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Resumen de la Ponencia:
As convenções globais ambientais que tratam sobre gestão de resíduos têm experimentado desenvolvimentos normativos durantes as últimas quatro décadas, principalmente, em termos técnicos, tecnológicos e comerciais. Não obstante, a aceleração da produção de resíduos e lixo mediada pela subsunção ao capital tem superado os avanços do direito internacional público que conduzem a regulação legal dos mercados transfronteiriços de inúmeras substâncias resultantes do circuito metabólico da economia. Os países da Norte América e da Europa Ocidental são os principais concorrentes no mercado de exportação de resíduos tóxicos e perigosos, materiais potencialmente recicláveis, e outros materiais complexos. Em contrapartida, a África, o Sudeste Asiático e, inclusive, América Latina e o Caribe aparecem como importadores estratégicos desse tipo de materiais residuais. Assim, existe uma balança comercial de resíduos caracterizada pelo intercambio ecológico desigual entre o Norte e o Sul Global, mas por uma operação mercantil que flutua entre a legalidade e a ilegalidade, e que produz críticos impactos ambientais, sociais e econômicos nos países receptores. Diante desse conflito ecológico pelos desperdícios e a poluição, esse trabalho questiona a reprodução desses mercados ilegais de nível planetário que infringem as políticas dos Estados e as convenções globais sobre o controle dos movimentos transfronteiriços, o tratamento e disposição final de resíduos. Portanto, se chama a atenção sobre a urgência estudar esses conflitos e de reforçar os compromissos internacionais na luta contra a crise dos desperdícios e da poluição.
Introducción:
As convenções globais ambientais que tratam sobre a gestão e gerenciamento de resíduos têm experimentado desenvolvimentos normativos durantes as últimas quatro décadas, principalmente, em termos técnicos, tecnológicos e comerciais. Não obstante, a aceleração da produção de resíduos e lixo mediada pela subsunção às dinâmicas do capital vem superando os avanços do direito internacional público que conduzem a regulação desse setor, mas especificamente a respeito dos mercados e movimentos transfronteiriços de inúmeras substâncias resultantes do circuito metabólico da economia global.
Os países da Norte América e da Europa Ocidental são os principais concorrentes no mercado de exportação de resíduos tóxicos e perigosos, materiais potencialmente recicláveis, e outros materiais complexos. Em contrapartida, a África, o Sudeste Asiático e, inclusive, América Latina e o Caribe aparecem como importadores estratégicos desse tipo de materiais residuais. Assim, há um fluxo de substâncias complexas que navegam mares e oceanos desde o Norte global em direção a países do Sul global como Nigéria, Guiné Equatorial, Malásia, Vietnam, Indonésia e Filipinas. Assim, existe uma balança comercial de resíduos caracterizada pelo intercambio ecológico desigual, mas por uma operação mercantil que flutua entre a legalidade e a ilegalidade e que produz críticos impactos ambientais, sociais e econômicos nos países receptores de resíduos e lixo.
Esse mercado transfronteiriço não sempre respeita os marcos normativos. O estudo de conflitos ecológicos pelos desperdícios e a poluição no Sul global interpela a existência de um mercado ilegal de resíduos e lixo de dimensão planetária e que não somente infringe as políticas dos Estados Nacionais, mas os compromissos expressados nas convenções globais ambientais que visam controlar tanto os movimentos transfronteiriços, quanto as atividades de processamento, tratamento e disposição final dos resíduos.
Diante desse conflito ecológico, com base em dados qualitativos e fontes secundarias, esse trabalho[1] questiona a reprodução desses mercados ilegais, repassa as principais convenções sobre resíduos, e chama a atenção sobre a urgência estudar esse tipo de conflito e seus impactos, e de reforçar os compromissos internacionais na luta contra a crise dos desperdícios e da poluição no mundo.
[1] Esse trabalho forma parte da pesquisa de tese doutorado do Daniel Prieto Sánchez no programa de pós-graduação em Ciências Sociais em Desenvolvimento Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (CPDA/UFRRJ), sob a orientação do prof. Dr. Peter May e do prof. Dr. Cicero Pimenteira. A pesquisa conta com o apoio financeiro do Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (PDSE/CAPES).
