e ao assegurar das mesmas oportunidades para homens e mulheres. Daí que Trebilcock (1991) tenha advertido para o facto de que um possível acréscimo da representação feminina nos órgãos de decisão pudesse vir a assumir contornos meramente simbólicos, com as mulheres a continuarem a ser afastadas dos círculos mais restritos onde as decisões são efetivamente tomadas.
Vários autores têm tentado explicar a sub-representação, referindo causas que remetem para diferentes níveis da organização social. Para Le Quentrec et al. (2002), ela deriva do facto de às mulheres se destinar a esfera privada, enquanto aos homens se destina a esfera pública. Para Healy e Kirton (2000, p. 344), a explicação encontra-se nos sindicatos, que não são organizações “gender-neutral”, mas “gendered oligarchies”. Já Chaison e Andiappan (1987) consideram que as mulheres militam mais nas locals, onde assumem com maior frequência funções de secretárias ou tesoureiras, o que se deve à divisão sexual do trabalho.
Em conclusão, apesar dos avanços registados, o reconhecimento das mulheres pelos sindicatos e a sua integração nas estruturas de decisão, bem como a implementação de uma política de igualdade continuam a encontrar dificuldades e a serem processos caracterizados pela lentidão, permanecendo as mulheres largamente excluídas dos centros de decisão sindicais.
3. Metodologia
Os sindicatos de enfermeiros têm jurisdição num ramo de atividade que é maioritariamente público, dada a criação de um Serviço Nacional de Saúde após a revolução de 25 de Abril de 1974, SNS que permitiu que o número de profissionais de enfermagem tivesse crescido exponencialmente nas últimas décadas. De acordo com as Estatísticas do Pessoal da Saúde, publicação do INE[5], em 1960 existiam 9 541 profissionais, em 1975 o seu número quase que duplicava (18 592), atingindo-se os 80 238 em 2021.
A administração pública portuguesa é um dos sectores onde se registam das mais elevadas taxas de feminização de emprego. Esta tendência pode ser encontrada na saúde, em particular na profissão de enfermagem. Em 2011, 81,3% dos profissionais eram mulheres, tendo o valor continuado a crescer ao longo da década, alcançando-se uma proporção de 82,4% em 2021.
Na análise que efetuámos retivemos três níveis: a população feminina sindicalizável; a constituição das equipas dirigentes sindicais; e a liderança da organização.
A recolha de informação baseou-se numa análise documental. Para apurar a taxa de feminização do emprego recorremos à informação estatística disponível, em particular ao documento produzido pelo INE já referido; para apurar a informação sobre a composição das direções e as lideranças sindicais procedemos à análise das fichas biográficas dos dirigentes publicadas no BTE[6] e no JORAM[7] entre 2000 e 2022, na sequência de vinte e sete atos eleitorais[8] realizados, sendo que considerámos unicamente os membros efetivos das direções.
Toda esta informação encontra-se disponível na Internet. Após a sua recolha, foi construída uma base de dados em SPSS, englobando várias variáveis.
4. O sindicalismo dos profissionais de enfermagem e a lei de ferro da sub-representação das mulheres
Em Portugal, as associações de classe, como então se designavam os sindicatos e as associações patronais, foram legalizadas em 1891, tendo sido fundados cinco sindicatos de enfermeiros nas três primeiras décadas do século XX.
Todas estas associações tiveram uma vida breve. A 23 de setembro de 1933, a liberdade sindical foi suprimida através do Decreto-Lei n.º 23 048, que promulgou o Estatuto do Trabalho Nacional (ETN), decalcado da Carta del Lavoro de Mussolini, e do Decreto-Lei n.º 23 050, que estabeleceu as normas a que deviam obedecer os “sindicatos nacionais” a constituir e que passariam a fazer parte da orgânica corporativa.
Entre o pessoal de enfermagem irão surgir quatro sindicatos corporativos, os quais configurarão o sistema sindical destes profissionais até à revolução de 25 de Abril de 1974.
Com ela, uma nova época de sindicalismo livre se abriu, continuando a paisagem sindical a ser dominada durante muito tempo por estas quatro organizações, que foram transformadas e de onde foram afastados os dirigentes comprometidos com o regime salazarista.
Logo em 1975, com exceção do Sindicato dos Profissionais de Enfermagem do Distrito do Funchal, que só mudará de designação em 1989 para SERAM – Sindicato dos Enfermeiros da Região Autónoma da Madeira, os restantes sindicatos vão alterar as suas designações, embora mantendo ainda durante algum tempo a jurisdição de âmbito territorial anterior ao 25 de Abril.
