Resumen de la Ponencia:
Por todo o mundo a pobreza é maioritariamente feminina - a nível de salários e das profissões historicamente desempenhadas por mulheres ligadas ao cuidar. Pretendemos demonstrar a importância do valor económico do trabalho reprodutivo na sociedade capitalista. Temos por objetivos compreender as condições de vida das trabalhadoras domésticas na sociedade portuguesa, comparando diferentes épocas históricas. Numa primeira parte iremos abordar quem eram as trabalhadoras domésticas no país e, por último, refletir sobre o trabalho doméstico das mulheres muitas atualmente imigrantes. Como vários autores salientaram para o resto da Europa (Danielle Chabaud et al, 1985) também a condição do trabalho doméstico, em Portugal, tem sido tradicionalmente marcada pela pobreza, vulnerabilidade e pela falta de direitos sociais, levando as trabalhadoras domésticos a uma subjugação permanente relativamente aos seus empregadores e a experiências de vida difíceis. Até ao final da década de 1950, Portugal era um país essencialmente rural. Verificou-se que desde o final do século XIX que a maioria das trabalhadoras domésticas eram jovens migrantes das zonas rurais, analfabetas, que vinham trabalhar nas cidades. Muitas viviam nas casas dos seus empregadores, sem horários fixos de trabalho e dormindo em espaços limitados, frequentemente enfrentando gravidezes e partos não desejados. Em regra, os filhos das trabalhadoras domésticas nasceram nas maternidades públicas, sendo muitos deles considerados ilegítimos, por não serem reconhecidos pelos pais. Nestes casos, algumas crianças, em Lisboa, eram entregues aos cuidados da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, uma instituição de assistência, até que as suas mães tivessem recursos económicos para cuidar delas. O que está a acontecer atualmente? Existem mulheres trabalhadoras domésticas, maioritariamente oriundas de África e do Brasil, com condições precárias de trabalho, muitas sem contratos e sem direitos sociais (Soeiro e al, 2020). Visamos debater estas questões: Como se situam estas mulheres isoladas no mercado de trabalho? Como se enquadram socialmente estas mulheres trabalhadoras que são sujeitas à dominação, frequentemente, de outras mulheres? Como atuam estas trabalhadoras para a mobilização associativa para superar aleatoriedades laborais? No atual contexto pandémico que vivemos estas trabalhadoras foram muito afetadas pelo desemprego e pela pobreza. Baseámos-mos em dados estatísticos de diversas épocas e realizámos entrevistas a trabalhadoras domésticas e a dirigentes do Sindicato dos Trabalhadores de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas (STAD). Concluímos que apesar da profunda transformação social que ocorreu em Portugal nas últimas décadas, muitas características das trabalhadoras domésticas permanecem, em particular a condição precária e vulnerável, sendo a pobreza e a falta de direitos sociais um reflexo da desigualdade de género e das políticas estatais.
Introducción:
Introdução:
Este texto centra-se nas mulheres denominadas de trabalhadoras domésticas em Portugal. O nosso objetivo é demonstrar a importância do valor económico deste trabalho produtivo para a reprodução da sociedade capitalista.
Baseámo-nos, em fontes primárias, nos recenseamentos da população de 1890 a 2011, em bibliografia nacional e internacional e em testemunhos orais que recolhemos de trabalhadoras domésticas e de dirigente do STAD – Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas.
Em primeiro lugar, iremos referir as atividades que foram integradas na nomenclatura profissional «trabalho doméstico» nestas fontes primárias. Em seguida, mostraremos como as percentagens destas trabalhadoras evoluíram diacronicamente no mercado de trabalho, através dos números que recolhemos.
Numa segunda parte, debateremos as perspetivas e as realidades das trabalhadoras domésticas na atualidade, com base em entrevistas com trabalhadoras portuguesas e imigrantes e dirigentes sindicais do STAD.
