Resumen de la Ponencia:
A financeirização da natureza converte recursos ambientais em ativos negociados em bolsas de valores de todo o mundo, ações cujos detentores são empresas de diferentes matizes, desde estatais a companhias formadas por capitais privados nacionais e multinacionais. No Brasil, a privatização do setor hidrelétrico favoreceu a expansão do hidronegócio, a construção de grandes usinas hidrelétricas (UHEs) nas principais bacias hidrográficas do país e a pulverização de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs) em rios de menor porte. A participação do Estado brasileiro nesse setor é ativa, o que pode ser constatado pela participação da Empresa de Pesquisa Energética nos processos de outorga e de licitação das obras. Na bacia do rio Uruguai, situado na região sul do Brasil, foram instaladas cinco UHEs e dezenas de PCHs. A construção de barragens e a formação de lagos artificiais onde anteriormente havia um rio produz impactos socioambientais de grande repercussão, atingindo moradores ribeirinhos e comunidades adjacentes. Neste trabalho analisamos o caso dos pescadores profissionais da pesca artesanal do rio Uruguai, cujos meios de vida foram irremediavelmente comprometidos pelas alterações ambientais decorrentes da transformação do ambiente lótico em lêntico, bem como de seu impacto na qualidade da água e na ictiofauna. São estudadas três colônias de pescadores: Z 29 (Chapecó) e Z 35 (São Carlos), atingidas pela UHE Foz do Chapecó, e Z 34 (Concórdia), atingida pela UHE de Itá. Nas primeiras constata-se o abandono da profissão pela maioria dos pescadores, com o consequente comprometimento de sua renda e da condição de segurados especiais da Previdência Social. Na última, registra-se a conversão de pescadores em aquicultores de produzem pescado em tanques-rede instalados no lago artificial, no município de Concórdia, como medida mitigadora de impactos pelo empreendedor, em consonância com o Plano Básico Ambiental. Num e noutro caso, a instalação dos empreendimentos hidrelétricos de grande porte (hidronegócio) expropriou os pescadores do acesso aos recursos naturais: o rio e o pescado, fonte de alimentação, trabalho, renda e dignidade. O ofício de pescador profissional da pesca artesanal tende a desaparecer com os últimos remanescentes na “lida com a pesca”, que por terem mais idade e baixa escolaridade não encontram alternativa laboral e esperam se aposentar como pescadores. Palavras-chave: Pescadores profissionais artesanais; hidronegócio; financeirização da natureza. Pesaquisa Financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa de Santa Catarina.
Introducción:
Introduzindo a questão
De forma sintética, afirmamos que a implantação de grande obra de engenharia para geração de energia não é nem um deus ex machina e tampouco um projeto civilizador, embora tenha aspiração para tal. É fruto de um plano governamental e faz parte de estratégia empresarial para ampliação de seus negócios, transformando-o num hidronegócio. Requer capital de grande monta para efetivação da obra e é certo que, como empreendimento capitalista, conta com retorno garantido, trabalhadores bem qualificados e aqueles de qualificação mediana para executá-lo, alteração no meio ambiente, inundação de área, geralmente agricultável, e deslocamento compulsório da população nela localizada. Implica na alteração da natureza e em atividades tradicionais, como a pesca profissional artesanal. É desse ponto que podemos seguir em frente, mas, principalmente, retroagir e não trilhar os dados oficiais do “início” da obra.
A démarche do texto consiste em tomar o processo de implantação dos projetos de grandes hidrelétricas na Bacia do rio Uruguai[i], situando-os em posições distintas e antagônicas, aquelas dos empreendedores dos grandes projetos e das populações atingidas, em especial, a dos pescadores profissionais artesanais. Nos últimos anos foram implantados dez grandes empreendimentos hidrelétricos no trecho brasileiro dessa bacia hidrográfica. Exceto a fração pertencente às Centrais Elétrica Brasileira - Eletrobras e subsidiárias, as demais empresas, grosso modo, são constituídas por capital transnacional. Suas ações extrapolam esta bacia, melhor dito, têm aqui apenas um ancoradouro para exportação de energia gerada para outras partes do país. De outro lado, confrontamos esses empreendimentos com um grupo nativo da bacia cuja trajetória apresentou percursos de constrangimento, ou seja, os pescadores profissionais artesanais.
Pretendemos, neste texto, problematizar o contexto da ascensão das empresas e o descenso dos pescadores profissionais, tendo como pano de fundo dois aspectos, o da ecologia moral e o da financeirização da natureza.