Deste modo, o antigo Sindicato Nacional dos Profissionais de Enfermagem vai passar a designar-se Sindicato dos Enfermeiros da Zona Sul, mudando posteriormente a designação para Sindicato dos Enfermeiros da Zona Sul e Região Autónoma dos Açores, em 1986, e para SEP – Sindicato dos Enfermeiros Portugueses, em 1988, ano em que passou a ter âmbito de atuação nacional.
Por seu lado, o ex-Sindicato Nacional dos Profissionais de Enfermagem do Distrito do Porto corporativo transformou-se em Sindicato dos Enfermeiros da Zona Norte, alargando a jurisdição para o nível nacional em 2002, passando a designar-se por SE – Sindicato dos Enfermeiros.
Por fim, o ex-Sindicato Nacional dos Profissionais de Enfermagem do Distrito de Coimbra transformou-se em 1975 em Sindicato dos Profissionais de Enfermagem da Zona Centro e, em 1982, em Sindicato dos Enfermeiros do Centro. Em 2006 alargou o âmbito a nível nacional, mudando de designação para SIPE – Sindicato Independente dos Profissionais de Enfermagem no ano seguinte, voltando a alterá-la para Sindicato Independente dos Profissionais de Enfermagem – SIPENF, em 2019.
Nas décadas de 70 e 80 foram criados dois outros sindicatos que, todavia, tiveram uma vida efémera. O primeiro, estabelecido em 1976, designava-se por SNED – Sindicato Nacional dos Enfermeiros Diplomados e visava representar a nível nacional unicamente os enfermeiros com o curso de enfermagem geral ou outro legalmente equivalente. O segundo, fundado em 1989, designava-se Sindicato Independente dos Enfermeiros – Região Sul (SIENF), tendo por jurisdição territorial as regiões de Lisboa, Alentejo e Algarve.
Os conflitos político-sindicais existentes em Portugal manifestam-se no seio dos profissionais de enfermagem. Enquanto o SEP se filiou em 1975 na Intersindical Nacional[9] e o sindicato com jurisdição na Madeira, sem ser filiado, se tem mantido próximo desta corrente político sindical, o SE filiou-se logo em 1978 na UGT[10]. Por sua vez, o SIPENF não está filiado em nenhuma destas confederações nem nas duas a quem o Estado não outorgou o estatuto de parceiro social[11], mas nas negociações com o Estado integra um cartel negocial com o SE e com ele constituiu a FENSE – Federação Nacional dos Sindicatos dos Enfermeiros, em 2022.
Nos últimos anos, o baixo grau de consistência do sistema sindical dos profissionais de enfermagem[12] acentuou-se, por um lado devido à intensificação da fragmentação, com a criação de novos sindicatos[13] e, por outro, em virtude do acentuar do baixo índice de filiação confederal.
Os novos sindicatos surgiram no contexto de um profundo descontentamento destes profissionais, o qual esteve na origem de um movimento grevista de características inéditas. Primeiro, por ter incidido nos blocos operatórios dos hospitais, daí ter ficado conhecido como “greve cirúrgica”; depois, porque recorreu ao crowdfunding para o seu financiamento[14]. A greve decorreu em dois períodos: entre 22 de novembro e 31 de dezembro de 2018 e entre 31 de janeiro e 28 de fevereiro de 2019.
De acordo com o Art.º 531º do Código do Trabalho, uma greve é decretada pelas associações sindicais ou, caso a maioria dos trabalhadores num local de trabalho não seja representado por sindicatos, pode ser decretada por uma assembleia, desde que expressamente convocada para o efeito por 20% ou 200 trabalhadores.
Surgida no seio de um movimento iniciado por apenas cinco enfermeiros, esta greve acabou por ser corporizada pelos pré-avisos de greve emitidos por dois sindicatos fundados em 2017: o SINDEPOR – Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal, que se filiou na UGT, e a ASPE – Associação Sindical Portuguesa dos Enfermeiros, que não é filiada em nenhuma confederação sindical, o mesmo sucedendo com o SITEU – Sindicato Independente de Todos Enfermeiros Unidos do Continente e Ilhas, nascido em 2020, e com o SNE – Sindicato Nacional dos Enfermeiros, criado em 2022.
À semelhança do que ocorre noutros movimentos sindicais, os sindicatos portugueses tentam organizar as mulheres, possuindo inclusivamente estruturas específicas, promovem iniciativas sobre igualdade de género, comemoram o Dia Internacional da Mulher, etc., mas o que os dados mais recentes nos revelam é a persistência de uma profunda sub-representação feminina nos órgãos dirigentes e que são poucas as que têm conseguido ascender à liderança máxima das organizações.
