Resumen de la Ponencia:

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Resumen de la Ponencia:

O presente artigo analisa a educação e a interculturalidade a partir da perspectiva contra hegemônica. Para tanto, objetiva-se analisar as teorias decoloniais e as epistemologias do Sul, historicamente subalternizadas e excluídas na construção do conhecimento e no currículo escolar, em detrimento da legitimação dos saberes produzidos no Norte global (Ocidente). A ideia de civilização unilateral, então defendida pelos ocidentais com base na classificação de raça, considera o Ocidente e suas culturas superiores às demais. Seguindo essa lógica, todos os conhecimentos e culturas produzidos fora do Ocidente eram caracterizados como inferiores e/ou não civilizados. Com propósito de compreender as lutas contra a colonialidade na educação, estabelecemos o diálogo com a concepção crítica, antirracista e feminista de bell hooks (2013), a pedagogia libertária de Paulo Freire (2019) e a análise da colonialidade do ser, do saber e do poder de Aníbal Quijano (2005), como forma de entender o processo de colonialidade no modelo educacional vigente na contemporaneidade. Dialogamos ainda com a perspectiva da interculturalidade crítica de Catherine Walsh (2009) e com as experiências pedagógicas insubmissas e dos movimentos sociais de Jorge Rincón (2015). Considerando que todo modelo educacional é constituído com base numa intencionalidade, a educação pode tanto ser utilizada pela classe dominante para oprimir, dominar, explorar e/ou reproduzir seus valores, quanto pode servir à autonomia, para libertar, emancipar e formar pessoas com consciências libertárias através de ações e reflexões críticas sobre a realidade sociopolítica, econômica e cultural em que vivem e participam. No que diz respeito ao procedimento metodológico, o trabalho foi desenvolvido com uma abordagem qualitativa, tendo como material de análise livros, teses, dissertações, monografias e artigos científicos sobre a temática da educação e a interculturalidade na perspectiva crítica e decolonial. Este trabalho é composto de dois tópicos além da introdução e das considerações finais, sendo eles “Educação libertária na perspectiva de Freire e bell hooks” e, na sequência, “Movimentos Sociais: Educação, Multiculturalismo e Interculturalidade Crítica”. Por fim, ressaltamos a importância urgente dos estudos decoloniais na formação inicial, nas universidades, na pós-graduação e na formação continuada das/dos profissionais da educação básica, corroborando a construção de práticas pedagógicas e teorias para uma educação antirracista, antissexista, decolonial e anticapitalista. 

Introducción:

A educação é um dos pilares para a construção de uma sociedade livre, justa, democrática e paritária. É por meio da educação que milhares de pessoas espalhadas por toda parte do mundo almejam alcançar a equidade na contemporaneidade. No entanto, segundo Apple (1982), a educação é uma área de constantes lutas políticas e ideológicas, um campo de enfrentamento e de resistência. Assim, não pode ser compreendida de forma neutra, porque está sempre a serviço da ideologia de uma classe dominante, que exerce o seu controle por meio de políticas pedagógicas a seu favor; a educação, em outras palavras, também pode ser instrumento de reprodução das lógicas mais opressivas da sociedade.

Ao analisarmos a educação a partir da conjuntura sociopolítica da sociedade “moderna”, particularmente do Brasil, compreendemos que os níveis de violência, intolerância, racismo, xenofobia, homofobia e sexismo que assolam as relações cotidianas no espaço educacional estão intimamente atreladas aos reflexos do descaso no contexto educacional.

Nesse sentido, este artigo versará sobre obras de pensadores e pensadoras da Educação por meio das teorias decoloniais e da pedagogia libertária, tendo como principais referenciais Paulo Freire (Pedagogia do Oprimido); Jorge Enrique García Rincón (Educação Própria, Educação Libertadora ou Pedagogia da Desobediência nas Comunidades Afro do Pacífico Sul Colombiano)[1]; Catherine Walsh (Interculturalidade crítica e pedagogia decolonial: in-surgir, re-existir e re-viver); Eduardo Restrepo e Axel Rojas (Inflexão decolonial: fontes, conceitos e questões)[2]; Aníbal Quijano (Colonialidade do poder, Eurocentrismo e América Latina); e bell hooks[3] (Ensinando a Transgredir: a educação como prática da liberdade).

Além dessas referências, também dialogamos com outras autoras e autores que escreveram sobre as temáticas da diferença, diversidade e desigualdade, com propósito de termos uma compreensão macro sobre as temáticas abordadas. O presente artigo foi produzido com base na abordagem qualitativa, tendo as obras supracitadas como principais objetos de análise. O trabalho foi dividido em dois tópicos além da introdução e das considerações finais, sendo eles “Educação libertária na perspectiva de Freire e bell hooks” e, na sequência, “Movimentos Sociais: Educação, Multiculturalismo e Interculturalidade Crítica”.

[1] As traduções que aqui constam foram feitas pelos próprios autores deste artigo.

[2] As traduções que aqui constam foram feitas pelos próprios autores deste artigo.

[3] A decisão de se tornar uma pesquisadora independente fez com que a autora adotasse o nome de sua avó, e uma das características dessa pesquisa independente é o fato da autora escrever seu nome em letras minúsculas. Decisão tomada também por uma posição política, no sentido de dar mais ênfase ao seu trabalho do que ao seu nome, para valorizar mais suas ideias que sua personalidade.

Desarrollo:

Educação libertária na perspectiva de Freire e bell hooks

Segundo Freire (2019), qualquer sistema educacional é constituído com base numa intencionalidade, e por isso a educação pode ser utilizada pela classe dominante tanto para oprimir, dominar, e explorar, quanto para reproduzir seus valores. No entanto, a educação pode servir também à autonomia, para libertar, emancipar e formar pessoas com consciências libertárias através de ações e reflexões críticas sobre a realidade social em que vivem e participam.

Nesse sentido, Freire (2019, p. 41) salientou que “a luta pela humanização, pelo trabalho livre, pela afirmação de homens e mulheres como pessoas e como seres para si não teria significação” senão por meio de uma educação libertária e inclusiva, que garanta a todas as pessoas participantes os mesmos direitos da fala, de ir e vir de forma igualitária, sem distinção de raça, etnia, nacionalidade, classe, gênero, religião, orientação sexual ou convenção social e filosófica.

Para bell[4] hooks (2013), a educação como prática libertária é um ato contra-hegemônico, uma forma de resistência às estratégias de colonização e dominação branca, européia, ocidental, racista e sexista. Em sua obra também é notável a diferença entre educar para libertar e educar para dominar. Para chegar a tal afirmação a autora faz uma contextualização histórica, mostrando como a pedagogia crítica foi de extrema importância para a formação da consciência crítica dos jovens de classe baixa oriundos das periferias do Sul dos Estados Unidos na época da segregação racial, onde existiam escolas para negros/as e escolas para brancos/as.

Ainda, ao longo da sua trajetória estudantil na escola segregada, bell hooks (2013) considerava a sala de aula como um lugar para descobertas, um lugar de libertação e afirmação de sua identidade e valores sociais, porque havia um contato maior entre estudantes e professores negros no sentido de uma educação com práticas libertárias. Isso difere do período pós-abolição, em que a prática de segregação racial nas escolas foi proibida e estudantes negros e brancos passaram a frequentar as mesmas escolas. Assim, é importante evidenciar que as escolas inter-raciais iam ao encontro das lutas por igualdade racial nos EUA; no entanto, mais uma vez, quem se deslocou para as escolas que antes eram apenas da população branca foi a população negra, que se viu novamente desterritorializada, sem suas referências.

Com este advento, esperava-se melhorias na educação ofertada para a população negra. Entretanto, depois da abolição da segregação, bell hooks deixa de perceber a escola como um lugar prazeroso, pois a sala de aula se transformou em lugar de dominação, de obediência e de silenciamento das vozes dos/as estudantes negros/as e das mulheres feministas. Não havia professores negros — somente professores brancos lecionavam nessas escolas mistas/inter-raciais; esses professores passavam conteúdos estereotipados, lições racistas que reforçavam o negativo em relação à população negra, para assim a manter no seu “devido lugar”, reiterando uma hierarquia racial (HOOKS, 2013).

A compreensão dessas diferenças entre a educação como prática libertária e educação como prática de dominação enfatizada por bell hooks em seu livro Ensinando a transgredir: a educação como prática da liberdade é fundamental para a compreensão da realidade contemporânea e o cotidiano de estudantes negras e negros dentro de uma sala de aula racializada. Além disso, bell hooks (2013) descortina em sua obra que a universidade também se tornou um lugar que reforça os estereótipos, bem como práticas racistas de dominação epistemológica, tal como infere o pensador Boaventura de Sousa Santos (2017) em seu escrito sobre o pensamento abissal. Nele, o autor aborda a dominação que o Norte global detém sobre o Sul global no campo do saber. Desta forma, nos perguntamos: o que fazer para que o Sul saia dessa encruzilhada de dominação epistemológica perpetrada pelo Norte? bell hooks (2013) infere que

A educação como prática da liberdade é um jeito de ensinar que qualquer um pode aprender. Esse processo de aprendizado é mais fácil para aqueles professores que também creem que sua vocação tem um aspecto sagrado; que creem que nosso trabalho não é o de simplesmente partilhar informação, mas sim o de participar do crescimento intelectual e espiritual dos nossos alunos. Ensinar de um jeito que respeite e proteja as almas de nossos alunos é essencial para criar as condições necessárias para que o aprendizado possa começar do modo mais profundo e mais íntimo (HOOKS, 2013, p. 25).

Como observado na citação acima, um dos caminhos para mudar o quadro de dominação epistêmica apontado pela autora parte justamente de um ensino diferenciado, ou seja, da necessidade de implementar a educação como prática libertária, ideia essa fortemente influenciada e conceitualizada por Paulo Freire.

Na obra de bell hooks fica nítido o quanto a teoria de Freire foi fundamental e potencializou a busca da autora por uma educação como prática libertária. Além disso, os escritos de Freire proporcionaram à autora uma compreensão muito maior em relação à educação que ela teve na infância nas escolas ainda segregadas. Isso se deu, especialmente, quando bell hooks começou a nomear os acontecimentos, sentimentos e processos que vivenciava à sua volta, e que a perpassavam enquanto mulher, negra, professora, escritora e pesquisadora.

Portanto, quando Freire fala de uma educação para a autonomia e de uma educação libertária, bell hooks, a partir desses marcos, tende a olhar para a sua trajetória e percebe nas escolas segregadas a potência que os professores negros tinham em relação a uma educação antirracista. O olhar atento sobre sua trajetória histórica marcada pela violência racial e de gênero, sexista e altamente classista acabaram constituindo um dos principais alicerces para a criação de uma consciência crítica e de lutas antirracistas em defesa do feminismo negro na sociedade estadunidense.

Apesar do olhar antirracista ser visceral na abordagem de bell hooks, a autora também fez duras críticas ao feminismo enquanto uma categoria de discurso feita e ouvida só por e entre homens brancos e mulheres brancas, ressaltando a importância de falar sobre a experiência diaspórica e ancestral feminina negra. Para bell hooks, a falta de “disposição de abordar o ensino a partir de um ponto de vista que inclua uma consciência de raça, sexo e classe social tem suas raízes, muitas vezes, no medo de que a sala de aula se torne incontrolável, que as emoções e paixões não sejam mais represadas” (HOOKS, 2013, p. 55).

Além de a escola da educação básica e a universidade terem marcado a trajetória de bell hooks (2013) como espaços e instituições de reprodução e legitimação dos valores dominantes, na pós-graduação a autora se depara com um ambiente entediante, que não a representava, assim como não representava a sua história. Era um espaço que, segundo ela, não permitia que as pessoas da classe baixa falassem/pensassem/construíssem conhecimentos a partir das suas trajetórias socioculturais, de suas experiências, ainda mais sendo ela uma mulher negra e de periferia. Lembramos que embora bell hooks (2013) fale do contexto estadunidense do século XX, é possível constatar essa postura na base curricular de muitos cursos de graduação e pós-graduação no Brasil e no mundo — o que de certa maneira configura aquilo que Quijano (2005) denominou de colonialidade do saber e do poder. Nessa senda, como forma de protesto para acabar com essa postura na base curricular, Freire (2019) aponta que:

Nosso objetivo é chamar a atenção dos verdadeiros humanistas para o fato de que eles não podem, na busca da libertação, servir-se da concepção “bancária”, sob pena de se contradizerem em sua busca. Assim como também não pode esta concepção tornar-se legado da sociedade opressora à sociedade revolucionária (FREIRE, 2019, p. 92–93).

De um lado temos a denúncia de Paulo Freire (2019) sobre a necessária desconstrução da educação elitista, sexista, racista, dominante e colonial, que atualmente se configura como hegemônica, construída e perpetuada a partir do processo de colonialidade do saber e do poder. Do outro, temos bell hooks (2013) compartilhando conosco seus processos e vivências enquanto estudante com pensamento crítico, na construção de sua trajetória política, social e profissional, atuando enquanto professora, pesquisadora, escritora e militante nas questões de gênero, classe e raça. bell hooks nos traz grandes aprendizados, possibilidades críticas, dicas, sugestões e exemplos de como construir uma educação transgressora e libertária para o entusiasmo e prazer na transformação de cada um de nós e da sociedade de um modo geral.

Do mesmo modo, Jorge Enrique García Rincón, em seu artigo intitulado Educação Própria, Educação Libertadora ou Pedagogia da Desobediência nas Comunidades Afro do Pacífico Sul Colombiano, traz uma abordagem processual sobre o impacto da prática da pedagogia libertária, utilizada pelas professoras e professores da comunidade Afro-Colombiana, como forma de resistir à prática de homogeneização da educação nos territórios da Colômbia. Rincón enfatiza as dificuldades e possibilidades que as Comunidades Afro-Colombianas enfrentavam para constituir uma educação própria, que valoriza o desenvolvimento das suas identidades culturais, sociais e raciais, diferentemente daquilo que foi instituído pelo Estado Colombiano como oficial, e que ensinava mais sobre as epopeias do Ocidente do que sobre a cultura dos povos nativos, ou seja, dos povos indígenas e Afro-Colombiano.