[i]O rio Uruguai, cuja bacia no trecho brasileiro a partir de 1973 conta com hidrelétricas de grande porte, nasce na Serra Geral, formado pelos rios Pelotas e Canoas, tem 1262 km. Divide os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul; depois em território internacional faz a divisa entre o Brasil, Argentina e Uruguai, desembocando no rio do Prata.
Desarrollo:
Percurso metodológico
A pesquisa se insere no Campo Ambiental, no qual estão situados os pescadores profissionais artesanais do rio Uruguai que tiveram suas vidas transformadas por um Projeto de Grande Escala (PGE), demarcador de tempos e transformações da vida, fauna e paisagem. O PGE Usina Hidrelétrica Foz do Chapecó Energia S/A, projeto em questão, tem capacidade de gerar 855 MW. Seu reservatório mede 79,93Km2 e margeia 13 municípios dos estados de Santa Catarina e do Rio Grande do Sul, mas cujos reflexos atingem indiretamente outros.
Metodologicamente é uma pesquisa qualitativa, interessando-nos, acima de tudo, a qualidade dos dados. Estes foram construídos em trabalho de campo, em diversos momentos, entre os anos de 2019 e 2021. Entrevistamos pescadores profissionais e lideranças de colônias. Consultamos materiais de imprensa, a partir de 2002, e literatura produzida sobre hidrelétricas e pescadores. Empiricamente, o texto refere-se aos pescadores da Colônia Z29, da área de abrangência da Usina Hidrelétrica da Foz do Chapecó, em operação desde 2010, embora dialogue com aqueles das Colônias de Z34 (Concórdia-SC) e Z35 (São Carlos-SC). Esta hidrelétrica não pode ser dissociada daquelas que compõem a dezena delas implantadas na bacia do rio Uruguai nas duas últimas décadas, inseridas no Setor Hidrelétrico Brasileiro. Este é tomado como campo, na acepção de Bourdieu (1984), espaço multidimensional no qual os agentes são dotados de capitais desigualmente distribuídos, bem como dos instrumentos de apropriação. As perspectivas acerca de seus projetos serão divergentes e constituem-se em campo de lutas. Enfim, defrontam-se diferentes visões e divisões de mundo, mesmo que não se expressem com este teor semântico.
Num quadrante do espaço social situam-se as agências estatais, reguladoras do setor elétrico e, principalmente, os conglomerados empreendedores que podem ser nominados por dam industry [indústria barrageira] (McCully, 2004) que, explicitamente, se habilitam aos editais das agências reguladoras para implantação de grandes projetos de hidrelétricas na bacia do rio Uruguai, sob o argumento imperioso de geração de energia limpa e renovável para atender às necessidades do país, de desenvolvê-lo sustentavelmente (por mais polissêmica que seja esta categoria).
Trata-se, igualmente, de espaço hierarquizado, no qual os agentes se encontram em posições diferenciadas, polarizadas, disputando recursos, bens, capitais, relações de dominação. As posições estão demarcadas, de acordo com as aquelas já capitalizadas nas lutas anteriores (Bourdieu, 1989, p.64-70). No campo ambiental entram em jogo os “atingidos”, dentre esses os pescadores profissionais artesanais, os órgãos ambientais, as agências de desenvolvimento. A hidrelétrica altera a paisagem, provoca danos na natureza, interfere nas vidas das comunidades, deslocando ou cindindo comunidades. Os recursos hídricos são alterados, influenciando a ictiofauna. Assim, ao recorrer à análise do campo ambiental se revela, a partir das evidências de configuração do campo do desenvolvimento, como o discurso do desenvolvimento adquire visibilidade e legitimidade, conferindo atenção aos discursos professados e às relações de poder estabelecidas.
Dam industry e financeirização
É invariante a dam industry apresentar como sua missão o desenvolvimento sustentável da região ou do entorno do local onde se situa fisicamente. Ao lado de todas as cartas e documentos da sustentabilidade que advogam para legitimar suas práticas, poderia ser justaposto o lucro anual das grandes corporações, gerando energia, não obrigatoriamente hídrica. São diferentes formas de computar e expor os números[i]. No entanto, um contraste pode ocorrer à justaposição com as diferentes partes do campo, a exemplo, empreendedoras e pescadores atingidos.