Até ao final da década de 1950, Portugal era um país essencialmente rural. Raparigas e mulher jovens migraram dos campos para as cidades, a maioria para trabalharem como criadas de servir ou trabalhadoras domésticas (Brasão, 2012). Pelo Recenseamento Geral da População, sabemos que no ano de 1940, em Lisboa, a capital do país, as criadas de servir eram 45,5% da população ativa feminina e, no Porto, a segunda cidade mais importante, eram 40.6% das mulheres trabalhadoras. Em regra, os filhos das criadas de servir/trabalhadoras domésticas nasceram nas maternidades públicas, por serem muito pobres, muitas eram solteiras, grande parte dos filhos não eram reconhecidos pelos pais e eram considerados ilegítimos, ou bastardos pela sociedade. Devido à impossibilidade destas mães cuidarem dos filhos, muitas crianças eram entregues aos cuidados da Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, uma instituição de assistência social, até que as suas mães tivessem recursos económicos para cuidar delas ou serem educadas pela instituição, aprenderem um ofício e começarem a trabalhar.
Na cidade de Lisboa, existiu um albergue noturno, fundado pelo rei D. Luís I, situado no Largo do Intendente, próximo de diversos hospitais: Hospital de S. José, Hospital de São Lázaro, Hospital do Desterro e Hospital D. Estefânia, para as pessoas necessitadas pernoitarem por alguns dias. Entre 1883 e 1899, o albergue noturno acolheu 3254 mulheres, destas 197 eram parturientes, a maioria das mulheres albergadas tinham o estado civil de solteiras, 2042, sendo 1798 criadas de servir (Baptista, 2016, p. 192-198).
Como vários autores salientaram para o resto da Europa (Chabaud-Rychter, D., Fougeyrollas-Schwebel, D., & Sonthonnax, F., 1985) também a condição do trabalho doméstico, em Portugal, tem sido tradicionalmente marcada pela pobreza, vulnerabilidade e pela falta de direitos sociais, levando as trabalhadoras domésticos a uma subjugação permanente relativamente aos seus empregadores e a experiências de vida difíceis. O que está a acontecer atualmente? Existem mulheres trabalhadoras domésticas, maioritariamente oriundas de África e do Brasil, com condições precárias de trabalho, muitas sem contratos e sem direitos sociais (Soeiro e al, 2020). Visamos debater estas questões: Como se situam estas mulheres isoladas no mercado de trabalho? Como se enquadram socialmente estas mulheres trabalhadoras que são sujeitas à dominação, frequentemente, do patronato e de outras mulheres? Como atuam estas trabalhadoras para a mobilização associativa para superar aleatoriedades laborais? No atual contexto pandémico que vivemos estas trabalhadoras foram muito afetadas pelo desemprego e pela pobreza.
Mostraremos que as representações dadas pelos números e as realidades mencionadas por estas trabalhadoras são divergentes, uma vez que uma grande parte delas são invisíveis nas estatísticas e na sociedade portuguesa, porque o seu trabalho pertence à economia informal.
Desarrollo:
A identificação dos trabalhadores/as domésticos/as (finais do século XIX - início do século XXI)
Desde o final do século XIX, a nomenclatura profissional «Trabalho Doméstico» (geralmente excluindo domésticas e donas de casa) tem sido expressa em Portugal nos recenseamentos.
Devido às visões dos tempos, os «trabalhadores domésticos» foram classificados de forma diferente nos censos ou permaneceram invisíveis, o que está relacionado com um universo de representações do trabalho realizado e a sua relação com o mercado de trabalho. É também preciso fazer a ressalva de que as categorias ou nomenclaturas profissionais mudaram ao longo dos tempos. No geral, nos recenseamentos as profissões estão claramente identificadas para os homens: cocheiros, cozinheiros, porteiros, sineiros, guardas de armazém, motoristas, jardineiros e sacristães. Para as mulheres observa-se uma grande diversidade de critérios para a sua classificação. Geralmente, neste grupo estão incluídas cozinheiras, governantas, lavadeiras, costureiras, criadas de servir, trabalhadoras domésticas e até as domésticas.