Para elucidar melhor esse processo, Rincón (2015) fez uma analogia histórica sobre o processo colonial escravista na Colômbia, demonstrando como as ideias colonizadoras ainda são reproduzidas na sociedade contemporânea, principalmente por uma parcela das elites nacionais, que utilizam discursos racistas e xenofóbicos para caracterizar e classificar as populações afrodescendentes como pessoas inferiores em relação aos brancos e seus descendentes. Perante esta situação, conforme Silva (2019), a escola não deveria estar isenta desses debates, uma vez que

[...] repensar a normatividade da branquitude tão presente no imaginário da instituição torna-se uma tarefa, além de necessária, primordial. A manutenção do status da tradição por ela sustentado reforça a ideia do mérito, conforme visto. Ademais os mecanismos utilizados pela escola encerram por legitimar no campo das interações entre jovens negros(as) e brancos(as) a existência dessa normatividade. Muito se tem discutido a respeito das desigualdades sociorraciais e do efeito do racismo nos últimos anos. Contudo, ainda hoje, podemos perceber que essa discussão, na maioria das vezes, está circunscrita, em última instância, à responsabilização do indivíduo (SILVA, 2019, p. 214).

Ademais, Rincón (2015) ressaltou que os Afro-Colombianos, além de serem subestimados pelo regime colonial, eram desprovidos da cidadania (direitos civis, políticos e sociais) nos períodos escravistas, porque eram considerados como sujeitos que não pertenciam à raça pura (branca). Dessa forma, “[...] a colonialidade como categoria de dominação não apenas impediu o acesso da população negra à educação, mas também negou a capacidade de construção de conhecimentos pelas comunidades, e suas formas de saberes foram deslegitimadas e invisibilizadas” (RINCÓN, 2015, p. 74).

A fim de inverter esse quadro, professores e professoras que atuaram nas escolas comunitárias Afro-Colombianas tiveram contato com a pedagogia libertária de Freire e com as teorias decoloniais da educação. Isso fez com que adotassem um sistema de ensino diferenciado, que passou a ser chamado de pedagogia da desobediência. A pedagogia da desobediência é uma forma de resistência contra a prática neocolonialista do Estado em relação às populações negras e pobres. Ademais, a pedagogia libertária utilizada de forma transgressora pelas(os) professoras(es) possibilitou uma nova percepção sobre os estudantes, que passaram a ser considerados sujeitos ativos, com potencial para transformação da realidade social (FREIRE, 2019; HOOKS, 2013; RINCÓN, 2015). Tal como aponta Rincón (2015):

Ter clareza conceitual é muito importante para o desempenho dos professores em geral, mas especialmente para um professor da diáspora africana, pois sua formação universitária padronizada os colocou na posição de repetidores de noções oficiais, em muitos casos em sério prejuízo de seu próprio povo. Analisar e problematizar os conceitos básicos que circulam nos discursos educacionais atuais com o objetivo de identificar sua origem e os interesses daqueles que os promovem (RINCÓN, 2015, p. 82).

A pedagogia da desobediência e/ou a pedagogia libertadora foram constituídas a partir de uma abordagem social, política e cultural, com propósito de resgatar os valores da comunidade e dos povos tradicionais, diferentemente das instituições escolares ocidentalizadas, nas quais o ensino está sob orientação da lógica do discurso da meritocracia e de reprodução da ideologia dominante. Os professores e as professoras que lecionam nas comunidades Afro-Colombianas desenvolveram uma relação afetiva e culturalista com a comunidade, com base na valorização da identidade, tradições culturais e ancestrais afrodescendentes (RINCÓN, 2015).

O modelo do ensino dessas abordagens pedagógicas é baseado na ideia de Freire do diálogo como prática da liberdade. Dessa maneira, o professor “não apenas se apropria de seu papel como educador, mas também como parte da tradição, cultura e pensamento decolonial. Sua tarefa é criar cenários de debate dentro da comunidade como uma estratégia para a identificação e o desenvolvimento de interesses coletivos” (RINCÓN, 2015 p. 84).No entanto, o caminho percorrido pela sociedade, pela educação escolar formal e, principalmente, pelos movimentos sociais tem nos provocado e nos convocado constantemente a desobedecer e/ou a transgredir o modelo hegemônico, bem como a questionar os conhecimentos (re)produzidos nos currículos escolares e a função social da escola e da universidade.

Contudo, ainda urgem as seguintes inquietações: de onde vieram os conhecimentos que foram colocados nos currículos? Quem realizou a seleção? Para quê e a quem servem esses conhecimentos? Esses são alguns dos questionamentos postos especialmente por movimentos sociais às escolas e às universidades.

Uma das formas de se contrapor a esses conhecimentos ocidentais impostos às populações do Sul perpassa justamente a criação de projetos educacionais com base nas políticas e/ou práticas decoloniais, libertadoras e de resistência, como esse das comunidades Afro-Colombianas analizadas por Rincón (2015). Tais projetos são construídos pela, com e para a comunidade, a partir de estratégias, práticas e pedagogias transgressoras, insubmissas, rebeldes, desobedientes aos documentos oficiais que reforçam a colonialidade e a desumanização das pessoas e coletivos das classes baixas (RESTREPO E ROJAS, 2010; RINCÓN, 2015; WALSH, 2009). Tudo isso atrelado a um projeto multicultural e intercultural, integrador e emancipatório, tal como veremos a seguir.

Movimentos Sociais: Educação, Multiculturalismo e Interculturalidade Crítica

Os movimentos sociais populares no Brasil, na América Latina (e quiçá em diferentes partes do mundo) têm muitas inspirações nos estudos e reflexões de Paulo Freire, intelectual conhecido por acreditar na educação como ferramenta para a emancipação e transformação da realidade dos sujeitos oprimidos. Nesse sentido, Catherine Walsh (2009) traz alguns questionamentos e aprendizados sobre o papel da educação na complexa conjuntura em que vivemos e pensamos, utilizando o conceito de interculturalidade crítica como contraste e como possibilidade de construção de uma pedagogia decolonial, que se opõe radicalmente à manutenção da matriz colonial nos saberes e fazeres, e nas relações e estruturas sociais.

Partindo disso, é importante frisar e reafirmar que a colonização foi um dos principais responsáveis pela transformação global da sociedade, e também pelas mazelas do capitalismo social moderno, iniciado com a invasão da América Latina e depois se expandindo por todos os continentes (QUIJANO, 2005).

Catherine Walsh (2009), em seu artigo intitulado Interculturalidade Crítica e Pedagogia Decolonial: in-surgir, re-existir e re-viver, busca compreender a colonialidade do poder na sociedade moderna através da lógica do multiculturalismo neoliberal, em relação à interculturalidade de corte funcional de matriz colonial. O discurso da interculturalidade, segundo a autora, foi problematizado a partir da perspectiva crítica da pedagogia decolonial, pautado no questionamento, transformação, intervenção, ação e criação de estratégias opostas à lógica de colonialidade e do capitalismo neoliberal em que estamos inseridos. Catherine Walsh (2009) também ressaltou que as pessoas são educadas para aceitar a lógica ocidental de dominação e do eurocentrismo como algo natural e hegemônico, a partir da qual todas as sociedades deveriam se constituir, e aqueles que se contrapõem às práticas de colonialidade e de exploração (da pessoa pela pessoa) muitas vezes são vítimas de perseguições e/ou silenciamento.

Nessa perspectiva, a autora recorre ao conceito de raça como elemento primordial para constituição e classificação das sociedades na América — que continua sendo reforçado até os dias atuais através da colonialidade do poder que diferencia e estabelece uma hierarquia racial — o mesmo conceito analisado por Quijano (2005) em sua ilustração acerca da suposta superioridade ‘natural’ expressa “numa operação mental de fundamental importância para todo o padrão de poder mundial, principalmente com respeito às relações intersubjetivas” (QUIJANO, 2000, p. 210 apud WALSH, 2009, p. 14). Esse conceito também foi utilizado na caracterização binária entre colonizador e colonizado para justificar e legitimar práticas de dominação e exclusão dos outros (os colonizados), sobretudo a partir das seguintes classificações sociais:

[...] oriente-ocidente, primitivo-civilizado, irracional-racional, mágico/mítico-científico e tradicional-moderno justificam a superioridade e a inferioridade — razão e não razão, humanização e desumanização (colonialidade do ser) — e pressupõem o eurocentrismo como perspectiva hegemônica (colonialidade do saber) (WALSH, 2009, p. 15).

Essas foram e ainda são algumas das estratégias racistas e xenofóbicas criadas ao longo do processo da dominação colonial, ainda utilizadas para legitimar ações e práticas da colonialidade do poder sobre países em desenvolvimento, principalmente da América Latina e da África.

Segundo Quijano (2005), a classificação social por meio da categoria racial não é algo recente da sociedade moderna, ao contrário, é uma prática antiga e colonial que iniciou antes do século XV, e que foi globalmente expandida pelo capitalismo e suas teorias de classificação dos países.

Partindo deste pressuposto, Catherine Walsh (2009) conceituou a prática racial de classificação das pessoas como a desumanização racial da modernidade, salientando que as pessoas foram desprovidas das suas histórias, culturas, tradições e religião por conta desta prática. Ainda, a autora considera que “a dupla modernidade-colonialidade historicamente funcionou a partir de padrões de poder fundados na exclusão, negação e subordinação e controle dentro do sistema/mundo capitalista, hoje se esconde atrás de um discurso (neo)liberal multiculturalista”. (WALSH, 2009, p. 5). Com base na criação dos projetos e políticas de “inclusão”, do consumo e da globalização do capitalismo econômico como forma de esconder as diferenças raciais criadas pelo Ocidente, como diria a socióloga e professora Avtar Brah, “a ‘raça’ ainda atua como um marcador aparentemente inerradicável de diferença na relação social” (BRAH, 1996, p. 331) entre as pessoas.

Diante disso, ao contrário do que quer a lógica de colonialidade do poder, é importante enfatizar que já foram criadas teorias críticas com propósito de desvendar algumas narrativas falsamente construídas pelos colonizadores ocidentais sobre os povos colonizados. A interculturalidade crítica foi parte deste processo pedagógico por meio das reflexões e críticas acerca das práticas de hierarquização racial, subalternização, inferiorização e colonialidade do poder. Segundo Catherine Walsh (2009), a pedagogia crítica procura dialogar com

[...] os antecedentes críticos-políticos, ao mesmo tempo em que partem das lutas e práxis de orientação decolonial. Pedagogias que enfrentam o que Rafael Bautista (2009) colocou como “o mito racista que inaugura a modernidade [...] e o monólogo da razão moderno-ocidental”; pedagogias que se esforcem para transgredir, deslocar e incidir na negação ontológica, epistémica e cosmogónico-espiritual que foi – e é - estratégia, fim e resultado do poder da colonialidade; isto é, “pedagogia(s) de-colonial(ais) (WALSH, 2009, p. 27).

Por isso, é importante enfatizar que a teoria crítica possibilitou grandes avanços, sobretudo no que diz respeito às produções das literaturas contra-hegemônica e de resgate aos valores historicamente ocultados pelo processo de dominação colonial. Portanto, alguns autores(as) como bell hooks (2013), Freire (1997), Catherine Walsh (2009), Restrepo e Rojas (2010) consideram a decolonialidade como um processo de luta, de ruptura e de resistência contra as práticas de colonialidade do ser e do conhecimento, a favor das práticas culturais dos que foram submetidos às práticas colonialistas ocidentais.

Os conhecimentos colonizados, os “[...] seres, territórios e populações são epistêmica, ontológica e socialmente inferiorizados pelo olhar colonialista. São lugares e experiências que se constituem como exteriores à modernidade (não-moderna), numa lógica de negatividade (de inferiorização)” (RESTREPO; ROJAS, 2010, p. 132). As práticas de negação da história e de classificação dos povos colonizados como desprovidos dos conhecimentos foram historicamente utilizadas como mecanismo para classificar produções oriundas dos países colonizados como inferiores em relação aos que foram produzidos nos países do Norte global (EUA e Europa), sejam elas acadêmicas, políticas, sociais ou culturais.

É o eco da “diferença como relação social” que reverbera quando legados da escravidão, do colonialismo ou do imperialismo são invocados; ou quando a atenção se volta para a “nova” divisão internacional do trabalho e o posicionamento diferencial de diferentes grupos dentro de seus sistemas de produção, troca e consumo, em contínua evolução, que resultam em desigualdades massivas dentro e entre várias partes do globo (BRAH, 1996, p. 363).

Por isso, as teorias decoloniais adotaram como um dos principais pontos de partida dos seus estudos o questionamento da superioridade europeia, bem como da dominação de poder que o Norte global detém sobre o Sul global, como forma de resgatar histórias, culturas, tradições e saberes tradicionais dos povos colonizados para somar aos debates atuais dentro das Ciências Sociais e Humanas. Segundo Catherine Walsh (2009), perante aos desafios atuais é de extrema importância

[...] uma perspectiva crítica da interculturalidade, que se encontra enlaçada com uma pedagogia e práxis orientadas ao questionamento, transformação, intervenção, ação e criação de condições radicalmente distintas de sociedade, humanidade, conhecimento e vida; isto é, projetos de interculturalidade, pedagogia e práxis que assumem a perspectiva da decolonialidade (WALSH, 2009, p. 13-14).

 Portanto, os projetos de interculturalidade crítica e decolonialidade se contrapõem à lógica dos mecanismos de controle do trabalho e da produção global da sociedade. Tais mecanismos são perpetrados pela colonialidade do poder (QUIJANO, 2005) e pelo capitalismo oriundo do processo histórico da exploração de mão de obra escravizada, em que também se verifica a colonialidade do poder como determinante para a “distribuição geográfica de cada uma das formas integradas no capitalismo mundial” (Ibidem, p. 120). “Em outras palavras, determinou a geografia social do capitalismo: o capital, na relação social de controle do trabalho assalariado” (Ibid.) e de monopólio dos recursos oriundos dos países não hegemônicos, principalmente do Sul global.

[4] Para não cair no apagamento epistemológico, ao longo deste trabalho as autoras citadas serão referenciadas com nomes e sobrenomes, por ser entendido que, na maioria dos casos, os sobrenomes referem-se ao masculino. Por isso, decidimos adotar essa estratégia como forma de dar mais visibilidade às autoras citadas no texto.

Conclusiones:

Conforme observado ao longo do texto, é necessário traçar novos caminhos para a educação, pensando num projeto intercultural e decolonial. A ideia de civilização unilateral pregada pelo Ocidente com base na codificação da raça foi o principal conceito utilizado para caracterização do outro como inferior e/ou não civilizado, em detrimento da superioridade da cultura e do povo europeu. Esse foi o ponto de partida para a hierarquização dos povos a partir da ideia do estado de natureza.