Desarrollo:
A exportação de uma poluição tóxica
Na segunda metade de século XX se identificou a existência de um circuito de transporte e comercio transnacional de resíduos tóxicos e perigosos, através de grandes embarcações que transportavam estes materiais desde países industrializados até portos de disposição final. Esse mercado funcionava de forma legal, mas também de maneira clandestina e ilegal. Durante a década de 1980 se registraram casos emblemáticos que alcançaram repercussão na mídia internacional, pois revelaram um esquema de tráfico ilegal pouco conhecido que devia ser estudado e denunciado em ampla escala pelos impactos sociais, ambientais e econômicos que estava se reproduzindo, sobretudo, nos países receptores desses resíduos.
Diante desse problema, a primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano realizada em Estocolmo (1972) já tinha advertido que “deve-se pôr fim à descarga de substâncias toxicas e de outras materiais e à liberação de calor, em quantidade ou concentrações tais que não possam ser neutralizadas pelo meio ambiente, a fim de se evitar danos graves e irreparáveis aos ecossistemas” (UNEP, 1972). Desde a metade século XX a comunidade científica advertiu sobre os efeitos da utilização dessas substâncias e as consequências sobre diversas populações, tal o caso da pesquisa publicada pela bióloga Rachel Carson (1962). Nessa conjuntura, no Estocolmo se ressaltou a importância de apoiar a luta contra a poluição e convidou aos países membros a tomar medidas possíveis para “impedir a poluição dos mares por substâncias que possam pôr em perigo a saúde do homem, prejudicar os recursos vivos e da marinha, causar danos às possibilidades recreativas ou interferir em outros usos legítimos do mar” (UNEP, 1972).
Apesar dessa declaratória, na década de 1980 uma equipe de jornalistas de ‘El País’ da Espanha, apresentou o caso particular dos ‘barcos da morte’ que transportavam resíduos tóxicos e nucleares desde países norte-americanos e europeus para a Annobón, umas das ilhas do território insular da República de Guiné Equatorial. A reportagem exibiu a cruel panorâmica sobre o tráfico marítimo e ilegal de resíduos tóxicos no Mar Mediterrâneo e Oceano Atlântico, no qual participavam diferentes governos nacionais, organizações multinacionais e indústrias privadas, mas atingido as condições ambientais e sanitárias das comunidades da Guiné.
Annobón é uma ilha de 22 quilômetros quadrados de superfície e na época era habitada por uma população de 2.000 habitantes que tinha sido colocada no centro de um contrato assinado entre o presidente ditador Teodoro Obiang Nguema e uma empresa norte-americana, com o objetivo de depositar quase sete milhões de toneladas de resíduos tóxicos na ilha (Camacho e Camiñas, 1988a). Por conseguinte, Annobón foi transformada em uma ‘zona de sacrifício’ para a instalação de um lixão internacional para ser utilizado por empresas de países industrializados com a capacidade de movimentar resíduos por rotas marítimas.
O conflito ecológico do Annobón ganhou destaque na imprensa internacional e na agenda da Organização para Unidade Africana (OUA), de organizações sociais e não governamentais de caráter ambiental como a Greenpeace, que acabaram denunciando que esse caso da Guiné Equatorial se registrava em mais dez países africanos. No Benin, Congo, Guiné Bissau, Gabão, Senegal, Nigéria, Zimbábue e África do Sul também formavam parte do circuito de importação de resíduos tóxicos e nucleares (Camacho e Camiñas, 1988a). Nesses países se instalaram lixões ilegais para a disposição final desse tipo de resíduos sem nenhum tipo de controle, regulação ou fiscalização ambiental. Por conseguinte, se começou a examinar a operação de uma estrutura transnacional de nível global que movimentava quantidades massivas de resíduos tóxicos. Assim, se descobriram empresas especializadas no tratamento desses resíduos, as fontes industriais de geração, comerciantes e, além disso, a participação direta e indireta dos governos dos países norte-americanos, europeus e africanos.