Com base nos censos, podemos ver como evoluíram as percentagens dos homens e mulheres no sector doméstico.
No contexto da população ativa verificou-se um aumento da proporção de mulheres registadas como trabalhadoras domésticas: em 1890, elas representavam 6% da população ativa, em 1900, 2,5%, em 1911, 1,4%, em 1930, 7% em 1940, 0,6%, em 1950 6,9%, em 1960, 5,5% em 1970, 3,2%, em 1981 2,6%, em 1991 0,6%, em 2001 5,5% e em 2011, 7,2% (Recenseamentos Gerais da População, 1890-2011).
Por outro lado, e tendo em atenção que as nomenclaturas profissionais mudaram decenalmente, verificamos que este sector do trabalho doméstico é altamente feminizado: 1890, 95%; 1900, 89%; 1911, 84,6%; 1930, 100,0% e 1940, 29,0%, 1960, 94,9%, 1970, 91,9%, 1981, 97,7%, 2001, 96,4% e 2011, 98,3% (Recenseamentos Gerais da População, 1890-2011).
Sabemos que até aos anos 70, as criadas de servir, em regra, eram de origem rural e tinham ido trabalhar para as cidades, para casas de patrões, ainda muito jovens, algumas a partir dos 12 anos, como se observa na imagem seguinte. Muitas ficavam solteiras, acabavam por servir toda a vida nas casas dos empregadores e só regressavam às suas terras de origem já numa idade avançada ou morriam em casa dos patrões (Baptista, 1999).
Trabalho reprodutivo versus trabalho produtivo para manter a sociedade capitalista
Foi com a Revolução Industrial, em meados do século XVIII, que surgiu o conceito de «mulheres domésticas», dando-se início à divisão sexual do trabalho e à separação entre as esferas privada e pública. Portanto, a emergência do trabalho doméstico e o desenvolvimento do capitalismo estão ligados.
Neste sentido se pronunciou Hole (1995 apud Roberts, 1995, p. 2), que colocou a formação desta «ideologia doméstica» entre 1780 e 1830, entre a burguesia. As mulheres domésticas eram um símbolo da sociedade burguesa, que transformou as mulheres das classes privilegiadas em «donas de casa», muitas contratando outras mulheres para realizar o trabalho doméstico ‒ as criadas de servir, muitas vivendo nas casas dos patrões, e as trabalhadoras domésticas, desempenhando diversas tarefas diárias, como a limpeza da casa, cozinhar, lavar a roupa e mesmo sendo amas de crianças e regressando as suas casas após a realização das mesmas. Assim, surgiu uma sociedade em que a produção inundou a vida quotidiana e em função da reprodução. Igualmente foi estabelecida uma fronteira entre pessoas ativas e não ativas, separando-se as classes sociais, bem como atividades dos homens e das mulheres.
Também, entre as mulheres somos confrontados com uma relação de classe - por um lado a «dona de casa», a empregadora, e por outro lado a trabalhadora doméstica assalariada, vista como subvalorizada, apesar de desenvolver atividades a bem da família.
Por sua vez, Roberts (1995) salientou que uma vez que todo o trabalho doméstico realizado por mulheres numa família era não remunerado, presumiu-se e interiorizou-se que não era trabalho real e, consequentemente, tornou-se inútil aos olhos da sociedade. Segundo Vandelac (apud Chabaud-Rychter, D., Fougeyrollas-Schwebel, D., & Sonthonnax, F., p. 73-74), como «trabalho doméstico» significa servir os indivíduos, as mulheres interiorizaram progressivamente a sua nova função «doméstica» como uma característica fundamental da sua feminilidade.