Contudo, vimos que atualmente é cada vez mais notável o poder de dominação epistêmica que os países colonizadores detêm sobre os países colonizados. Desta feita, urge a necessidade de colocar em prática as várias vertentes dos estudos sobre a modernidade e a colonialidade, no sentido de nos contrapormos a todas as práticas de dominação perpetradas pelo Ocidente.

Compreendemos que nossas principais ferramentas para combater essas práticas de dominação se encontram nas pesquisas, investigações, componentes curriculares, temáticas de estudos, projetos educacionais, vivências e organização com os movimentos sociais que reflitam sobre a dominação epistemológica dentro de uma perspectiva intercultural e decolonial, no sentido de ajudar a quebrar o paradigma estabelecido. Assim, ressaltamos a urgência da inclusão dos estudos decoloniais na formação inicial, nas universidades, na pós-graduação e na formação continuada das/dos profissionais da educação básica, contribuindo para a construção de práticas e teorias pedagógicas para uma educação antirracista, antissexista e decolonial.

E como bem nos traz Mignolo (2007), o giro decolonial como abertura e liberdade de pensar, de viver, de ser, e como ruptura com as retóricas da modernidade e com o imaginário imperial e colonial que habitam o nosso ser e o nosso saber, também atua como mecanismo de constituição de uma sociedade mais igualitária, livre para todas e todos.

Também Catherine Walsh, dialogando com Freire e Fanon, nos convoca ao “[...] pensar e agir pedagógicos fundamentados na humanização e descolonização; isto é, no re-existir e re-viver como processos de re-criação” (WALSH, 2009, p. 37-38), que só serão possíveis com a construção de pedagogias que estimulem a luta e a transformação social, e que construam outros caminhos.

Em suma, foram esses alguns dos elementos que pudemos constatar e contrastar em relação à dominação cultural, epistemológica, do poder e do ser do Norte sobre o Sul. Embora acreditemos que nossa narrativa não seja tão nova no seio do mundo acadêmico, ainda assim defendemos que as mudanças são urgentes e devem começar imediatamente. Os desafios acerca do debate para a quebra da dominação dos conhecimentos ocidentais anunciam a necessidade e o começo de outras práticas, no sentido de traçarmos um futuro melhor para a nossa sociedade.

            Sendo assim, por meio das nossas abordagens inferimos que as práticas e as teorias pedagógicas decoloniais, antirracistas e feministas nas universidades, assim como na educação básica, têm sidos subalternizadas — fato preocupante, pois, apesar da libertação do jugo colonial, ainda somos colonizados mentalmente na pós-colonialidade, respondendo às epistemologias e às formas curriculares advindas do Ocidente sem grandes questionamentos.

Tal como outras pensadoras e pensadores que se preocupam com o futuro da educação no Sul, este artigo procurou contribuir para o debate da decolonização do saber. Para tanto, apresentamos no âmago da discussão o papel fundamental de autoras e autores decoloniais na contraposição à dominação existente. Com isso, proporcionamos uma leitura consistente de perspectivas críticas à epistemologia moderna, visando alterar as epistemologias dominantes e confrontá-las enquanto paradigmas estabelecidos pelo Ocidente com raízes coloniais.

AGRADECIMENTOS

Os autores gostariam de agradecer o Centro de Assessoria de Publicação Acadêmica (CAPA – www.capa.ufpr.br) da Universidade Federal do Paraná (UFPR) pela revisão de língua portuguesa.

Bibliografía:

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Palabras clave:

Educação. Decolonialidade. Interculturalidade.

Resumen de la Ponencia:

Resumen de la Ponencia:

Resumen de la Ponencia:

Esta ponencia tiene el objetivo de mostrar los contrastes existentes entre la visión científica del alimento que detentan las políticas públicas en México y la valoración mazahua de la buena comida. La información que sostiene la exposición es resultado de la revisión bibliográfica, del análisis de documentos oficiales y del registro etnográfico realizado en diferentes localidades de San Felipe del Progreso, Estado de México. En la presentación abordaré el enfoque estatal del alimento y la perspectiva de niños, mujeres y hombres mazahuas sobre la comida. Los resultados más relevantes de este acercamiento muestran que en las políticas alimentarias mexicanas se prioriza el impacto de los alimentos en el funcionamiento biológico de los seres humanos y se omiten las implicaciones sociales. En contraposición, las comunidades mazahuas valoran su comida en relación a diferentes cualidades como el sabor, la calidad de los ingredientes y las técnicas y procedimientos de preparación; aspectos interrelacionados con el entorno que habitan, sus quehaceres y su organización social.  

Introducción:

Durante 2018 y 2019 me di a la tarea de estudiar el impacto de las políticas públicas alimentarias en San Felipe del Progreso, municipio mazahua del Estado de México (Vázquez, 2019). En ese momento mi exploración etnográfica se centró en la práctica social de dos programas federales, el Programa de Comedores Comunitarios (PCC) y el servicio de alimentación de una Escuela de Tiempo Completo (ETC), y en las prácticas alimentarias realizadas al interior de las cocinas de los hogares. Los principales resultados de esta indagación fueron el reconocimiento de las relaciones sociales propiciadas al interior de los comedores estatales, las cocinas familiares y sus diferencias constitutivas. Elementos que dejaron entrever un contraste cognitivo sobre las nociones estatales y locales acerca del sustento humano. 

Es decir, las políticas alimentarias se enfocaban en el alimento, definido como “cualquier substancia o producto, sólido o semisólido, natural o transformado, que proporcione al organismo elementos para su nutrición” (NOM-043-SSA2-2012),[1] mientras la población mazahua valoraba diferentes cualidades de la comida, como su sabor, el origen de los ingredientes y su preparación; elementos en los que las variables socioculturales se enfatizaron centrales. En ese margen de ideas el objetivo de esta presentación es mostrar los contrastes existentes entre la visión científica del alimento que detentan las políticas públicas en México y de la comida desde la visión de las mujeres y los hombres mazahuas del noroccidente del Estado de México. [2] 

Escenario del estudio

La indagación se realizó al noroccidente del Estado de México, en seis comunidades ubicadas en las delimitaciones económico administrativas de San Felipe del Progreso y San José del Rincón, dos de las 13 municipalidades de la región mazahua.[3] Del primer municipio se visitaron las comunidades: Calvario del Carmen, San Jerónimo Boncheté, San Nicolás Guadalupe, San Juan Rioyos y San Juan Jalpa; del segundo San Antonio Pueblo Nuevo. La elección de estos lugares considero tres elementos: la identificación de ambos como Zonas de Atención Prioritarias (ZAP) en los manuales de procedimiento de las políticas públicas alimentarias;[4] la creación del municipio San José del Rincón a partir de la subdivisión de San Felipe del Progreso en 2002;[5] y las prácticas continuadas de sus habitantes mazahuas entre ambas municipalidades, de las que destacan sus celebraciones religiosas realizadas con base en el sistema de cargos y su actividad agrícola, elementos de su herencia de tradición mesoamericana. [6]

Enfoque teórico-metodológico

El desarrollo de esta investigación se adscribe a los ámbitos cualitativos de la investigación social y a través de la etnografía reflexiva (Guber 2004) busca registrar el quehacer cotidiano del pueblo mazahua, comprender sus características culturales y explicitar las motivaciones, significados y valores que construyen en torno a su comida. Asimismo, a partir de una etnografía institucional de la intervención alimentaria estatal, las instituciones que implementan el desarrollo se convierten en unidades de observación. En el presente documento se incluye información resultante la revisión bibliográfica, el análisis de documentos oficiales y del registro etnográfico realizado en las localidades arriba referidas.

Política pública

Con afán de no reproducir una visión monolítica del estado he elegido partir del análisis de las políticas públicas, el cual propicia comprender a los actores, sus actividades y las influencias que dan forma a las decisiones políticas (Wedel, Shore, Feldman y Lathrop, 2005). Las políticas públicas (PP en adelante) son componentes de los entramados institucionales de una sociedad nacional, expresiones ideológicas de la misma y directrices de ideal de sociedad a la cual se aspira (Enríquez, 2010). Para Alejandro Agudo (2015) estas contienen proyectos de gobierno y constituyen un sistema autosustentable de representación de la realidad, de manera que pueden analizarse como: formas y representaciones de conocimiento; como lenguaje de poder; como forma de tecnología política; y como producto de la intermediación, todas ellas relacionadas. Por los objetivos del escrito en esta ocasión me centraré en su forma y representación del conocimiento, es decir, en “la cosificación de nociones abstractas… tratadas como obstáculos o facilitadores para el desarrollo” (2015:24).

Prácticas alimentarias

Por otra parte, desde los apuntes de la antropología de la alimentación se busca dar cuenta del sentido político de la alimentación humana y el acto alimentario -en tanto práctica cotidiana- como comportamiento, valor, hecho de conciencia y de poder (Carrasco:2007). Al respecto el acto alimentario se entiende como una práctica, es decir, como una acción que se realiza entre diferentes materialidades, habilidades y sentidos (Del Río, 2022). En ese sentido, el discernir qué comer frente al contexto socioeconómico en general, puede ser entendido como un poder de agencia de los seres humanos. Al respecto recurro al término prácticas alimentarias para referirme a la dimensión cultural de los alimentos; mi investigación toma distancia del enfoque de análisis de la antropología nutricional que se interesa por la ingesta de alimentos en relación con las necesidades dietéticas del organismo, para enfocarse en cómo la comida es construida social y culturalmente.

[1]En México las políticas alimentarias son “aquellas que tienen como principal objetivo garantizar que la población pueda tener acceso a los alimentos que les permitan satisfacer sus necesidades y cumplir con los requerimientos nutritivos para llevar una vida saludable” (INSP, 2007:91). Bajo el enfoque de estas políticas alimentarias es que se realizan diferentes políticas públicas.

[2] El presente escrito forma parte de la investigación: “La construcción socio-cultural del sabor en seis comunidades mazahuas del noroccidente del Estado de México: relaciones de poder, elecciones alimentarias y políticas públicas del estado mexicano. 1950-2020”, que actualmente realizo como parte de mi formación doctoral en Antropología Social en el Colegio de Michoacán. 

[3] La delimitación de la región mazahua abarca trece municipios del Estado de México: Almoloya, Atlacomulco, Donato Guerra, El Oro, Ixtapan del Oro, Ixtlahuaca, Jocotitlán, San Felipe del Progreso, San José del Rincón, Temascalcingo, Valle de Bravo, Villa de Allende y Villa Victoria; y cuatro del estado de Michoacán: Angangueo, Ocampo, Susupato, y Zitácuaro. Algunos estudios consideran únicamente a los municipios del Estado de México para hablar de la “etnorregión mazahua” (Sandoval, 1977 y Hoyos, 2000) o “región mazahua mexiquense” (Serrano et al 2011).   

[4] De acuerdo al CONEVAL se denominan Zonas de Atención Prioritarias (ZAP) “a las áreas o regiones predominantemente rural o urbano, cuya población registra índices de pobreza, marginación indicativos de la existencia de marcadas insuficiencias y rezagos en el ejercicio de los derechos para el desarrollo social” https://www.coneval.org.mx/Medicion/Paginas/Criterios-ZAP.aspx. 

[5] En enero del 2002 se decretó la creación del municipio San José del Rincón a partir de la subdivisión de San Felipe del Progreso. Esto como resultado de la solicitud del entonces gobernador del Estado de México, Arturo Montiel, quien buscó “afrontar los rezagos y retos en materia de desarrollo social, económico y regional” (Inostroza, 2007:423).

[6] En San Felipe del Progreso 33,646 (de 112,669 habitantes) hablan lengua indígena y en San José del Rincón 11,147 (de 91,345) (INEGI, 2010).

Desarrollo:

La alimentación desde el enfoque estatal

De acuerdo con Scott (1998) la mirada del estado se fundamenta en formas específicas de conocimiento que involucran intereses de control. En su opinión esta mirada supone ventajas al enfocar aspectos limitados de una realidad mucho más compleja y a la vez difícil de manejar. De manera que la simplificación de un fenómeno posibilita una mayor legibilidad del mismo y consecuentemente lo hace susceptible a mediciones y cálculos; lo cual resulta en un conocimiento esquemático de control y manipulación característico de burocracias estatales y empresas comerciales. Esta mirada se opone a una variedad de conocimientos locales y de prácticas situacionales, temporales y geográficamente distinguibles que son ilegibles para el estado, tanto en su administración, como en sus rutinas. De manera que la simplificación y estandarización otorga al estado una mirada abstracta y universal en ciernes de un estándar objetivo, ya sea una ciudadanía racional o una fórmula burocrática legible. No obstante, es evidente que las simplificaciones del estado son mucho más estáticas y esquemáticas que los fenómenos sociales que tipifica. Esto se debe a que estas se rigen por un objetivo práctico y concreto ignorando todo lo que se encuentra fuera de su campo de visión. 

Las políticas públicas, en tanto acciones gubernamentales, incluyen en su diseño un lenguaje prescriptivo enfocado en la problemática que se busca resolver y al igual que las teorías clásicas del desarrollo, tienen como rasgo característico la construcción de conocimientos científicos como medio para la transformación socioeconómica (Agudo 2015). Cabe señalar que dicha problematización no solo incluye los imperativos nacionales puesto que las políticas públicas desempeñan un papel social al articular las estrategias que se suscitan a escala planetaria[1], y de las condiciones del mercado, es decir, de la transformación del capitalismo mundial y nacional. 

Para el caso de México, encuentro que las políticas públicas enfocadas en la alimentación, primero enfocadas en la autosuficiencia alimentaria nacional y posteriormente en el intercambio internacional (Vázquez, 2019), se han robustecido a partir de dos grandes discusiones internacionales: el enfoque en los Derechos Humanos en el que la alimentación es vista como un elemento constituyente de la salud y el bienestar[2], es decir, como una condición de posibilidad para otros derechos como la seguridad social; y en las ideas de Progreso-Desarrollo[3] en que la alimentación surge como temática de atención prioritaria y se considera un derecho inalienable, justificando así la intervención de los países desarrollados en lo relativo al adelanto tecnológico de los alimentos en los países en desarrollo. 