A pesquisa de Camacho e Camiñas (1988a; 1988b) não somente demostrou a operação dos ‘barcos da morte’, como o Karin B e o Deep Sea Carrier de origem alemão e o Zanoobia de bandeira síria, mas do funcionamento ilegal de uma balança comercial de exportação e importação de substâncias perigosas com alto potencial de expansão global. Se determinou que o tráfico ilegal se sustentava em “contratos falsos que camuflam os resíduos como fretes convencionais, corrupção de funcionários e Governo, abandono e descarregamento de barris malditos em praias, águas e desertos sem vigilância” (Camacho e Camiñas, 1988b). Aliás, a operação era possível pela conivência institucional e a flexibilidade dos mecanismos de vigilância e controle nos países produtores dessas substâncias. Desta forma se revelou o lucrativo negócio das empresas privadas legalmente constituídas que se especializaram em comercializar, transportar e depositar resíduos em países do Sul global para reduzir os custos do processamento na fonte da origem.
Esse tipo de conflito começou a ser examinado desde a perspectiva da ecologia política e a economia ecológica e pesquisadores como Martínez-Alier (2007) estudaram a reprodução de casos semelhantes também durante a década de 1990. Segundo esse economista, um caso representativo aconteceu na África do Sul, pois “foram detectadas concentrações maciças de mercúrio no rio Umgeweni, próximo da fábrica de Cato Ridge de propriedade da Thor Chemicals” (p. 249). Essa multinacional com sede em Londres transportava os resíduos de mercúrio da companhia Cyanamid que operava em New Jersey, Estados Unidos. Dessa vez, um coletivo de grupos ambientalistas estado-unidenses e sul-africanos, sindicatos e até agricultores afetados pelos resíduos tóxicos de pesticidas se mobilizaram contra os impactos causados pela operação de tais empresas. Segundo Martínez-Alier (2007), o coletivo protestou contra esse ‘imperialismo do lixo’ e o ‘colonialismo tóxico’ que mediavam a exportação legal e ilegal de resíduos tóxicos dos países ricos do Norte Global para países empobrecidos do Sul Global. Em outras palavras, esse conflito ecológico pode ser descrito como uma expressão da injustiça ambiental, o racismo ambiental (Martínez-Alier, 2007) e a injustiça sanitária (Porto et al., 2021)
Diante da organização social e o ativismo ambiental, Keck e Sikkink (1999) argumentam que as redes transnacionais estruturadas por agentes civis, movimentos e organizações não estatais e governamentais conseguem incidir na formulação de política internacional. Porém, através de redes de advocacia e ao mesmo tempo que contribuem com a articulação de normas sociais e culturais, o compartilhamento de informação estratégica, e a promoção de processos de integração regional e internacional. Contudo, o reconhecimento destas redes também examinar e questionar as convenções globais que tentam regular os movimentos transfronteiriços dos resíduos no mundo.
Legalidade e ilegalidade nos mercados de resíduos
Não todos os elementos constituintes do mercado global de resíduos violam as estipulações legais. Seguindo a argumentação de Beckert e Dewey (2017), certas ações deste mercado vulneram o marco legal e, como podemos ver no mercado de resíduos, estas ações formam parte de práticas operativas de organizações formais que participam dentro da estrutura da exportação e importação de resíduos, também, com outras empresas ou operadores especializados da indústria de reciclagem e tratamento de outros tipos de resíduos.
Beckert e Dewey (2017, p. 4) distinguem entre cinco tipos de ilegalidade nos mercados. O primeiro se refere a mercados nos quais a troca certos tipos de bens ou serviços está proibida. O segundo tipo se refere aos produtos roubados. O terceiro tipo envolve os produtos falsificados. Um quarto tipo trata dos produtos legalizados, mas que sua comercialização é ilegal. Finalmente, no quinto tipo de ilegalidade, se observa que a produção, a troca e o consumo dos produtos são, em princípio, legais, mas os atores violam a normatividade durante esse processo.
A ilegalidade identificada nos mercados internacionais de resíduos se encaixa na quarta e quinta tipologia proposta por Beckert e Dewey (2017). A comercialização de resíduos em áreas nacionais e internacionais é legal, mas apesar disso, essa comercialização se torna ilegal quando viola os princípios do direito internacional sobre resíduos e quebra a própria legislação dos países exportadores e importadores.
