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Resumen de la Ponencia:
As demandas energéticas crescentes em todos os países do mundo, assim como o preço elevado das energias fósseis, o seu impacto na mudança climática e a necessidade de diversificar a matriz produtiva de energia colocam importantes desafios às energias renováveis e aos territórios na qual são instaladas. Como mostra o último relatório da Cepal (2022) a sua expansão tem sido crescente na América Latina, destacando-se o Brasil pela sua dimensão e aptidão ambiental. Na discussão climática global, surgida após a assinatura do Protocolo de Quioto, em 1997, a temática das políticas energéticas ganha destaque, avançando primeiramente na Europa e em seguida as empresas do setor buscaram novos mercados. O Brasil após o grande apagão de 2001 vê-se obrigado a repensar a sua política energética de modo a diversificar a matriz, até aí dependente da energia hidrelétrica. Em 2001, a publicação do Atlas do Potencial Eólico Brasileiro foi um importante marco para o desenvolvimento do setor eólico no país, ao identificar as áreas com maior potencial de ventos, se destacando o Nordeste e em particular o Rio Grande do Norte (RN). Na sequência surge o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica. Os dados da ABEeólica (2022) mostram que o RN se tem mantido como o estado com maior potência instalada. A aposta em energias renováveis surge igualmente em destaque nas políticas do governo estadual e da SUDENE, sobretudo com o argumento do contributo para o desenvolvimento, criação de emprego e renda. O tema é controverso na observação de conflitos derivados de impactos socioambientais e por ser pouco expressivo o contributo para o desenvolvimento dos municípios na fase de operação dos parques. A proposta tem como objetivo discutir e analisar a temática do desenvolvimento e expansão da energia eólica no RN a partir da revisão da literatura, análise das políticas públicas e de dados estatísticos.
Introducción:
O aumento populacional à escala do planeta, bem como a melhoria das condições de vida e de dispositivos técnicos usados no cotidiano têm gerado uma demanda crescente por energia, neste particular de energia elétrica. Nesse sentido, tendo em conta que a matriz produtiva tem sido, hegemonicamente, baseada na produção hidrelétrica, a ampliação da produção passa pela diversificação da matriz energética recorrendo a outras fontes de energia. Assim, no contexto igualmente de enfrentamento da crise climática e de redução da dependência quanto a energias fósseis que emitem gases com efeito de estufa, a energia eólica, bem como a solar, tem se destacado no contexto internacional e nacional.
A expansão da energia renovável acontece a partir da assinatura do Protocolo de Quioto, em 1997. Primeiramente ganhando destaque nas políticas climáticas e energéticas europeias, e a partir daí expandindo-se a outros continentes, aliás, dada a facilidade de transferência da tecnologia e de participação do capital financeiro nos investimentos. No que se refere às ações de cooperação internacional, o setor ganhou espaço significativo apenas em 2015, ao tornar-se um dos 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), da Organização das Nações, com vistas a serem alcançados até 2030.
Apesar das críticas, considera-se a energia eólica como um dos elementos-chave na transição para uma sociedade de baixo carbono, ao apresentar um custo-benefício vantajoso e incentivos ambientais (Boyer, 2019). A implantação das usinas se dá com base na proposição de que se trata de uma energia limpa acompanhada de desenvolvimento aos territórios (Cepal, 2022). Contudo, a geração de energia de baixo carbono não deixa de gerar impactos em humanos, na fauna e na flora, pelo que a sua aceitação é ainda um problema (Scherhaufer et al. 2017).
Dominic Boyer (2019) discute a questão a partir do conceito de energopolítica, proposta analítica que amplia a discussão de Michel Foucault sobre biopoder, junto ao debate sobre a função central da energia na organização e na dinâmica das forças políticas e sociais em diferentes escalas (Szeman, 2014). A discussão leva o argumento holístico da energia eólica para conservação do planeta e para a descarbonização da economia, usando-se da narrativa da crise ambiental e climática para reafirmar sua importância. Para o processo de implantação de usinas hidrelétricas, além da justificativa do fomento do crescimento econômico do país e do aumento da segurança energética, existem também implantações de Planos Básicos Ambientais (PBA’s), na medida em que a construção de usinas de produção de energias renováveis pressupõem medidas compensatórias que financiam projetos sociais e culturais, reconfigurando poder e desenvolvimento com base em dispositivos de governança nas comunidades (Boyer, 2014, 2019).