Como resultado de estas influencias y del carácter del estado mexicano, en las políticas públicas de este país la alimentación se ha problematizado de tres maneras: desde el aprovechamiento biológico, las necesidades individuales y la educación para la salud  (Suárez, 2016). [4] Con el objetivo de mejorar la alimentación de las poblaciones indígenas y campesinas a través de la vigilancia nutricional, de 1930 a 1980 se realizó una vigilancia nutricional a través de evaluaciones dietéticas. Esto llevó a plantear una dieta modelo que debía incluir las siguientes características: cantidad (requerimiento y balance energético); calidad (requerimiento alto de proteínas de origen animal); armonía entre los nutrientes; y adecuación de los anteriores. Posteriormente, con la intención de satisfacer al individuo de nutrimentos orgánicos, durante la década de 1980 se continuó con la dieta correcta, sin embargo, las proteínas de origen animal perdieron relevancia y en su lugar se resaltó el papel de las vitaminas y los minerales. Es importante destacar que durante este enfoque el vínculo existente entre el estado y la sociedad se supedita al capital y se da una focalización a las poblaciones a través de mediciones de pobreza y grados de vulnerabilidad, entre ellas, la social. Finalmente, la tercera se refiere a la promoción de la educación para la salud. Desde el 2010 se han realizado políticas participativas, donde se invita a la sociedad a participar aun cuando sus críticas no son tomadas en cuenta. En estas nuevas políticas se observa una descentralización de los programas sociales y se apuesta por la promoción de la educación para la salud en materia alimentaria. Esta dieta correcta, como unidad de alimentación, incluye el conjunto de alimentos y platillos que deben consumirse diariamente y debe ser: completa (incluir todos los nutrientes); equilibrada (proporciones adecuadas); inocua (que su consumo no implique riesgos para la salud); suficiente (que cubra las necesidades); variada (diferentes alimentos); y adecuada (a gustos y cultura además de los recursos).

A pesar de las diferencias en cada una de estas problematizaciones se encuentra un rasgo en común: la homogeneidad con que se plantea la alimentación correcta y la exclusión del aspecto social y cultural de la alimentación, el cual forma parte del discurso, pero no de la práctica. Este deber ser, por lo tanto, obscurece otras maneras de considerar lo que es bueno para comerse, la razón: la imposibilidad de los otros conocimientos de entrar en la discusión pública y de proponer acciones en torno a las decisiones públicas.

Perspectiva jñatjo sobre la comida[5]

Las cosas de las despensas ni están sabrosas, por eso la gente ni se las come, mejor se las dan a los animalitos o las tiran. (Doña Antonia, comunicación personal, septiembre 2003)

Es un hecho ampliamente reconocido que las políticas públicas no suelen tener en la práctica los efectos esperados, situación que responde en gran medida a que las implicaciones prácticas de los conocimientos científicos quedan fuera del análisis de los especialistas, de manera que al aplicarse estas entran en conflicto con las realidades propias de las localidades. En el área de estudio no ha sido la excepción, los programas sociales resultantes de las políticas públicas alimentarias han intervenido cada vez más en la experiencia alimentaria de mujeres y hombres mazahuas, pero sobre todo en la de sus hijos al inculcárseles nuevas formas de sensibilidad, modos de ser y de estar con otros al controlar qué, cómo, cuánto, con quién y dónde comen (Vázquez, 2019).

Esta intervención ha resultado en el replanteamiento de las prácticas alimentarías de las familias mazahuas, pero también ha motivado el reforzamiento de los valores sociales a tribuidos a su comida, los cuales se vinculan a sus propios procesos cognitivos y posiciones de poder. Por lo tanto, al hablar de la comida mazahua encuentro necesario articular nociones de buena comida en términos de las relaciones sociales del grupo, su cosmovisión y entorno natural, además de los factores económicos y políticos que influyen en las modificaciones alimentarias.

La comida que mis interlocutores consideran sabrosa, na quijmi en lengua jñatjo, se relaciona con rasgos, estímulos, apreciaciones y hábitos relacionados con la experiencia corporal y con una consciencia cargada de memorias y aprecios sobre lo que se come. En cuanto a la percepción individual de lo sabroso se encuentra el término mekinh’ro, este incluye una dimensión de disfrute personal, de esta manera involucra la dimensión emotiva y valorativa del sujeto al consumir un alimento con cualidades organolépticas (texturas, olores y sabores, temperaturas) valoradas positivamente desde su perspectiva. Sin embargo, esta percepción se encuentra enmarcada en el discernimiento colectivo de la cultura mazahua sobre la comida sabrosa, quijmi, designación referida para guisos de buen gusto que se obtienen al utilizar técnicas, formas de cocción, tratamientos (fermentado) e ingredientes considerados buenos para comer, en su preparación. 

Al respecto destaca la percepción sensorial de mis interlocutores y su relación con el profundo conocimiento del entorno, los ingredientes, las técnicas y procesos, además de las relaciones sociales en que se consumen. En ese sentido los conocimientos locales de la comida mazahua abarcan todo el proceso alimentario (obtención, distribución, preparación, consumo y desecho) e involucran el reconocimiento de los efectos de los alimentos sobre el cuerpo y las estrategias para manipular dichos efectos a través de la utilización de técnicas y tratamientos precisos. Además, en la dimensión social, la comida mazahua se encuentra vinculada con la construcción de la persona y la organización social de sus miembros, de la cual la ayuda mutua es el aglutinante.

La preparación de comida es una actividad femenina, por lo tanto, las mujeres mazahuas son las especialistas y mediante técnicas elaboradas preparan comida que es valorada colectivamente. Un ejemplo de todo lo anterior se encuentra en las tortillas, una de las preparaciones más significativas de la comida de las comunidades mazahuas ya que aunque la tortilla es realizada por mujeres sus cualidades son también reconocidas por hombres. 

Todos están de acuerdo en que una buena tortilla sabrosa, na quijmi, se identifica por el tipo de maíz utilizado, el proceso de nixtamalización, molienda y cocción. En cuanto al tipo de maíz registre la preferencia por tortillas de maíz prieto, enseguida le siguen el blanco y el rosado, luego el amarillo y finalmente el cacahuacintle, este es el menos utilizado para esta preparación por su sabor. Cada uno requiere un tipo distinto de nixtamalización, hay algunos que necesitan más cal y más tiempo de exposición al calor, otros no tanto. Al no realizar este paso correctamente la tortilla saldrá blanquizca y quebradiza. Este paso también tiene efecto en la molienda, ya que si la masa de maíz no sale tersa (independientemente del uso de molino y/o metate) la tortilla saldrá pachichi y será poco probable que se infle logrando cocerse parejo. Finalmente, una tortilla no es sabrosa cuando esta fría o ha sido recalentada, razón por la que se preparan a la hora de comer. Además, esta debe tener una cantidad considerable de manchas, es decir, se prefieren ligeramente cafés y se desprecian las que tienen manchas muy obscuras; esto se debe a que delata las destrezas de las mujeres para regular el calor del fogón y de la atención y calma que ellas tengan para voltear las tortillas. 

En este ejemplo se observa que a través de la percepción sensorial se pueden identificar cualidades o desaciertos de la preparación de un alimento, lo cual se relaciona con los conocimientos que las personas tienen sobre los ingredientes y las técnicas de procesamiento, además, destaca que la preparación de este alimento condense elementos que califiquen a las mujeres que los preparan. 

En voz de las mujeres mazahuas, principales depositarias y transmisoras de los conocimientos de la comida, los guisados a los que su pueblo tiene mayor aprecio son a aquellos preparados con ingredientes obtenidos de la agricultura de riego o temporal, la recolección en llanos y montes, de la pesca en presas y lagunas, y en algunas ocasiones a los que les son entregados a través de programas sociales y/o transacciones económicas. A excepción de los últimos dos, se tiene un amplio conocimiento, del cual destaco tres elementos centrales: el reconocimiento y entendimiento del entorno ecológico; la pericia en utilización de técnicas, herramientas y utensilios para la preparación de alimentos y su efecto en el cuerpo; y la comprensión de los significados sociales asociados a su comida.

[1] De acuerdo con Isaac Hernández (2021) las recomendaciones de organismos internacionales se alimentan de la influencia epistémica de las universidades globales. Estas últimas refieren a la formación de comunidades académicas que son capaces de involucrar teorías en el ámbito público-político a través de la consultoría. 

[2] Véase: Declaración Universal de los Derechos Humanos de 1948; Declaración sobre la protección de la mujer y el niño en Estados de Emergencia o conflicto armado de 1959; Convención sobre los Derechos de los Niños de 1989; modificaciones de los artículos 4 y 27 de la Constitución Política de los Estados Unidos Mexicanos en 2011. 

[3] Véase: artículo 10 de la Declaración sobre el Progreso y el Desarrollo en lo social de 1969; Declaración Universal sobre la erradicación del Hambre y la Mala Nutrición de 1974; y en el artículo 8 de la Declaración sobre el Derecho al Desarrollo de 1986

[4] Hago referencia a las políticas públicas que buscan generar un cambio en la alimentación de la población. Sin embargo, es posible distinguir otras maneras de problematizar la alimentación, por ejemplo, las políticas públicas de salvaguardia del patrimonio inmaterial se relacionan con un discurso estatal que resalta la existencia de cocinas regionales entendidas en el marco de la cocina tradicional mexicana. No obstante, en la práctica se observan prácticas extractivas que ponderan la promoción turística.

[5] Gentilicio de identidad étnica que designa a los que son conocidos como mazahuas. Se trata de una palabra compuesta constituida principalmente por el verbo ñaa “hablar”. Al prefijarse la fricativa glotal sorda /h/ se sustantiva en jña, “palabra” y al sufijarse el elemento tjo que significa “nada más”, da origen a la palabra jñatjo cuyo significado es “los que hablan la palabra nada más” (Celote, 2006:23).

Conclusiones:

Históricamente las políticas públicas estatales mexicanas han atendido el tema de la alimentación de la población respondiendo a diferentes paradigmas asociados a la situación económica, política y social –nacional e internacional- en las que se constituyeron. Desde el inicio de la reforma agraria hasta los años setenta, las políticas públicas y los programas estatales relacionados con la alimentación, abordaron la nutrición y el acceso a los alimentos con una visión integral considerando la producción, el abasto y la comercialización, enfatizando en el aprovechamiento biológico de la población. Luego, para la década de 1980, con el ascenso del régimen neoliberal, se da un giro en la política alimentaria nacional ya que se apuesta al intercambio comercial como mecanismo para garantizar la disponibilidad de alimentos. Durante esta época el problema de desabasto y acceso de los alimentos se adjudicó a la ineficiencia de los pequeños productores, y con la venta de tierras ejidales se cristalizó la privatización de la agricultura. Como resultado la desigualdad social intrínseca al capitalismo acrecentó la exclusión de amplias capas de la población y en consecuencia las políticas públicas se orientaron a administrar la pobreza desde el clientelismo (Rubio y Pasquier 2019).

En consecuencia, la problematización estatal de la alimentación y las soluciones otorgadas han invalidado históricamente los mecanismos de construcción y validación de otros conocimientos, otras formas de entender la buena comida, la cual además de la dimensión biológica, se relaciona con condiciones materiales y culturales que articulan las relaciones sociales en diferentes sociedades (Fischler, 1995, Micarelli s.f. y Gracia, 2007). En ese sentido reitero la importancia de incluir en las políticas públicas los aspectos sociales y culturales de la alimentación. Del mismo modo, analizar estos procesos en cada una de las regiones de México permitirá identificar los criterios de validez del conocimiento local, mostrar su legitimidad y superar la subestimación a la que se han enfrentado, especialmente en el marco de la aplicación de políticas públicas basadas en conocimientos científicos que no reconocen su robustez epistémica.   

El acercamiento antropológico a estos conocimientos requiere también puntualizaciones metodológicas, entre ellas, tomar en cuenta una inmensidad de rasgos, estímulos, apreciaciones y hábitos relacionados con la experiencia corporal y con una consciencia cargada de memorias y aprecios que intervienen en la obtención de los alimentos, el registro de su preparación y consumo. Asimismo, reafirmo la importancia de analizar la transmisión de los conocimientos alimentarios y la apropiación individual y colectiva que hacen nuestros interlocutores, ya que estos procesos son paralelos y su estudio favorecerá la comprensión de las prácticas alimentarias.

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Palabras clave:

comida, políticas públicas, mazahuas. 

Resumen de la Ponencia:

RESUMO

O presente estudo busca relacionar o aumento da violência motivada pelo discurso de ódio decorrente da aporofobia no Brasil praticada contra refugiados, principalmente venezuelanos. A problemática da educação em Direitos Humanos pode contribuir para combater a disseminação desenfreada do discurso de ódio? Considero duas hipóteses, sendo a primeira na escola, o importante papel de formação moral e intelectual do indivíduo, ou seja, que ela se torne o principal agente para promover os direitos humanos e formar uma sociedade justa e igualitária. Outro pressuposto é a mídia, como formadora de opinião, pode ser uma grande aliada na promoção dos Direitos Humanos, aliada a uma educação cívico-midiática nas escolas promovendo o diálogo ético na sociedade. 

Introducción:

2. INTRODUÇÃO

Quando um refugiado deixa seu país de origem, está em busca de um lugar seguro, sem perseguição e violência, pois não se trata de uma escolha, mas uma corrida para sobreviver aos ataques de bombas, conflitos políticos, perseguições ideológicas e ameaças de organizações criminosas. São famílias que largam sua moradia, negócios, empregos e uma vida digna, para permanecer vivas, e que abandonam tudo que construíram por medo e desespero.

Uma das características do refúgio é o deslocamento das fronteiras entre os Estados, e as consequências desse fenômeno atingem principalmente o estado de permanência, principalmente as cidades que fazem fronteira terrestre com o país de origem. Na fronteira do Brasil com a Venezuela, os municípios de Pacaraima e Boa Vista, no estado de Roraima, há um fluxo migratório muito intenso para a suas infraestruturas, assim o Governo Federal criou, em 2018, a Operação Acolhida para garantir ou assistência humanitária a refugiados venezuelanos. A estrutura segurada da gestão fronteiriça, com posto de acolhimento e apoio à emissão de documentos e imunização, juntamente com alimentação, na qual é oferecido abrigo temporário e alimentação, além de posto de interiorização e triagem,

O preconceito de classe no país não é uma novidade, mas tem aumentado nos últimos anos devido ao nosso cenário político-social; diante disso, é possível verificar que as redes sociais se tornaram um ambiente polarizado, repleto de intolerância e desrespeito, e cheio de opiniões discordantes. 