Efetivamente, no período compreendido entre junho de 2016 e junho de 2020, a taxa média de feminização das direções sindicais no ramo da saúde e do apoio social era de 41,2%, sendo ultrapassada somente pela registada na educação (62,7%), e estando bastante acima do valor médio de 27,8%. Por outro lado, no que se refere à feminização das lideranças sindicais, no mesmo período, o ramo da saúde apresentava uma taxa média de feminização de 16,7%, só sendo ultrapassada pelo da educação (33,3%) e estando neste caso muito próxima da média global de 16,9%[15] (Alves, 2020).
Os sindicatos de enfermeiros caracterizam-se por atuar numa profissão onde, como realçámos, se regista uma das mais elevadas taxas de feminização do emprego. Daí que seria expectável que a proporção de mulheres nas equipas dirigentes fosse maioritária ou mesmo largamente maioritária, mas tal só sucede na sequência de doze das vinte e sete eleições realizadas, sendo que metade dos casos se deve ao SEP.
O SIPENF é o sindicato que apresenta, ao longo de todo o período em análise, a mais baixa taxa de feminização da direção. Inclusivamente, no mandato saído das eleições de 2002, nenhuma mulher integrou o núcleo dirigente, enquanto o valor mais elevado, somente 22,2%, se verificou nas eleições de 2011, o que configura uma muito baixa taxa de feminização[16].
Baixas taxas de feminização são igualmente encontradas nas direções do SE (eleições de 2001 e 2004) e do SINDEPOR (eleições de 2017 e 2018). No caso deste último sindicato, o valor máximo atingido foi de 34,3% na primeira das eleições. No do SE, verificou-se um crescimento, passando o sindicato a apresentar uma taxa de feminização média (42,9%, em 2008 e 2016, e 57,1%, em 2021).
Taxas médias verificam-se no SERAM e no SEP ao longo de todo o período, bem como no SITEU, em 2020 (55,6%). No caso do SERAM há a assinalar um recuo de 55,6% em 2000, para 44,4% em todas as eleições subsequentes, a última das quais ocorreu em 2019. No caso do SEP, partindo de um valor de 52,9% em 2000, a taxa de feminização cresceu até aos 58,8% nas duas eleições seguintes (2003 e 2006), para decrescer para 54,0% em 2011 e 50,0% em 2015. Nas últimas eleições, realizadas em 2019, registou-se uma ligeira recuperação, passando para 52,0%.
Verificamos assim a existência de três tendências de evolução.
Para além do SERAM, também o SINDEPOR, com base em apenas duas eleições, evidencia um retrocesso. Crescimentos ocorreram no SE e no SITEU, neste caso também só com base em duas eleições. Por fim, como referimos, o SEP apresenta uma tendência oscilante.
À exceção do SINDEPOR, os restantes três sindicatos mais recentes são os que apresentam níveis mais elevados de feminização das equipas dirigentes. A ASPE, em 2018, com 71,4%[17], e o SITEU e o SNE, com 66,7%, respetivamente em 2021 e 2022, o que, segundo a nossa tipologia, configura taxas de feminização elevadas.
Em suma, atualmente as mulheres são maioritárias nas direções de cinco (ASPE, SNE, SITEU, SE e SEP) dos oito sindicatos, sendo fortemente minoritárias nas direções de duas organizações (SINDEPOR e SIPENF).
Desde 2011 é possível avaliar a adequação da representação das mulheres nestes sindicatos. Os dados evidenciam a existência, em maior ou menor grau, de uma sua sub-representação, que é transversal a todas as organizações. De facto, no conjunto dos oito sindicatos com jurisdição nesta profissão a proporção de mulheres na direção é sempre inferior ou mesmo muito inferior ao seu peso na população sindicalizável. Em termos médios, a sub-representação das mulheres é de -35,3pp[18], variando o diferencial entre um mínimo de -10,8 na ASPE, significando uma sub-representação que se encontra na fronteira entre o ligeiro e o médio[19] e os -71,1pp no SIPENF, o diferencial negativo mais expressivo, significando uma muito elevada sub-representação. Outro sindicato onde se observa uma muito elevada sub-representação é o SINDEPOR (-54,6pp), enquanto o SERAM também está acima do valor médio (-39,2pp) e o SEP se encontra na fronteira entre o médio e o elevado (-30,2pp). Diferenciais médios ocorrem no SE (-25,3pp) e no SITEU (-15,7pp).