Também no Brasil as políticas climáticas e energéticas demandam uma diversificação da matriz energética, tornando um imperativo nacional após o apagão registrado em 2001, que deixou o país às escuras por incapacidade de aumento de produção hidrelétrica. Assim, demonstrou-se a necessidade de diversificar a matriz e aproveitar a disponibilidade de ventos e exposição solar. Nessa sequência, elaborado o Atlas eólico, foi rápido o avanço da energia eólica, estando presente em doze estados brasileiros, com maior concentração no Nordeste por ter ventos mais favoráveis. A expansão da energia eólica se dá com base no argumento de que é uma energia limpa e pode gerar desenvolvimento nos estados e municípios abrangidos com a criação de emprego e renda. Mas o processo não tem ocorrido sem conflitos com as comunidades perante impactos sociais e ambientais que alteram o modo de vida local. O tema é controverso na observação de conflitos derivados de impactos socioambientais e por ser pouco expressivo o contributo para o desenvolvimento dos municípios na fase de operação dos parques (Oliveira e Ferreira, 2019).
No Nordeste brasileiro, o Rio Grande do Norte tem-se mantido como o estado com maior potência instalada no Brasil. A aposta em energias renováveis surge igualmente em destaque nas políticas do governo estadual, destacando-se, já em 2022, o Atlas Eólico e Solar do Rio Grande do Norte, que mapeia áreas de potencial instalação de energias renováveis. A aposta é também da SUDENE, o órgão regional promotor do desenvolvimento e integração competitiva da região, sobretudo com o argumento de desenvolvimento, criação de emprego e renda.
O artigo tem como objetivo discutir e analisar a temática do desenvolvimento e expansão da energia eólica no Rio Grande do Norte a partir da revisão da literatura, análise das políticas públicas e de dados estatísticos. Através da coleta e análise de indicadores municipais procuramos verificar se efetivamente houve um impulso no sentido do desenvolvimento dos municípios.
Para cumprir os nossos objetivos, realizamos uma ampla revisão da literatura, que analisa criticamente os impactos na energia eólica em diversas partes do globo, identificando controvérsias e discussões. Ao mesmo tempo que revisamos a literatura nacional e damos enfoque ao Nordeste, e em especial ao Rio Grande do Norte (RN), sobre a expansão da energia eólica, buscamos através da análise estatística entender a evolução da energia eólica na América Latina, no Brasil e no RN. Por outro lado, através da mídia, de informação de movimentos sociais e de documentos oficiais buscamos entender como se tem dado essa controvérsia no referente a novos movimentos que questionam a energia eólica.
Desarrollo:
Expansão da energia eólica global
O avanço rápido da energia eólica no Brasil deve-se a situações de ordem interna, com destaque para a demanda energética e a crise energética ocorrida em 2001, mas também aos compromissos do país na agenda internacional. A influência externa faz-se notar no compromisso assumido com a ratificação do Protocolo de Quioto, assinado pelos participantes em 1997, e nas mudanças no setor da energia e enfrentamento da crise climática. A Europa avançou com a Estratégia 2020, que definiu como objetivos para 2020 obter 20% da energia consumida a partir de fontes renováveis e aumentar em 20% a eficiência energética. Esse compromisso foi, entretanto, atualizado no quadro dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável e Metas reforçadas no Pacto Ecológico Europeu, prevendo que, para 2030, a União Europeia alcance 32% de quota de energia proveniente de fontes renováveis no consumo final bruto e 32,5% de redução do consumo de energia, com 40% de redução das emissões de gases com efeito de estufa relativamente aos níveis de 1990 e 15% de interligações elétricas (Parlamento Europeu, 2021).