À vista desses conflitos, o Programa das Nações Unidas para Meio Ambiente (PNUMA) promoveu entre a comunidade internacional conformada por mais de 170 Estados membros, a negociação da ‘Convenção de Basileia sobre o Controle de Movimentos Transfronteiriços de Resíduos Perigosos e seu Depósito’. A Convenção de Basileia (CB) foi adotada em 1989 e entrou em vigência em 1992, com o objetivo geral de “proteger, mediante o um estrito controle, a saúde humana e o meio ambiente contra os efeitos nocivos que podem se derivar da geração e o manejo de resíduos perigosos e outros resíduos” (PNUMA, 1992, p. 9).
A Convenção de Basileia foi um avanço nessa matéria que se sustentou no direito internacional público e adotou a Declaração da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Humano (Estocolmo, 1972), as Diretrizes e Princípios do O Cairo para o manejo ambientalmente racional de resíduos perigosos (1987), as recomendações do Comitê de Especialistas no Transporte de Mercadorias Perigosas das ONU (1957 e atualizadas cada dois anos), entre outros instrumentos internacionais (PNUMA, 1992, p. 7).
Desde a perspectiva da CB, o Estado deve desempenhar um papel central nas tarefas de controle e vigilância dos movimentos transfronteiriços. Em outras palavras, o Estado adota a responsabilidade principal de na frente de regular tais movimentos mediante a aplicação do princípio de consentimento fundamentado prévio, sendo que é necessário que os Estados desenvolvam um marco legal para prevenir e punir o tráfico ilícito de resíduos. No segundo frente, a convenção recomenda a aplicação de controles estritos na gestão dos resíduos perigosos, desde sua geração na fonte até sua armazenagem, transporte, tratamento, reutilização, reciclagem, recuperação e eliminação final (PNUMA, 2005).
De tal modo, a CB é um instrumento de direito internacional público para regular e prevenir o tráfico ilícito, através de assistência técnica para a gestão ambientalmente adequada destes resíduos na fonte geradora e receptora, o incentivo à redução e minimização na fonte, e a promoção da cooperação internacional entre os Estados. Para tal fim, a convenção define que o tráfico ilícito consiste em não notificar a movimentação, desrespeitar o consentimento do Estado receptor, falsificar o consentimento, apresentar documentação inconsistente, e eliminar de forma deliberada tais resíduos perigosos “em contraposição com a Convenção e dos princípios gerais do direito internacional” (PNUMA, 1992, p. 24).
A CB também prevê que se um movimento transfronteiriço de resíduos chegasse a ser tipificado como um caso de tráfico ilegal, após comprovação de uma conduta criminosa da empresa exportadora e da fonte de geração, o Estado deverá se responsabilizar pela gestão ambientalmente adequada. O PNUMA (1992, p. 25) recomenda que o Estado exportador garanta a devolução dos resíduos transportados de maneira ilícita ou, se não fosse possível, a eliminação conforme às disposições da Convenção e sem oposição, obstáculos ou impedimentos por parte dos Estados comprometidos nestes movimentos ilícitos. Em 1994 se adicionaram outras normas que limitaram a exportação de resíduos tóxicos dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
Ainda assim, o CB permite exceções respeito a recuperação de materiais ou para a reciclagem que criam brechas de exportação de resíduos aparentemente recicláveis, mas contém artigos que permitem acordos bilaterais ou multilaterais para a exportação de resíduos tóxicos, sob a permissão do “bom monitoramento ambiental” do artigo 11 da CB. Essa flexibilidade continua facilitando a circulação dos resíduos perigosos dos países ricos para os países empobrecidos e criando oportunidades para transportar essas substâncias nos oceanos e mares ainda ‘subcontaminados’ (Martínes-Alier, 2007, p. 250).