A produção de discursos preconceituosos e discriminatórios em veículos de comunicação pelo presidente da república regulariza a formação discursiva que determina o que pode e deve ser dito. O imaginário presidencial faz afirmações de incentivo ao preconceito, normatizando a discriminação de grupos, por meio da qual o respeito, a tolerância, a diversidade e a inclusão são rejeitadas para que outras formas de exclusão sejam inscritas e, portanto, fiquem disponíveis para a circulação discursiva.

O neologismo “aporofobia” foi criado pela filósofa Adela Cortina, em 2017, sendo considerado a palavra do ano. O conceito foi criado para evidenciar o que a autora chama de aversão ao pobre. A autora faz uma reflexão importante sobre o apreço xenofílico aos estrangeiros turistas que movem a economia na Europa, mas quando se trata de acolhimento aos refugiados, a hospitalidade se transforma em ódio, as fronteiras se fecham para impedir a passagem dos forasteiros pobres. Fica explícito que a xenofobia é expressa somente ao estrangeiro que não tem recursos financeiros, que precisa de ajuda e que supostamente não irá agregar nada à economia do país (CORTINA,2017).

Dependendo do propósito destes imigrantes no país, a pobreza será fator determinante para uma rejeição sistemática por parte dos nacionais. Assimilar a xenofobia e sua seletividade pela capacidade financeira do indivíduo é o primeiro passo para embasar o conceito de aporofobia e dessa forma comprovar sua relação com a sociedade contemporânea.

O Brasil tem acolhido todos os dias pessoas solicitando reconhecimento da condição de refugiado, famílias que deixaram seu país de origem devido a guerras, violência e violações de direitos humanos, atravessando fronteiras, muitas vezes apenas com a roupa do corpo, para buscar a esperança de reconstruir uma vida com paz e possibilidade de sobrevivência e dignidade. São pessoas sofridas, traumatizadas, que estão à margem da sociedade, e que buscam apenas o acolhimento para poder iniciar uma nova vida. 

Este importante debate pretende demonstrar dois grandes caminhos: o do ódio, que será percorrido por aqueles que justificarão como liberdade de expressão todo tipo de ofensa, ataque, agressão, racismo, preconceito e transgressões. O caminho do mais forte, do mais violento, do mais agressivo. E, por outro lado, o caminho da solidariedade, da coesão social, do amor, da verdadeira liberdade de expressão, que não pode ser conquistada com uma espingarda de assalto, as garantias conquistadas pelo esforço, pelo sangue, pela vida dos dos que precederam nossa atual sociedade e que levantaram os tijolos da democracia e da liberdade, por onde nosso povo caminha hoje.

A discriminação gera a violência de forma avassaladora, ameaçando a democracia e os direitos fundamentais. É preciso “desaprender” o preconceito. Pretendemos, ao longo da pesquisa, identificar e defender os direitos humanos como uma necessidade social, com a implementação de políticas de Educação em Direitos Humanos nas escolas, nas mídias e redes sociais, de forma a conscientizar a população de que praticar a solidariedade faz bem para toda a nação.

Desarrollo:

3. APOROFOBIA, DESIGUALDADE E O REFÚGIO NO BRASIL

Os deslocamentos forçados, especialmente a questão do refúgio, são um dos panoramas mais dramáticos e dolorosos da mobilidade humana, e constituem-se um fenômeno em ascensão em todo o globo. 

A migração coletiva é um fenômeno primitivo que sobrevive na modernidade; com frequência, ela muda de direção no globo terrestre, pois está relacionada às assimetrias das relações socioeconômicas, já que o modo de vida moderno inclui um progresso econômico excludente, cheio de conflitos e discordâncias sociais e políticas em busca de poder (BAUMAN, 2017).

Os refugiados políticos e imigrantes pobres são pessoas que foram arrancadas de seus lares pela guerra, miséria e fome. Muitas vezes, estão em mãos de mafiosos exploradores, que os embarcam em balsas superlotadas para tentar atravessar as fronteiras e pisar em chão firme com suas famílias, porém milhares morrem no mar, os sobreviventes seguem em busca de acolhimento, com seus esqueletos expostos, em terras desconhecidas com povos hostis. A mídia espalha essas notícias todos os dias com seu discurso raso e conformista sobre um problema irremediável (CORTINA, 2020).  

No Brasil, na última década (2010-2019) foi extremamente significativa para caracterizar o novo cenário da migração e refúgio no país. Em 2016, houve um aumento expressivo da migração venezuelana, que, por via terrestre, cruzou a fronteira norte, em Pacaraima e Bonfim, no estado de Roraima, principal porta de entrada do país. Em 2017, o ultrapassado Estatuto do Estrangeiro, que assimilava o imigrante como ameaça nacional, foi substituído pela Lei 13.445/2017 (Lei da Migração), sobrecarregada pela garantia e direitos tanto de emigrantes quanto de imigrantes, tornando-se uma das mais vanguardistas legislações da região quanto à proteção migratória.

O Governo Federal criou em 2018 a Operação Acolhida, com o objetivo de organizar a chegada dos venezuelanos ao Brasil, buscando sua inserção social e econômica no país, o que inclui moradia, alimentação, emprego e emissão de documentos; Entretanto, ainda há muitas pessoas que se encontram em situações precárias, principalmente porque terão que enfrentar a rejeição da população. A Agência das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR) participa da Operação Acolhida, apoiando o governo brasileiro juntamente com outras agências da ONU e mais do que outras entidades da sociedade civil organizada, formando uma grande força humanitária para facilitar a garantia de direitos e a integração local dos refugiados e migrantes venezuelanos que estão no Brasil.

Circunstâncias socioeconômicas desfavoráveis, como altas taxas de desemprego, aumento da frequência em escolas públicas e taxas hospitalares, agravam ainda mais a rejeição ao pobre estrangeiro e, consequentemente, o discurso de ódio e a aporofobia. Este termo, como vimos, foi cunhado pela filósofa Adela Cortina, professora de Ética e Filosofia Política da Universidade de Valência, a partir da junção de dois termos gregos Á-pores : pobre, e fobéo : aversão, que define o sentimento de aversão, medo e rejeição dos pobres. Cortina detalha a criação do termo em seu livro Aporofobia, aversão aos pobres: um desafio para a democracia, de 2020. Segundo a autora, o processo de dar nomes pode ser uma forma de revelar a realidade, aqui que não tem nome, não existe; Nomear é importante para dar existência às coisas: “Nomear significa racionalizar uma realidade para que ela seja conhecida. Portanto, era preciso dar um nome a essa patologia social para que ela pudesse ser diagnosticada com maior precisão e tentar descobrir sua etiologia, propondo tratamentos eficazes.” Em 2017, a palavra foi oficialmente incorporada ao léxico da língua espanhola e desde então vem ganhando destaque mundial. 

Os discursos políticos em sintonia com a mídia em geral são responsáveis por causar um pânico moral na sociedade quando se trata de crise migratória. As abordagens jornalísticas demonstram uma reprodução criminalizada da migração europeia, publicando reportagens com perspectiva xenófoba e ameaçadora, manipulando a opinião pública (BAUMAN, 2017). 

Observa-se, portanto, que a chegada dos estrangeiros é vista como uma ameaça para a economia nacional, justamente pelo fato de essas pessoas serem pobres, por estarem em situação de vulnerabilidade, precisando de ajuda; são pessoas que não irão trazer lucro, que são tidas como um estorvo, são invisíveis aos olhos da sociedade. 

A migração não é um episódio recente, pois perpassa toda a história humana; na era moderna, foi agravada pela instabilidade do Oriente Médio e das políticas militares das potências do Ocidente. A causa dessa ascensão migratória foram as intermináveis guerras e os genocídios nos Estados enterrados na miséria e desprovidos de leis. Governos em busca de lucros e na incansável cobiça para aumentar o PIB alimentam o comércio global de armamentos, dando vazão às guerras e em consequência ao deslocamento de refugiados em busca de um solo fértil para uma vida economicamente melhor (BAUMAN, 2017). 

Nos países europeus e em vários outros lugares do mundo, as pessoas não são rejeitadas apenas por xenofobia, mas sim por aversão ao estrangeiro pobre. Na Europa, observou-se que o acolhimento aos estrangeiros turistas é muito caloroso, ou seja, não existe xenofobia de fato. Entretanto, se o visitante for em busca de asilo, emprego ou sobrevivência, a receptividade vira do avesso, e nesse momento, fecham-se fronteiras, ataques são registrados nas ruas, e a aversão aos estrangeiros se manifesta. A aversão é contra o estrangeiro pobre, e não o estrangeiro com boas condições financeiras (CORTINA, 2020). 

Desde o início da humanidade, existe uma perseguição incansável por uma vida financeira mais estável por parte das pessoas dos países mais pobres, atrás de oportunidades e novas perspectivas de vida em países mais desenvolvidos. Os estranhos que batem à porta da Europa são gente desenraizada à força do seu país de origem, vítimas da fome e da guerra. Como são desconhecidos, são diferentes e imprevisíveis, provocando na população local uma mixofobia, que é o medo de se envolver com os estrangeiros, medo este alimentado por narrações vazias e discursos cheios de demagogia política e social (BAUMAN, 2017).

Se formos analisar todas as fobias articuladas nessas sociedades, começamos a observar que na maioria das vezes são direcionadas não à condição de minoria atacada, mas à condição de pobreza dessas minorias. 

4. O REFUGIADO NO BRASIL

O processo migratório é um fato milenar que foi muito evidenciado após a 2ª Guerra Mundial, quando surgiu a Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948. Ela foi elaborada pela Organização das Nações Unidas e instituiu internacionalmente uma forma de proteção às pessoas em vulnerabilidade (HUNT, 2009).

O principal marco legal no Brasil que delibera sobre mecanismos para efetivação do Estatuto dos Refugiados de 1951 é a Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997. A normativa ampliou a definição de refugiado e instituiu um órgão colegiado para analisar os pedidos de refúgio.  Em 04 de maio de 2017 foram revogadas a Lei 818, de 18 de setembro de 1949, e o Estatuto do Estrangeiro, originado na época da ditatura militar, e que conceituava o imigrante como uma ameaça, o que a tornava uma norma desajustada aos direitos humanos.  

A nova lei de migração, juntamente com a Lei do Refugiado de 1997, permite que o Brasil esteja na vanguarda, não quando se trata dos direitos dos migrantes, elogiados por organizações internacionais, mas estabelece direitos e deveres para migrantes e turistas no Brasil, reconhecendo - os como sujeitos de direito, e a promoção ou combate à xenofobia como princípio da política migratória brasileira. 

Estudos mostram o aumento de imigrantes latino-americanos em nosso país no período 2011-2020. Nos últimos quatro anos, houve um aumento de 97,67% no número total de pedidos de refúgio apresentados por venezuelanos. primeira posição, com recorde histórico em 2018. É importante observar que no período do corte temporário 2017-2020, mesmo durante os efeitos da pandemia de COVID-19, ainda há 17.385 refugiados registrados, volume superior ao ao ano de 2017, quando se intensificou a entrada de refugiados venezuelanos no país.

Segundo pesquisa elaborada pelo OBmigra, destaca que a entrada de venezuelanos começou a aparecer de maneira mais perceptível a partir de 2016, sendo estado de Roraima a sua principal porta de entrada no país. Trata-se de um estado amazônico com aproximadamente 450.000 habitantes, o que o torna, portanto, o estado menos populoso do país. A economia do estado é baseada em garimpo irregular, atividades pecuárias extensivas e funcionalismo público. Sendo assim, fica evidente a limitação da região em admitir novos trabalhadores em sua economia. 

De acordo com os dados da Plataforma R4V, em maio de 2022 a América Latina abrigava mais de 5 milhões dos mais de 6 milhões de pessoas que abandonaram a Venezuela. Isto representa 84% dos migrantes e refugiados venezuelanos em todo mundo. O Brasil é o sétimo país que mais recebeu esse fluxo migratório, totalizando 345 mil venezuelanos residindo em território nacional.

O apoio que o Brasil dá aos refugiados é considerado um exemplo pelo ACNUR, pois o país se esforça para integrá-los à sociedade. Ao contrário do que acontece noutros locais do mundo, não existem campos de refugiados, ou o que acontece na Acolhida são abrigos temporários para integrar efetivamente estas pessoas na sociedade. Eles têm garantidos direitos civis básicos, como liberdade de pensamento e deslocamento, além de não serem submetidos a tortura e tratamento degradante, e direitos socioeconômicos, como acesso à saúde, direito ao trabalho e à educação. A operação Acolhida também ajuda na transferência de dois venezuelanos para outros estados da federação.

O deslocamento dos venezuelanos através da fronteira se dá por via terrestre, geralmente por meio de ônibus, vans, carros ou até mesmo a pé. Entre 2015 e 2017, foi registrado um acréscimo de 922% no registro de entradas em Roraima, o que lançou o estado em uma emergência humanitária, diante das condições precárias em que chegam os venezuelanos em território brasileiro. Conforme dados da Organização Internacional (OIM,2020)  para as Migrações, observa-se que os municípios que mais receberam refugiados pelo programa de interiorização foram Manaus, São Paulo, Curitiba, Dourados e Porto Alegre. A Operação Acolhida teve um papel fundamental para o acolhimento e interiorização desses refugiados, além de demonstrar o compromisso humanitário do Brasil com a migração e o refúgio.

O deslocamento dos refugiados e migrantes para os demais estados brasileiros tem o objetivo de possibilitar melhores oportunidades de inclusão socioeconômica aos venezuelanos, com proteção social, dessa forma, propiciando amenizar a pressão sobre os serviços públicos do estado de Roraima. 

Podem participar das ações de interiorização as pessoas que estiverem regularizadas dentro do país, imunizadas, com a saúde avaliada e com o termo de voluntariedade assinado. Após este processo, eles saem dos abrigos para uma das cidades de destino, passam por uma reunificação familiar e social com vaga de emprego sinalizada, podendo ser recebidos em abrigos estaduais, do município, da sociedade civil, federais mistos, entidade da sociedade civil ou organizações religiosas. 

Uma vez que permanecer no seu país de origem ou voltar para ele pode colocar em risco a integridade física ou a própria vida dos refugiados, eles gozam de proteção individual, não podendo ser expulsos, nem devolvidos aos seus países de origem. Segundo a Agência da Organização das Nações Unidas para Refugiados, pode ser considerado refugiado todo aquele que está fora do seu país de origem devido a perseguições relacionadas a raça, religião, nacionalidade, pertencimento a um determinado grupo social ou opinião política ou que está passando por grave e generalizada violação de direitos humanos em áreas de conflitos armados. 