Se analisarmos a média dos diferenciais nos seis sindicatos onde se registou mais do que uma eleição desde 2011[20], os valores médios indiciadores da sub-representação variam entre um mínimo de -21,2pp no SITEU e um máximo de -65,1pp no SIPENF, a que se segue o SINDEPOR com -51,2pp.
Deste modo, constata-se a existência de uma tendência estrutural para uma não adequada representação das mulheres nas instâncias de direção das estruturas sindicais. E mesmo nos casos em que a maioria da direção é composta por mulheres, isso não significa necessariamente que a liderança máxima da organização seja feminina, como evidenciam o SEP, ao longo de todo o período, o SERAM (em 2000), o SE (em 2021) ou o SNE (em 2022). Apenas a ASPE e o SITEU têm lideranças femininas.
[1] CGT – Confédération Générale du Travail
[2] CFTC – Confédération Française des Travailleurs Chrétiens
[3] KAD – Kvindeligt Arbejderforbund i Danmark
[4] SiD – Specialarbejderforbundet i Danmark
[5] INE – Instituto Nacional de Estatística, instituição central do sistema estatístico português.
[6] BTE – Boletim do Trabalho e Emprego, boletim oficial do ministério que tutela o trabalho e o emprego.
[7] JORAM – Jornal Oficial da Região Autónoma da Madeira.
[8] Em relação a alguns sindicatos existem lacunas. Ou porque as eleições não se realizaram nas datas previstas ou então porque as organizações não terão procedido à divulgação da composição dos respetivos órgãos sociais.
[9] A Intersindical Nacional foi fundada a 1 de outubro de 1970 numa situação de semiclandestinidade, a partir de um conjunto de sindicatos cujas direções tinham sido ganhas por elementos da oposição à ditadura, nomeadamente comunistas e católicos progressistas. Em 1977 transformou-se em CGTP-IN – Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses-Intersindical Nacional, advogando um sindicalismo de classe. É a confederação mais representativa em Portugal.
[10] A UGT – União Geral de Trabalhadores foi fundada em 1978 a partir de um acordo interpartidário entre o PS – Partido Socialista (filiado na Internacional Socialista) e o PSD – Partido Social-Democrata, que apesar do seu nome é um partido da direita do espectro político. Ambos os partidos, a que se juntou um conjunto de sindicatos, rejeitaram a “unicidade sindical” saída da revolução e defenderam o pluralismo sindical. A UGT defende um sindicalismo de tipo reformista, sendo filiada na CSI – Confederação Sindical Internacional, o que não sucede com a CGTP-IN.
[11] Trata-se da USI – União de Sindicatos Independentes e da CGSI – Confederação Geral de Sindicatos Independentes, esta última possivelmente já não existente.
[12] Para além das estruturas sindicais, deve mencionar-se ainda a presença de uma Ordem dos Enfermeiros, criada em 1998. As ordens são associações profissionais de direito público, nas quais o Estado delega poderes no campo da regulamentação e da fiscalização do exercício profissional. Atualmente são dezassete.
[13] De referir ainda a fundação em 2002 do SNPS – Sindicato Nacional do Pessoal da Saúde, que teve uma vida efémera, e que pretendia representar todos os que exercessem a sua atividade profissional por conta de outrem no sector da saúde. Nas eleições realizadas nesse ano, foram eleitos para a direção dois enfermeiros, outros dois para o Conselho Nacional e um para o Conselho Fiscal.
[14] Esta greve acabou por ser considerada ilegal por dois motivos: porque o seu pré-aviso não definia de forma clara como é que iria ser exercida; e devido ao tipo de financiamento a que recorreu.
[15] Os dados relativos à taxa de feminização das lideranças sindicais circunscrevem-se somente aos sindicatos com jurisdição na administração pública.
[16] Considerámos a existência de diversos níveis no respeitante à taxa de feminização: muito baixa (entre 0,0% e 20,0%); baixa (entre 21,0% e 40,0%); média (entre 41,0% e 60,0%); elevada (entre 61,0% e 80,0%); e muito elevada (entre 81,0% e 100,0%).
[17] Este sindicato realizou eleições já em 2023, fora do período temporal que considerámos, tendo a taxa de feminização da direção passado de elevada para muito elevada (85,7%). Este é o valor mais alto de sempre registado num sindicato dos profissionais de enfermagem e um dos três mais elevados no conjunto de todo o movimento sindical português. Assim sendo, na atual direção em funções, a ASPE passa de uma situação de sub-representação para outra de sobre-representação das mulheres nas direções sindicais, o que constitui uma exceção no movimento sindical português.