A política energética brasileira foi construída no “espírito” da grande aceleração (Oliveira, 2018; Charbonnier, 2021). Com o espalhamento do neoliberalismo, ocorreu a desestatização na década de 1990. Esta permitiu o ingresso de grupos transnacionais, alguns especialistas em geração de energia, como a francesa Engie, no Brasil desde os ano de 1990, ou o caso das holdings chinesas Three Gorges e State Grid que aqui aportaram no último decênio. Há ainda produtores voltados à indústria de aço (Companhia Siderúrgica Nacional), produção de alumínio e bauxita (Alcoa; CBA), de cimento (Votorantin Cimento; InterCement). Esses grupos empresariais não se limitam a empresariar unicamente na bacia do rio Uruguai. Encontram-se em diversos pontos de empreendimentos do país.
Para Moore (2015 e 2022), a importância estratégica da acumulação da Cheap Nature [Natureza Barata] se faz presente no desenvolvimento e nas transformações do capitalismo dos últimos cinco séculos (MOORE, 2015, p. 146, 150, p160). O barateamento da natureza implica em não substantivar. Está em jogo uma constelação de empresas e de agências de recursos que foram mobilizados para sua construção. Foram facilitadas algumas condições, tais como a disponibilização de recursos públicos, a exemplo do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social BNDES. Noutros casos, a partir de 2005, contaram com o montante do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal, na organização empresarial em consórcios, nos recursos de empréstimos por meio de debêntures.
O recurso mais expressivo consta da água que, de bem público, por meio de leilão, torna-se bem privado para geração de energia.
A financeirização e a financeirização da natureza tornaram-se categorias ambíguas. Uma forma de desambiguizar é recorrer ao trabalho de Ortiz (2017), tomando as hidrelétricas como parte da categoria “indústria financeira”, que faz parte da instituição política global, considerando como recolhe, produz e distribui o dinheiro mundial.
A natureza barateada, transformada em mercadoria, e a financeirização são irmãs siamesas, combustível do capital financeiro e um dos motores da atual fase da globalização (Schweitzer, 2000). Isso nos remete ao processo de transferência do capital acionário das hidrelétricas.
Uma das particularidades é o uso da natureza barata (Cheap Nature) e a financeirização da natureza, tornando a energia gerada localmente numa mercadoria que circula livremente pelo país, por meio do sistema interligado, atendendo residências, indústrias e, principalmente, o setor eletrointensivo (aço, alumínio, cimento etc.) que pode figurar como acionista em grande parte das usinas da bacia do rio Uruguai.
O quadro abaixo é uma demonstração da composição acionária das Hidrelétricas da bacia do rio Uruguai.
Quadro 1 Hidrelétricas do rio Uruguai – composição acionária
UHE Ano Potência Corporação/ões
Passo Fundo 1973 113,1 Engie do Brasil
Itá 2000 1450 Consórcio Itá (Engie, CSN, Itambé)
Machadinho 2002 1140 Consórcio Machadinho: CBA, ALCOA,
ENGIE, VALE, Votorantim Cimento, CEEE,
InterCement e MDE Distribuidora
Quebra-Queixo 2003 120 Companhia Siderúrgica Nacional
Barra Grande 2005 690 Alcoa Alumínio; Cpfl (State Grid); CBA;
Barra Grande Participações e DME
Energética
Campos Novos 2010 880 Cpfl (State Grid); CBA; Pollarix S/A; CEEE
Anita Garibaldi 2010 191,9 Three Gorges CTG Brasil
Foz do Chapecó 2010 855 Cpfl (State Grid); Eletrobras/Furnas; CEE
Monjolinho 2019 74 Monel- Monjolinho Energetic; Starkraft
São Roque 2022 141,9 Nova Participações (Nova Engevix)
Quadro elaborado pelas autoras com base nos documentos e páginas da web das empresas
É tautológico afirmar que o hidronegócio ampara-se na financeirização da natureza. A assertiva de Appadurai (2009) é ilustrativa ao indicar a velocidade que caracteriza essa finaceirização e que consiste num processo no qual o dinheiro é utilizado para obter mais dinheiro mediante os diversos instrumentos que possam ser explorados. Aqui, para além de nota de rodapé, vale a constância e invariância com que os cofres públicos têm sido generosos no financiamento do hidronegócio brasileiro. Da listagem acima, com exceção da UHE Quebra-Queixo, da qual não obtivemos dados, as demais hidrelétrica (quando em construção) foram clientes do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social, com prazo de carência e tempo considerável de amortização, quando não para lançamento de debêntures, na lógica da contribuição ao desenvolvimento. As UHEs em construção após 2007 podiam contar com o Programa de Aceleração do Crescimento – PAC, do governo federal.