Apesar dos impactos e conflitos, a contribuição da energia eólica para a descarbonização da economia tem incrementado o desenvolvimento da atividade à escala global, de tal modo que entre 2005 e 2015 a produção passou de 104 TWh (TeraWat-hora) para 1 273 TWh (REN21, 2020), e a capacidade instalada de 18 GW (GigaWatt) em 2000 para 590 GW em 2019, ou seja, incremento de 1.169 TWh em 10 anos e de 404 GW de capacidade instalada em 19 anos. (Dorrell e Lee, 2020). Segundo o relatório GWEC Global Wind Report 2021, em 2020 registrou-se um aumento de 90 GW na produção global de energia eólica em relação ao ano anterior, que passou a somar 743 GW, um aumento de 14% relativamente a 2019. A região da Ásia-Pacífico lidera a capacidade instalada com 60%, a América do Norte com 18,4% da capacidade instalada substituiu a Europa na segunda posição (15,9%), a América Latina permanece na quarta posição (5.0%), seguindo-se África e Oriente Médio. Por países, a produção de cinco países representava 80,6% das instalações, um crescimento de 10% face a 2019. Os países são: China 56%, EUA 18%, Brasil 3%, Holanda 2%, Alemanha 2% e os restantes países 19% (GWEC, 2021).
Na América Latina a expansão das energias renováveis permitiu levar energia elétrica a mais pessoas, em um processo que não está ainda concluído. Segundo dados da Cepal (2022), 4,8% da população latino-americana ainda não tem acesso à eletricidade. Apresentam-se o Brasil, Paraguai, Uruguai e Costa Rica com menor privação no acesso à eletricidade, que varia entre 0.2% e 0.4%. A situação é mais grave na Guatemala (22,1%), Nicarágua (14,3%), El Salvador (11,1%) e Honduras (7,4%). Os dados mostram que, além do país, o acesso à eletricidade é também marcado pela geografia e origem étnica. São os residentes em áreas rurais e indígenas os mais excluídos. Segundo dados de 2018, neste ano 99,73% dos brasileiros possuíam acesso à energia elétrica (Lisperguer e Pavez 2021).
Do ponto de vista da progressão das energias renováveis a matriz é ainda essencialmente hidráulica. Na verdade, o conceito de energias renováveis inclui eólica, solar, geotérmica, hidrelétrica e térmica renovável. O Brasil e a Costa Rica estão entre os países com maior capacidade instalada de renováveis na oferta energética total. Os dados da matriz energética regional, com ano de referência de 2019, informam que na América Latina e Caribe a oferta de energia primária renovável por recurso energético foi nesse ano de 29,6% de energia renovável, sendo que 16,6% requer combustão e 13% não requer combustão. No primeiro grupo destaca-se a lenha (8,1%) e a cana de açúcar e derivados (8,4%). No grupo que não requer combustão encontramos a hidroenergia (8,2%), a geotermia (0,5%) e “outros” (4,2%). É neste grupo “outros” que encontramos as energias eólica e solar, registrando uma subida gradual a partir de 2010, o que não será alheio ao peso das energias renováveis no Brasil, levando a um aumento de capacidade instalada de energia renovável na América Latina e Caribe no período 2000-2019 (Lisperguer; Pavez 2021; Cepal Estatísticas, 2022).
Energia eólica no Nordeste e o paradigma do desenvolvimento
No Brasil, após a crise energética de 2001 foi necessário repensar a política energética do país de modo a diversificar a matriz produtiva, fortemente dependente da energia hidrelétrica. A publicação do Atlas do Potencial Eólico Brasileiro, também em 2001, foi um importante marco para o desenvolvimento do setor eólico, ao identificar as áreas com maior potencial de ventos, destacando-se a região Nordeste e em particular o Rio Grande do Norte.