O refúgio é um desafio humanitário; portanto, se faz necessário aprimorar os programas para assegurar os direitos desses indivíduos, intensificando as ações para promover a integralização e adaptação desses povos. Segundo o site da ACNUR, foi feito um novo estudo do Banco Mundial que destaca os desafios enfrentados pelas pessoas refugiadas venezuelanas. No Brasil, são vários obstáculos, mas uma das barreiras é o idioma e a dificuldade de validar documentos escolares para confirmar a capacidade profissional. De acordo com o estudo, apenas 12% da população venezuelana economicamente ativa no país têm empregos no mercado formal; entretanto, trabalham por mais horas e recebem salários menores. Outro dado alarmante é que, segundo o censo educacional de 2020, apenas 45% das crianças venezuelanas estavam matriculadas em escolas. 

O país tem o grande desafio de romper as barreiras do preconceito através de uma política de educação para direitos humanos que seja de fato efetivada, porque é constante a violência física e psicológica sobre os estrangeiros pobres; são pessoas invisíveis aos olhos da sociedade, e essa invisibilidade traz um adormecimento à consciência das pessoas. 

A aporofobia que abordamos aqui será delimitada aos refugiados da guerra e da fome que buscam ajuda em solo brasileiro. Refugiado é um tipo de migrante, ou seja, uma pessoa que se desloca de um local para o outro (o conceito se encaixa naquilo que classificamos como migrações forçadas), porém existem condições específicas que garantem status diferenciado a essas pessoas, razão pela qual não são classificados como simples migrantes. 

Determinados grupos sociais não têm direito a existir, e se existem, outros grupos sociais, autodenominados superiores, praticam a descartabilidade desse grupo social inferior. Existe uma construção ideológica, uma ocultação da realidade, por meio de frases como “as coisas sempre foram assim, e sempre serão assim”. É como se existisse um direito excludente que estabelecesse a existência do pobre e do rico, e que isso jamais irá mudar. 

5. O DISCURSO DE ÓDIO NO BRASIL HOJE

Alguns professores definem o termo discurso de ódio como sendo uma expressão livre de pensamento em um contexto que incita à violência, desprezo e intolerância. Esse tipo de ataque é direcionado a grupos ou indivíduos que são vistos como diferentes pelos opressores, como pessoas com deficiência física ou mental, comunidades de orientação sexual diferente, grupos étnicos e religiosos específicos, entre outros. Essa manifestação de ideias que expressam preconceito e discriminação contra determinado grupo de pessoas gera conflito entre direitos fundamentais e ameaça a democracia.

Os fluxos migratórios sempre ultrapassaram as fronteiras das nações ao longo da história. No entanto, vários governos ainda criminalizam e tratam o outro como uma ameaça nacional. Discursos políticos incitando ódio, preconceito, resistência e perseguição ao estrangeiro podem ser vistos hoje em vários lugares do mundo. Discursos discriminatórios contra imigrantes são observados na gestão de Bolsonaro, além de práticas governamentais que confirmam ou reduzem a xenofobia, declaram sua antipatia e desconforto a grupos estrangeiros como pauta da agenda nacional.

No movimento migratório venezuelano na América Latina, há a percepção enganosa de que o Brasil é o país que mais recebe estes imigrantes, o que muitas vezes é reforçado pela mídia sensacionalista, que cria um imaginário de uma multidão incontrolável invadindo as fronteiras. Na verdade, o Brasil é o sétimo país receptor de imigrantes venezuelanos, conforme os dados já citados da Plataforma R4V .

A crise migratória representa, hoje, uma pauta rica para alguns formadores de opinião, que utilizam os jornais, programas de TV e as redes sociais para propagar o medo, com referências negativas aos imigrantes, sinalizando o colapso e a transformação trágica no modo de vida. A consequência das notícias que são propagadas nesse campo de guerra quase chega a causar um pânico moral, que é um sentimento de medo coletivo na sociedade, um temor pela presença dessa ameaça iminente, ao bem-estar comum (BAUMAN, 2017).

A violência contra os imigrantes e refugiados que se dissemina por meio de discursos populistas e nacionalistas está ancorada pela elite que estima o imigrante ideal, em desvantagem dos outros. A instabilidade econômica em nosso país, com altas taxas de desemprego e inflação diminuindo cada vez mais o poder de compra, também termina por culpabilizar o outro pela negligência estatal no país.

A crise econômica mundial de 2008 trouxe um descontentamento social e desigualdades sociais extremas; com isso, a ideologia de extrema-direita ocupou espaço entre as sociedades mais prejudicadas. Neste panorama, países como a Alemanha, Inglaterra, França, Estados Unidos e Brasil se viram em meio a profundas crises de polarização. As opiniões liberais e conservadoras passaram a ser discutidos entre a sociedade e o meio político, tornando as redes sociais um campo de batalha ideológico.

Para citar apenas dois casos recentes de tal polarização no Brasil, lembramos as polêmicas de Artur do Val e Moise Kabagambe. Durante uma viagem à Ucrânia após a invasão Russa em março desse ano, o deputado paulista Artur do Val fez referências a mulheres ucranianas com falas machistas e aporofóbicas dizendo que elas “são fáceis porque são pobres” e que são capazes de “fazer de tudo”. As falas ofensivas e preconceituosas do deputado tiveram repercussão mundial. A Procuradoria Especial da Mulher e a Bancada Feminina do Senado publicaram nota de repúdio frente às declarações agressivas que envergonharam todo o Brasil internacionalmente.

No dia 24 de janeiro, na cidade do Rio de Janeiro, houve o trágico assassinato do congolês Moise Kabagambe. O jovem de 24 anos veio para o Brasil como refugiado político em 2014 com a mãe e os irmãos, e estava trabalhando quando sofreu as agressões brutais que resultaram em sua morte. A motivação do crime foi a uma cobrança de duas diárias de serviço que havia feito em quiosque da orla. Essa atrocidade demonstra a inexistência de políticas públicas voltada para o acolhimento dos migrantes e refugiados no Brasil. Um debate promovido pelo senador Humberto Costa presidente da Comissão de Direitos Humanos (CDH) e pelo senador Paulo Paim presidente da Comissão Mista Permanente sobre Migrações Internacionais e Refugiados (CMMIR) ressalta as contratações irregulares dessas pessoas no mercado de trabalho, que chegam, inclusive, a ser análogas à escravidão.

Assim, ao analisarmos o sistema capitalista moderno, observamos diversos países defenderem uma economia liberal e promover o crescimento econômico e o aumento das relações comerciais; entretanto, quando estes mesmos países se deparam com a chegada de imigrantes,a presença deles não é tolerada como a entrada de capital e mercadorias.

No Brasil, o chefe do poder executivo, presidente Jair Bolsonaro, é um exemplo de governo extremistas bem-sucedidos, assim com o ex-presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, e o primeiro-ministro da Hungria, Viktor Orbán. Todos eles formam uma base movida por discursos políticos populistas e incitadores de ódio. Através de uma linguagem coloquial simplificada, carregada de acusações conspiratórias e inflamadas, encheram a população de seus países de medo.  Inovaram ainda o tradicional discurso político, driblando das mídias tradicionais e conquistando notoriedade nas redes sociais, criando uma máquina propagandística imparável ancorada no discurso incitador de ódio contra setores específicos da sociedade. Assim, o atual governo brasileiro destrói os espaços legítimos que foram criados para promover políticas sociais que visavam, principalmente, garantir a vida, a dignidade e a liberdade do imigrante em nosso país.

O discurso de ódio é a materialização excessiva da liberdade de expressão. É comum observar o exercício desse direito em mídias sociais, elas se tornaram um instrumento para dar vazão a ideias e opiniões muitas vezes criminosas. Por exemplo, a proibição de manifestações nazistas é fundamentada na premissa de que ela é discriminatória, portanto, deve ser desaprovada e combatida, pois ela representa um marco na luta contra a violação dos direitos fundamentais e da democracia. Nesse sentido, podemos citar um caso emblemático quanto a crimes de ódio, que foi o do Habeas Corpus 82.424/2003RS, julgado pelo Supremo Tribunal Federal. O remédio constitucional foi impetrado em favor de Siegfried Ellwanger, que foi condenado por disseminar nas redes sociais obras antissemitas. O discurso de ódio sempre serviu de pano de fundo para repulsa entre grupos e gerou diversos conflitos, como a Segunda Guerra Mundial e a queda das torres gêmeas.

Em maio de 2017, o projeto que deu origem à nova Lei  de imigração nº 13.445 foi alvo de protestos na Avenida Paulista, em São Paulo. Embora o fato não tenha impedido a aprovação da lei no Congresso Nacional, é importante observar e analisar o quanto a xenofobia, o preconceito e a discriminação ainda estão evidentes na sociedade brasileira, em especial na política e na mídia. Após o protesto, os jornais Folha de S. Paulo e O Globo veicularam em suas mídias, durante duas semanas, sete matérias sobre a manifestação e suas consequências, como a prisão de dois imigrantes palestinos pela Polícia Militar de São Paulo. Essa cobertura jornalística mostra o quanto pode ser estratégico ouvir os lados envolvidos com parcialidade, evitando-se a manipulação.

O objetivo da cultura do medo é fomentar o ódio, para poder justificar a violação dos direitos humanos com base numa pseudoliberdade de expressão. Ou seja, a minoria, os grupos racializados, estigmatizados, que são vistos como diferentes, e, portanto, não fazem parte do seleto grupo dominador, são vistos e julgados como perigosos. Para detalhar as diversas formas de que o ódio se manifesta entre as minorias sociais, é importante primeiramente esclarecer que o termo minoria se refere à escassa representação política que estes grupos possuem. 

Umas das matérias jornalísticas na Folha de S. Paulo que noticia a manifestação contra a lei da imigração traz entrevistas com manifestantes, com falas carregadas de xenofobia, alegando que foram atacados por terroristas muçulmanos e que a lei seria comunista. No jornal O Globo, uma das manchetes, que saiu no dia 3 de maio de 2017, foi intitulada como “Presos por conflito anti-imigração em SP são soltos”. É na incapacidade de ouvir os relatos de ambas as partes de forma imparcial que o jornalismo burla sua condição de testemunha. Ele deixa de ser transformador e torna-se observador de um palco político hegemônico. Para uma informação verídica, devem ser relatadas e ouvidas todas as vozes. Uma delas é a dos imigrantes, que foram apagadas das falas dos entrevistados na rotina jornalística de edição.

Os imigrantes são invisíveis aos olhos da sociedade, individualista e egoísta. Via de regra, são instalados e isolados em campos desertos, que ficam distantes dos corredores de trânsito e da visão, tais como ilhas e plataformas marítimas. Cada campo é cercado por muros,  cercas elétricas e arames farpados (BAUMAN, 2017).

Conclusiones:

6. DISCUSSÃO DE RESULTADOS

Em face de todos os apontamentos abordados, é possível confirmar a resposta do problema, visto que um Plano de Ação em Educação em Direitos Humanos pode contribuir para suspender a disseminação do discurso de ódio. Uma educação transformadora e ampla, que envolva a sociedade como um todo.

As hipóteses foram confirmadas, pois o sistema de ensino e as escolas possuem uma responsabilidade inegável de ser agentes na promoção e defesa dos direitos humanos, combatendo o preconceito e organizando-se para que seu meio envolva o respeito e a dignidade inerente a todos. 

A mídia também tem papel importante nessa transformação social, já que possui uma imensa força como formadora de opinião pública; os meios de comunicação, informação e a  internet como um todo são fontes de conteúdo, que pode ser direcionado para a promoção do respeito e tolerância,  demonstrando que as múltiplas diferenças  podem compor uma cultura de paz. 

Diante dessa exposição, podemos afirmar que a origem da aporofobia está na desigualdade econômica, elas andam de mãos dadas, contribuindo para a promoção da exclusão, a justificação da violência através do discurso de ódio e a sua ampliação, que se manifesta juntamente com outros tipos de preconceito, como a xenofobia e o racismo.

Destaca-se que a violência motivada pelo ódio engloba questões culturais, religiosas e econômicas, e em momentos de incerteza financeira e econômica, elas caminham lado a lado com a política, o que contribui para explicar o aumento dos discursos discriminatórios. Estes elementos ajudam a entender o processo em que se responsabiliza um “terceiro”, geralmente uma minoria social ou estrangeira, pelos males da sociedade. 

Bibliografía:

ACNUR. Global Trends 2020: Forced Displacement in 2019. Jun. 2020. Disponível em: https://www.unhcr.org/5ee200e37.pdf. Acesso em: 07 jun. 2021.

BAUMAN, Zygmunt. Estranhos à nossa porta. São Paulo: Companhia das Letras, 2017. Edição kindle. 1369 posições

CORTINA, Adela. Aporofobia, a aversão ao pobre: um desafio para a democracia. São Paulo: Ed. Concorrente, 2020. Edição kindle. 4071 posições.

FORNER, Oscar Milton Cowley. O discurso de ódio na propaganda político-eleitoral: o caso de Jair Bolsonaro. Monografia (Graduação em Publicidade e Propaganda) – Universidade Federal do Rio Grande do Norte – Natal/RN, 2022.

HUNT, Lynn. A invenção dos direitos humanos: Uma história. São Paulo: Ed. Companhia das Letras, 2009. Edição Kindle, 4108 posições.

JUBILUT, Liliana Lyra; GODOY, Gabriel Gualano. Refúgio no Brasil: Comentários à Lei 9.474/97. São Paulo: Editora Quartier Latin do Brasil. 2017. ISBN 85-7674-812-6. Disponível em: https://www.academia.edu/35904669/Refugio_no_Brasil_comentarios_a_lei_9474_pdf. Acesso em: 09 de jun. 2022.

OXFAM BRASIL. A desigualdade mata. Disponível em: https://www.oxfam.org.br/justica-social-e-economica/forum-economico-de-davos/a-desigualdade-mata/. Acesso em: 20 mai 2022.

PLATAFORMA REGIONAL DE COORDENAÇÃO INTERAGENCIAL R4V. For Refugees and Migrants from Venezuela. 2022. 

UNODC-Escritório das Nações Unidas sobre Drogas e Crime, TRACK4TIP: Transformando alertas em respostas da justiça criminal para combater o tráfico de pessoas em fluxos migratórios. Relatórios Situacional Brasil – Tráfico de pessoas em fluxos migratórios mistos, em especial de venezuelanos, 2020.

Palabras clave:

Palavras-chave: Aporofobia. Direitos humanos. Violência. Ódio. Preconceito. Refugiados. Ideologia. Política. Discurso de ódio.