Pescadores profissionais e a violência lenta
Os pescadores, sujeitos nativos, que são os agentes com os quais trabalhamos, podem ser inseridos na categoria da “sociabilidade do homem simples” (Martins, 2020). A constituição dos pescadores profissionais artesanais no rio Uruguai tem como pano de fundo o processo do Setor Elétrico Brasileiro, realizado sob o prisma da engenharia, e, para dizer o mínimo, com o olhar torto para o componente humano a ser atingido. O conceito de violência lenta, expressão de Rob Nixon (2011) é ilustrativo para o caso.
[...] chama a atenção para calamidades lentas e duradouras, calamidades que pacientemente dispensam a devastação enquanto permanecemos fora de nossa atenção cintilante – e fora da visão da mídia corporativa orientada para o espetáculo (...). A violência é levada para dentro, somatizada em dramas celulares de mutação que – especialmente nos corpos dos pobres – em grande parte não observadas, não diagnosticadas, sem diagnósticos.
O pescador profissional artesanal é amparado legalmente e tem a Colônia de Pescadores como órgão que age em defesa dos direitos e interesses da categoria, em juízo ou fora dele, dentro de sua jurisdição. Em Chapecó, em 1979, foi constituída a Colônia de Pescadores Z29, cuja base territorial abrangia a área de Concórdia (afetada pela UHE Itá) a Palmitos, no estado de Santa Catarina, com mais de 550 pescadores. Face à dimensão territorial da Colônia Z29, em comum acordo, os pescadores decidiram estabelecer nova base em Concórdia, criando a Colônia Z34, voltada à aquicultura no reservatório formado pela barragem da UHE de Itá. Por divergências de lideranças, quando da implantação da Hidrelétrica Foz do Chapecó, pescadores da área de São Carlos, SC, estabeleceram nova unidade, conhecida Colônia Z35, desmembrada da colônia-mãe. As relações de negociação com o consórcio empreendedor foram favorecidas em relação à última colônia criada, em detrimento da originária.
A violência lenta (Nixon, 2011), iniciada com a exclusão da categoria profissional do Estudo de Impacto Ambiental e respectivo relatório (EIA/RIMA), é cumulativa. Os pescadores ribeirinhos, responsáveis por constituírem em sua territorialidade saberes e práticas que aprimoram com o conhecimento e vivência com o rio, viram-se afetados nas suas condições de sobrevivência (meios de vida) pelo barramento, que transformou o ambiente e impactou a ictiofauna. A intervenção imoral (Scaramelli, 2019) leva a perceber e relatar as mudanças severas no rio, que antes garantia o pescado em volume suficiente para comercialização e sustento próprio, o que já não ocorre.
Quando dos estudos iniciais para construção da UHE Foz do Chapecó, na elaboração do EIA/RIMA (2000), documento indispensável para aprovação do empreendimento hidrelétrico, este não registrava a presença de pescadores profissionais no rio Uruguai, tão somente de pescadores amadores. Isso nos remete à assertiva de Scaramelli (2019, p. 391): “As ecologias morais refletem diferentes entendimentos sobre quem é incluído e excluído na tomada de decisões ambientais, e quem colhe os benefícios da transformação infraestrutural e ecológica.”
A exclusão representava, além de falha grave na confecção do documento, a não inclusão na condição de atingido pela obra. De outro lado, denotava o lugar ocupado no espaço social. Após reivindicações, acompanhadas pelo Movimento dos Atingidos pelas Barragens, alcançando a Comissão Nacional dos Direitos Humanos (CNDH), conseguiram a inserção no estudo.
A implantação de uma hidrelétrica traz alteração ao ambiente físico, biótico, abiótico e socioeconômico das populações ribeirinhas, alterando a qualidade da água, suprimindo a vegetação e gerando impactos na ictiofauna. O reservatório, parte do empreendimento hidrelétrico, contribuirá para que os ambientes lóticos transformam-se em lênticos. Foi o que ocorreu com o fechamento do reservatório e com a operacionalização da UHE Foz do Chapecó.
No segundo ano de operação da UHE, em 2012, anunciava-se o problema da proliferação de algas, pela não retirada da vegetação na área do lago. A formação de limo, decorrente do material orgânico em decomposição, trouxe prejuízo à pesca, danificando as redes. À jusante, no âmbito da Colônia Z35, a baixa vazão de água se mostrou persiste. Esses são fatores que prejudicam a pesca.