Em 2002, foi aprovado pelo governo federal o Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica (PROINFA), instituído pela Lei nº 10.438/2002, pelo que a produção eólica possui aproximadamente 20 anos, avançando desde então na diversificação da matriz energética do país, propondo-se atualmente o eólico avançar no aproveitamento da força do vento que sopra em alto-mar (produção offshore). O PROINFA objetivou impulsionar os investimentos voltados à diversificação de fontes de energia renováveis, incluindo-se aí, a energia eólica.
Segundo dados de setembro de 2022 (Abeeólica, 2022) o país possui 22,5 GW de capacidade instalada, distribuídos por 827 parques em operação, com mais de 9.406 aerogeradores distribuídos em 12 dos 26 estados da federação brasileira, garantindo o segundo lugar na matriz energética com 12,1% da energia produzida, ocupando a 6ª posição no ranking mundial. A ABEeólica destaca o fato de cada MegaWatt (MW) instalado permitir criar 15 postos de trabalho, sendo que, de 2011 a 2020, a construção dos parques eólicos criou quase 196 mil postos de trabalho ou 10,7 empregos por MW instalado. Por outro lado, só em 2021 a produção eólica permitiu evitar a emissão de 34,4 milhões de toneladas de CO2 (ABEEÓLICA, 2022). Os mesmos dados mostram que o Nordeste se destaca na produção eólica, com o Rio Grande do Norte a liderar com 6.764,94 MW de potência instalada, seguindo-se a Bahia (6.259,48 MW), o Piauí (2.788,05 MW) e o Ceará (2.496,94 MW). Em quinto lugar surge o Rio Grande do Sul (1.835,89 MW), logo em seguida surgem Pernambuco (989,77 MW), Paraíba (628,44 MW) e Maranhão (426,00 MW). Sergipe apresenta-se na 10ª posição no ranking do país com 34,50 MW. Entre os estados apontados, apenas o Rio Grande do Sul não faz parte do Nordeste brasileiro (Abeeólica, 2022).
A energia eólica, no estado do Rio Grande do Norte, está presente, principalmente, nos municípios localizados no centro e nordeste do estado, áreas onde estão presentes as mesorregiões da Costa Branca e Mato Grande (Figura 01). Ao todo, dos 167 municípios do RN, 34 são produtores da energia, abarcando 294 empreendimentos (em operação, construção e construção não iniciada), com 177 parques em operação e 2.197 aerogeradores sobre o território potiguar (FIERN, 2021). Entre os municípios de grande destaque, observa-se quatro com maior número de empreendimentos: Serra do Mel com 36, seguido de João Câmara com 29, Lajes com 26 e Parazinho com 22.
Figura 1. Número de parques eólicos no Rio Grande do Norte.

Fonte: Elaboração dos autores (2022) a partir de dados do FIERN (2021).
O RN possui uma potencial riqueza produtiva energética, não só pelo número de parques eólicos que estão em processo de instalação ou já em operação, mas também pelas condições morfoclimáticas. Além disso, o setor tem forte impacto na arrecadação dos municípios, principalmente, por meio do Imposto Sobre Serviços a prestação de serviços (ISS) e do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). Apesar do ganho econômico, o setor de energia eólica não se distância de controvérsias e impactos negativos, elementos que serão vistos a seguir.
Controvérsias e impactos
Várias pesquisas têm identificado a progressão da energia eólica no Nordeste brasileiro e em particular no estado do RN, identificando elementos positivos, mas também impactos negativos. Entre os impactos socioambientais positivos podemos destacar o fato da energia eólica não emitir CO2 na geração e ser uma boa opção para a redução de gases com efeito de estufa no enfrentamento climático. É igualmente importante o fato de ser uma energia renovável, cujo impacto ambiental é menor que outras fontes energéticas e, por outro lado, diversifica a matriz e autonomia energética do país. Na fase de construção gera emprego e renda para as comunidades, na medida em que pode empregar alguns trabalhadores diretos e setores como o aluguel de habitações e microempresarial são favorecidos. E na fase de financiamento gera renda para as famílias beneficiadas e atrai investidores.