Com todo esse panorama, o exercício de poder da ONU mediante esse instrumento internacional é questionado pela capacidade de incidir sobre a dinâmica das relações comerciais legais e ilegais, mas também pela legitimidade que outorga a operação dos mercados transfronteiriços de resíduos. A CB reconhece explicitamente que a forma mais efetiva para proteger a saúde humana e o ambiente dos danos produzidos pelos resíduos consiste na redução na fonte de geração, tanto em quantidade e complexidade, como em toxicidade. Contudo, a crise planetária pelos desperdícios e a poluição representa um problema complexo que a convenção precisa abordar mediante atividades de valorização, tipificação e recategorização de resíduos nos marcos normativos atuais, tal o caso dos orgânicos, os plásticos, os elétricos e eletrônicos e inclusive, os nucleares.
Rio 92 e o manejo ecológico dos resíduos
A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento do Rio-92 tratou os conflitos pelos resíduos. A ‘Agenda 21’ resultante dessas deliberações globais fixou vários fatores socioeconômicos e ambientais relacionados com esta preocupação como, por exemplo, a mudança dos padrões de consumo, a sustentabilidade dos assentamentos humanos e a conversação e gestão dos recursos. Deste modo, se desenvolveu uma chamada global para a ‘conservação e gestão dos recursos|’ o compromisso com o ‘manejo ecologicamente e ambientalmente saudável’ das substâncias químicas tóxicas, perigosas e radioativas (ONU, 1992).
Assim, para esse compromisso específico foram definiram quatro áreas de ação: redução ao mínimo dos resíduos; a maximização do reaproveitamento e da reciclagem dos resíduos; a promoção do deposito e tratamento dos resíduos; e a ampliação da cobertura dos serviços de coleta de resíduos (ONU, 1992, pp. 280-290). Segundo a Agenda 21, estas áreas variam conforme as condições socioeconômicas e físicas dos países e seus munícipios, portanto, é desejável adequar essas ações aos contextos locais e considerar seus padrões de consumo, as políticas públicas de saneamento básico e gestão dos resíduos, os volumes de geração de resíduos e sua a composição e, não menos importante, o financiamento e os custos associados a sua implementação.
A Agenda 21 reconheceu – tácita e explicitamente – a maior responsabilidade dos países de alto poder aquisitivo nesse conflito, pois possuem maiores oportunidades de acesso a produtos e materiais com capacidade de impactar negativamente o ambiente. Sobre tal base se estruturaram outras convenções sobre resíduos, mas principalmente a Convenção de Roterdã (2004) e de Estocolmo, (2005) e inclusive, a formulação dos Objetivos de Desenvolvimento do Milênio (2000-2015) e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (2015-2030), que definiram que um dos maiores problemas do processo de urbanização consiste na geração massiva de ‘lixo’ e o manejo inadequado de resíduos.
Convenção de Roterdã e um manejo ecológico indefinido
A Convenção de Roterdã (CR) trata sobre Procedimento de Consentimento Prévio Informado (PIC) Aplicado a Certos Agrotóxicos e Substâncias Químicas Perigosas Objeto de Comércio Internacional e entrou em vigor em fevereiro de 2004. Esta convenção expressa que visa o manejo ecológico seguro das substâncias químicas toxicas considerando o problema do tráfico internacional ilegal dos produtos tóxicos e perigosos (PNUMA, 2004). Além disto, esta convenção ressalta que o uso de produtos químicos é “essencial” para alcançar os objetivos sociais e econômicos da comunidade mundial e que a modernização das práticas indústrias “demonstram” que a utilização destes produtos tem uma relação custo-eficiência que adicionalmente se sustentam pelas modernas práticas de segurança industrial.
O PNUMA (2004) comenta que o problema crítico que pretende mitigar este instrumento radica no crescimento da produção e comercio de substâncias químicas que representam riscos potenciais, sobretudo, os químicos perigosos e para utilização no agro, que dizer, os agrotóxicos. Portanto, os países que carecem dos sistemas efetivos de monitoramento e controle de importações destas substâncias podem ser mais vulneráveis e ter maiores chances de sofrer impactos prejudiciais sobre a saúde humana e o ambiente. Em vista disso, cabe aos países produtores de tais substâncias maiores responsabilidades pela comercialização e exportação desse tipo de mercadorias.