O que se constata é um rio considerado morto pelos pescadores. À jusante já não apresenta condições de navegabilidade. No reservatório as espécies nobres como jundiá, dourado, surubim, curimbatá, que exigem água corrente, não se reproduzem. O mesmo ocorre no trecho afetado pela redução da água. As alterações causadas por hidrelétricas podem ser encontradas em outros casos, como naquele de Belo Monte, analisado por Magalhães et alii (2016).
A fala do presidente da Colônia é significativa, ao apontar o rio como morto, no qual o pescado praticamente sumiu. A floresta foi posta abaixo. Haveria “20 barragens” na bacia, um encordoamento de barragens. Há barramento em série, concentrando os minerais. Outro problema é o oxigênio. Na madrugada diminui e produz a alga preta.
As respostas da concessionária são de que toda grande obra gera impactos sociais e ambientais, mas cabe lembrar que está gerando energia limpa. No que diz respeito à ictiofauna, vale-se do mérito acadêmico da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), apontando estudo que indicou que a comunidade de peixes apresentava diminuição antes da construção da obra. Responsabiliza a pesca predatória, a poluição e as “variações nas condições ambientais da região pela redução do pescado.
A condição dos pescadores da Colônia Z-29 encontra-se com diminuição acentuada de associados, face à queda do pescado e à baixa qualidade deste. O pescado de qualidade como dourado, surubim e outros peixes de corredeira não se reproduzem no reservatório da hidrelétrica. As águas eutrofizadas em razão da biomassa em decomposição no lago não favorecem os peixes de qualidade nobre, à montante. Ocorre a proliferação do mexilhão dourado, espécie exógena que danifica as redes, bem como de piranhas, que põem em risco as espécies nativas. A quantidade de pescado diminuiu abruptamente, de modo que o rendimento obtido com a pesca está longe de representar o percentual obtido nos anos anteriores.
Além desses problemas de ordem ictiológica, somam-se os aspectos externos. O pescador profissional artesanal é considerado segurado especial perante a Previdência Social, com direito ao Seguro Defeso no período da piracema. A piracema é um interregno na pesca, fixado pelo IBAMA, em geral de dezembro a fevereiro. Os pescadores profissionais recebem o seguro como compensação pelo respeito ao intervalo em que não podem pescar para garantir a reprodução dos cardumes. Nos últimos anos foram diversas as dificuldades no acesso ao Seguro Defeso. Para isso, bastaria a carteira expedida pela Colônia de Pescadores. Nos anos acima mencionados tem havido vigilância por parte da Previdência, não habilitando candidatos, alegando, dentre outras razões, a não exclusividade no ofício de pescador. Some-se a isso o atraso no pagamento do seguro e o fato de o acesso à Previdência Social ocorrer por meio de plataforma digital ou pelo telefone 135, o qual dificilmente é atendido ou quando o é apresenta as demais opções de ramais, para as quais os demandantes não têm familiaridade. O serviço digitalizado foi implantado em 2019 com o intento de agilizar o acesso dos segurados. No entanto, no caso em questão, tem mostrado ser inibidor. A eficácia esperada pelo órgão estatal não encontra ressonância entre estes usuários.
Na esfera do Seguro Defeso, além das constantes negativas, não reconhecimento e atraso, têm ocorrido denúncias de cadastro irregular na condição de segurado especial, o que ocasionou aos dirigentes e ex-dirigentes de colônia inquéritos perante a Polícia Federal.
Não raro os pescadores têm demandado judicialmente os direitos em ações contra a hidrelétrica, entendendo a corrosão moral de seus direitos. No âmbito judiciário, têm sofrido reveses.