Entre os impactos negativos são normalmente apontados impactos socioambientais que se refletem, no semiárido, ainda mais sobre o vulnerável bioma caatinga, ocasionados pelo desmatamento e perda de biodiversidade. Destaca-se ainda a poluição sonora originada pelo barulho dos aerogeradores e a poluição visual que modifica a paisagem local.
Outro aspecto negativo observado é o impacto na saúde, tanto dos trabalhadores envolvidos nas atividades eólicas, quanto dos moradores circunvizinhos aos aerogeradores, ocasionado por suspensão de poeiras na fase de construção e do ruído do funcionamento, além do impacto social com a inserção de novos personagens e de alterações populacionais nos locais de implantação. Um dos impactos que se destaca são os chamados filhos dos ventos, ou seja, a gravidez de mulheres da comunidade pelos trabalhadores que no fim da obra ficam sem os companheiros e com os filhos para criar.
Por outro lado, o modo de vida tradicional dessas comunidades acaba sendo afetado, reduzindo a produção de agricultura familiar e outras práticas. Em diversos casos eram comunidades afastadas dos acessos principais, a abertura de estradas foi positiva, mas também trouxe insegurança. Ao contrário das promessas, praticamente somente na fase de operação é que a eólica gera emprego e renda, na fase de operação os beneficiários são apenas os proprietários de terras. A articulação de antigas oligarquias clientelares permite que se beneficiem com a renda das eólicas, deixando os impactos para as comunidades locais. Temos assim, que a produção eólica no Nordeste gera conflitos, reproduzindo antigas lutas pela posse da terra e renda (Ferraz, 2014; Zanferdini, 2016; Gorayeb et al., 2016, Mauricio, 2017; Porto et al., 2013; Oliveira e Ferreira, 2019).
Na fase de construção a eólica gera um importante impulso econômico ligado a alojamento e alimentação, mas impacta igualmente do ponto de vista econômico para os residentes, na medida em que se registra um aumento dos aluguéis à comunidade local e a geração de emprego não segue como prometido, além de se limitar a essa fase, é pela geração de subemprego. Dá-se igualmente a degradação das estradas, diante da grande movimentação de maquinário, e nem sempre as medidas prometidas são efetivamente cumpridas. Do ponto de vista social, destaca-se o aumento de doenças sexualmente transmissíveis, a exploração sexual, os citados filhos dos ventos, bem como aumento da violência e tráfico de drogas. Sendo igualmente de salientar possíveis impactos na saúde. Do ponto de vista ambiental Bezerra (2021) refere impacto nos habitats naturais, poluição sonora e pó, desmatamento, impacto nos recursos hídricos e de forma geral no solo, o que no litoral significa que impacta sobre as dunas e sobre a paisagem.
No Nordeste brasileiro, a energia eólica tem se associado a uma forte narrativa que a associa ao baixo impacto socioambiental e à promoção do desenvolvimento, um argumento que necessita ser ponderado e avaliado face ao impacto sobre as comunidades, que excluídas de outros processos sejam escolhidas como áreas ou comunidades de sacrifício (Acselrad, 2002, 2004) para bem da produção energética nacional. Os movimentos de protesto emergentes assumem um caráter mais abrangente e integrador, mostrando a persistência de conflitos mesmo na fase de operação. Os conflitos não são apenas por ter e por não ter (Oliveira e Ferreira, 2019), são também pela perda de autonomia do agricultor familiar no acesso aos territórios produtivos, pelas consequências para a saúde e práticas tradicionais das comunidades.