No horizonte da responsabilidade compartilhada, a Convenção de Roterdã ordena aos países importadores que fortaleçam suas capacidades nacionais para “a gestão de substâncias químicas, incluindo a transferência de tecnologia, assistência financeira e técnica e a promoção da cooperação entre as Partes” (PNUMA, 2004, p. 4). Nesse sentido, a responsabilidade dos produtores e exportadores de substâncias é um desafio, pois é fundamental criar condições de intercâmbio mais justas e ambientalmente sustentáveis entre os Estados.
A Convenção de Estocolmo e o futuro em risco
A Convenção de Estocolmo sobre Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs) entrou em vigência em 2004 é sustenta como um instrumento de promoção da segurança química global. Esta convenção estabelece medidas obrigatórias e preventivas para a controle dos POPs durante todas as etapas do ciclo de vida útil: produção, importação, exportação, disposição e uso (PNUMA, 2004). Assim, reconhece que esses resíduos podem representar uma ameaça toxica de potencial perigo em condições inadequadas de gerenciamento e gestão, portanto, o instrumento procura reduzir os riscos à saúde humana e o ambiente.
Os POPs se caracterizam por ser “resistentes à biodegradacão, bioacumulam-se, são transportados pelo ar, pela água e pelas espécies migratórias através das fronteiras internacionais e depositados distantes do local de sua liberação, onde se acumulam em ecossistemas terrestres e aquáticos” (PNUMA, 2014, p. 3). A Convenção do Estocolmo (CE) contém uma lista de grandes poluentes que tem se ampliado anualmente para adicionar novas substâncias que devem ser eliminadas, que tem um uso restrito e aquelas produzidas de forma não intencional. Os agrotóxicos e os químicos de uso industrial são alvo principal da CE pelo seu potencial de bioacumulação (PNUMA, 2005, p. 29). Não obstante, os ecossistemas terrestres e aquáticos – como foco de proteção ambiental – apenas são mencionados no escopo da convenção. De modo semelhante, a CE não esclarece suficientemente os riscos que enfrentam os animais não humanos de inúmeras espécies do planeta que tiverem e terão contato com estas substâncias, particularmente, as espécies migratórias.
A CE, em comparação com outros instrumentos, reconhece que estas substâncias são exclusivamente produto de atividades antropogênicas e que, pelo seu nível de toxicidade, se podem acumular em tecidos gordurosos dos organismos vivos. As exposições locais aos poluentes orgânicos têm efeitos devastadores sobre a saúde humana e, especialmente, sobre os ecossistemas e as comunidades indígenas do Ártico por causa do potencial de contaminação que pode sofrer o sistema alimentar tradicional das comunidades que habitam essa região PNUMA (2005).
Nesse mesmo sentido, a CE aponta que as mulheres são um grupo populacional ‘especialmente’ atingido pelos POPs e que as gerações do presente e o futuro poderiam estar em risco. O papel da maternidade e a reprodução da vida humana aparecem implicitamente neste documento sob o argumento de buscar o melhoramento da saúde das mulheres. Essa discussão precisa um maior aprofundamento, mas destaca o temor pela vulneração das formas de vida por causa da degradação das condições sanitárias para cuidar a saúde pública e os entornos, maiormente, no Sul Global.
De fato, esse potencial de dano sustenta a importância de incorporar nas convenções globais, aqueles mecanismos orientados para proteção especial das mulheres e dos povos originários e comunidades ancestrais distribuídas no mundo todo. Do mesmo modo, cabe a convenção desenhar estratégias para atender os impactos no mundo dos trabalhadores e trabalhadoras rurais expostas aos danos que podem ser produzidos pelo uso dos agrotóxicos.
Outro aspecto desta convenção que chama a atenção é quando adverte que os “países em desenvolvimento” têm maiores riscos diante dos POPs. Aliás disso, convida aos fabricantes destas substâncias para assumir “a responsabilidade de reduzir os efeitos adversos causados por seus produtos e disponibilizem informações aos usuários, aos governos e ao público sobre as propriedades perigosas dessas substâncias químicas” (PNUMA, 2005, p. 4). Este posicionamento resulta inquietante, pois apenas recomenda a adopção de medidas de precaução e prevenção dos efeitos adversos destas substâncias sobre a saúde humana, mas não aponta à proibição de substâncias que de fato podem causar a morte.