Resumen de la Ponencia:

Objetivo: Analizar el abordaje de la pandemia de Covid-19 en América Latina desde los mecanismos de integración regional entre el 2020 y el 2021, e identificar las limitaciones actuales para avanzar en los esfuerzos de cooperación regional en el campo de la salud. Metodología: Estudio cualitativo basado en la investigación y el análisis de datos secundarios. Resultados: Las estrategias de abordaje de la pandemia en la región han mostrado una línea común en los países de esta región: las respuestas de cada país han sido unilaterales y aisladas, en un contexto de fuerte debilitamiento de las estructuras de integración regional, con un fuerte declive de su agenda programática, lo que ha socavado la posibilidad de una respuesta concertada. Conclusiones: La respuesta al COVID-19 ha carecido de un enfoque regional en América Latina. La integración regional en salud puede ser una potente herramienta epidemiológica y, en caso de emergencias globales como la actual, actuar como “escudo epidemiológico” para prevenir su avance y contribuir a su control, en un horizonte de soberanía sanitaria. 

Introducción:

El 30 de enero de 2020 marcó un punto de inflexión en la historia de la salud mundial, con la declaración de la Organización Mundial de la Salud (OMS) de que el brote de Covid-19 debe considerarse una emergencia de salud pública de importancia internacional.

América Latina y el Caribe (ALC) es la región más golpeada del mundo por la Pandemia, y en términos económicos y de caída del PBI ha superado el impacto de la crisis en la Unión Europea y de otras economías emergentes. Además, la región sigue siendo la más desigual del mundo, con una escasa cooperación regional no económica y décadas de desmantelamiento de la salud y la educación públicas, que no han hecho más que aumentar esta perspectiva negativa (Vivares 2021). 

Si bien es cierto que la región ya enfrentaba dificultades económicas y sociales antes de la pandemia, con un aumento del desempleo de alrededor del 8% en 2018 y una caída significativa del crecimiento del PIB en 23 de los 33 países de ALC (CEPAL 2019), ahora nos enfrentamos a una de las peores crisis en décadas, con un aumento aún más dramático del desempleo, el trabajo informal y millones de personas empujadas a la pobreza extrema (CEPAL 2020; CEPAL y OPS 2020), en un contexto que dificulta para controlar la pandemia y expone cómo la enfermedad impacta a diferentes países de manera desigual (Naciones Unidas 2020).

A pesar de las advertencias sobre los riesgos de una futura pandemia y la necesidad de que los países fortalecieran los sistemas de salud para responder mejor a una demanda sin precedentes, establecieran planes de acción y llamaran a donantes y organismos multilaterales, e instituciones para financiar el desarrollo de vacunas y tratamientos, la pandemia de Covid-19 parece haber tomado desprevenidos a países y organismos multilaterales (Board 2020; Buss, Alcázar & Galvão 2020). En los países latinoamericanos, las estrategias para enfrentar la pandemia del Covid-19 han revelado un hilo conductor: las respuestas han sido unilaterales y aisladas, en el marco de un debilitamiento del sistema de integración regional.

El objetivo de este estudio es, en primer lugar, analizar cómo se ha abordado la pandemia del Covid-19 en la región de ALC, y los aportes que los proyectos de integración regional podrían haber hecho en el campo de la salud. 

Para lograr estos objetivos, este estudio aplica una metodología cualitativa. A partir de un marco teórico, que articula distintas disciplinas como las relaciones internacionales, la salud colectiva y la epidemiología social. El análisis empírico incluye fuentes secundarias y consiste en una valoración cualitativa de documentos oficiales publicados por los mecanismos de integración regional, declaraciones de alto nivel y planes y lineamientos regionales sobre el Covid-19. Además, considerando el método de rastreo de procesos (Bennett y Checkel 2014), este análisis cualitativo puede ayudar a identificar las limitaciones actuales para avanzar con los esfuerzos de cooperación dentro de los mecanismos de integración regional en el campo de la salud.

Al reflexionar sobre la importancia de la integración y cooperación regional, basada en la solidaridad y el beneficio mutuo, se espera que este análisis contribuya a identificar las lecciones aprendidas en estos procesos, así como sus limitaciones y desafíos. Considerando que la cooperación regional en salud puede ser una poderosa herramienta epidemiológica, en el caso de emergencias globales como la actual, puede actuar como un “escudo epidemiológico” para evitar su avance y contribuir a su control. en un horizonte de soberanía sanitaria. Esto obliga a repensar la arquitectura de integración y la cooperación internacional desde una perspectiva latinoamericana.

Desarrollo:

Regionalismo y Cooperación en Salud en América Latina

En el campo de la salud global, muchos autores ya han mencionado la importancia de los mecanismos de integración regional para desarrollar acciones de cooperación en salud, especialmente en el contexto de la pandemia (Buss y Tobar 2020; Davies y Wenham 2020; Rodrigues, Gilberto y Kleiman 2020). Incluso, varios estudios han mostrado la importancia de las organizaciones regionales como actores centrales, no solo en la política exterior, sino también en la agenda de salud internacional (Herrero y Tussie 2015; Bianculli y Hoffmann, 2016; Riggirozzi 2015). Desde el papel y efecto de presión que ejercen en los diferentes niveles de intervención, pueden, en efecto, favorecer el surgimiento y consolidación de iniciativas que contribuyan a la prestación de la salud como derecho y a la soberanía sanitaria, a través de nuevos mecanismos de diplomacia (Riggirozzi 2015; Herrero y Tussie 2015; Herrero y Loza 2020). Esto nos lleva a reflexionar sobre la vital importancia de los mecanismos de integración y cooperación regional para enfrentar el Covid-19 y abordar el impacto en los determinantes sociales de la salud.

La presencia de la salud en la agenda regional no es nueva. La región de las Américas ha sido pionera en la cooperación en este campo y tiene una gran experiencia y logros en políticas públicas, así como una historia de colaboración mutua (SEGIB 2017). De hecho, cada uno de los procesos regionales, en diferentes etapas, definió la salud como un área estratégica para la cooperación entre los países miembros. (Teixeira 2017).

Si bien las formas de institucionalización son diferentes y los niveles de consolidación de cada uno de los proyectos de integración difieren, todos los procesos regionales cuentan con instancias dedicadas al tema de la salud. La cooperación regional en salud se ha vuelto cada vez más importante en América Latina y el Caribe, así como un mayor interés político y estratégico. Sin embargo, aún considerando la ya estructurada cooperación en salud dentro de América Latina, la pandemia irrumpe en un contexto de desarticulación de sus mecanismos de integración regional, exponiendo deudas y desafíos pendientes.

Las iniciativas de cooperación sanitaria regional para hacer frente a la crisis de la pandemia

El análisis de las estrategias inicialmente adoptadas por los principales mecanismos de integración regional en América Latina permite identificar algunas categorías de respuesta dentro del escenario de la cooperación en salud (Cuadro 1). Se consideraron las siguientes organizaciones: Comunidad de Estados Latinoamericanos y Caribeños (CELAC), Comunidad del Caribe (CARICOM), Foro para el Progreso de América del Sur (Prosur), MERCOSUR, Organización Andina de la Salud- Hipólito Acuerdo de Unanue (ORAS-CONHU), Organización del Tratado de Cooperación Amazónica (OTCA) y Sistema de Integración Centroamericana (SICA). Como criterio de selección, el análisis consideró los organismos de integración regional integrados únicamente por países de América Latina y el Caribe, y que cuentan con algún tipo de mecanismos de coordinación en el área de la salud. El análisis incluye materiales publicados entre enero de 2020 y abril de 2021, como declaraciones de alto nivel, planes de acción, lineamientos estratégicos y noticias publicadas en línea (Cuadro 1).

En la categoría de declaraciones de alto nivel, hubo manifestaciones en todos los mecanismos regionales, con excepción de la OTCA, que no realizó reuniones de alto nivel durante el período analizado. Un punto común en estas declaraciones fue la necesidad de fortalecer el mecanismo Covax Facility para garantizar el acceso a las vacunas en los países de ALC, pero esto en la práctica no se tradujo en iniciativas concertadas de gran impacto para los países. También aparecieron temas como la importancia de la cooperación en salud, el fortalecimiento de las capacidades nacionales, el intercambio de información y la vigilancia en salud (Prosul 2020a, 2020b, 2021; MERCOSUR 2020a, 2020b, 2020c, 2020d; ORAS-CONHU, 2020).

En cuanto al financiamiento específico para el Covid-19, se destacan las iniciativas MERCOSUR, CELAC y SICA. MERCOSUR aprobó un aporte adicional de US$ 16 millones para el proyecto Plurinacional “Investigación, Educación y Biotecnologías Aplicadas a la Salud”, para ser destinados íntegramente a la lucha coordinada contra el Covid-19. Los recursos, financiados a través del Fondo para la Convergencia Estructural del MERCOSUR (FOCEM), deberán destinarse a la compra de equipos, insumos, kits de detección y desarrollo de técnicas de serodiagnóstico (MERCOSUR 2020d).

El SICA logró aprobar el aumento de recursos al Fondo de Emergencia del bloque, con US$1 millón para cada uno de los 8 países miembros. Además del financiamiento interno, el SICA aprobó convenios de financiamiento externo con Taiwán, la Unión Europea y Alemania para el apoyo financiero a las micro, pequeñas y medianas empresas de los países centroamericanos, con aportes por más de US$ 350 millones. Se discutieron estrategias de vigilancia epidemiológica para la región con los Centros para el Control y la Prevención de Enfermedades (CDC) de América del Norte y el Plan de Emergencia del Presidente para el Alivio del SIDA (PEPFAR), lo que llevó a la firma de acuerdos de ayuda al desarrollo.

A través del Banco Centroamericano de Integración Económica (BCIE), el SICA realizó donaciones de miles de kits para detección de Covid-19 a todos los países miembros y también a Argentina y Colombia, que son socios extrarregionales del banco. Como parte del Programa de Apoyo y Preparación ante la Emergencia ante el Covid-19, creado en marzo de 2020, el BCIE ha destinado cerca de US$ 4,2 millones para la compra y suministro de pruebas de diagnóstico y equipamiento médico para la detección temprana de la enfermedad (BCIE 2020). Dentro de la CELAC, México y Argentina encabezaron la firma de un acuerdo financiero con la Fundación Slim -propiedad del multimillonario mexicano Carlos Slim- suscrito en agosto de 2020. La iniciativa deberá resultar en la producción y distribución regional de entre 150 y 250 millones de dosis de la vacuna. desarrollado por el consorcio Oxford-AstraZeneca. La producción está a cargo de México y Argentina. Adicionalmente, la OTCA propuso financiamiento externo -público o privado- para la articulación de acciones para combatir la pandemia (OTCA 2020), pero hasta el momento no ha logrado resultados concretos.

En materia de seguimiento regional, ORAS-CONHU, OTCA, SICA y CARPHA publicaron informes detallados sobre la situación de los países. CARPHA también publicó lineamientos regionales sobre diversos temas relacionados con la pandemia e importantes para los países del Caribe, tales como: visitas a prisiones, alertas para profesionales de la salud, estrategias de comunicación y desinfección de instalaciones turísticas, entre otros (CARPHA 2020). SICA logró aprobar un Plan de Contingencia Regional (SICA 2020), orientado a complementar los esfuerzos nacionales para mitigar los efectos de la crisis generada por la pandemia. Asimismo, el Plan de Trabajo 2021 de la CELAC incluye estrategias sobre reactivación económica post pandemia y la Estrategia Regional de Salud frente al Covid-19, con iniciativas regionales de producción y distribución de vacunas e insumos médicos, y la consolidación de la Red de Expertos en Agentes Infecciosos. y Enfermedades Emergentes y Reemergentes (CELAC 2021)

También se vieron algunos resultados concretos en términos de vigilancia regional. La CELAC logró la vinculación con la Comisión Económica para América Latina y el Caribe (CEPAL) de las Naciones Unidas y la Organización de las Naciones Unidas para la Agricultura y la Alimentación (FAO), lo que resultó en la creación del Observatorio Covid-19 en América Latina y el Caribe, con el objetivo de seguir y monitorear el progreso de los países y el impacto económico y social del Covid-19 en el mediano y largo plazo (CEPAL 2020). CELAC también fortaleció iniciativas conjuntas con SEGIB (Guadarrama Pérez y González Hernández 2020). El SICA también ha creado un observatorio regional, previsto en su Plan de Contingencia, para emitir información mejorada y actualizada sobre la pandemia a los países.

En cuanto a la articulación extra-bloque, se desarrollaron otras iniciativas en materia de intercambio de información y conocimiento. Cabe destacar la articulación de ORAS-CONHU con MERCOSUR y OTCA para realizar eventos online y webinars sobre temas relacionados a la lucha contra la pandemia. Las iniciativas fueron apoyadas por la Oficina Subregional de la OPS para América del Sur. Cabe mencionar que los eventos realizados por la OTCA tuvieron un enfoque importante en la salud de las poblaciones indígenas, en el combate al Covid-19 en las regiones amazónicas, especialmente en las fronteras, y en el acceso a vacunas y tratamientos para los pueblos indígenas (OTCA 2020).

Cuadro 1

Como se puede observar en el Cuadro 1, en casi todos los bloques de América Latina y el Caribe, las principales estrategias estuvieron relacionadas con pronunciamientos políticos de alto nivel, publicación de informes con datos epidemiológicos y realización de eventos virtuales sobre la pandemia. Algunos avanzaron con otras iniciativas más específicas. Así, no es que la región no esté activa en el contexto de la pandemia. Sin embargo, las iniciativas de los diferentes bloques regionales se han desvinculado entre sí, lo que dificultó la posibilidad de construir efectivamente una respuesta conjunta al problema.

Ahora bien, también el cuadro 1 nos muestra que si durante la primera etapa - durante la cual los bloques regionales redactaron respuestas, aunque han sido más declamativo y con alcance concreto limitado - en la segunda etapa (que comienza con la disponibilidad de vacunas en la región de América Latina), la acción regional conjunta para mejorar el acceso a las vacunas fue muchísimo menor, por no decir prácticamente inexistente. Salvo algunos webinars o eventos online que realizaron MERCOSUR, ORAS-CONHU, OTCA y SICA. 

Las acciones se limitaron prácticamente a negociaciones bilaterales entre países o países con la industria. Sabemos las limitaciones que esto ha tenido, para el acceso equitativo a las vacunas, oportuno y el impacto en el aumento de las asimetrías y las desigualdades. 