[i]A holding Eletrobras, que responde por 28% da energia nacional, com capacidade instalada de 50.515 Megawatts e responsável por 40% do segmento de linha de transmissão nacional, ao anunciar que seu lucro no exercício de 2021 foi de 5,7 bilhões, apesar da crise hídrica ocorrida. (Agência Brasil.E.B.C.). A Engie publica que seu lucro líquido em 2021 foi de 2,4 bilhões de reais.(https://engie.com.br>imprensa?pres-release)
Conclusiones:
Moore (2022, p 22) lembra que o “capitalismo é uma maneira de organizar a natureza como um todo, uma natureza na qual organizações humanas (classes, impérios, mercados etc) não apenas constroem ambientes , mas são simultaneamente criadas pelo fluxo e pelo fluir da teia da vida”. A natureza barata (Moore, 2022) na implantação das hidrelétricas de grande porte na Bacia do rio Uruguai e a financeirização desses empreendimentos que, dizer de Appadurai (2017) consiste num processo em que o dinheiro qual o dinheiro é utilizado para obter mais dinheiro. A grande aceleração e a política de energia hídrica nacional, naquele momento, possibilitou o surgimento das dam industry, sob a denegação do desenvolvimentismo
O reverso dessa moeda são os dados e os dramas criados pelos projetos de desenvolvimento, cujo sentido nunca é inocente. Nesse conjunto inserem-se os homens/mulheres simples, de sociabilidade simples (Martins, 2021). Em nosso caso, os pescadores profissionais. Se, de um lado a dam industry, constrói suas usinas, instala suas turbinas, altera os rios, de outro, instala-se a violência lenta (Nixon, 2011), que vai corroendo a natureza, os modos de vida, deixando os escombros aos sobreviventes. A natureza não lhes é barata, mas desfigurada, expropriada.
No embate, são despossuídos do universo linguístico, do acesso físico. Seus instrumentos são a Colônia de Pescadores que se encolhe à medida que a categoria não vê projeto de continuidade.
Em relação às hidrelétricas, conforme quadro 01, temos um efeito cumulativo de possibilidades de investimentos e acumulação de bens, capitais, gerados a partir da natureza que está à disposição. De outro lado, como mencionamos, os pescadores, situados no polo dominado do campo ambiental, sofrendo os efeitos da “violência lenta”, sentem mais agudamente os constrangimentos contábeis e e da ecologia moral.
O pescado de qualidade como dourado, surubim e outros peixes de corredeira não se reproduzem no lago do represamento da água da hidrelétrica; a água em eutrofização em razão dos vegetais em decomposição no lago, não favorecem os peixes de qualidade nobre, a montante, tem o surgimento de mexilhão dourado, espécie exógena que põe em risco as espécies nativas. Alia-se a isso, a quantidade de pescado diminuiu abruptamente no rio, de modo que o rendimento familiar não alcança o percentual de anos anteriores.
A perda do rio, nos seus aspectos paisagísticos, na vazão da água liberada pelas turbinas alterando o fluxo d ́água, na diminuição das espécies da ictiofauna, da sociabilidade dos pescadores, da diminuição e qualidade do pescado, a diminuição do número de pescadores, indica o descenso socioprofissional. Um dos grandes indicadores é pela redução de pescado e pela qualidade de baixa aceitação no mercado. No rio Uruguai, no pós barramento, houve a retirada dos pescadores mais jovens, permanecendo aqueles com faixa etária passível de aposentadoria.
Em síntese, a condição dos pescadores da Colônia Z-29 encontra-se com diminuição acentuada de associados, face a queda do pescado, a qualidade deste e some se a isto as dificuldades dos pescadores acessares ao Seguro Defeso no período de piracema. Atribuem a situação às condições do rio, após o empreendimento. No atual momento o registro é de 57 pescadores.
Alguns pescadores tem demandado judicialmente os direitos contra a hidrelétrica, entendendo a corrosão moral de seus direitos. Tem sofrido reveses. Invariavelmente, tiveram sentença negativa. Ora o judiciário entende que a diminuição peixe relaciona-se a mudanças climáticas, isentando a empresa de responsabilidade. (Apelação n. 0001434-18.2011.8.24.0059). Noutra ocasião, o Tribunal de Santa Catarina não reconhece a legitimada da demanda do pescador, sugerindo necessidade de harmonizar os conflitos, levando em conta os benefícios que a energia traz. (https://tj-sc.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/945681012/apelacao civel-ac-3249520128240043-mondai-0000324-9520128240043/inteiro-teor 945683721)
As trajetórias dos agentes do campo ambiental apontam para crescente configuração, na qual um segmento, o de pescadores, no contexto em estudo, vê-se na iminência de desaparecimento. Se antes era uma profissão herdada, desde a tenra infância eram socializados no ofício, hoje observa-se a recusa. “Não se vive mais do pescado. Além do peixe pouco não conseguem comprovar que são pescadores”. Referindo-se aos trâmites burocráticos a que são submetidos para justificar a condição de pescador.
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Palabras clave:
pescadores; hidronegócio; financeirização