As mulheres eram responsáveis pelo trabalho de subsistência e reprodução familiar, atividades que embora indispensáveis para a sociedade, não eram oficialmente consideradas produtivas.
Os homens garantiam a produção através de trabalho remunerado diretamente relacionado com o mercado. Como referem Chabaud-Rychter, D., Fougeyrollas-Schwebel, D., & Sonthonnax, F.: «Todas as atividades que são identificadas com a reprodução de indivíduos são separadas da produção de bens. Esta separação está subjacente a esta identificação: a existência na sociedade capitalista de relações sociais de reprodução distintas das relações de produção» (Chabaud-Rychter, D., Fougeyrollas-Schwebel, D., & Sonthonnax, F., 1985, p.p. 49-51).
Por sua vez, Marguerete Benston (apud Chabaud-Rychter, D., Fougeyrollas-Schwebel, D., & Sonthonnax, F., 1985, pp. 73-74) retomou a definição marxista de trabalho doméstico feminino como a produção de valores simples: o trabalho feminino na família é importante devido à quantidade de tarefas realizadas e ao tempo gasto; é fundamental para o funcionamento do capitalismo porque contribui para a reprodução da força de trabalho masculina e para a produção de valor acrescentado, do qual se conclui a importância e o valor do trabalho doméstico.
O trabalho não remunerado, as atividades e serviços de subsistência na família explicam, segundo estas autoras a discriminação histórica do estatuto dos trabalhadores domésticos no mercado de trabalho e a integração no mesmo de mulheres em situação de pobreza e baixa escolaridade.
Através das entrevistas realizadas encontrámos agora como a novidade de identificar mulheres imigrantes nos trabalhos domésticos nas empresas ou em casa de particulares.
O trabalho doméstico exercido na atualidade: Representações da entrevistada sobre as vantagens e desvantagens do trabalho doméstico
Realizámos seis entrevistas com trabalhadoras domésticas, por telefone, em outubro de 2019, duas nascidas em Portugal, as outras imigrantes: uma nascida em São Tomé, outra em Cabo Verde, uma jovem proveniente do Brasil e uma imigrante da Suazilândia, que serão apresentadas de forma resumida. Em seguida, identificaremos as suas representações sobre as vantagens e desvantagens do trabalho doméstico. As entrevistas foram realizadas por telefone. Tivemos por critérios ouvir pessoas que tivessem nascido em Portugal e imigrantes de longa data e recente sobre as suas visões relativamente ao trabalho que realizam, vantagens e desvantagens.
A primeira entrevistada, nasceu em Portugal. Depois da concluída a Faculdade iniciou uma carreira numa profissão liberal. Durante a crise de 2012, com 50 anos, ficou desempregada. Como o subsídio de desemprego não era suficiente para as despesas correntes aceitou trabalhar, como governanta, em casa de um estrangeiro de idade já avançada. Tinha a seu cargo as tarefas da arrumação da casa, a ida às compras e cuidar da pessoa, levando-a ao médico e a passear, por exemplo. Ficou um ano com este trabalho e reconhece-lhe a dureza pelo cuidar permanente de pessoas que estão dependentes e com fraca mobilidade física. Mais recentemente, conseguiu retomar o seu anterior ramo profissional.