Desde el MERCOSUR por ejemplo, en diciembre de 2020, los ministros de salud emitieron una Declaración sobre el Mecanismo COVAX, declarando el apoyo al mecanismo para superar las barreras de acceso a las vacunas, sin embargo, no se propusieron iniciativas concretas (Cuadro 1). 

El ORAS-CONHU, como resultado de la Reunión de Ministros en junio de 2021 también emitió una Declaración conjunta para lograr el acceso universal a las vacunas contra Covid-19. En términos de resultados más concretos, podríamos mencionar a través de la CELAC la iniciativa conjunta entre Argentina y México para la producción conjunta de la vacuna Oxford / AstraZeneca, que inició su distribución en Argentina y México (Cuadro 1)

Cooperación en salud e integración regional: ¿dónde estamos?

Al examinar las iniciativas en su conjunto, desde una perspectiva de cooperación regional, se evidencia que cada una de las organizaciones analizadas ha desarrollado estrategias sustantivas para enfrentar la pandemia, pero estableciendo alianzas parciales. En consecuencia, han puesto en marcha instrumentos que, en un contexto de fragmentación o de respuestas individuales al estallido de la pandemia, corren el riesgo de ser coyunturales y temporales, limitando la capacidad de construir una agenda de salud a nivel regional, con miras a hacer frente a eventuales crisis sanitarias en el futuro.

Actuar a nivel regional en América Latina es un desafío, por un lado, por las limitaciones específicas del espacio regional como campo de formulación de políticas sociales, y por otro lado, por algunas debilidades de los procesos de integración regional en este ámbito específico. región. La literatura en el campo de las relaciones internacionales discute y argumenta que estas son espacios válidos y fundamentales para la acción colectiva y la construcción de políticas regionales, especialmente en el campo de las políticas sociales (Bianculli y Ribeiro Hoffmann, 2016; 2020; Riggirozzi y Tussie 2012; Riggirozzi 2015; Herrero 2017). Sin embargo, esta acción muchas veces se ve limitada por la voluntad política de los países, por la reducida credibilidad de las políticas regionales y, en muchos casos, por la falta de continuidad institucional que suele estar presente en los espacios regionales, especialmente en América Latina (Riggirozzi y Ryan 2021).

En este escenario, es posible, por lo tanto, observar que, por un lado, la disolución de UNASUR dejó un vacío institucional que aún no ha sido llenado, en un contexto ya complejo por el estancamiento –e incluso el repliegue– de las acciones de Cooperación Sur-Sur y la crisis del multilateralismo, pero por otro lado, UNASUR también dejó ciertas capacidades que sin duda pueden ser un valor agregado en el abordaje de la pandemia y, sobre todo, de la pospandemia.

En este punto, es interesante visibilizar el legado de UNASUR más allá del importante vacío que dejó su disolución, considerando además que fue uno de los mecanismos regionales más activos y efectivos en el área de la salud, especialmente en la defensa de los valores democráticos y la promoción de la participación social en la construcción de políticas de salud (Campos 2017). 

Debido a las demandas insatisfechas y dado el alcance sistémico de la crisis, la pandemia ha demostrado que la articulación y coordinación de acciones en 3 niveles es fundamental: nacional, regional y global. El nacional, con miras a apuntalar las capacidades locales y en especial el fortalecimiento de los sistemas de salud para atender la demanda y cubrir las necesidades de insumos y equipos médicos, algo que ha estado faltando en muchos países de la región (García et al. 2020). A nivel regional, con el objetivo de articular y fortalecer la cooperación transfronteriza, intercambiar datos y promover mecanismos conjuntos para la adquisición de medicamentos y, más aún, de vacunas (Riggirozzi 2020), cuya carrera pone en peligro la capacidad de algunos países para adquirir a ellos. En otras palabras, esperando reducir las asimetrías regionales, que sin duda se han evidenciado en esta crisis pandémica. Finalmente, a nivel global, para aunar esfuerzos para actuar juntos y negociar en bloque, entendiendo y defendiendo la salud como un derecho (Herrero y Nascimento 2022).

En el caso de UNASUR, particularmente en el caso de la salud, a través del Consejo Suramericano de Salud es posible identificar los tres niveles en los que había operado ya través de los cuales se habían impulsado normas (el nivel nacional, el nivel regional y el nivel global). Es posible denominar a UNASUR como un 'intermediario' que transita por los tres niveles de gobernanza que se fortalecen -nacional, regional e internacional- exhibiendo una capacidad para generar amplios consensos. La influencia a nivel nacional se percibe en la medida en que se considera que los procesos de integración con enfoque de políticas sociales y soberanía sanitaria regional fortalecen también la soberanía sanitaria nacional de sus países miembros. Con frecuencia los países sudamericanos presentaron temas importantes para sus sistemas nacionales de salud en el espacio multilateral de UNASUR, que sirvió como espacio para buscar conjuntamente soluciones comunes (Herrero y Nascimento, 2022).

A nivel regional, las acciones de UNASUR impulsaron la agenda de salud hacia estrategias exitosas de cooperación sur-sur y horizontal, en cuanto a acciones comunes frente a la pandemia de influenza H1N1, epidemias de dengue, otras enfermedades transmisibles emergentes y reemergentes, y la preparación colectiva para una eventual llegada del virus del Ébola. Estas acciones fueron lideradas por el Consejo de Salud Suramericano de UNASUR, con el apoyo explícito de las Jefas y los Jefes de Estado. Muchas acciones fueron implementadas por cientos de técnicos de los ministerios de salud de los Estados Miembros (Buss et al. 2018). Además, UNASUR articuló no sólo el accionar de los países, sino que actuó en coordinación con los diferentes bloques regionales a través de la complementación de agendas, que en la práctica se tradujo en la realización de actividades conjuntas promovidas y financiadas por UNASUR. Este es un valor agregado del bloque que incluso anticipa esas articulaciones en sus documentos y reglamentos normativos (Herrero y Nascimento, 2022).

Ahora bien, esta capacidad de articulación con otros mecanismos regionales – que fue la característica fundamental de UNASUR tanto en todas sus actividades como en sus documentos –, ha sido una gran pérdida para la región. Como consecuencia, también resultó en una pérdida de la capacidad de hacer cumplir la soberanía sanitaria regional, lo que llevó a una desarticulación global. En el área de acceso a medicamentos, por ejemplo, proyectos como el Banco de Precios de Medicamentos -lanzado a finales de 2016- y la negociación conjunta de precios de medicamentos de alto costo -iniciado en 2015- demostraron la importancia de la articulación con MERCOSUR, en un escenario de traslape institucional que resultó beneficioso para los países (Oliveira, 2019).

A nivel global, UNASUR contribuyó a construir un nuevo arreglo de diplomacia en salud. Entre sus importantes aportes en este campo se encuentran las posiciones comunes presentadas en la Asamblea Mundial de la Salud. Entre 2010 y 2016 hubo 35 posiciones comunes, en diversos temas, siempre enfocadas en los principios defendidos por UNASUR: la salud como derecho humano fundamental, el acceso universal a los medicamentos, la valorización de la salud pública por encima de los derechos de propiedad intelectual, el fortalecimiento de los recursos en salud, determinantes sociales de la salud y la agenda de los Objetivos de Desarrollo Sostenible (ODS) (Vance 2020).

Una característica especial de UNASUR fue proponer la construcción de una identidad regional sin necesidad de que los países miembros delegaran parte de su soberanía a mecanismos supranacionales. Así, se posicionó, de manera innovadora, como una organización de integración regional en la que los intereses de la salud a nivel regional se valoran más que el poder del órgano de control siendo superior al de los miembros individuales. En este sentido, el proceso de política regional y sus resultados en materia de diplomacia en salud es otro punto interesante en el análisis de UNASUR. A través de nuevos mecanismos de diplomacia, la región fortalece y amplía su capacidad de negociación y defensa de sus intereses en espacios multilaterales, generando así una mayor autonomía de los países que pertenecen al proceso para definir sus propias políticas, con menor influencia externa (Teixeira 2017). La salud es en sí misma un campo privilegiado para construir soberanía a nivel internacional y multilateral, ya que ofrece un espacio de negociación en los organismos multilaterales continentales y globales, del que no disponen otros ámbitos sociales. Al mismo tiempo, estos procesos de integración regional con enfoque de políticas sociales y soberanía sanitaria regional, también pueden fortalecer la soberanía sanitaria nacional de sus países miembros. Este despliegue de soberanía sanitaria regional fortalece a una región en el ámbito de la soberanía externa, así como, individualmente, a cada uno de los dos países que pertenecen al proceso de integración regional. De esta manera, potencia la capacidad de esos países para definir sus propias políticas de salud, con un menor nivel de influencia externa, aumentando así su soberanía sanitaria interna (Teixeira 2017, 179).

En tal situación de varios frentes abiertos, la experiencia de UNASUR nos ha enseñado que es fundamental contar con mecanismos y espacios de coordinación regional que permitan intercambiar información y buenas prácticas, definir acciones conjuntas de prevención y contención, y proponer la adopción de incentivos a la innovación tecnológica, negociación y compra conjunta de vacunas y tratamientos para el Covid-19. Sobre todo, sería fundamental brindar una estrategia epidemiológica contextualizada de acuerdo a las realidades y prioridades de los sistemas de salud de los países de América Latina y el Caribe (Herrero y Nascimento 2022).

El nivel regional vinculado a iniciativas de integración presenta grandes oportunidades de cooperación en salud, a través de la acción colectiva, para contribuir a desafíos como la pandemia y otros eventos de salud pública mundial (Buss y Tobar, 2020). Concebir la cooperación internacional como una herramienta epidemiológica implica la necesidad de discutir qué tipo de cooperación en salud es más eficaz y eficiente para enfrentar los problemas de salud que afectan a nuestros pueblos.

En este punto, consideramos que los conceptos de "escudo epidemiológico" y "soberanía sanitaria", como legado de UNASUR, contribuyen ampliamente a un regionalismo latinoamericano y caribeño articulado, donde la cooperación y la integración se conviertan en un beneficio que fortalezca a la región y tenga un impacto favorable al interior de cada nación latinoamericana, reforzando las respectivas políticas sociosanitarias. El todo es superior -o al menos debería serlo- a la suma de sus partes.

En este sentido, la creación de un “escudo epidemiológico” con enfoque sur-sur podría convertirse en una herramienta institucional regional-interregional, encaminada a dar respuestas epidemiológicas adecuadas y políticamente sustentadas a epidemias y enfermedades prioritarias en el sur global, de acuerdo con cada una de ellas. contexto de salud. Este dispositivo debe constituirse de manera interdisciplinaria y multidimensional, estructurado en torno a una red regional de vigilancia y respuesta, para la construcción de mecanismos de intercambio de información y protocolos, así como la sistematización de bases de datos estadísticas para la acción coordinada en las distintas instancias de la vida política. 

Conclusiones:

Reflexiones finales: La pandemia, una oportunidad perdida para la concertación regional

La pandemia de COVID19 ha sido una oportunidad perdida para la salud poder articular agendas y para América Latina, poder reconstruir su fragmentada y débil cooperación regional. 

Las principales estrategias estuvieron relacionadas con declaraciones políticas de alto nivel, publicación de informes con datos epidemiológicos y la realización de eventos virtuales sobre la pandemia. En la región han primado las acciones unilaterales continuas, lo que ha socavado la posibilidad de una respuesta regional. Este escenario estuvo favorecido por el distanciamiento político entre los países. A esto se suma que UNASUR, una de las instancias que ha tenido un rol más protagónico en salud, se disolvió, y la CELAC, que ha intentado asumir un liderazgo con la presidencia pro tempore en México, encontró un camino muy difícil en adelante. La fragmentación regional dificultó la posibilidad de estrategias concertadas y la falta de liderazgo debilitó la posibilidad de construir efectivamente una respuesta conjunta. 

Con la llegada de las vacunas, lejos de una distribución equitativa, y más lejos aún de la vacuna convertirse en un bien público global, el mundo quedó en un “sálvese quien pueda”. 

La dinámica de acaparamiento y negociaciones individuales, redujo la disponibilidad de vacunas para los países del Sur y socavó el multilateralismo, afectando la cooperación y la solidaridad global. A casi dos años de la llegada de las primeras vacunas a la región (al momento de escribir esta ponencia), la gran mayoría de las vacunas adquiridas por los países fueron adquiridas de forma bilateral, o sea, a través de negociaciones entre el país comprador y la industria que vende la vacuna. 

A lo que debe sumarse la persistente dependencia tecnológica en materia de medicamentos biológicos y biotecnológicos que atenta contra la tan urgente y necesaria política regional que ayude a coordinar una mayor capacidad de producción local y regional. América Latina, produjo menos del 4% de los productos médicos utilizados durante la pandemia. 

Las asimetrías y la fuerte dependencia de la región, no pudo ser contrarrestada con acciones concertadas para avanzar en la adquisición de vacunas y lograr mejores condiciones. De 51 países y territorios que componen la región de las Américas, 10 aún no cumplen con la meta de la OMS de lograr al menos el 40% de cobertura vacunal por país. Actualmente, tenemos 17 países/territorios de las Américas con más de 70% de población elegible vacunada. Lo que implica que la mayoría de nuestros países están entre el 40% y el 70% de cobertura. Haití, el país más pobre de la región, recibió su primera vacuna en julio de 2021, y al día de la fecha solo el 2% de la población elegible tiene esquema completo de vacunación. 

Eso se puede contrarrestar con iniciativas recientes de cooperación sur-sur que han resultado, como el banco de precios de UNASUR y las negociaciones de precios de medicamentos de alto costo realizadas por UNASUR y MERCOSUR y que demostró no solo la enorme reducción de costos en el acceso a medicamentos, sino también cómo le otorga a los países mayor negociación con la industria. 

La articulación y la concertación a nivel regional podrían haber contribuido a respuestas más efectivas para enfrentar la pandemia. En contextos de crisis sanitaria, el nivel regional, vía los mecanismos de integración y de la cooperación en salud, brindan una oportunidad a los países para potenciar sus capacidades, complementar acciones, no duplicar esfuerzos y sumar las lecciones aprendidas. En el contexto actual de realineamientos políticos, comienzan a cobrar fuerza la posibilidad de volver a recuperar espacios de integración que han sido muy valiosos para la región.

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Palabras clave:

COVID-19; Cooperación Internacional en salud; América Latina

COVID-19; International cooperation in health; Latin America

COVID-19; Cooperação internacional em saúde; América Latina