O descolamento forçado de uma crise internacional de resíduos
Em 2018, a China resolveu proibir a importação de resíduos mediante a aprovação da política de ‘Espada Nacional’. Com essa nova política de resíduos o governo chinês buscou confrontar o histórico de importações – legais e ilegais – de toneladas de materiais e substâncias que começou na década dos oitenta. O conflito já estava sendo tratado desde o 2017, pois neste ano o governo apresentou o marco legal de proibição às importações de 24 categorias de resíduos sólidos que incluíram tipos específicos de plástico, papel e têxtil (PNUMA, 2018).
Conforme as estadísticas da PNUMA analisadas no estudo de Brooks, Wang e Jambeck (2018), se estima que mais de 11,23 milhões de toneladas de resíduos navegam o mundo em barcos e containers, como se fossem qualquer mercadoria da balança comercial global. Esta quantidade de resíduos está sendo exportada, pelo menos, por 43 diferentes países que, além disso, se registraram mais de 7,3 milhões de toneladas anuais de plásticos que ingressaram à China, através da zona portuária de Hong Kong, ou seja, 72,4% da importação mundial (BROOKS, WANG, JAMBECK, 2018, p. 2).
Nessa ordem, o argumento principal da nova política chinesa ressalta que o aumento da geração de resíduos importados vinha acompanhando a redução na qualidade dos resíduos potencialmente recicláveis. Por um lado, estes resíduos eram mais difíceis de processar para as empresas chinesas da indústria de reciclagem que já tinham visto comprometidos os seus rendimentos. Por outro, perceberam os impactos socioambientais provocados pelos resíduos que não podiam ser processados. Neste sentido, cabe dizer que este posicionamento não somente tem implicações nacionais internas, mas também nos sistemas de gestão de resíduos daqueles países exportadores e fundamentalmente no mercado. Este veto impactou nas operações dos mercados nacionais e internacionais de resíduos, especialmente, nas operações da reciclagem dos plásticos. Sob a política de proibição se ordenou, por exemplo, a importação de apenas os resíduos plásticos por cima de 99,5% de teste de pureza (PNUMA, 2018).
O estudo elaborado por Brooks et al. (2018, pp. 2 - 4) também adverte o crescimento histórico da produção de plásticos passou de 2 milhões de toneladas em 1950 a 322 milhões em 2015. Paralelamente, a balança comercial de exportações e importações globais anuais de resíduos plásticos aumentou desde 1993 a 2016, em um ritmo de 723 a 817%, respectivamente. Desse modo, a balança comercial acumulada das últimas três décadas, deixa observar por um lado, os cinco países no topo das exportações de resíduos plásticos composto pela China e Hong Kong SAR (26,1%), Estados Unidos, Japão, Alemanha e México e, por outro, um grupo de importadores globais formado pela China (45,1%), China e Hong Kong SAR (27,3%), Estados Unidos, Holanda e Alemanha (BROOKS ET AL, 2018, p. 4).
Este recorte de países líderes do mercado de resíduos exibe o impacto da OCDE nesse tipo de mercado, mas com exceção da China e Hong Kong SAR. Estados Unidos, Canadá, países da Europa Ocidental e Austrália também estruturam uma balança comercial de resíduos plásticos que representa o 87% do total de exportações e movimenta quase $ 71 bilhões de dólares desde 1988, enquanto os países importadores do Sudeste Asiático completam o 96% do total de resíduos plásticos importados, isto significa, um valor de $ 106 bilhões de dólares (BROOKS ET AL, 2018, p. 2).
O estudo de Brooks et al. (2018) demostra a concentração dos fluxos comerciais dos resíduos plásticos e confirma que os países de alta renda, apesar de terem melhores condições econômicas para desenvolver tecnologias de gerenciamento de resíduos, preferem exporta-os a países de renda média e baixa. A razão é tanto simples, quanto crítica: o custo da gestão doméstica dos resíduos é alto em comparação com os baixos custos de exportação, transporte e processamento em países do Sudeste Asiático ou África.