Em protesto, a 13ª Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia na Borborema encheu as ruas de Solânea/PB contra os impactos negativos da implantação dos parques eólicos em regiões de agricultura familiar. A recente Carta do Seridó (2022) aponta a preocupação com a dignidade das comunidades e com a função social, climática e ambiental dos ecossistemas, defendo a necessidade de preservação de algumas áreas. A Carta defende a necessidade de aposta no planejamento territorial para a conservação socioambiental frente à expansão do setor energético; a elaboração de um Programa de Áreas Protegidas da Caatinga do Rio Grande do Norte; a criação de unidades de conservação na área de Lajes e Cerro Corá e suspensão de licenças ambientais; a definição de protocolos metodológicos mínimos para EIA-RIMA e monitoramento de empreendimentos eólicos; e a aprovação de uma portaria com listas das espécies ameaçadas de extinção do Rio Grande do Norte (Cáritas Diocesana de Caicó et al., 2022).
Neste contexto, entre as políticas públicas já acionadas são primordiais as medidas compensatórias resultantes da construção dos parques, porém, apesar da sua importância, são insuficientes, o seu efeito é residual, carecendo a sua aplicação de monitoramento e avaliação rigorosa. Esse apoio resulta da obrigatoriedade de aporte de 0,5% dos projetos eólicos em compensações ambientais nos casos de licenciamento com Estudo de Impacto Ambiental e Relatório de Impacto Ambiental. São escassas as pesquisas existentes sobre o tema. No Rio Grande do Norte, Bezerra (2021) mostra a importância do apoio da Brookfield Energia Renovável nos anos 2017 e 2018 na implementação de tecnologias sociais, sobretudo no apoio à agricultura familiar em áreas rurais. Outras pesquisas mostram o apoio das empresas eólicas na recuperação/construção de escolas, postos de saúde e outras infraestruturas e equipamentos para as comunidades.
Em um exercício com indicadores socioambientais para se avaliar se a expansão eólica gerou melhoria nestes indicadores, verificamos que a melhoria em alguns indicadores não é específica da presença da energia eólica, o que torna difícil concluir se a sua presença é indutora de processos de desenvolvimento local, apesar dos municípios terem aumentado sua arrecadação, por meio do ISS e ICMS. Não podemos esquecer a importância da energia eólica num plano mais amplo para o país e para o estado, designadamente em termos de soberania energética, mas também de expansão de empresas de construção e materiais usados na construção dos parques, assim como na expansão nas universidades e institutos federais de cursos técnicos, de graduação, mestrado e doutorado vinculadas ao setor eólico, mas essa pesquisa de sistematização será realizada em trabalhos futuros. O mesmo acontece com as vantagens para os municípios em termos de cobrança de imposto.
O recente estudo sobre os “Impactos Socioeconômicos da produção de energia eólica nos municípios do Rio Grande do Norte” (SENAI, Mais RN Digital, FIERN, 2022) conclui que o PIB, o PIB per capita e o emprego avançaram nos dez municípios selecionados e que representam mais da metade dos parques eólicos do estado. Os resultados são animadores, porém, carecem da inclusão de mais indicadores e de uma análise comparativa que inclua todos os municípios. É importante conferir se se tratou de uma tendência impulsionada pela energia eólica ou se se registra igualmente em outros municípios do estado.
Levando à discussão a dimensão da sustentabilidade, utilizou-se os resultados, de 2022, do Índice de Desenvolvimento Sustentável nas Cidades (IDSC). O IDSC é desenvolvido pelo pelo programa Cidades Sustentáveis em parceria com o Sustainable Development Solutions Network (SDSN), sendo uma plataforma que monitora o avanço dos municípios brasileiros em relação aos 17 ODS, por meio de indicadores de ordem social, econômica e ambiental. O índice final possui cinco classificações: 1. Muito alto - 80 a 100; 2. Alto - 60 a 79,99; 3. Médio – 50 a 59,99; 4. Baixo – 40 a 49,99; e Muito baixo – 0 a 39,99.
A Figura 2 mostra o IDSC nos municípios do RN. Ao relacionar o mapa a seguir com o anterior, fica evidente que não há como indicar a formação de áreas de desenvolvimento sustentável superior, por parte dos municípios que possuem os empreendimentos eólicos, em comparação ao restante do RN.
Figura 2. Índice de Desenvolvimento Sustentável das Cidades no Rio Grande do Norte.