A segunda entrevistada, atualmente com 70 anos, nasceu em Portugal, oriunda de uma família rural muito pobre, na periferia de Lisboa. Grande parte das situações que foram contadas ocorreram durante a ditadura fascista do Estado Novo (até ao 25 de Abril de 1974). É analfabeta, não sabe ler nem escrever, o que lhe provoca um grande desgosto e profunda tristeza. Durante a infância, a mãe ia buscá-la à escola para ir trabalhar no campo, na agricultura, o que fez até aos 17 anos. Depois dessa idade, a mãe arranjou-lhe um trabalho como empregada interna numa casa particular, ou seja, como criada de servir, segundo a terminologia da época. Todo o dinheiro do salário que lhe era devido foi entregue diretamente à família. Lembra-se que trabalhou cerca de 14 horas por dia, durante todos os dias do ano, exceto aos domingos. Recorda a pobreza da sua família. Quando ia visitar os pais, o pai dizia-lhe para não comer em casa e ir comer a casa da patroa, para não gastar comida. Ficou lá até se casar, tendo depois a sua própria habitação. Com o casamento tornou-se trabalhadora doméstica, mulher a dias, segundo a denominação da época. Trabalhou em várias casas de famílias, na zona onde reside, considerando que sempre a respeitaram e pagaram-lhe o salário que pedia, segundo o que era usual na profissão. Apesar de ter trabalhado toda a vida não sabia que poderia descontar para a Segurança Social. Foi o marido que lhe fez o desconto e atualmente recebe uma pensão de 160 euros (em 2023 o salário mínimo nacional é de 760 euros).
A terceira entrevistada nasceu em São Tomé e veio para Portugal com 22 anos. Ainda está no ativo e tem trabalhado para empresas no setor industrial e também em casas particulares. Explicou que nas empresas descontou sempre para a Segurança Social, pelo que tem tido benefícios aquando de doenças e depois terá para a reforma. Mantém o trabalho em casas particulares para aumentar o seu rendimento mensal.
Outra das entrevistadas nasceu em Cabo Verde e veio muito pequena para Portugal, a seguir ao 25 de Abril de 1974, com a implantação da democracia. Quando lhe perguntei a nacionalidade respondeu-me que sempre foi portuguesa porque quando nasceu estava içada a bandeira portuguesa na sua ilha, logo é portuguesa desde sempre e não se considera imigrante. Viveu num bairro periférico de Lisboa, onde cedo as crianças abandonavam a escola, como foi o seu caso. Casou-se aos 17 anos e começou a trabalhar como empregada doméstica. Trabalhou sempre em várias casas. Considera que teve muita sorte porque foi o seu primeiro empregador que lhe explicou como fazer as contribuições para a Segurança Social. Atingindo a idade da reforma aos 66,6 anos irá reformar-se e ter direito a uma reforma, o que a deixa tranquila. Disse ter tido uma vida muito dura, deixando muito vezes as crianças a cuidarem umas das outras o que lhe causava remorsos porque «criaram-se sozinhos».
A quinta entrevistada nasceu na Suazilândia e está na casa dos 60 anos. Assume que não queria estudar e o trabalho doméstico, ou de mulher a dias, surgiu-lhe como uma oportunidade. Considera que sempre foi bem recebida em todas as casas e paga de acordo com o que se estipulava inicialmente, oralmente. Pensa que o trabalho doméstico é um trabalho que deve ser valorizado porque alguém tem de o realizar em cada casa.
A última entrevistada ainda é jovem, tem 30 anos e é casada. Nasceu no Brasil e é emigrante há 11 anos. Realizava um trabalho doméstico para uma empresa, mas devido à crise de 2012 ficou desempregada. Aceitou um convite de uma senhora para trabalhadora doméstica e não está arrependida. Vê vantagens neste emprego, porque pode escolher as horas, os dias e as casas de família em que trabalha. Gosta de no final do seu trabalho ver uma casa arrumada e cuidada por si. Ainda não paga contribuição para a Segurança Social, mas quer fazê-lo em breve.
Todas as mulheres trabalhadoras domésticas entrevistadas afirmaram que conseguiram um emprego facilmente. Fazem todo o trabalho em casa, assim como vão às compras, ou cuidam de crianças ou pessoas mais velhas e no geral mostram-se satisfeitas com o trabalho que realizam e valorizam-no. Veem como vantagens no seu trabalho o puderem gerir os horários de trabalho e conhecer pessoas diferentes.