As novas regulações formuladas na política chinesa estão levando aos países dependentes da exportação massiva dos resíduos a uma situação crítica com relação ao “verdadeiro custo da sua adição pelo plástico” (PNUMA, 2018). Ao mesmo tempo, essa política é percebida como uma oportunidade para investir no desenvolvimento de outras economias locais, na tecnologia doméstica de reciclagem e novos métodos de fabricação de plásticos reutilizáveis, mas também abre uma porta principal ao deslocamento desta crise pelos resíduos e a poluição para os outros países do Sudeste Asiático.
Segundo uma reportagem da Deutsche Welle (2019), as exportações daqueles países do Norte tiveram uma queda de 1,1 milhões de toneladas mensais desde 2016, para 500.000 toneladas no fim de 2018. Em contramão, a Malásia, Tailândia, Vietnam e Indonésia se transformaram em países comerciantes e grandes importadores de resíduos plásticos entre 2017 e 2018, pois se estima que esse grupo de países passou de receber 840.000 a 2,3 milhões de toneladas de resíduos plásticos (DEUTSCHE WELLE, 2019).
A proibição da China está tendo efeitos críticos na geopolítica global dos resíduos, pois estimula a relocalização do mercado de importação de resíduos para outros territórios que ofereçam condições regulatórias mais flexíveis, mas ainda com alto potencial de armazenagem desses materiais. Desse modo, se reproduz um cenário complexo de riscos sociais, ambientais e econômicos tanto pelas movimentações transfronteiriças, quanto pelas transformações do mercado global de resíduos. Assim, diante da análise das convenções globais cabe pensar que os “mercados não somente consistem em tecnologias, competência ou atores racionais, também depende da estrutura de regras que são indispensáveis para o desenvolvimento do mercado e sua reprodução” (BECKERT E DEWEY, 2017, P. 17), e tais regras deveriam ser construídas em condições equitativas e democráticas.
Conclusiones:
Os Estados deveriam estar reduzindo as incertezas na estrutura de regras estritas e fomentando a reprodução dos mercados legais de resíduos, mas sobretudo a redução da produção desses materiais nas economias internas dos Estados. Caso contrário, o deslocamento e crescimento do problema do tráfico ilegal para outros países, significa a existência de um conflito de interesses entre a tentativa de criar de mecanismos de controle de exportação e importação mais estritos e as medidas para promover a redução. As proibições e compromissos globais não vinculantes, não estão confrontam efetivamente as lógicas da ilegalidade que atingem os mercados de resíduos e sua movimentação transfronteiriça.
As práticas ilegais neste mercado se configuram em um risco para a saúde humana e o meio ambiente, particularmente, nos países do Sul global que permanecem como receptores de toneladas de resíduos gerados em países industrializados. Os Estados são os alvos principais das convenções internacionais de resíduos, mas os grandes geradores industriais continuam dinamizando um mercado ilegal de resíduos perigosos que se alimenta da flexibilidade do o direito internacional e as irregularidades institucionais no sistema de fiscalização ambiental.
Não é suficiente com realizar mudanças na política internacional, mas, como afirma Martínez-Alier (2007) é necessário que essas indústrias transnacionais prestem contas “a respeito dos passivos ambientais e das ‘externalidades’” (p. 248) que provocam sérios impactos. Desse modo, e seguindo a crítica ao ‘imperialismo do lixo’ e do ‘colonialismo tóxico’ do Norte Global, é preciso promover ajustes e as atualizações nos marcos normativos internos e internacionais buscando a reparação das dívidas ecológicas com o Sul e robustecer os compromissos multilaterais e democráticos para controlar áreas especificas e críticas do comercio global de resíduos, mas considerando o objetivo primordial de fortalecer a luta contra a crise planetária pelos desperdícios e a poluição.
Bibliografía:
BROOKS, A.; WRANG, S.; JAMBECK, J. (2018). The Chinese import ban and its impact on global plastic waste trade. Science Advance. Disponível em: https://advances.sciencemag.org/content/advances/4/6/eaat0131.full.pdf
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Palabras clave:
convenções globais, mercado, resíduos