Fonte: elaborado pelos autores (2022) a partir de IDSC (2022).
Precisamos aprofundar a pesquisa, o que resultados permitem concluir é que o setor pouco influenciou na ampliação de políticas sociais e de desenvolvimento sustentável das cidades. É importante identificar o que os municípios possuem em comum e diferente que possam vir a influenciar na melhora das condições de vida. Seja quais respostas forem, é perceptível que os empreendimentos eólicos não estão produzindo um desenvolvimento que, frequentemente, é propagandeado pelos apoiadores da ampliação do setor.
Para além do que já se apontou, se compararmos as Figuras 1 e 2 podemos observar a ocorrência de municípios com eólicos em suas diferentes fases, classificados no IDSC com classificação baixa ou muito baixa. São os casos dos municípios de Areia Branca, Grossos, Assu, Caiçara do Norte e Rio do Fogo, definidos com IDSC muito baixa.
Conclusiones:
Sabe-se da potencialidade existente no Estado do Rio Grande do Norte no tocante à geração de energia eólica, sendo o principal no território brasileiro, e o segundo colocado em número de parques efetivamente instalados em cerca de 38 municípios, sendo seus 218 parques correspondentes a 26% do total nacional e representando 30,5% de potência em geração (SENAI, Mais RN Digital, FIERN, 2022).
Há constatação de que o PIB dos principais geradores de energia eólica do Rio Grande do Norte apresenta-se em crescimento anual maior que o do Estado, e possui maior participação no PIB total. Percebe-se também incremento destacável nas geração de receitas públicas. Ainda, nota-se maior aumento nas taxas de emprego e de instalação de estabelecimentos comerciais nesses municípios em relação à média do estado, porém necessita-se de complementação de tais dados no que diz respeito ao tempo de permanência de novos empregos gerados e estabelecimentos abertos.
No entanto, é necessária a análise de mais dados para comprovar se a energia eólica vem trazendo ou não desenvolvimento aos municípios do Rio Grande do Norte. A generalidade dos pesquisadores da área é relutante quanto a este aspecto, ainda que reconheça a importância da eólica na produção de energia e em processos de desenvolvimento em escalas mais amplas e com outra temporalidade. Localmente, verifica-se que os impactos observados em relação à construção, instalação e operação dos parques eólicos podem ser observados no tocante à escala das comunidades (Bezzera, 2021). A anunciada geração de emprego e renda acontece apenas na instalação dos parques, não havendo continuidade de ocupações no seu funcionamento, pois em média, para cada 100 empregados contratados na construção e instalação de um parque eólico de grande porte, apenas 1 permanecerá trabalhando e tempo integral na sua operação. Também não há capacitação dos empregados, no sentido de promover qualificação ou gerar conhecimento para aplicação futura em outras atividades, sendo demandada mão de obra local apenas para serviços de baixa qualificação técnica. Pelo contrário, há impactos negativos gerados nos âmbitos sociais, econômicos e ambientais, no que carece na população local de informação e entendimento quanto aos impactos negativos gerados, devendo estes ser orientados quanto à efemeridade dos empregos gerados e renda circulante, a qual observa incremento tão somente no período de instalação dos parques.
Na prática os parques acabam beneficiando alguns proprietários, que parecem se organizar para serem os beneficiados na localização. Os impactos geram vulnerabilidades junto das comunidades e são motivo de conflitos. O prometido desenvolvimento tem dificuldade em ter expressão nas comunidades e municípios, acontece apenas através de medidas compensatórias pontuais, sem que tenham um acompanhamento da sua efetiva concretização.
Em síntese, é necessário repensar este modelo de desenvolvimento, que por sua vez acaba sendo do interesse de grandes empresas do setor eólico, mas também financeiro. O modelo expande-se agora para a produção offshore, podendo gerar impactos junto das comunidades tradicionais que vivem da pesca e do turismo.
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Palabras clave:
Energia eólica, Nordeste Brasileiro, Rio Grande do Norte, Conflitos, Desenvolvimento.