[18] Pontos percentuais.
[19] Considerámos a existência de uma sub-representação ligeira quando o diferencial é inferior ou igual a 10pp; de uma sub-representação média quando se situa entre os 11 e os 30pp; de uma sub-representação elevada quando varia entre os 31 e os 50pp; e de uma sub-representação muito elevada quando é igual ou superior a 51pp.
[20] A ASPE só teve uma segunda eleição já em 2023, como referimos, enquanto o SNE foi fundado em 2022.
Conclusiones:
5. Conclusão
Após ter adotado inicialmente uma atitude sexista face às mulheres, visando a sua exclusão do mercado de trabalho e dos sindicatos, o movimento sindical reverteu esta sua posição e passou a adotar, fundamentalmente após a IIª Grande Guerra, uma estratégia de organização de um contingente que afluía em grande número ao mercado de trabalho.
No entanto, a militância no feminino continua a ser menos intensa, ao ser travada por fatores de ordem social, económica e cultural, os quais também travam a ascensão das mulheres aos lugares de decisão nas organizações. Mesmo em ramos e/ou profissões altamente feminizados, este facto não é garantia de uma sua adequada representação.
Uma lei de ferro de sub-representação das mulheres abate-se sobre os sindicatos em Portugal, como noutros países, assumindo particular acuidade nos sindicatos dos profissionais de enfermagem, onde é possível encontrar diferenciais entre a proporção de mulheres na população sindicalizável e a sua proporção nas direções sindicais extremamente elevados. Este facto, convoca a necessidade de realização de estudos de outra índole, de modo a compreender as razões desta acentuada sub-representação. Acrescente-se que uma elevada taxa de feminização de uma direção sindical também não constitui garantia de que a liderança máxima da organização seja feminina, como fica bem evidenciado nos sindicatos analisados.
Uma inadequada representação das mulheres tem consequências nefastas para o sindicalismo. Por um lado, ao ser menos inclusivo, ele torna-se menos representativo. Por outro lado, como alertam várias autoras (Lawrence, 1994; Colgan & Ledwith, 1996), se as lideranças sindicais não representam de forma proporcional os efetivos, então o carácter democrático das organizações fica severamente restringido. Por fim, uma representação inadequada não deixará de contribuir para a perpetuação da dominação masculina que continua a caracterizar a forma sindical.
A defesa de uma representação adequada não significa, no entanto, que consideremos que a representação dos interesses das mulheres trabalhadoras – que têm interesses específicos, distintos dos dos homens – deva ser assumida única e exclusivamente por mulheres, como defendem algumas feministas identitárias. Para autoras como Diamond & Harstock (1981) ou Jonasdottir (1988), o género sobrepõe-se à classe, pressupondo-se que as mulheres constituem um grupo homogéneo, sendo a classe vista como um conceito que não é neutral em termos de género, antes se baseando numa visão masculina do mundo, e excluindo as necessidades e as experiências das mulheres.
O género é relevante, mas proceder a uma abordagem negando a classe é, como afirma Curtin (1999), extremamente redutor. Em primeiro lugar, porque as mulheres não constituem nenhum grupo homogéneo, existindo entre elas interesses diferenciados, com as diferenças a poderem ser mais relevantes do que as que derivam do sexo. Em segundo lugar porque, ainda que tendo interesses específicos enquanto mulheres, têm igualmente necessidades e preocupações mais gerais enquanto trabalhadoras. Por último, porque a formação dos interesses e das solidariedades em torno da classe ou do género deve ser encarada como dinâmica e fluída, com fronteiras modificáveis, com novas reivindicações e novas solidariedades a emergirem durante os processos de formulação e de reformulação dos interesses de classe ou de género.
Deste modo, a discussão sobre quem é que representa melhor os interesses das mulheres é irrelevante, até porque é impossível alguém representar os interesses de todas as mulheres.
O caminho tem sido longo e espinhoso, com os sindicatos a aplicarem algumas medidas que têm permitido melhorar a representação das mulheres nos seus órgãos dirigentes, mas isso sucede numa ótica de emancipação política. Todavia, uma situação de verdadeira igualdade só poderá ser conseguida com o derrube da sociedade patriarcal e a efetivação da emancipação humana.
Bibliografía:
Bibliografia
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Palabras clave:
sindicatos, mulheres, sub-representação