Porém, apontam diversos aspetos negativos. É um trabalho mal pago e têm poucos direitos sociais. Inclusive, uma das entrevistadas relatou de apesar de ter as suas poupanças no banco, este recusou a conceder-lhe um empréstimo para comprar uma casa porque não ter um contrato de trabalho. Outra entrevistada salienta que no sector da indústria da limpeza as trabalhadoras têm alguns direitos sociais, como o gozo de férias, e como pagam contribuições o direito à segurança social, na doença, maternidade e na reforma, direitos que as trabalhadoras nas casas particulares não têm.
Várias das trabalhadoras referiram que é um trabalho duro que causa muitas doenças e fadiga. As mais velhas reconhecem que tiveram pouco tempo para cuidar dos seus próprios filhos. Em alguns casos, contam com culpabilização que foram os filhos que cuidaram de si; noutros casos tiveram de pagar a amas. A mais nova das entrevistadas considera a hipótese de não ter filhos devido ao facto de não ter direito à licença de maternidade nem ao subsídio de maternidade.
Concluímos que as trabalhadoras domésticas atualmente, são-no por terem ficado numa situação de desemprego, serem imigrantes ou terem uma reduzida escolaridade. A maior parte das entrevistadas trabalha em casas em que os empregadores/as pertencem à população ativa. Sendo Portugal um país com uma forte índice de envelhecimento, há já pessoas contratadas para cuidarem de pessoas dependentes ou com fraca mobilidade, como contou a nossa primeira entrevistada.
A vida laboral destas trabalhadoras é marcada pela insegurança, como se verificou durante a pandemia do Covid 19, muitas ficaram desempregadas e empobreceram. Para estas trabalhadoras existe uma grande pobreza, vulnerabilidade e falta de direitos sociais, levando as trabalhadoras domésticos a uma subjugação permanente relativamente aos seus empregadores e a experiências de vida difíceis.
Perspetivas dos líderes sindicais do STAD – Sindicato dos Trabalhadores de Serviços de Portaria, Vigilância, Limpeza, Domésticas e Actividades Diversas
Realizámos uma entrevista, por telefone, com um dos dirigentes do sindicato STAD, em 1 de outubro de 2019.
Foram-nos relatados os principais problemas que o sindicato identifica. Há trabalhadoras domésticas internas, que trabalham de manhã à noite, em regra com folga ao domingo, e trabalhadoras domésticas externas que trabalham 3 a 4 horas em casas de famílias. A maioria das trabalhadoras não tem contratos escritos e não possuem direito à Segurança Social. Há trabalhadoras domésticas em empresas com contratos de trabalho e direito à Segurança Social que podem acumular com o trabalho em casa de famílias.
O Sindicato calcula que 2/3 das trabalhadoras domésticas, em Portugal, são provenientes do Brasil, Cabo Verde e de Angola.
Há também homens classificados como trabalhadores domésticos, mas são uma minoria: motoristas, jardineiros, porteiros, trabalhos de bricolage e trabalham nas zonas mais ricas e privilegiadas das cidades, em Lisboa, no Restelo, em Cascais e no Porto, na Foz do Douro.
O trabalho doméstico é considerado desqualificado; os salários são baixos, mas tem uma grande importância social. O cuidar de crianças, de pessoas mais velhas, das famílias. As famílias, geralmente as mulheres que contratam uma empregada doméstica podem usufruir de mais tempo livre para o desfrutarem de muitas maneiras. Por estimativa, 95% dos empregadores/as são pessoas que estão no mercado de trabalho.
Em regra, as trabalhadoras domésticas só chegam ao Sindicato quando existem problemas com o patronato e este procura sempre a solução para os conflitos económicos, o pagamento de salários, o assédio sexual (no caso das empregadas internas) e a sobrecarga de trabalho.
As trabalhadoras domésticas podem descontar para a Segurança Social, com um certo número de horas de trabalho, mas verifica-se que a maioria das trabalhadoras domésticas, mesmo conhecendo a lei, não o faz, o que trará consequências no acesso a direitos sociais e na reforma. O facto de estrem isoladas a trabalhar em cada casa leva-as a não se associarem e reivindicarem contratos de trabalho escritos, com contribuições para a Segurança Social.
O Sindicato conclui que nesta profissão arranja-se sempre emprego, a procura de mão-de-obra excede a oferta, logo parece existir uma contradição no facto de não ser um emprego valorizado convenientemente.
Conclusiones:
Algumas notas conclusões
Tal como no início da sociedade capitalista, o trabalho doméstico continua mal remunerado, apesar da legislação o prever, é maioritariamente realizado com base num contrato informal, não escrito, logo não dando acesso a direitos sociais e desfavorável às trabalhadoras, pela insegurança causada. Pelo verificado, também muitas trabalhadoras domésticas em casas particulares optam por não descontar para a Segurança Social.
No século XIX, o trabalho doméstico era essencialmente realizado por mulheres das zonas rurais que afluíam para as zonas urbanas, hoje dois terços das mulheres trabalhadoras são imigrantes dos PALOP e do Brasil, como afirmou um dirigente sindical do STAD.
Efetivamente, esta trabalho permanece altamente feminizado e, embora mulheres mais qualificadas tenham acedido a ele por necessidade económica (como a primeira entrevistada), é fundamentalmente exercida por mulheres com baixa escolarização e imigrantes não qualificadas.
Esta situação acontece porque o trabalho doméstico é desvalorizado; a sociedade mantém a memória do trabalho não remunerado das mulheres que cuidam da sua casa e da sua família, contribuindo para a manutenção do trabalho produtivo do «chefe de família» masculino.
De notar que este contexto ocorre numa profissão onde a procura de trabalho excede a oferta de mão-de-obra existente.
É de relevar que existe uma diferença relevante de indicador da mudança social: atualmente, contratar uma trabalhadora doméstica deixou de ser um símbolo de luxo, é devido às necessidades que tem a pessoa que emprega, que também trabalha e precisa de ter alguém a cuidar de pessoas jovens ou mais velhas, com menos mobilidade ou por se ter um emprego em que não existe tempo para cuidar da casa e da família.
Assim, fica demonstrado que o trabalho doméstico tem um valor de produção porque contribui para a manutenção dos trabalhadores/as produtivos/as na sociedade capitalista. Contribui para a reprodução da força de trabalho e para a produção de mais-valia.
Durante a pandemia do coronavírus muitas trabalhadoras domésticas foram rudemente penalizadas ao serem despedidas. Concluímos que apesar da profunda transformação social que ocorreu em Portugal nas últimas décadas, muitas características das trabalhadoras domésticas permanecem, em particular a condição precária e vulnerável, sendo a pobreza e a falta de direitos sociais um reflexo da desigualdade de género, de classe e das políticas estatais.
Bibliografía:
Fontes escritas Arquivo da Câmara Municipal de Lisboa. Arquivo Fotográfico. Recenseamentos Gerais da População de 1890 a 2011.
Fontes orais Testemunho orais em outubro de 2019.
Bibliografia principal Baptista, V. R. (1999). As mulheres no mercado de trabalho em Portugal: representações e quotidianos (1890-1940. CIDM. Baptista, V. (2016). Proteção e direitos das mulheres trabalhadoras em Portugal 1880-1943. ICS. Brasão, I. (2012). O tempo das criadas. A condição servil em Portugal 1940-1970. Tinta da China. Chabaud-Rychter, D., Fougeyrollas-Schwebel, D., & Sonthonnax, F. (1985). Espace et temps du travail domestique. Librairie des Méridien. Roberts, E. (1995). Women´s work 1890-1940. Cambridge University Press.Soeiro, J., Araújo, M., & Figueiredo, S. (2020), Cuidar de quem cuida. Objetiva.
Palabras clave:
Trabalhadoras domésticas; pobreza; isolamento; sindicatos